quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Capítulo 4 - O regresso (Parte I)




- Ainda nem acredito que te vais mesmo embora! – lamuriou Sara, sentada à berma da cama enquanto Joana acabava de preparar a mala

Era uma manhã de Maio, tinha feito precisamente meio ano na passada quinta-feira, que Débora havia falecido e agora, Joana, preparava-se para a longa e tão ponderada, viagem de regresso a casa.

- Por favor, não comeces agora a choramingar, que eu juro que volto a arrumar tudo no sítio e já não vou a lado nenhum! – fincou o pé no chão, exibindo uma postura rígida, que a acompanhava no pequeno teatrinho

- Não sejas parva! – tombou o tronco, indo ao encontro do colchão – Mas vai custar tanto habituar-me a isto, sem ti! – desabafou, fixando um ponto no tecto tingido de branco

- Não sejas tu parva! Estás cá há muito mais tempo que eu, vai ser canja desenrascares-te sem mim! – afirmou andando de um lado para o outro do quarto tirando e arrumando a roupa – E além disso, eu virei cá muitas vezes para matar saudades… - fechou a mala fazendo correr o fecho e sentando-se ao lado da amiga - … quando a faculdade me der uma pausa, eu prometo que te venho ver! – jurou-lhe numa voz meiga e equilibrada, embora tendo consciência que as saudades iriam ser bastantes  e isso magoava-a, impôs-se em conter as lágrimas, não se iria abaixo ali… enfrente dela

- Para que horas está marcado o teu voo?

- Para daqui a duas horas, mais coisa menos coisa… - declarou ao olhar o pequeno relógio, disposto sobre a mesinha de cabeceira

- Queres que chame um táxi, para te levar ao aeroporto? O meu carro ainda não saiu da oficina…

- Agradecia, amor! – sorriu-lhe em jeito de gratidão, presenteando-a posteriormente com um beijo carinhoso no topo da cabeça – Mas ainda tenho que me arranjar, primeiro! – proferiu já no corredor, indo na direcção da casa de banho

Depois tomar um duche calmo e relaxante, Joana vestiu uma roupa simples e fresquinha, tal como apelava a época do ano. Deixou secar os longos cabelos claros e encaracolados ao natural, prendendo apenas a franja com dois ganchinhos. Passou com lápis preto e rímel que lhe realçava os olhos azulados, espalhando depois um gloss sem cor, mas brilhante, nos lábios. Enfiou a pequena argola dourada no nariz, acabando por polvilhar o pescoço com o cheiroso perfume de baunilha que Will lhe tinha oferecido no seu último aniversário. Saiu da casa de banho e foi ao encontro de Sarah, que já se havia disponibilizado para pendurar as duas malas de roupa mais a pequena de mão, à porta principal. 










- Estás pronta? O taxista já lá está em baixo à tua espera! – informou-a com alguma tristeza comandar o seu olhar, por ver a amiga partir


- Sim, estou pronta! – afirmou num tom conformista, tanto estava pronta visionariamente, como pronta para abandonar a terra que a acolheu durante quase três longos anos

Desceram até à entrada do prédio, sempre com o silêncio a imperar todo o percurso e assim que se abeiraram do táxi, o taxista prontificou-se a ajudá-las com as malas em cortesia e cavalheirismo, colando-as no porta bagagens.

- Cuidas do Iokane? – perguntou-lhe com uma voz meiga, pronta para ser rasgada pelo choro sereno a qualquer momento

- Fica descansada, eu trato dele! – assegurou-a limpando rapidamente uma lágrima que tinha fugido do cantinho do olho – Prometes que vais dando notícias? - inquiriu deixando fugir uma respiração entrecortada que logo deu abertas a um choro soluçante

- Claro que sim! – assegurou-a rapidamente – Pede desculpas ao Will por não me ter despedido dele!

- Fica descansada… - indagou morosamente fixando outro ponto que não fosse o seu rosto, Joana sabia que ela não queria que se fosse embora, no entanto como melhor amiga, Sara respeitou a sua vontade

- Vem cá! – disse ela, puxando-a contra si – Pronto… - reconfortou-a nos seus braços, começando também a chorar – Eu prometo que venho fazer-te muitas visitinhas, sim? – o sem tom calmo, serviu para apaziguar o caraçãozinho de Sarah, que naquele momento encontrava-se de todas as formas, menos tranquilo

- Está bem! – consentiu com a cabeça, quebrando o abraço e enxugando o rosto pelas lágrimas humedecido

- Está na minha hora, Sara! – confirmou com o relógio de pulso, voltando a pousar o olhar sobre o dela

- Sim… vai lá! – clareou a voz, assumindo uma nova postura – Mas Joana… Não te metas em confusões, nem em sarilhos e por favor, tem juizinho!   

