Com os olhos rasos pelas
lágrimas que derramara durante a maior parte da viagem que fizera de volta a
Lisboa, e apesar de já ser tarde, conduzi até à casa das duas pessoas com quem
eu sabia poder partilhar um pouquinho da minha dor, de maneira a torná-la mais
leve e pequena. Estacionei o carro junto ao prédio, e fazendo uso do elevador
subi até ao andar debuxado na minha cabeça.
- Joana? – foi Adriana
que ao fim de alguns minutos de eu ter batido, me veio abrir a porta,
envergando uma camisa de dormir e um robe de cetim, fresco para a época verana
Não consegui conter mais
aquele sufoco e foi quando encontrei o olhar meigo de uma amiga que me joguei
nos braços dela, surpreendendo-a num aperto sofredor que eu implorei
interiormente para que se fosse embora e me deixa-se, mas infelizmente para
mim, ele era percistente demais para me deixar viver e respirar.
- Então, princesa…?
Então? – ela sentiu que eu não estava bem e como tal não renegou aquele abraço,
que também a mim me desarmou e me fez precipitar algumas lágrimas
- Desculpa, desculpa ter
vindo a estas horas e ainda por cima sem avisar, mas eu não sabia para onde
mais podia ir… - ainda num choramingar atabalhoado, perdoei-me rapidamente
quebrando o enlace dos nossos corpos e encarei-a pela primeira vez
- Fizeste bem em vir
aqui, claro… Sabes que eu nunca te fecharia a porta! – a sua mão delicada fez
uma pequena festa na minha face e eu senti-me verdadeiramente em porto seguro -
Mas anda, vamos entrar…
Sem me afrontar com qualquer
pergunta, ela acolheu-me no lar de David, que agora também era seu e o qual era
albergado por uma calmaria passiva, quase adormecida. Ela seguiu pelo pequeno
corredor e eu limitei-me a acompanhá-la até à sala de estar.
- Senta-te… Acho que
temos de conversar. – pela primeira vez desde que ali chegara notei-lhe alguma
retaliação na voz, o que de certa maneira me deixou ligeiramente desconfortável
- Adriana se é sobre… -
eu ia começar a falar mas ela anticipou-se às minhas explicações
- O que é que se passou,
Joana? É verdade que deixaste o Ruben? – Adriana foi rápida e directa na
procura de respostas mas por consequência as suas dúvidas causaram mais impacto
em mim do que se uma bomba relógio tivesse sido activada em função dos sinais
vitais do meu corpo – É verdade, Joana?
- O quê? Não! É claro que
não! Quem é que te disse isso? – inquiri num laivo temoroso, de que não fora só
Mauro que tomara ordem em meu ataque mas também ela, a amiga mais íntima e na
qual eu mais confiava
- Não foi preciso ninguém
me dizer… Eu mesma vi com os meus olhos… - a sua voz descodificou-se num
arrastar suave de pena e incompreensão, por tudo o que parecera estar
recomposto e agora puder finalmente dar certo, abatera-se com um simples
estalar de dedos
- Como é que ele estava?
– não pude deixar de lhe perguntar por ele, como sua melhor amiga, Adriana
saberia com certeza
- Mal… Como deves
imaginar. A última vez que estivemos juntos ele estava um autêntico farrapo,
nem parecia mais o mesmo Ruben… O nosso Ruben!
- Eu não queria que nada
disto tivesse acontecido, não queria que as coisas tomassem este rumo, a sério
que não… - as lágrimas voltaram ao berço dos meus olhos e ameaçaram embalar o
meu rosto entre novos mares
- Amô? Quem que tava
batendo na porta? – meio ensonada, e sem reparar em mim à vista desarmada, a
figura de David assolou-se à ombreira da porta totalmente aberta, envergando
somente umas calças de pijama
- David… - ergui-me do
sofá assim que o vi, poupando Adriana ao esclarecimento da sua pergunta
- Joana… - ele pareceu-me
surpreso por me ver ali, contudo não expressou tanta satisfação ao contrário do
que eu esperava – O que cê tá fazendo aqui? – não conseguiu usar-se do seu tom
meigo habitual que empregava sempre que falava para mim e esse pequeno
pormenor, parecendo que não, susceptibilizou-me um pouco
- A Joana veio cá porque…
- Eu vim cá porque não
sei o que fazer, regressei hoje, encontrei isto tudo voltado de pernas para o
ar e sinto-me desamparada…
- Ué, fala sério? – uma levante espicaçada de ironia transpôs-lhe a voz, para o meu desalento – Engraçado que cê fala nisso porque o Ruben também se
sentiu desamparado quando se viu cá sem você!
