quarta-feira, 19 de junho de 2013

Capítulo 14 - Quando for tarde demais...

Acabou… simplesmente. Foi nesta certeza que me fui tentando mentalizar, a cada todos os dias, depois do último confronto com Ruben.
Tinha forças suficientes capazes de me fazerem aguentar o dia, capazes de me fazerem enfrentá-lo e seguir com a minha vida da melhor maneira que conseguia, mas com a chegada da noite vinha também aquela solidão, o meu mundo agora reduzido somente a mim, desmoronava e tudo parecia estar errado. As saudades que sentia dele eram mais fortes do que tudo e acabavam, de uma maneira ou de outra, por vir rebentar em meu peito e então eu chorava, chorava muito horas a fio até o cansaço e exaustão me vencerem por completo e levarem consigo, e apenas por alguns momentos, todo o meu pesar. E para ocupar minimamente esse vazio que ele tinha deixado na minha vida inteirei-me da minha agenda apertada para aquele Verão e entreguei-me unicamente ao trabalho… Era para ele que vivia e foi por ele que marquei presença num lugar e noutro do país antecipando a minha jornada a algumas cidades da Europa.
Mas foi difícil, não vou mentir… Foi difícil para mim aceitar aquela nova realidade, pois em parte fora por minha culpa – porque alguém tinha de ter culpa – de que a minha relação com Ruben tenha chegado a este fim, mas agora era já tarde demais para voltar atrás e escrever um novo começo.

- Bom dia, avó linda! – saudei com um sorriso nos lábios ao atravessar as portas da sala de estar para me juntar a ela na primeira refeição do dia

- Bom dia, meu amor! – despoletei-lhe um beijo carinhoso no topo da cabeça ao cruzar a cabeceira da mesa e puxei uma cadeira para também me sentar e tomar o pequeno-almoço – Já de pé? Contava que ainda ficasses a dormir mais umas horinhas… Dei conta de ontem teres chegado tarde…

- Pois mas já não tinha muito sono, e para além disso ainda tenho de ir tratar de alguns assuntos antes do voo desta tarde. – argumentei, relembrando sucintamente os meus planos traçados para aquela manhã, agora que a poeira parecia ter assentado minimamente, e estendi um guardanapo de pano sob o meu colo

- Ainda ontem chegaste do Porto e hoje já estás pronta para ir para Madrid… Dessa maneira vais ficar esgotada num instante, filha! – relembrou num relance os últimos dias que eu tinha vivido agitadamente, e que só por isso agradecia a Deus por tal me manter ocupada o suficiente para não me isolar no meu canto… algo que infelizmente eu ainda tendia a fazer

- É o meu trabalho, avó, e até ao final do Verão vai ser assim. – disse solenemente, e do centro da mesa alcancei a caixa de cereais de frutos vermelhos que iria adicionar à minha taça alagada com uma pródiga camada de iogurte natural caseiro, para uma nutrição rica em fibras – Mas com o começo da faculdade prometo abrandar o ritmo, pelo menos já não vou andar a correr de um lado para o outro!

- Tu vê lá, Joana! Não andas a dormir nada de jeito e já nem te vejo a alimentar em condições…

- Não se preocupe, avó, eu sei tomar conta de mim… Já não sou nenhuma bebé! – evidenciei com um sorriso no rosto e levemente passei os dedos nas costas da sua mão que ela mantinha sobreposta à mesa, de maneira a tranquilizar aquela sua preocupação natural de segunda mãe – Então e o avô? Já saiu? – inquiri ao notar a ausência da figura imponente e masculina daquela casa, que se bem conhecia já teria ido tomar domínio do negócio da família

- Já, já saiu… Até parece que não sabes como é o teu avô… Gosta de ser sempre o primeiro a entrar e o último a sair daquele hotel!

- Ele é que não abranda o ritmo nem por nada, não sei onde é que vai buscar tanta energia!

- Nem eu sei, minha filha, nem eu sei… - aquela sua interjeição a que eu tinha dado início, fizeram rebentar em nós suaves e breves gargalhadas… das primeiras que eu dava em dias

- É verdade, avó, há uma coisa que tenho andado para lhe dizer… Queria ter falado consigo há mais tempo mas como ainda não tinha tido oportunidade, e visto que estamos a ter agora este tempinho…

- Claro, minha filha, diz… - ela deu um curto trago do seu café fumegante e preparou-se inteiramente para me ouvir

- Lembra-se de eu lhe eu ter dito quando vim aqui para casa, que esta era uma situação temporária, que logo que conseguisse voltar a instalar-me em Lisboa e resolver algumas burocracias, ia viver por minha conta… Lembra-se disso, não lembra, avó?

