terça-feira, 16 de julho de 2013

Capítulo 17 - Algumas coisas simplesmente não voltam mais (Parte III)

A madrugada seguinte prevaleceu inerte e passiva lá fora, despindo dos céus o crepúsculo da noite para dar lugar a um novo dia que aos poucos e muito timidamente, começava a raiar.
Joana acordou quando os seus sentidos a fizeram despertar pela falta de conforto e aconchego de outro corpo que já não abraçava o seu. A sua mão estendeu-se ao outro lado da cama para o procurar, mas nada mais sentiu do que o vazio da presença dele, que deixara para trás uma temperatura arrepiantemente arrefecida no colchão e lençóis, muito desigual à da noite anterior.
Estranhando por não o ter ali, ela levantou-se vestindo no corpo umas cuequinhas e uma t-shirt larga, e decidiu procurá-lo.

- Ru? – chamou por ele ainda meio ensonada, batendo levemente à porta da casa de banho privativa que o seu quarto oferecia, e não obtendo qualquer resposta, invadiu o seu interior, mas este imperava alheio à presença dele – Ruben…?

Abandonou o quarto, desceu calmamente as escadas e enveredou pelo corredor principal do piso inferior… Um silêncio mórbido e penetrante invadia cada canto da casa, e a cada passo que Joana dava, uma inexplicável sensação de desesperança e mal-estar ia-se sorrateiramente instalando no mais profundo de si, levando-a a querer que ali algo não estava bem, algo estaria para acontecer e que ainda a iria magoar muito, como um mau presságio antevendo o desmanchar da sua vida que não estava destina a ser vivida em pleno, tal como ela queria e um dia imaginara.
Procurou-o na cozinha, na sala de estar, mas não encontrou nada que denunciasse a sua permanência ali, e foi então que caminhando num só rumo, alcançou o alpendre das traseiras como o único lugar que restava para procurar.

- Ruben, estás aqui? – logo que deslizou a porta corrediça e enveredou pelo alpendre, o seu olhar varreu todo o jardim, vislumbrando cada recanto onde o pudesse encontrar mas foi totalmente em vão, nenhum sinal dele… nada – Que estranho… Será que se foi embora?

Cismando nessa mesma dúvida, que só mais tarde viria a ter a sua resposta, ela voltou para dentro, com o coração apertadinho no seu canto, deixando que uma nuvem pesada toldasse todos os seus sentires, que não eram os melhores naquele momento. 
Tomou de novo caminho directo para o hall de entrada no propósito de voltar a subir para o seu quarto, mas algo em que o seu olhar se encaixou não a deixou chegar nem perto do primeiro degrau. Em cima do móvel de entrada estava deixado um papel rasurado… um bilhete prenunciador de mais um desengano.

- O que é isto? – na estranheza austera de tudo aquilo, Joana retirou a chave da casa sobreposta ao papel a qual Ruben guardara na noite anterior, e seguro entre as suas mãos começou a ler o recado escrito a uma caligrafia acelerada mas totalmente legível, e não foi capaz de controlar as lágrimas que escorreram então pelo seu rosto


“Joana,

Não sei o que mais posso dizer-te a não ser o pedido de desculpas que mereces de mim. Desculpa por tudo… Pelo jeito que te tratei nos últimos tempos, pela forma como te magoei, pelo nosso amor que eu desisti.
Sou um fraco e não mereço o amor que tens por mim, e é acobardado por essa fraqueza que estou a ir embora esta madrugada, a escrever-te este bilhete enquanto tu estás tão serena a dormir.
Apesar de ambos sabermos que o que aconteceu ontem entre nós ter sido uma loucura, eu não me arrependo de ter sido louco nessas horas… Queria-te, desejava-te e tivemo-nos um ao outro… pela última vez.
Como sabes os tempos mudaram e também eu tive que mudar… O meu casamento está marcado e eu não posso faltar a esse compromisso. Não tens de ir se não quiseres, não tens de ser a minha madrinha se essa não for a tua vontade. És livre para seguires com a tua vida e ser feliz, mais feliz do que eu algum dia fui capaz de te fazer.
Estou para aqui a escrever e nem sei bem o quê, parece que ando às voltas… É assim que me tenho sentido, a andar em voltas constantes e ir parar sempre ao mesmo lugar. Não espero que compreendas esta minha atitude nem que me perdoes já, pois eu mesmo ainda estou a tentar perdoar-me por não te ter ouvido e arrependo-me por agora ser tarde demais.
Tu, mais do que ninguém, mereces tudo de bom na vida, e agora já não estou tão certo de ser eu a pessoa digna de te dar esse tudo que mereces, e por isso afasto-me para que encontres o teu caminho, agora diferente do meu. No futuro, se os nossos caminhos se encontrarem, espero que consigamos sorrir um para o outro, sem mais mágoas do nosso passado, por isso não vamos mexer-lhe mais, vamos preservá-lo e guardar as coisas boas e lembrarmos o quanto crescemos com ele e o quanto nós dois crescemos juntos.
Queria saber o que escrever agora para me despedir, mas nunca fui com despedidas…