- David… - Adriana
pediu-lhe apenas com o olhar para que tivesse calma comigo e fosse mais
ponderado nas palavras
- Não, Adriana, ele tem
razão… É compreensível, tendo em conta o que eu fiz, ou melhor… O que eu não
fiz! – não podia levar a mal aquela pequena posição de ataque que David
dispunha a meu alvo pois Ruben era o seu melhor amigo e como tal, perante a
minha – até à data – inexplicável atitude, foi natural para mim perceber que
ele tinha tirado o seu partido e as suas próprias conclusões
- O que cê não fez? Nisso
tá certa… Cê não parou um minuto pra pensar nos estragos que poderia causar
novamente ao homem que você dizia amar, e pensou só em você no instante em que
decidiu voltar a abandoná-lo!
- Não me julgues… É só que
te peço isso… - de novo lá estava aquela censura que não se cansava em
apunhalar-me, e ter que ouvi-la da boca de alguém que eu gostava tanto como era
o caso de David, mingou-me o coração… ou o que ainda restava dele – Não me
julgues sem conheceres os dois lados da história!
- Que dois lados, pô!
Você mentiu pra ele quando lhe disse que regressavam juntos a Lisboa, esteve
esses dias todos sem dar sinais de vida… Essa história tem só um lado e olha
que ele tá bem à vista de todos! – ele parecia-me seguro em cada palavra que
acrescentava e nada arrependido por proferi-las
- Amor, vamos acalmar um
pouco, está bem? A Joana veio aqui, certamente porque tem alguma coisa para nos
dizer… Não é? – a sempre coerente Adriana tentou tomar ordem da fasquia que
tanto eu como David queríamos transpor para nos fazermos ouvir um ao outro, e
depois olhou para mim num só intuito de que eu apoiasse a sua pressuposição
- É, é isso mesmo… Eu
queria falar com vocês e explicar-vos o que aconteceu!
- Acho que já vai, deixa
cá ver… Já vai cinco dias tarde…
- Bolas, David, será que
podes acabar com as provocações e sentares-te aí para que possamos conversar?!
Como adultos que somos…
Confrontado com o
requerimento da sua namorada e poucos instantes após, David resignou-se no seu
lugar isolado que ocupou na poltrona enquanto eu e Adriana nos dispusemos no
sofá de três lugares… Preparando-nos para termos enfim uma conversa sincera e
frontal que satisfizesse todos os lados.
- O Ruben pensa que cê o
deixou outra vez… Aliás, como acho que todos nós pensámos. – ele voltou a falar
mas desta feita num tom mais ponderado e muito pouco criticador, quase nada na
verdade, que procurava apenas colocar-me a par do temor que eu já tinha
calculado
- E porquê? Têm-me em tão
má conta, é isso? – num impulso levantei-me novamente colocando-me na frente
dos dois, mas sem nunca deixar a minha voz transpor a barreira de som permitida
para aquela conversa, agora mais pacifica – Vocês sabem porque razão eu me fui
embora da primeira vez, sabem porque é que o tive de o deixar… Acham que seria
capaz de voltar a fazê-lo?
- Honestamente, o que
queria que a gente pensasse? Cê deu o fora, esteve esses dias todos sem dizer
nada, Joana!
- Teria sido amigável da
vossa parte não me apontarem o dedo, não julgarem nem as minhas intenções nem
os meus actos sem antes os conhecerem.
- Percebe que ninguém
aqui está a querer julgar-te…
- Talvez não, Adriana,
mas é o que me fazem querer… Não esteve nas minhas mãos fazer o que quer que
fosse para alterar a situação naquele dia, no dia em que tínhamos voo marcado
para voltarmos, as coisas aconteceram por si só como uma avalanche de azares! –
inconscientemente comecei a perder o controlo do discurso, pois uma vez mais e
sem eu ter posse dos meus instintos, as gotas de orvalho rasgaram discretamente
as minhas faces
- Mas o que é que
aconteceu afinal? Porque é que desapareceste de repente e ficaste
incontactável? – ela puxou-me para junto de si de maneira a retomar o meu
poisio e então dar a vez a explicações as quais já era tempo de colocar em cima
da mesa na frente deles
Voltei a sentar-me e
senti os seus olhares expectantes recaírem sobre mim. Aguardavam um discurso
plausível e sobretudo aceitável da minha parte, o suficiente para justificar o
mal-entendido deixado em pontas de linho desfiadas pela sina de duas vidas que
o destino não queria ver juntas.