- Sim, lembro… Mas porquê, estás a pensar em mudar-te? Sabes que podes ficar aqui o tempo que quiseres e precisares, sempre te disse isso e a minha intenção mantém-se desde então! – proferiu afavelmente, assegurando-me do porto de abrigo que eu sempre iria ter

- Eu sei, avó, mas sinto que já é altura de dar este passo! Já assentei, as coisas estão calmas, a minha vida está estável… - enunciei niveladamente, mas referindo-me apenas – omitindo portanto à minha avó – ao lado financeiro e profissional da minha vida, já que o meu lado sentimental estava resumido a destroços – Penso que assim que voltar de Londres esteja em condições para começar logo com a mudança!

- Vejo que estás decidida e já tens tudo pensado… – ela mostrou-se um sorriso triste, talvez por, em meses desde que cheguei, ter de me deixar voar para fora do seu ninho – Mas e já sabes para onde vais? Vais arrendar um apartamento?

- Hum, hum, não… Nada disso! – neguei rapidamente, pois os meus projectos eram outros – Estive a pensar e vou voltar para a casa onde sempre vivi… Vou voltar para a casa dos meus pais!

Da maneira como olhou para mim deu-me a entender claramente que ficara surpreendida com a tomada da minha decisão, não seria de esperar que eu estivesse disposta a voltar à casa que me viu crescer… Não depois de todas as recordações que esta guardava e, talvez, mantinha ainda vivas.

- Tens a certeza que é isso que queres fazer…? Ficar naquela casa?

- Claro, claro que tenho! Foi lá que eu cresci, é lá que eu tenho as minhas raízes… Não faz sentido deixar a casa ao abandono só porque os tempos mudaram e as circunstâncias agora são outras… As últimas lembranças que eu tenho dela podem não ser as melhores, mas fui muito feliz lá e quero tentar recuperar isso!

- Se a tua vontade é essa, então a casa é tua! O teu pai nunca mais lá entrou desde que se foi embora e inclusive já falou com o teu avô em querer vendê-la, mas visto que queres lá ficar…

- Quero, avó, é lá que eu quero ficar! – gracejei, anuindo qualquer outra hipótese em instalar-me num outro lugar que não aquele

- Pronto então! – aquela sua interjeição foi o encerrar de um assunto que não voltaria a ser contestado – A casa continua em óptimas condições, de vez em quando a Maria tem ido até lá para não estar muito tempo fechada e dar um jeitinho… Lavar o chão, limpar o pó, abrir as janelas para arejar um pouco… Quanto a arrumações não tens de te preocupar!

- Pronto, mas talvez dê um jeito na decoração… Mudar algumas coisas!

- Isso já é contigo, faz como achares melhor… – ela sorriu-me carinhosamente e eu retribuí o mesmo sorriso de volta

- Bem… É melhor então eu ir andando, que ainda tenho umas coisas para fazer e está a fazer-se tarde! – olhei rapidamente o meu relógio de pulso e verificando o ligeiro aperto das horas, acabei de beber apressadamente os restantes três goles do meu sumo e depois de limpar os lábios ao guardanapo, levantei-me e voltei a recostar a cadeira à mesa

- Senta-te mais um pouco, Joana… Termina pelo menos o teu pequeno-almoço antes de ires… Mal tocaste na comida, filha! – uma vez mais a sua carga de responsabilidade que tinha sobre mim alterou-a com a luzinha vermelha da minha saúde e bem-estar, e isso reflectiu-se no seu pedido, que eu indubitavelmente não dei relevância

- Até logo, avozinha! – dei-lhe um beijinho na bochecha, que eu esperei vir a ser a melhor recompensa pela minha desobediência à sua vontade, e quando alcancei a minha mala que tinha deixado pousada sob o pequeno móvel, saí direccionada até ao meu carro, que me iria levar numa viagem de pouco mais de uma hora




***  



Encorajei-me com um suspiro depois de trancar as portas do jeep e começar a caminhar, pois sabia quer iria precisar de ter calma e um pouco de fôlego para o momento que se seguia e o qual eu própria decidiria enfrentar, movida não por obrigação mas por precisar de fazê-lo, pois só assim iria conseguir aliviar o peso dos meus ombros e o transtorno da minha alma, para ter um pouco mais de paz.