Ruben”

Chegou ao fim e nem quis acreditar no que os seus olhos, rasos de lágrimas que caíam abruptamente, tinham acabado de ler… Ficou simplesmente de rastos. Pelo seu choro que se intensificou, as suas costas embateram na porta e foi contra ela que o seu corpo deslizara desamparado até encontrar o chão.

- Acabou, acabou mesmo… - balançando-se entre um soluçar que de mansinho se instalara, ela recusou-se a ouvir as vozes da verdade… eram atrozes demais

Sentiu-se sem rumo, sem chão debaixo dos pés, quando ingenuamente chegara até a colocar a hipótese de ver a sua história amorosa completa e finalmente feliz, depois da noite de amor que partilhara com Ruben… Mas estava enganada, redondamente enganada e mais uma vez sentiu-se afogar na desilusão da uma sina que não previra um final afortunado.
Quando ganhou forças, embora que muito poucas e tentadas a abandoná-la a qualuquer momento, guiou-se deambulando tremulamente sob os seus pés para a sala, e foi no sofá que fez o seu poisio seguinte e necessário.
Encolheu-se tristemente a um canto do sofá e abrindo os portões do seu peito a novos mares, deixou-se chorar. Não podia culpar Ruben por estar a sentir-se assim, porque lá no fundo ela mesma sabia que depois daquela noite o encantamento podia passar e tudo voltaria ao normal… Longe dos braços um do outro. Mas um fiozinho de esperança morou sempre consigo, e Joana não pôde deixar de se agarrar a ele.
Os ponteiros do relógio de parede marcavam as seis horas da manhã, e lendo e relendo vezes e vezes sem conta aquele bilhete, ela deixou-se ficar ali perdida durante mais um par de horas… esperando preencher aquele vazio e acalmar aquela dor, esperando não voltar a sentir mais.



***



- Estou a ir… - adormecida no sofá, ela acordou com o toque da campainha… calçou as suas havaianas, compôs a t-shirt e ajeitou o cabelo, isto para conseguir disfarçar minimamente o seu estado de apatia que se arrastou até antes de se deixar dormitar, e de passada vagante encaminhou-se até à porta principal

- Olá, amor! – era Adriana, a namorada de David com quem formara uma amizade já muito forte e achegada, indiscutivelmente essencial a momentos como aquele

- Adriana, que surpresa! – por não ter sido avisada antecedentemente da sua visita, Joana ficou admirada por vê-la, mas nos lábios abrilhantou um sorriso sincero, contente por tê-la ali – Entra, amor!

- Com licença. – pediu com extrema educação que desde sempre importara na sua personalidade, e logo que lhe foi aberta passagem, não hesitou em entrar no mundo resumido da amiga – Desculpa ter vindo sem avisar, mas como a tua semana de férias já passou e tinhas o telemóvel desligado…

- Não te preocupes, fizeste bem em vir… Já estava com saudades tuas! – enunciou no calor de dois beijinhos que partilharam e num abraço aconchegante de destilou a porção elevada dos dias que perfilharam a ausência pessoal uma da outra

- E eu tuas, pequenina… Tenho muita coisa para te contar, temos que pôr a conversa em dia! – ao quebrar o abraço demasiadamente reconfortante, Adriana teve pela primeira vez uma visão nítida e total sobre o rosto desconsolado de Joana, que esta não teve como puder esconder-lhe – Que olhinhos são esses, amor?

- Oh… São alergias… - uma desculpa fácil e perfeitamente aceitável àquela condição, que ela deu sob o seu primeiro pensamento – Sabes como é nesta altura do ano… Fui ao jardim quando acordei e fiquei logo com esta linda cara!