- Não te preocupes, eu sei muito bem tomar conta de mim, ‘tá?! – empinou o seu narizinho, muito dona da razão – Agora vai! Xô, xô! Não gosto destas despedidas enfadonhas e lamuriosas! – brincou dando-lhe um ligeiro empurrão provocado no ombro

Entrou no táxi e olhou a amiga uma última vez. “Eu vou voltar!” – prometeu-lhe apenas com o gesticular dos lábios, finalizando com um sorriso e um aceno de mão.

- To the airport, please!


***



Depois de fazer o check-in e de embarcar no avião, Joana acomodou-se nos confortáveis assentos. E foi depois de se actualizar das novas notícias de revistas portuguesas disponibilizadas no avião, ao som umas boas badaladas reproduzidas pelo seu ipod e da hospedeira lhe inquirir se desejava tomar algo, que adormeceu e só voltou a acordar quando aterrou nas terras Lusitanas.
Ao descer as indetermináveis escadas do transporte aéreo, respirou de imediato uma lufada de ar fresco, proporcionada pelo regresso a casa, regresso à cidade que a viu nascer: Lisboa. Tudo era característico a Portugal… o cheiro a terra molhada da noite anterior; os raios rutilantes do sol a fazerem as abertas por entre as fasquias da massa espessa das nuvens; a língua materna a ser prenunciada em burburinho de fundo por todos os recantos daquele aeroporto; a simpática; os sorrisos; os cheiros, os sons… tudo continuava exactamente igual, desde o momento em que descolara no primeiro avião para Nova Iorque… ia fazer três anos.      
Saiu rapidamente do aeroporto e procurou um táxi disponível. E assim que ajudou o senhor da casa dos setenta a arrumar as suas bagagens e de ser ter aconchegado nos bancos de trás, voltou a baixar os óculos de sol, preparando-se para uma viagem de sensivelmente meia hora.

- É para esta morada, por favor! – estendei-lhe o braço com a mão segurar um papelinho, para que o Senhor o toma-se 

Tinha-lhe dado a morada da casa dos avós paternos, naquele momento era esse o único refúgio onde se podia e queria instalar. Não avisara absolutamente ninguém da sua chegada, isso incluía família e claro, os velhos amigos com quem nunca perdera o contacto. A viagem foi toda ela feita em silêncio, com Joana a observar minuciosamente toda a paisagem que a rodeava pela janela do carro, a passar por ela a km/h. Tudo respirava a Lisboa, tudo! Sentia-se feliz por estar de novo no lugar a que pertencia, mas que já não conseguia considerar mais como sendo seu. Logo às primeiras dificuldades foi obrigada a abandona-lo, a esquece-lo, sem pedir quaisquer justificações, abandonou-o e pronto. Agora não passava apenas de uma “clandestina” que iria começar a vida do zero, naquela cidade que mesmo sem desconfiar, iria saborear o doce sabor dos melhores e repugnar-se com os piores momentos da sua vida que se asseguravam prestes. Os próximos tempos adivinhavam-se passados numa mórbida viagem nos declives de uma verdadeira montanha russa… mas disso, Joana nem por sombras conseguiria imaginar.
O táxi parou mesmo em frente ao portão da enorme mansão dos Freitas de Andrade, e imediatamente um arrepio electrificante lhe percorreu todo o corpo, provocando-lhe um ligeiro tremelicar por estar de novo naquele local. Entrou, circundando toda a gigantesca rotunda, centrada por uma fonte altiva e magistral, acabando por pousar as malas junto à porta principal. Depois de ter tocado à campainha das antigas, foi uma questão de segundos até lhe virem abrir a porta dupla, elaborada a madeira de carvalho vermelho, brilhante pelo verniz… como fora desde sempre.

- Leonardo! – gritou num berro estridente assim que viu o semblante tão familiar daquele homem de meia idade que Joana tanto prezava

Atirou-se de imediato para os braços dele, euforicamente feliz por voltar a vê-lo. Leonardo era o mordomo da casa há mais de vinte anos, que conviveu com Joana desde o seu nascimento até à altura… ela era a sua menina. Um óptimo conselheiro e bom companheiro das horas vagas, chegaram a dar longos passeios nocturnos pelo vasto jardim. Sempre portador de uma sabedoria inigualável, pela sua conceituada experiencia de vida, Joana poderia considera-lo como o seu melhor amigo mais velho. Leonardo sabia de todos os segredos da vida dela, todas as curiosidades, todos os medos, conquistas, todas as relações amorosas que um dia a magoaram amargamente e era no ombro amigo dele, que ela chorava horas, pelos pretéritos que a atormentavam. Era homem de bons conceitos e sobretudo de bom carácter, Leonardo envergava sempre um fato preto perfeitamente engomado e uma fina gravata da mesma cor, com o cabelo penteado exibindo uma polpa robusta e grisalha, e para além do seu cargo de duas décadas, era também homem de família, mas que por escolha própria, juntamente com a da esposa, optou por não ter herdeiros.