- Joana… - a figura, para mim muito saudosa, da mãe de Ruben, prostrou-se passivamente na minha frente quando veio abrir a porta da sua casa e, inesperadamente, me encontrou a mim no lugar de uma visita não aguardada

- Olá, Dona Anabela! – saudei simplesmente, sem saber o que melhor poderia dizer

- Oh minha filha! – os seus olhos brilharam quando tiveram a certeza absoluta que era eu, e não demorou nada até aos nossos corpos se abraçarem, extravasando o sentimento quase maternal de que partilhávamos

Confesso que me surpreendeu aquela hospitalidade e carinho, pois cheguei até a recear a sua atitude quando me visse, por algo que o Ruben lhe pudesse ter dito no que respeita o fim da nossa relação, e o quanto ela poderia ter tomado partido contra mim. Mas isso, ao contrário do que eu vinha preparada para contar, não aconteceu… A mãe de Ruben ladeava-me num abraço aconchegante, sem qualquer antipatia, certamente feliz por eu estar ali. 

- Como estás? Não imaginas como fico contente de te ver… – as suas mãos delicadas consolaram o meu rosto e naturalmente os meus olhos rasaram em lágrimas, que por muita força de vontade não eu não deixei que se precipitassem

- Vim vê-la, falar consigo… Tinha que vir!

- Então vem, minha filha, entra… - ela tomou rapidamente controlo da situação e abrindo espaço junto à ombreira da porta, deu-me carta branca para ingressar na sua casa

- Com licença… - pedi num aceno cordial, não absolvendo da boa educação e num simples e instintivo gesto mirei toda a sala de estar e as restantes divisões que se anexavam em meu redor, deslindando o que a minha memória me levara a esquecer nos três anos que se passaram

- Bela, eu tenho de ir… Já está quase na hora da minha aula! – de repente surgiu uma voz, uma voz feminina que não me era totalmente indiferente e que cheguei mesmo a descodificar sem quaisquer dificuldades logo depois

- Paula? – detive-me por instantes quando o meu olhar pousou na zona dos sofás, que era então ocupada pelo espectro de alguém que me era muito bem conhecido

- Joana, és tu? – ela olhou-me num rompante misericordioso e inesperado, de quem não acreditava no que vi-a

- Oh Paulinha! – o meu coração amoleceu num sorriso de emoção, por ao fim de tanto tempo voltar a encontrar a guarida de uma amiga com quem perdera contacto desde a minha partida – a namorada de Mauro 

- Oh, és mesmo tu! – fui eu que tomei iniciativa e lancei-me calmamente até ela em alguns pares de passos para a abraçar – Meu Deus, há quanto tempo!

- É verdade, Paulinha… Há quanto tempo, que saudades! – partilhámos dois beijinhos na face e depois predispusemo-nos à mirada uma da outra, para que nos pudéssemos observar mutuamente

- Mudaste tanto… Estás cada vez mais bonita! – a sua mão palmeou suavemente a minha face e um sorriso meigo foi compartilhado entre nós

- Se falarmos em mudanças temos que falar de ti! – ela gargalhou no segundo que descobriu ao que eu me referia e eu vi-me tentada a acompanha, ao olharmos as duas a sua barriga que tinha sofrido uma drástica alteração – Está linda, nunca pensei que já estivesse tão grande…

- Nunca pensaste? – talvez a minha escolha de palavras não tivesse sido a melhor e por isso ela tenha ficado ligeiramente confusa

- Sim… O… - fui apanhada no meu próprio deslize e arrependi-me no mesmo instante em que o suscitei, mas não tinha como emendá-lo – … O Ruben já me tinha falado da tua gravidez… - lembro-me perfeitamente de ele ter mencionado mais que uma vez na da gravidez da cunhada, em São Francisco, referindo-se também ao bebé que estava para nascer – e o motivo o qual me fizera mostrar um sorriso triste – como “o nosso sobrinho”

- O Ruben contou-te… - se tentou disfarçar, não conseguiu, pois eu vi bem o olhar de pena que ela trocou com a Dona Anabela, mas que eu parti do início em não dar muita importância… a última coisa que queria é que tivessem pena de mim

- Fico muito feliz por vocês, espero que venha perfeitinho e com muita saúde! – senti-me tentada a tocar na barriguinha dela que anunciava claramente as últimas semanas da gestação, mas contive-me, não queria causar nenhum constrangimento a mim e muito menos a ela

- Há-de vir, se Deus quiser! Vai ser recebido com todo o amor do mundo.