- Pois, nesta época é natural… Tens que tomar alguma coisa… - engolindo as palavras que ouvira, Adriana acarinhou o rosto dela, com a delicadeza de um breve passar de dedos

- Sim, eu tomo, não te preocupes! – tranquilizou-a no mesmo instante sorrindo para a serenar, e abraçadas guiaram-se num único trajecto até cursarem a sala de estar – Já tomaste o pequeno-almoço? 

- Não, ainda não… Na verdade vinha cá para te apanhar exactamente para irmos tomar o pequeno-almoço fora, passearmos um bocadinho, conversar…

- A mim parece-me uma óptima ideia, mas antes de sairmos tenho mesmo que tomar um café… Queres que também tire um para ti?

- Sim, pode ser… Aceito! – admitiu no seu tom meigo habitual, enquanto deixava que o seu olhar percorresse toda a sala, que conhecia pela primeira vez

- Então senta-te e fica à vontade… Demoro dois minutos.

E dois minutos foi o bastante para Adriana desvendar o mistério do qual não desconfiava, mas que a amiga lhe escondera desde a sua entra naquela casa. Joana desapareceu no corredor, deixando para trás e esquecida, a evidência que tinha contra si por ter sido não vítima de alergias como se desculpara, mas de uma corrente de choro, e a prova disso fora deixada pousada no sofá bem ao alcance de Adriana. Ela sentou-se a um canto e no primeiro relance lançado ao pousar a sua mala de mão perto de si, passou-lhe despercebido, mas acabou por dar conta do papel sobre o qual tinha colocado a mala, e olhando com mais atenção, reparou na caligrafia que conseguiu reconhecer indiscutivelmente… Foi-lhe impossível controlar a forte curiosidade de que fora alvo e não ler aquele bilhete manchado de lágrimas.

- Aqui estão os cafezinh… - ao entrar de novo, Joana interrompeu as suas próprias palavras pelo cenário debuxado na sua frente, não aguardado e do qual ela se devia ter precavido antecipadamente,  ao professar interiormente o discurso justificativo que lhe devia dar

Adriana tinha lido tudo, cada palavrinha, cada pedido de desculpa, cada vírgula, cada parágrafo, e muito dificilmente seria capaz de ficar mais incrédula do que mostrara parecer. Os seus olhos divergiram entre aquele papel e o rosto de Joana, que então fora invadido por uma palidez amadurecida pelo pasmo que lhe percorrera todo o corpo, na incerteza do que deveria ser dito naquele momento, mas evidentemente que alguma coisa teria de ser dita.

- Posso perguntar-te o que é isto? – foi a questão mais óbvia e eficaz de se fazer, no entanto a mais difícil de se achar respondida

- Nada de importante… - menosprezou, colocando seguidamente sob a mesinha de apoio, o pequeno tabuleiro sortido com duas chávenas de café e um bule de açúcar, Joana tentou ao máximo disfarçar o interesse daquele papel rasurado em palavras de perdão e despedida

- O Ruben escreveu-te um bilhete a pedir-te desculpa… a dizer que não se sente arrependido pela noite que vocês passaram juntos… a despedir-se de ti e a encorajar-te a seguires com a tua vida enfrente… - ela foi revelando à medida que do papel que detinha na sua mão, distinguia os pontos chave do mesmo – … e dizes que não é nada de importante?

- Adriana, por favor… - era evidente para todos que Joana não queria falar sobre aquilo, a sua cabeça estava ainda demasiado quente para conseguir falar sobre o assunto que a debilitava tanto, quando as lágrimas não estavam totalmente desvanecidas para as poder segurar  

- Eu sei que não me deves quaisquer explicações, mas juro que não entendo o que se passa entre vocês os dois… - ela não pretendia ali levantar qualquer tipo de acusação, apenas tentar entender as tempestades instauradas no coração dos dois amigos – Quando é que ele te deixou isto?

- Esta manhã… - respondeu num tom nivelado praticamente abaixo do que seria considerado audível, tomando o lugar disponível no sofá de coro negro

- Hoje? Estão esta noite de que o Ruben fala aqui, aconteceu ontem? Vocês estiveram juntos ontem?

- Sim, foi ontem.