- Menina Joana… há quanto tempo! – disse ele, sempre no seu tom terno e jovial, ainda a rodeá-la com os braços

- Meu querido Leonardo, fico tão feliz por te ver… Finalmente! – proferiu de olhos fechados e de queixo pousado no enchumaço de ombro do casaco dele.

- Está tão crescida e tão… tão bonita! – fê-la rodar sobre o seu próprio eixo para a poder vislumbrar melhor, sempre segurando-a delicadamente por uma mão

- E tu continuas na mesma! Charmoso e elegante! - recompôs-lhe a gravata  golada, não que estivesse desenvencilhada, mas era um hábito que Joana adquirira desde criança – Os meus avós, estão? – inquiriu-lhe observando todo o esplendor da casa, digna de um artefacto de museu… na esperança de encontrar os seus parentes mais próximos

- O Senhor seu avô não está, foi ontem numa viagem de negócios lá para os lados de São Francisco, tratar de qualquer coisa dos hotéis com o seu pai, e só deve chegar lá para o dia de amanhã! E a Senhora sua avó está na biblioteca… Penso que esteja a escrever o seu último livro! – revelou-me em jeito cordial fazendo um pequeno trejeito entusiástico com o olhar

- A minha avó está a escrever mais um livro? – a voz dela trespassou surpresa mas acima de tudo felicidade, por ver que a sua avó estava a investir de novo naquilo que fazia melhor: escrever

- Está pois! – consentiu ritmadamente com a cabeça – Já lá vai para dois meses, que começou!

- Mas isso é óptimo! – bateu as palmas das mãos uma na outra duas vezes rápidas, demonstrando assim o seu contentamento pela boa nova – E achas que se for lá a ter com ela, a posso incomodar? - inquiriu agora, arqueando a sobrancelha num arco perfeito, de modo inquisidor e vocacionando receio

- Ora, essa! – abafou umas leves gargalhadas olhando-a nos olhos – Não vai incomodar absolutamente nada! A sua avó está cheia de saudades da menina, vai ficar felicíssima por vê-la… garanto-lhe! – assegurou-a com um sorriso ténue acentuar-lhe os lábios

- Então eu vou lá! – deu-lhe um beijo grato na bochecha e dirigiu-se a passadas largas até à biblioteca

- Menina? – voltou a invocá-la, fazendo-a parar e olhar para trás

- Sim, Leonardo?

- O que faço com as suas malas, que estão aqui fora?

- Trá-las para dentro e já vemos o que fazemos com elas! – esboçou-lhe um leve sorriso e retomou o seu percurso

Deu dois toques ligeiros na porta coberta por vidros cubados e como não ouviu nenhuma permissão de entrada provinda do outro lado, rodou a maçaneta e espreitou, pondo a cabeça no lado de dentro. O seu olhar fitou-a de imediato, debruçada sobre a secretária, a rasgar a tinta da esferográfica sobre o papel branco, na sua postura altiva de senhora não de uma idade muito a avançada, pois quem não conhecesse os seus bem constituídos sessenta e quatro anos, ninguém diria que era portadora dessa idade… apenas as rugas de sabedoria vincadas na testa e no pescoço, eram capazes de a denunciar. 

- Avó, dá-me licença? – invocou quase imperceptivelmente, com uma voz educada, mas foi o suficiente para que Sofia desse pela presença anatómica da neta

- Joana? – retirou os óculos que até à altura permaneciam encaixados na ponta do nariz, e ergueu-se do cadeirão, ainda abismada com a figura de mulher que estava perante os seus olhos – Joana, filha! – apressou-se a abrir os braços e a correr na direcção dela, para a receber no aconchego de seu abraço

- Avó! – de olhos já esbugalhados foi ao encontro da sua segunda mãe, aconchegando-se de imediato no abraço oferecido e foi assim que sentiu a fragrância inebriante daquela essência que já tão bem conhecia, que os seus olhos brotaram lágrimas de felicidade, assim como o seu pequeno coração que se soltou rapidamente das amarras a que se tinha submetido nos últimos tempos, longe dos que mais amava