- Tenho a certeza que sim… E Deus há-de querer, Paulinha. – disse-lhe com tanta sinceridade quanto lhe desejava o melhor, para aquela que deve ser a fase mais bela e incrivelmente especial na vida de qualquer mulher… a maternidade

- Bem, vocês devem querer conversar e eu também tenho de ir… Bela, obrigada pelo pequeno-almoço e pela companhia, eu telefone-lhe depois, está bem?

- Paula, se é por minha causa não tens de ir já… Eu posso voltar noutra altura!

- Não, não é nada disso… - ela apressou-se a negar a minha infundada suposição, tranquilizando-me com um sorriso ameno e prosseguiu com um explicação que contudo, eu não pedi – Mais daqui a pouco tenho uma aula de preparação para o parto e não me quero atrasar!

- Logo à noite estou a contar contigo e com o Mauro para o jantar… - proferiu a Dona Anabela, prezando sempre a aproximação e aconchego daqueles que amava

- Claro, pode contar connosco que estaremos cá! – ela consentiu num cordial aceno com a cabeça para logo depois voltar a dirigir-se a mim, antecipando uma despedida – Gostei muito de te ver, Joana! Entretanto se não nos voltarmos a encontrar antes do meu parto, encontramo-nos depois… Independentemente de tudo quero que conheças o Gabriel!

Gabriel… Iria chamar-se assim o mais aguardado membro do clã Amorim. 
Ela acariciou a sua barriga e sorriu-me num gesto luzente de gratidão. Quando nos voltámos abraçar, inconstantes de um reencontro incerto, senti os olhos da Dona Anabela pregoados a nós… Tal como eu e Paula, e se bem a conhecia, ela deveria estar também emocionada com aquele momento e com as resultantes circunstâncias que o compunham.
Elas caminharam até à porta, eu deixei-me permanecer e segui-as simplesmente com o olhar… Acenei a Paula uma última vez e esperei que a mãe de Ruben voltasse para junto de mim para ter-mos então uma conversa que estava destinada a acontecer, e a qual somente me poderia voltar a dar alguma paz de espírito.

- Então, Dona Anabela… Como é que está? – comecei logo por dizer assim que nos sentámos no sofá da sua sala, pois não pensara em iniciar um dialogo que não fosse daquela maneira

- Eu cá estou, minha filha… Uns dias melhor, outros nem por isso… É como Deus quer! - um sorriso abrasador e um olhar bondoso que eu sabia reconhecer nela, ameigaram a sua figura maternal e permitiu que os nossos laços afectivos voltassem a ser reconstruídos – Mas e tu? Eu quero saber de ti… Como é que tens andado, o que tens feito?

- Eu tenho andado cheia de trabalho, que felizmente não me tem faltado e vai dando para me manter ocupada… - isso era sem dúvida a grande vantagem que eu tirava da minha agenda preenchida, pois as horas lotadas que passava a fazer aquilo que mais gostava, eram o suficiente para manter a minha cabeça livre de pensamentos desalmados 

- Hum, mas isso é óptimo!

- É, é de facto! E a propósito disso tenho voo pela hora do almoço para Madrid, vou estar quinze diazinhos fora e por isso quis vir até aqui antes de ir…

- Fico um pouquinho mais contente, sabendo que te vais distraindo aqui e ali, e pelo sucesso profissional que estas a ter, mas como estás? Estás bem?