Suspirei penetrante e dei
início à tão aguardada narrativa que captou totalmente as suas atenções e
manteve as suas vozes silenciadas, obviamente depois dos minutos que dispensei
a falar dando depois lugar às dúvidas que tanto um como o outro não tiverem
como evitar, que surgissem nos remates do meu disserto.
Por fim, e depois de
esclarecer-mos o que antes não fora compreendido, já tinha David sentado junto
a mim, colocando-se entre mim e a Adriana e confortando-me em seus braços,
notavelmente arrependido por me ter assaltado com acusações mal dera pela minha
presença naquela sala.
- Me desculpa por ter
duvidado de você! Não fui um bom amigo e você não merecia… Desculpa! –
novamente ele quis esmiuçar o quão precipitado tinha sido em prol do meu
julgamento e não hesitou em voltar a pedir pelo meu perdão
- Dê, está tudo bem…
Esquece isso, sim? – os meus dedos delicados embrenharam-se nos seus caracóis
mais rebeldes, e ainda fragilizada por todo o núcleo do meu dilema, mostrei-lhe
um sorriso tranquilizador que assegurou o nosso titular de amizade, que ainda
confrontado com aquela situação, em momento algum fora posto em causa… desta
maneira senti-me depois confortável para me desviar um pouco do assunto – Quem
é que sabe que eu e o Ruben nos voltámos a envolver?
- Pouca gente… - começou
Adriana por dizer – Acho que quase ninguém, na verdade! Sabemos nós, talvez
alguns dos rapazes do nosso grupo, a Dona Anabela e…
- …e o Mauro! – completei
num sussurro mesmo antes de ela terminar
- Bem e eu acho que me
vou deitar que tô cansado! – ressentido pelas tarefas de um dia provavelmente
longo, o corpo de David ergueu-se prostrando-se na nossa frente, retirando-se
assim discretamente de um final de conversa que passara a ter interesse somente
para mim e para Adriana
- Vai descansar,
amor, eu já vou ter contigo! – os lábios de ambos encontraram-se num único
toque apaixonado, quando David a procurou para consular uma despedida que seria
breve e depois se dirigiu a mim com a mesma finalidade
- Depois a gente fala com
mais tempo e calma, moleca. Com o tempo as coisas voltam ao devido lugar,
confia…
- Obrigada, David. –
agradeci com a maior sinceridade, apesar de saber que não poderia deixar o meu
destino apoiar-se em esperanças de palavras bonitas, e segundos depois senti a
minha testa levemente húmida por um beijo que ele carinhosamente me havia
ofertado
- Boa noite… - desejou-me
e eu desejei-lhe igual, vendo-o depois cruzar a porta da sala de estar para
tomar destino até ao seu quarto
- O que estavas a dizer
sobre o Mauro? Estiveste com ele? – quando voltámos a ficar sozinhas, foi
Adriana que retomou a conversa interrompida, num tom de voz muito leve
- Estive… A primeira
coisa que fiz quando voltei foi procurar o Ruben e como soube que ele tinha ido
passar o fim-de-semana ao Algarve, fui até lá! Entretanto encontrei o Mauro, ou
melhor, o Mauro encontrou-me a mim e bem, acho que consegues imaginar como foi…
- Vocês discutiram…
- Discutimos. Digamos que
ele não teve grandes dificuldades em atirar-me com as culpas pelo que eu
“voltei a fazer” ao Ruben, e disse-me coisas que sinceramente preferia nem ter
ouvido.
- Oh, já deves saber como
é o Mauro no que toca ao irmão! É capaz de defendê-lo com unhas e dentes se for
preciso… Não lhe dês importância! – ela também lhe conhecia muito bem o
instinto protector de irmão mais velho, e como ele era capaz de perder o
racionalismo quando os laços de sangue se tornavam nas evidências mais fortes –
Mas então foste ao Algarve, estiveste com o Mauro e conseguiste ao menos falar
com o Ruben?
- Não, não cheguei a vê-lo!
– apesar de detestar fazê-lo, ainda para mais a uma amiga com ela, tentei-me em
mentir-lhe pois não estava disposta a ser bombardeada por mais inquirições e
com isto recordar o cenário de início daquela noite, que depois e muito
superficialmente me vi intentada a esclarecê-lo – Adriana, eu vou perguntar-te
uma coisa e queria que fosses sincera comigo… Mesmo que essa sinceridade me
venha a magoar…
- Sim, claro… Pergunta.
- Sabes se voltou a haver
alguma coisa entre o Ruben e a Inês? Eles estão juntos…?