- Senti tantas saudades tuas, minha querida! – proferiu ternurosamente ainda no calor do abraço

- Eu também tive muitas saudades suas… Muitas mesmo! – afastou-se ligeiramente tentando acalmar os soluços instaurados pelo choro

- Não me disseste que vinhas... Mandava alguém ir buscar-te ao aeroporto! – sentou-se na cadeira num canto da biblioteca e mandou Joana sentar-se na cadeira da frente, com uma pequena mesinha centrada entre as duas

- Pois, de facto não disse. Desculpe ter aparecido assim de surpresa, avó! – censurou-se colocando a mala sobre o seu colo

- Oh minha querida, foi a melhor surpresa que me poderias ter feito! – confortou-a abrindo os lábios num sorriso  apertando a sua mão na dela – E diz-me, vieste cá apenas de passagem para nos fazeres uma visitinha?

- Não avó, vim para ficar! – afirmou prontamente, muito segura das suas ideias e objectivos – Queria saber se não se importava que passasse aqui apenas esta noite, ainda não fui a casa… Nem sei em que preparos a irei encontrar!

- Ora Joana, isso nem se pergunta! Podes cá ficar as noites que quiseres, não tenhas pressa de te ires embora! – pausou brevemente, enquanto denotava todo o corpo da neta – Estás cada vez mais bonita… uma mulher! – um sorriso orgulhoso abundou nos seus lábios – Queres que mande a Rosa preparar alguma coisa para comeres? Deves estar cheia de fome, depois da viagem…

- Deixe estar, eu comi no avião! Na verdade ainda tenho algumas coisas para fazer antes de me instalar…

- Que coisas, querida? Se é que posso saber, claro! – perguntou-lhe com meiguice cruzando as pernas

- Preciso de ver o meu padrinho, matar as saudades e ir buscar a minha mota, que deixei em casa dele quando me fui embora! Por acaso não sabe onde o posso encontrar a estas horas?

- Bem, o Rui agora deve andar para os lados do Seixal… Muito provavelmente no treino do Benfica! Se lá fores podes encontrá-lo, com toda a certeza! – as garantias eram certeiras, pois Sofia tinha falado com o padrinho de Joana, naquela manhã

- Então é melhor lá ir agora, antes que se vá embora! – ergueu-se da cadeira, colando a mala ao ombro

- Espera, vou mandar preparar o carro! – disse-lhe erguendo-se também, para logo de seguida chamar o mordomo

- Leonardo, faz-me o favor de dizeres ao Zeca para preparar o carro, que a minha neta vai sair! – pediu-lhe ela, sempre muito educada

- Sim, minha senhora, digo já! Com licença! – consentiu com a cabeça, retirando-se de imediato

- Avó, então? Eu podia muito bem chamar um táxi… Não era preciso dizer ao motorista!

- Para que é que vais gastar dinheiro num táxi, se o Zeca pode fazer o favorzinho de te ir lá pôr! Era totalmente desnecessário, minha filha! – foi persuasiva nas palavras, sem deixar espaço para Joana ripostar

- Então eu vou andando, voltou mais logo, avó! – deu-lhe um carinhoso beijo na testa, saindo da biblioteca e da mansão posteriormente, rumo ao Seixal     

Quando entrou no Caixa, arrependeu-se no mesmo instante. Aquele sítio trazia-lhe muitas recordações, boas, é verdade… mas que não passavam de recordações, enterradas algures num pretérito.
Infelizmente, e para grande azar o seu, o treino já tinha acabado, mas esse facto contudo, não foi impedimento para procurar o Rui. Tinha que admitir, os anos que não pôs ali os pés, corroeram-lhe a memória, e os caminhos haviam sido completamente esquecidos… Nem portas de saída encontrava. E sim, depois de ter andado alguns minutos às voltas, podia admitir estar aflitivamente perdida naquele recinto.