- Sim, estou… Não trago o maior sorriso do mundo na cara, como gostava, mas sim, estou bem. – aquela minha tristeza permanente não tinha um botão para desligar, como é óbvio, mas sempre que a situação o pedia eu esforçava-me por compor o melhor sorriso e disfarçar o meu lado mais atormentado… embora esse esforço nem sempre resultasse

- Ora, eu ando cá há mais tempo que tu, és quase como uma filha para mim e conheço-te melhor do que aquilo que tu pensas… Sabes que não precisas de me esconder nada, o Ruben não está aqui para nos ouvir…

O simples mas doloroso facto de ela ter assestado à tona da conversa o nome do filho, o nome do homem que eu amava, foi como se setas me tivessem sido lançadas aos joelhos e eu perdera assim as forças de sustento das minhas pernas, e dei graças silenciosamente por estar sentada naquele momento, porém a seta lançada ao meu coração, essa, não tinha remédio possível capaz de me libertar daquela dor que me causara.
Senti-me quebrar, dispersar do verdadeiro motivo que me levara ali e conseguir pensar apenas na ausência de Ruben e o quanto ela me consumia por dentro, me fragilizava e fazia vacilar a cada passo findado da longa caminhada da minha vida.

- Está a ser difícil seguir com a minha vida sem o Ruben, é verdade e não o nego, mas infelizmente não há mais nada que eu possa fazer quanto a isso…

- Talvez haja, baixar os braços e desistir é que não é a solução… - ela tentou acender um rastilho de esperança para o reatar da relação, mas ao que parecia esta já não tinha pólvora para arder

- Não fui eu que desisti, Dona Anabela… Fiz o que podia e mesmo assim não foi o suficiente.

- Ouve, Joana, eu não sei o que se passou para vocês chegarem ao fim do que em tão pouco tempo tinha recomeçado… O Ruben pensa que o deixaste e… - temi que ela começasse com um vale de injúrias em minha oposição, apesar de acreditar que não seria capaz de o fazer, mas mesmo assim sobrepus as minhas palavras às suas

- Eu sei, eu sei perfeitamente o que Ruben pensa e foi exactamente por isso que eu vim até aqui falar com a senhora… Eu não queria que ficasse apenas com uma versão da história e tirasse uma ideia errada de mim e do que aconteceu para eu ter estado tantos dias sem dar quaisquer notícias, principalmente sem ter dito nada ao Ruben…

- Eu não preciso que me digas nada, que me dês justificações do que aconteceu, até porque isso é um assunto que só a vós diz respeito, mas basta-me olhar para ti para saber que não farias isso ao meu filho… Os teus olhos não te deixam mentir!

- Parece que os meus olhos ao Ruben já não dizem nada… - indaguei num murmúrio desfalecido, a sua mão delicada voltou a conhecer a pele do meu rosto, e pela primeira vez senti os seus dedos despenderem sobre a minha face as lágrimas que silenciosamente tomaram vantagem de mim

- Tu sabes como ele é, minha filha… Ele teve medo de ficar sem ti outra vez, pensava que te tinha perdido tal como há três anos… - antes que aquela conversa começasse a tomar caminhos acidentados pela aquela sua última interjeição, que ela terá feito com certeza sem a intenção de me ferir, procurei esclarecer de imediato as actuais circunstâncias, que em nada se assemelhavam às ocorridas no passado

- Eu só o deixei nessa altura porque fui forçada a fazê-lo e a Dona Anabela sabe isso! Por vontade própria nunca o faria, e muito menos agora! – relembrei sucintamente e deixei-me choramingar, contrapondo a exaltação que seria suposto eu entrever pelo desalento que me magoava

- Porque é que vocês não tentam de novo? Porque é que não conversam outra vez, agora que os ânimos já estão mais calmos…

- Não, Dona Anabela… Ele não está disposto a ouvir-me e sinceramente eu não estou disposta a voltar a rebaixar-me para ele. Por muito que me custe dizê-lo, acho que agora já é um bocadinho tarde… para nós.

- No que toca ao amor, nunca é tarde demais para lutar e ser-se feliz…

- O Ruben não confia mais em mim, foi ele mesmo que mo disse, e quando não há confiança no amor, então eu não sei de que serve lutar… - a minha voz tremeu de retaliação por ter sido obrigada a proferir as palavras que o meu coração entristecia sentir

- Custa-me tanto ver-vos assim, ainda para mais sabendo que gostam um do outro, que se amam… Não mereciam estar a passar por tudo isto, quando já tiveram que passar por tanto… Ficaram tanto tempo longe um do outro para agora, depois de conseguirem colocar o passado de parte, voltarem a seguir caminhos diferentes…