- O quê? Que pergunta é
essa? – a sua testa enrugou-se levemente aquando confrontada com a minha pergunta,
no entanto eu insisti
- Podes dizer a verdade,
Adriana…
- Não, princesa, que disparate! O Ruben ama-te, percebi isso
perfeitamente quando vi o sofrimento dele por ter posto em causa ter voltado a
perder-te! A história dele com a Inês acabou definitivamente. – ela pareceu-me
inquebrável nas palavras, mas não sei bem porquê, ainda assim não consegui
serenar no aconchego dessa afirmação – Mas porque é que perguntaste?
- Não, por nada… Parvoíce
minha, esquece! – acrescentei com um sorriso de lábios desajeitado e inseguro e
no instante seguinte levantei-me e peguei na minha mala para colocá-la ao ombro
– Mas então olha, não te chateio-o mais com os meus problemas… Já está na hora
de eu ir!
- Não, espera! Fica.
Fizeste uma viagem longa e deves estar cansada… Passa cá a noite e amanhã logo voltas
pra casa.
- Não, eu não quero
incomodar, eu estou bem!
- Joana, ambas sabemos
que isso não é verdade, tiveste um dia longo e as emoções não foram as
melhores. Por favor, faz isso por mim… Fico mais descansada!
Relembrada pelos pontos
fulcrais que tinham levado a melhor de mim naquele dia, e sentindo-os pesar em
mim, não tive como lhe fazer aquela desfeita e voltar a recusar – Se ficas mais
descansada…
- Fico, fico mais
descansada! – também ela se ergueu do sofá num suspiro de alívio e prostrou-se
na minha frente – Espero é que não te importes de dormir no sofá-cama… Os pais
do David vieram cá passar uns dias e estão no quarto de hóspedes…
- Sendo assim não é
preciso abrir-se o sofá… Eu posso dormir assim mesmo!
- Pronto, isso já é
contigo, fazes como achares melhor! Eu vou então buscar-te uma mantinha e um
pijama para dormires mais confortável.
- Obrigada, amor. –
proferi com a maior gratidão do mundo pelo seu gesto e senti-a beijar-me
cuidadosamente a bochecha no instante imediato, para ir depois acarinhar-me em
todo o conforto para aquela noite que eu sabia que não iria passar tão depressa
como eu desejava
***
Dormir tornou-se uma
tarefa quase impossível. Não era da textura do sofá e muito menos do
desconforto das almofadas, pois o motivo da minha falta de sono era outro e por
sinal bem mais sério. Vi as horas quebrarem nos ponteiros pitagóricos do
relógio de parede e de olhar perdido pela escuridão da sala, senti-me morrer simbolicamente
pela falta de amor e protecção de quem eu mais queria e desejava ter.
- Joana, minha filha, bom
dia! – logo pela manhã fui apanhada numa surpresa que não esperava, pela mãe de
David, no entanto não me sobressaltei demais pelo facto de já estar acordada
- Dona Regina… Bom dia! –
recompus o meu corpo no sofá e vi-a, envergando ainda camisa de dormir,
aproximar-se a mim
- Não sabia que cê ‘tava
cá… - ela despoletou um beijo maternal na minha têmpora e rapidamente recordei
o carinho que partilhávamos desde que formara amizade com David
- Cheguei ontem de viagem
e vem ver o David e a Adriana… Como já era tarde e estava cansada para voltar a
casa, passei cá a noite!
- Fez bem, conduzir tarde
e ainda pra mais quando a gente tá cansado é um perigo… Tô sempre falando isso
pró Davi! – a Dona Regina sentou-se de frente para mim, num espacinho que
deixara vago à beira do sofá e foi-lhe fácil aperceber-se que algo não estava
bem comigo – Cê tá bem, minha filha? Sua carinha tá meio que murchinha…
- Eu estou bem, Dona
Regina, não se preocupe. – fingi um sorriso o melhor que sabia fazê-lo e
esperei que este não me traísse
- Tem certeza? Não quero
encher seu saco, mas pelo estado dos seus olhos a mim me parece que passou a
noite chorando… - era verdade, o inchaço dos meus olhos era algo que não dava
para disfarçar, pelas horas que passara em claro perdida num choro fatigante e
silencioso
- Não é nada que não
passe… Com o tempo, o tempo é a melhor ajuda!
- Olha só, o Lau ficou
dormindo, passei pelo quarto dos meninos e eles ‘tavam dormindo também… Vem ali
na cozinha que eu preparo o café da manhã pra gente e aí, se você quiser falar
sobre o que vai aí nesse coraçãozinho… Cê sabe que eu sou uma boa ouvinte.