- Olhe, desculpe, desculpe! – apressou-se a correr na direcção de um homem, assim que o avistou ao fundo do corredor, deixando que o barulho ritmado dos saltos a colidir contra a pavimento, ecoasse por todos os recantos

- Diga! – virou-se para ela, e fê-la dar um pequeno grito em surdina, por ver a “torre bem encorpada” que era aquele homem

“Provavelmente um dos seguranças!” – equacionou mentalmente ao vislumbrar o aspecto rígido e durão que ele assimilava

- Sabe-me dizer onde posso encontrar o Dirigente Desportivo… Rui Costa? – mordiscou o lábio inferior, enquanto enlaçava e desenlaçava os dedos das mãos, num estado de nervosismo e ansiedade notório

- Desculpe, mas o Dr. Rui Costa neste momento não está disponível para dar quaisquer entrevistas! - disse numa só respiração perscrutando Joana com desdém, de cima a baixo

- Vai-me desculpar estar a desmenti-lo, mas olhe bem pra mim… Olhe e diga-me! – arregalou-lhe os olhos de maneira a intimidá-lo, o que foi uma total perda de tempo, visto que o homem nem deu sinais de vacilar – Você acha-me com cara de jornalista? – amarrou os braços diante do peito batendo com o pé direito no chão, de jeito irritante

- E não é? – torceu os lábios numa clara expressão duvidosa

- Claro que não sou, homem de Deus… Sou apenas a afilhada dele! – esclareceu-o assim que teve oportunidade – E agora, vai-me deixar falar com ele, ou não? – perguntou-lhe já ligeiramente aborrecida com tanto impedimento, todo o tempo que estava ali a desperdiçar, podia ser chave, para o perder e já não o ver nesse dia

- Sabe, eu não devia estar a fazer isto, mas se lhe perguntarem, não diga que fui eu que lhe dei estas indicações! – precaveu-a de imediato, antes que algo viesse a azedar para o seu lado – Está ali a ver aquele corredor ao fundo? – confidenciou-lhe em tom de segredo, apontando para o corredor com indicador a formar uma linha recta no ar, Joana apenas afirmou com a cabeça – Atravesse-o e vá sempre em frente, depois vai encontrar outro e aí vira à direita, sobe as escadas, vira novamente à direita e na segunda porta do lado esquerdo vai ver uma plaqueta que diz “Direcção” é aí que ele deve estar!

- Está bem, muito obrigada! E não se preocupe… - põe-se em biquinhos de pés para lhe segredar ao ouvido – Fica um segredo só nosso! – piscou-lhe o olho em sinal de promessa e seguiu o caminho indicado

Bem, não poderia considerar-se que “seguiu o caminho indicado”, visto que já andava novamente às voltas naquele espaço.
“Mas porque raio, tenho a sensação que já passei por aqui? Espera lá… pensa Joana, pensa!". Olhou em seu redor tentando descodificar o lugar onde estava completamente sozinha, de facto andava às voltas, sem tomar a direcção correcta "O homenzinho disse corredor esquerdo ou direito? Esquerdo ou direito?" Voltava a repetir mentalmente. "Epá, desisto! Ando aqui feita barata tonta e não encontro nenhuma porta a dizer 'Direcção' ”. Quedou-se por instantes no mesmo lugar e ao olhar de realce para o corredor do seu lado direito, encontrou alguém que supôs servir-lhe de bússola. "Finalmente que aparece uma alminha!”, divagou em pensamentos, indo na direcção daquela figura que permanecia voltada de costas e que aparentada visivelmente, pertencer a um homem.

Aproximou-se de mansinho e clareou a voz, antes de se prenunciar – Desculpe estar a incomodá-lo … - iniciou dando dois toquezinhos nas costas dele, com os dedos – Mas será que me podia ajudar a… hum... - não pôde dizer absolutamente mais nada, as palavras secaram-lhe na garganta assim que aquele rosto angelical foi ao encontro dos seus olhos

Por momentos Joana esqueceu-se quem era, esqueceu-se do que fora ali fazer e esqueceu-se de respirar. Agora o seu mundo era ali e girava em volta dele. As suas faces ruborizaram a vermelhidão da timidez, o seu coração começou a martelar forte no lado esquerdo do peito, ameaçando romper-se das artérias, rasgar-lhe a pele e fugir do seu corpo, a qualquer momento, e a sua cabeça latejava como se fosse vítima de uma bomba relógio, pronta para assinar a sua sentença de morte num abrir e fechar de olhos.
Era ele! O homem que mais temia voltar a ver, voltar a encontrar… estava ali mesmo, bem na sua frente! Aquele perfume delicioso e delirante que fazia a cabeça dela andar à roda… aqueles olhos grandes que nem objectivas e castanhos-avelã… aquele rosto de miúdo tingido pela barba de três dias, que havia feito cócegas na sua pele… aquele corpo ténue e esguio que desde sempre a fizera suspirar… aquela expressão de homem educado e simpático num misto de um puto traquinas e rebelde… e aqueles lábios, aqueles lábios carnudos e apelativos que um dia, outrora, haviam pertencido aos seus…  
  


P.S.: Às meninas que perguntaram, a música do blog é o tema "Need" de Hana Pestle! :)