- Se o passado nos fez seguir caminhos diferentes, talvez não devêssemos ter voltado a juntá-los. – talvez aquele, no meio de toda a história, fosse o facto mais verdadeiro que eu primeiro não quis ver mas que por si só se tinha tornado bastante evidente

- Quem me dera ter as palavras certas para te dizer, meu amor, mas não tenho… - sob o seu colo as suas mãos acolheram a minha como um sinal de lamento, guarnecido de um ar pesaroso o qual o olhar de Dona Anabela ilustrou na perfeição 

- Agora… Bem, agora resta-me erguer a cabeça e seguir enfrente, esquecer tudo o que me faz mal…

- Com isso queres dizer que vais esquecer o Ruben? – a mãe dele olhou-me de um jeito e de uma maneira que só ela sabia, como se me lê-se, como se visse o meu verdadeiro interior e nele tudo o que de mais secreto guardava… podia adivinhar ela querer ouvir de mim uma segura negação, contudo eu não poderia mentir a mim mesma

- Para seguir com a minha vida não posso estar presa a ele, à memória dele, isso mais tarde ou mais cedo acabaria por me deitar ainda mais abaixo, acabaria por me arrasar… Tenho de pelo menos tentar esquecê-lo e recordar apenas que ele já foi o melhor de mim.

- Tens a certeza que é isso que queres fazer? – a minha resposta seria irremissível e não tardou a chegar 

- Não, não é isto que quero fazer, mas tenho alternativa?

A pergunta imposta por mim ficou interminavelmente suspensa entre nós, aguardando uma réplica que até ao final daquele nosso encontrou nunca chegara a ser dada, por muita pena não somente minha.
Por entre as lágrimas que ainda me banhavam o rosto mergulhando-o em profunda apatia, libertei um sorriso triste ao voltar olhá-la, o sorriso mais triste que tinha e encolhi levemente os meus ombros… assoberbados pela dor de uma perda que não tinha reparação possível.



***



- ¿Usted va a querer algo? – ouvi a hospedeira de bordo perguntar, numa simpatia e disponibilidade que por vezes chegavam a tocar os extremos da etiqueta que lhe era exigida pela companhia

Não lhe respondi no instante em que ela me dera oportunidade para falar e deixei que fosse Pedro e o meu segurança Alexandre, a fazê-lo primeiro.
Permaneci sossegada no meu canto a enxergar pela pequena janela do meu lado esquerdo, o crepúsculo da noite que assentara há somente umas horas. Passara os últimos cerca de dez dias em Madrid e agora, sobrevoando mais uma vez os céus, preparava-me para conhecer as Terras de sua Majestade e abraçar pela primeira vez a incomparável e encantadora cidade de Londres, e queimar assim a última fornada da semana de trabalho que me esperava.
Já estava mais calma, ainda que pouco, o tempo ajudara-me não a curar as feridas – pois tão cedo essas não iriam cicatrizar –, mas ajudaram-me porém a saber lidar com a dor que estas me proporcionavam sempre que os meus dedos não receavam em calcá-las, ao relembrar-me do que não devia. Como tal também já não chorava a toda a hora quando me deixava ir abaixo e perdia a vontade de tudo, e foi por muito apoio do Pedro e de todas as pessoas fantásticas que conheci nos dias passados, que aprendi a reconstruir um sorriso lindo e confiante na cara e encarar cada dia como se fosse o último.

- Joana, a senhora está a perguntar se queres alguma coisa…? – a mão do meu melhor amigo e agente tocou a minha perna ao chamar-me com insistência pela aquela que já era a segunda vez, de maneira a recolher a minha atenção que naquele momento estava em todo o lado menos ali – Joana!

- Hum? Ah… Não… No, yo no quero nada, gracias. – acordei em fim daquele transe sinóptico e interceptei a hospedeira loira de lábios pintados de um vermelho exagerado, e mostrei-lhe um sorriso que forcei apenas pela minha educação

- Voy entonces traer sus peticiones. – proferiu num tom agradável de voz, dirigindo-se aos rapazes e com um sorriso cortês voltou a deixar-nos – Com su licencia…

- E tu, oh chocinha… Não dizes nada? – Pedro meteu-se comigo, num timbre e atitude proeminente em me ver mais animada do que eu estava – Desde que entrámos no avião que não abres a boca…

- O que queres que eu diga? – perquiri com um sorriso que tinha tanto de recatado como de desafiador