Não discutimos sobre o
assunto, levantei-me e acompanhei-a até à cozinha da casa. Ajudei-a a preparar
um pequeno-almoço simples, só para nós duas, e apesar de eu não ter muita
vontade de comer, uma chávena de café forte e uma das suas famosas – e muito
gabadas por David –, panquecas, foi algo a que eu não pude resistir.
- Café? – atenciosamente,
e já sentadas na mesa redonda, a mãe de David segurou o bule do café, disposta
a servir-me
- Sim, por favor… - ergui
escassamente a minha chávena e sorri-lhe no fim em agradecimento
- E aí… Eu sei que não
sou uma amiguinha da sua idade com quem certamente você estaria mais à vontade
pra falar, mas cê sabe que pode sempre contar comigo… Esses olhinhos e essa
carinha não enganam não, e eu posso apostar que essa noite você mal pregou olho!
- Sim, Dona Rê, é verdade
que não passei muito bem a noite, que passei horas a chorar e que por isso
tenho os olhos nesta lástima, mas a senhora também já deve saber o que
aconteceu e se somar um mais um pode calcular a razão de eu estar assim… - disse
calmamente, na certeza de que a mãe de David já estava a par de tudo
- É, eu sei bem mas não
queria nem seria certo ser eu a puxar o assunto se não fosse você a primeira a
fazê-lo, cê entende…
- O David contou-lhe, não foi?
- Foi sim… O Ruben é o
melhor amigo dele, ficou preocupado, é natural…
- Ele não me vai perdoar,
pois não? - inquiri meio amedrontada ao fim de algum tempo que fiquei sem saber
o que dizer, temendo por uma resposta de alguém que sabia perfeitamente do que
eu estava a falar
- Quem ama acaba sempre perdoando,
de um jeito ou de outro, e o Ruben ama você, é doido por você, sempre foi… E agora
não é diferente.
- Ele é teimoso, orgulhoso…
a Dona Regina conhece-o, sabe como ele é! Quando se lhe mete uma coisa na
cabeça…
- Ele é meio cabeça dura
sim, mas só tu pode acabar com esse mal entendido, minha filha… Vai ter que
esclarecer tudo pra ele, cês vão ter que conversar…
- Não sei se o Ruben vai
querer ver-me depois disto tudo… - proferi com o coração apertadinho,
recordando o que Mauro me havia dito na noite passada
- Claro que quer, meu
bem… Cês vão falar, vão resolver essa parada e vai tudo ficar no final. Tenha
fé, tenha um pouco de fé em si e em Deus e tudo irá dar certo, pode confiar! –
ditou com a sabedoria que lhe fora proporcionada pelos momentos da vida vividos, e
agora restava-me fiar nessa esperança e aguardar que o tempo fizesse chegar até
a mim o momento oportuno para deliberar a minha vida dali em diante
***
Dois dias após o
fim-de-semana recebi o telefona de Brenda para a confirmação da minha ida à festinha
da minha afilhada Sofia, que completava quatro aninhos da sua tenra idade.
A comemoração iria ter
lugar na casa de Luisão e tomava o seu início ao final da tarde para um jantar
dado apenas à família e amigos mais próximos. Como se podia imaginar eu estava ansiosa,
estava bastante ansiosa na verdade, pois sabia que a presença de Ruben na festa
era indiscutível e um reencontro nosso já há muito esperado seria com toda a
certeza inevitável.
Não me aperaltei
demasiado no visual e optei por rematá-lo com uma maquilhagem simples que deu para
disfarçar um bocadinho o aspecto cansado e amargurado do meu rosto, e uma forma
ondular ao meu cabelo que adornei com algumas passagens do modelador.
Fiquei pronta em céleres
minutos, peguei na mala e preparei-me para deixar a casa dos meus avós e
enfrentar a ocasião que iria decidir o meu destino.
Conduzi calmamente e sem
grandes pressas de lá chegar, sentia um enorme vazio por preencher no lado
esquerdo do peito e esse não iria passar certamente até ao meu regresso a casa…
E era isso que me assustava, não saber o que iria encontrar, não saber o que me
esperava, não saber que reacção iria tomar o Ruben quando me visse e pior, não
saber como reagir quando eu própria o visse a ele.
Foi envolta nesses
tormentos e num stress pesado que cheguei à mansão de Luisão e Brenda e ao
estacionar junto dos outros carros que já haviam chegado, abandonei o meu
jeep e em passadas vacilantes aproximei-me dos muros altivos que interditavam a
entrada forçada e conservavam a privacidade dos jardins interiores.