- Tu é que sabes… Mas pensava que te iria ver mais entusiasmada, afinal sempre quiseste conhecer Londres! – ele tinha razão, viajar até à capital do Reino Unido sempre fora um dos objectivos que planeava concretizar e o que noutra altura me deixaria radiante, agora pouco me importava

- Mas eu estou entusiasmada…

- Hum, hum… Vê-se! Por dentro estás a rebentar de alegria e só não te pões a saltar em cima do banco de tanto entusiasmo, porque não seria esteticamente correcto fazê-lo! – ele ironizou cada palavrinha e mesmo que tivesse lutado contra isso não consegui deixar de soltar duas breves gargalhadas que eclodiram em meu peito pelo seu jeito engraçado e espontâneo de ser

Recompus-me no meu cantinho do banco e encostei a cabeça ao ombro de Pedro, fechando os olhos em seguida para tentar descansar na escassa hora que restava antes de voltar a pisar terra firme. Um arrepio aconchegante percorreu-me a espinha expandindo-se por cada membro quando senti os seus lábios cuidadosos despoletarem no topo da minha cabeça, a doçura e tranquilidade de um beijo, que me permitiu relaxar no mesmo segundo sem mais hesitações.

- Tens de ser forte e ultrapassar isso, pequena… - proferiu com a voz dissipada num sussurro que apenas eu pude ouvir, e que foi soprado até ao interior do meu ainda fragilizado coração

- Eu sei… - ciciei no mesmo tom, sabendo perfeitamente ao que ele se referia e o motivo o qual ainda mexia muito comigo, na verdade mais daquilo que devia e eu queria – Mas é tão difícil…

Era difícil de facto, depois de tudo ter de colocar uma pedra sobre o assunto e esquecer, contudo vivera os meus últimos dias e iria continuar a viver demovida por uma certeza eminente que eu mesma criara e a qual não iria quebrar: seguir com a minha vida em frente sem olhar para trás…  




Olá, meninas! :)
Aqui fica mais um capítulo da história!
Espero que gostem e deixem-me os vossos comentários, eles são um incentivo e uma motivação enorme para a continuação da escrita.

Beijinhos,
Joana :)



6 comentários:

  1. Aiiiiiiiiiiiiii tadinha da Joana :/ que grande camelo me saiu o Ruben lool

    Vá quero o próximo :P

    Adoro!!!!

    Bjs

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  2. Fantastico quero o proximo.bjs

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  3. Oh my god... quero mais!!!
    Adoro!!!
    Beijo

    Adriana

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  4. Eu juro que se apanhasse o Rúben dava-lhe um valente par de estalos, porque é mesmo o que ele tá a merecer. Quando ele quiser ouvir a verdade vai-se arrepender tanto de ter sido uma autêntica besta, porque não há outro nome para lhe chamar.
    A Joaninha tá magoada, tá em cacos, e vai ser difícil juntar esses cacos todos, só uma pessoa a pode ajudar, mas essa pessoa não quer porque é casmurro e teimoso como um burro. Acho que já chega de ofender o rapaz, opah! mas ele merece, é mais forte do que eu.
    Gostei da atitude da Joana em ter ido falar com a Bela, ela conhece o filho que tem, deu-lhe bons conselhos, mas não é fácil todos dizerem que acreditam nela depois de ouvirem as razões que a levaram a não viajar com ele, e a pessoa que ela mais queria que acreditasse nem a quer ouvir, dói, é claro que dói, mas a Joaninha é forte e o parvalhão (pronto já tou outra vez a ofender o rapaz) do Ruben ainda vai abrir os olhinhos, só espero que não seja tarde.
    Eu quero muito o próximo, mas quero principalmente que eles se entendam , que tenham aqueles encontros imediatos a que tu já nos habituaste.
    Continua

    Beijocas

    Fernanda

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  5. Fantástico...

    Quero mais... Tou super curiosa para ver o próximo...

    Continua... Cada vez tá melhor....

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  6. Bem... nem sei o que dizer.
    Isto está a deixar-me crazy :p
    O Ruben continua a ser parvo, precisa de um abre olhos é o que é!!
    é que já irrita tanta casmurrice e teimosia, caramba.
    A Joana, tadinha, ta a sofrer tanto :(
    Resolve a vida destes dois... poe-os felizes :) :) vá lá!!


    Beijinhos
    Lisa

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