- Alô? – a voz meiga
Brenda ressoou ao intercomunicador alguns segundos depois de eu ter pressionado
o botão da campainha
- Oi Brenda, é a Joana… -
revelei-me num tom de voz que me esforcei por parecer seguro e confiante
- Ah, é você… Que bom que
chegou!
- Quem é mamã? – a
vozinha inconfundível da minha Sofia foi-me totalmente perceptível e sorri no
mesmo instante em que a ouvi
- É a sua madrinha…
- Eu vou lá! Eu vou lá! –
um gritinho delicioso de entusiasmo ressoou ao meu ouvido que mantinha próximo
do pequeno mecanismo electrónico
- Pode entrar, meu anjo!
– a permissão de Brenda foi acompanhada por um destranque automático do portão
branco forjado, que abri com um simples empurrão da minha mão
- Mad’inha! Mad’inha! –
estava a somente meio percurso da calçada que se antecipava ao alpendre de entrada, e já a
minha pequenita iniciara uma corrida frenética que iria apenas terminar quando
me alcançasse
- Ai que saudades,
pequerrucha, coisa tão boa! – desabafei quando me agachei no chão e a segurei
contra mim, rendendo-me aos laços de afecto inquebráveis e ao sentimento que
faziam dela uma parte de mim – Muitos parabéns, minha bonequinha!
- Ob’igada, mami! – ela
amarrou os seus bracitos em torno do meu pescoço e num aperto forte beijou-me
enternecidamente a face num beijo que se arrastou por largos segundos – ‘Tava a
ver que nunca mais vinhas!
- Já estou aqui,
princesa… Já estou aqui! – mostrei-lhe um sorriso sincero fazendo-lhe em
simultâneo um carícia no rosto perfumado
- Anda, ‘tão todos lá
atrás no jardim! – o termo “todos” que ela usou, deixou-me compreensivelmente
nervosa visto que poderia estar a globalizar cada convidado, incluindo aquele
que o meu coração mais atemorizava ver… Ruben
Ela procurou rapidamente
pela minha mão e no seu entusiasmo habitual e genuíno ainda de uma criança,
arrastou-me consigo até ao jardim das traseiras onde fora programado fazer-se o
jantar.
Juntei-me a eles com uma
saudação geral tendo visto de relance ao pé da enorme piscina algumas meninas a
conversarem alegremente, e do lado oposto a mesa artesanal, típica dos os dias
de churrasco e jantaradas de Verão, ocupada pelo habitual grupo de jogadores
que faziam uma barulheira tremenda por um disputado jogo de cartas. Os meus
olhos apreensivos procuram entre eles uma só pessoa, mas pude ficar mais calma
por não ter dado por um ínfimo sinal dela… Provavelmente ainda não tinha
chegado.
- Amor, já vieste! – logo
que deu pela minha chegada e já quando Sofia tinha saído do meu redor para ir
até Brenda que a chamara, com um sorriso que me fazia inveja pela felicidade
plena que sentia, Adriana veio ter comigo, recebendo-me com um abraço apertado
e dois beijinhos – Como estás?
- Bem… Estou bem… E tu? -
encolhi só um pouquinho os ombros e forcei um sorriso convincente, mas eu já
devia ter aprendido que a ela os meus disfarces não enganavam
- Eu conheço-te,
princesa… A mim não precisas de esconder nada, muito menos o que vai aí dentro.
– a pontinha do seu indicador tocou suavemente o lado esquerdo do meu peito e
senti-me desarmar por completo na frente dela
- Juanita! – a namorada
de Javi e também minha amiga, Elena, que viera espaçadamente atrás de Adriana,
juntou-se a nós e roubou-me um curto abraço saudoso – Me alegro de verte,
chica… Y mira, siempre guapa, ¿no? – o seu olhar apreciativo atacou a minha
figura recordando os últimos meses que não nos viramos, e juntas rimos
descontraidamente da sua observação
- Mas tu és burro ou quê?
Eu não fiz o sinal porra nenhuma! – novamente da mesa dos rapazes, a confusão
voltou a instalar-se e desta vez entre o despique foi fácil distinguir as vozes
de Fábio e David, que enquanto parceiros de jogo não se estavam a entender lá muito
bem
- Fez sim senhora, ué! Cê
coçou o queixo, eu vi…
- Cocei o queixo porque no
momento estava com comichão, o que é que queres? – vimo-nos forçadas a
interromper a nossa conversa e as três debuxamos então um outro cenário, expansivo
pelos ânimos acesos mas sem dúvida cómicos pelo bate-boca dos dois
protagonistas – E para não lançares a manilha e desfazeres a nossa jogada,
pisquei-te o olho!
- É, da próxima vai
piscar o olho prá sua mãe! Não foi isso que a gente combinou! Passar a mão no
queixo era o sinal, cê fez o sinal e eu lancei a manilha!
- Lançaste a manilha e
eles cortaram-na com o trunfo… És mesmo otário!
- Você que fez o sinal…
Você que é otário!
- Eu já disse que não fiz
a merda do sinal! – a revolta de Fábio voltou ao de cima e tornou-se impossível
nos contermos em gargalhadas que acabaram por ser libertas ao passo de
preencherem todo o jardim
- Nossa, gente… Quanto
mau perder vai por aí! – como adversário que se mostrou à altura, Luisão não se
conteve em rir na cara de derrotados de Fábio e David, que não se cansavam
de atribuir as culpas um ao outro
- São piores que os
garotos, a sério que eu nunca vi… – foi o desabafo troçado de Adriana que nos
fez desprender por fim a atenção deles e voltarmos a envolver-nos na nossa aura
- Vamonos, ellas estan
llamando! – disse Elena, reparando nos acenos das outras meninas que pediam que
nos fossemos juntar a elas
- Eu já vou ter com
vocês… Vou só fumar um cigarro primeiro! – enunciei hesitante, necessitando do
efeito da nicotina para conseguir relaxar um pouco e sabendo que aquela seria a
única oportunidade que tinha para fazê-lo
- Precisas de alguma
coisa? – por me ver optar por aquele recurso que ultimamente não fora uma
necessidade habitual à qual eu recorrera, ela temeu pelo meu bem-estar
- Não, amor, obrigada…
Apenas de dois minutinhos!
Adriana apercebeu-se ao que
eu me referia, estando a chegada de Ruben embalada numa expectativa de
incerteza e foi então que me afastei. Queria isolar-me um pouco e ficar
sozinha, sabia que não poderia fumar dentro de casa por opção dos anfitriões,
tendo sido por isso que fui direitinha ao alpendre de entrada.
Sentei-me ligeiramente de
lado sob o parapeito de madeira do valado e da minha mala repuxei o maço quase
ele vazio pelo uso excessivo que lhe dera nos últimos dias. Prendi o filtro do
cigarro entre os meus lábios e premindo a válvula do isqueiro ateei-lhe a orla,
para soltar a primeira lufada de fumo. Era aquele o meu escape nos momentos
mais instáveis, e apenas a única maneira de extravasar a adrenalina derreante
que me consumia por dentro. Fui dando tragos profundos que sustive por segundos
na garganta e que depois soltei para que fossem arrastados pela brisa quente em
que o ar naufragava lá fora.
Subitamente ouvi o
tilintar do portão e este foi aberto, dando entrada ao convidado esperado, que
chegara enfim para meu desalento… Distingui os seus traços perfeitamente bem, e
as emoções assoberbadas em meu peito ficaram somente suspensas pois a pequena
Sofia rompeu entre elas.
- PAPIIII!!! – ela rasgou
passagem ao meu lado e descendo rapidamente os três degraus de escadas lançou-se
numa correria doida até chegar a ele, recebendo-o da mesma maneira que me
recebera a mim, logo que me vira dar entrada nos jardins frontais da casa
Correu com os bracitos
abertos para ser recebida no conforto do colo do seu segundo pai, e Ruben pegou
nela e elevou-a ligeiramente no ar antes de a prender contra si.
Apesar de já ter começado
a escurecer e as luzes do jardim ainda não terem sido ligadas, observei os seus
sorrisos rasgados por se verem e as risadas contagiantes de Sofia enquanto
sofria de um ataque de cócegas passivo da parte dele.
- Oh papi! – ela pedia
pra que ele parasse mas acabava sempre por se desmanchar entre novas gargalhadas no
mesmo segundo
- Oh minorca! – ele
tentou imitar-lhe o tom de voz e ainda que estivessem a acentuados a alguns metros
de distância de mim, as suas vozes eram totalmente audíveis aos meus ouvidos e
mesmo que as quisesse bloquear na minha mente, não pude deixar de prestar
atenção à conversa que se redigiu entre eles, e toda eu tremi só por ao fim de
tantos dias voltar a ouvi-lo – Estás toda bonequinha!
- Hoje é um dia especial…
- Pois, já ouvi dizer que
sim… Aliás, eu vim aqui porque me disseram que uma minorquinha fazia anos hoje…
Sabes quem ela é?
- Hum… Acho que faço uma
ideia! – apesar de não conseguir ver, adivinhei-lhe o narizito arrebitado
consoante a sua resposta de menina esperta, e uma lágrima abriu passagem pelo
correr da minha face ao presentear mais uma vez a forte cumplicidade que os
unia e na qual eu me excluía
- Parabéns, parabéns,
parabéns, minha princesa! – desta vez ele usou-se de um ataque de beijos que
lhe florou por todo o rosto pueril, e a pequenita voltou a soltar marés de
risos mimados por estar a receber toda aquela atenção do seu padrinho, que todos
sabiam ela tanto adorar
Ruben amava Sofia como se
fosse sua filha, era doido por ela e fazia tudo o que tinha ao seu alcance para
protegê-la, e isso via-se em todos os gestos e amostras de carinho que tomava
para com ela, e por seu lado Sofia admirava-o, idolatrava-o… pelo amigo de
brincadeiras, pela protecção de um porto seguro, pelo herói que ela imaginava
viver dentro dele.
Quanto a mim limitei-me a
resumir-me ao meu cantinho e deixei-me permanecer ali pretificada, a olhá-los
simplesmente, sem vontade de voltar para dentro e sem coragem nem estofo para
me juntar a eles.
- Já chegaram todos? –
Ruben perguntou por mera curiosidade, e eu fiquei a perguntar-me se nesse
“todos” que falou, em algum instante ele pensara e incluíra-me a mim
A nossa afilhada não lhe
deu uma resposta perceptível, pelo menos não perceptível para mim e falou-lhe
num sussurro deambulado ao ouvido, tal como um segredo, mas que depois se veio
a tornar muito claro para mim… Pela primeira vez desde que ali chegara, os
olhos de Ruben perderam-se pelo alpendre e encontraram-se em mim, acolhendo-me
no seu mundo que me perdera o rasto e perante o qual agora eu reaparecera.
Tinha vontade de chorar
rios e marés quando demos connosco enfeitiçados um com o outro, tentando num só
olhar expressar cenários, proferir mil e uma coisas e cometer, talvez, uma
loucura por amor sem termos medo de ser, por um momento, ridículos… Mas as
circunstâncias eram outras e não pendiam para nós. E lá continuava eu,
completamente regelada, com pasmos que me abalavam o corpo de vez a vez
enquanto o cigarro ainda ardia, abandonado, entre os meus dedos.
Aquele amor fora então
posto à prova e restava somente saber se era forte o suficiente para nos levar
de volta ao lugar que nos pertencia por direito… Ao lado um do outro…
Boa noite, queridas leitoras! :)
Venho finalmente deixar-vos novidades, espero que gostem!
Como a partir de agora vou ter mais tempinho para me dedicar à escrita, vou fazer os possíveis para publicar com mais frequência e regularidade,
estando já o próximo capítulo previsto para breve.
Espero pelos vossos comentários e fiquem atentas!
Um beijinho,
Joana :)
Como a partir de agora vou ter mais tempinho para me dedicar à escrita, vou fazer os possíveis para publicar com mais frequência e regularidade,
estando já o próximo capítulo previsto para breve.
Espero pelos vossos comentários e fiquem atentas!
Um beijinho,
Joana :)
Fantastico adorei.
ResponderEliminarQuero proximo.bjs
É proibido acabar assim!!!!!
ResponderEliminarQuero mais, urgente.
Abraço.
Adriana
Aiiiiiiiiiiiiii preciso de mais!!! Cada palavra que leio faz-me desesperar por mais...
ResponderEliminarAh e já sabes que adorei :P
Beijocas
Adorei!!
ResponderEliminarO David foi parvo mas depois lá percebeu que tinha errado...
Mas caramba, nao se acaba assim :/ tava a ler o capitulo todo à espera de um reecontro entre os dois e quando chego a essa parte acaba o capitulo?! é que nao ha direito ... hehe
beijinhos*
Mas porque logo nessa parte? Vou me desesperar, socorro Oo haha ;p
ResponderEliminarFiquei numa expectativa do tamanho do mundo (e com um certo medo do que pudesse vim a acontecer também) do início, até chegar ao fim, e... pronto, agora estou pior hahaha. Achei até que as coisas com o David não fossem acabar bem, mas graças a Deus ele escutou-a e a entendeu. Wool, e a felicidade que senti quando li ''PAPIIII!!!'' foi tão grande que... não dá pra explicar. A relação de ambos com a afilhada é linda, eles juntos me fascinam, amo, amo, amo.
Não digo nem que quero o próximo, porque a verdade é que eu preciso demais dele!! haha. Beijinhos :*
Gabi
ohh espero que seja desta que eles resolvam as coisas :p está perfeito como sempre! espero ansiosa pelo próximo :)
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