- E pela forma como ele aqui diz, já posso imaginar o que deve ter acontecido…

- Ele veio cá porque queria conversar comigo, provavelmente para me dizer o que diz aí nesse bilhete, mas entretanto fomos perdendo o controlo e quando dei por mim, já estava no colo dele a beijá-lo…

- E acabaram a…

- Acabámos a fazer amor… - completou numa confissão em robustez enfraquecida, que não a deixou premulgar nenhum sorriso, pelas clarividências patentes 

- Ai, Joana, não sei o que te diga… Sabes que vocês foram muito irresponsáveis, não sabes? Principalmente o Ruben, caramba! Ele agora está comprometido com outra pessoa, e desculpa, tu sabes que eu não digo isto para te magoar, mas temos que ser um bocadinho racionais.

- Eu sei e compreendo. O que aconteceu...

- Eu tenho que ir falar com ele! – Adriana ergueu-se num pulo rápido e eficaz do sofá que permanecia a ocupar, obtusa na intenção de procurar o melhor amigo e enfrentá-lo, para de alguma forma tentar compreender as novas atitudes por ele tomadas e porquê, e as quais não faziam de todo parte da carácter dele – O Ruben não podia ter feito uma coisa destas!

- Não, Adriana, por favor… - Joana pediu-lhe piedosamente para que não o fizesse e levantou-se também, tentando demover-lhe aquela ideia não só porque sabia bem que Ruben não gostava de ser confrontado, como também nenhum ajuste de contas seria capaz de alterar o rumo de tudo o que já tinha acontecido – Tu não lhe digas nada, pelo amor de Deus! A culpa foi minha também…

- Mas foi o Ruben que veio cá, foi ele que veio procurar-te!

- E eu deixei! – asseverou  guardando para si a certeza íntima de que também ela contribuíra com a sua cota para  ter deixado a noite entre eles chegar tão longe, e Ruben não poderia ser responsabilizado sozinho, quando foram os ambos a querer e a entregarem-se a um momento que nunca deveria ter acontecido – Nós envolvemo-nos porque eu deixei, eu quis, Adriana, eu quis muito ser dele e deixei-me levar…

- Porque tu ainda o amas…

O facto de Adriana ter tocado na ferida, no assunto proibido, fez Joana despoletar  lágrimas suaves e muito pouco aflitivas que em nada se poderiam comparar nem se persuadiam às últimas de um choro a que se tinha entregue há poucas horas. Este era um lacrimejar ligeiro, silencioso, que nada mais lamentava do que o fim definitivo e real da história de amor da sua vida.

- Amo-o e perdi-o para sempre.

- Oh pequenina, não fiques assim… Isso vai passar, vai passar… - professou numa promessa que não tinha a responsabilidade de cumprir, chegando-se à beira dela para reconfortá-la – Ficaste com esperanças por  terem passado a noite juntos?

- De certa forma sim, não vou mentir… A maneira que nos tivemos um ao outro foi tão especial, tão indescritível, que por momentos me fez acreditar que tudo voltaria ao normal entre nós, mas por outro lado eu sabia que não era aquela recaída que nos ia fazer voltar. Acabámos definitivamente e da melhor maneira possível, vamos deixar ficar assim as coisas… - por entre as últimas lágrimas que caíam, ela mostrou um sorriso triste mas abonado por uma nova esperança, pronta a  arregaçar as mangas e começar de novo... Desta vez apenas por sua conta

- Mas olho para ti e vejo que continuas magoada, a sofrer…

- E quem nunca sofreu por um grande amor? Faz parte… Tanto ele como eu cometemos erros e temos que responder por eles… Embora esteja muito abalada com a situação, agora compreendo que não poderia ter sido de outra maneira…

- Sabes que eu estou aqui para tudo o que precisares… Não te vou deixar ir abaixo por causa disto, tu és forte e seu que vais conseguir dar a volta por cima! - desta forma e apoiada incondicionalmente pela amiga, por sentir não estar sozinha, ela ganhou de novo a vontade de sorrir

- E o tempo vai ajudar-me, tenho a certeza… E para além do mais ele esta com a Inês e eu nunca iria meter-me no meio deles para separá-los, seria incapaz de uma coisa dessas. – disse em conformidade da sua ininterrupta sensatez, pois Joana jamais seria capaz de se interpor na felicidade alheia apenas para reatar a sua

- Eu sei, princesa… E não imaginas a pena com que fico de vos ver assim.

- Ainda nos resta a amizade… Espero que esse seja um factor que nos permita relacionar pelo menos com a mínima civilização.

- E a amizade chega-te?

- Tem que chegar… Vai ser apenas esse laço que a partir de agora nos vai unir… nada mais. – e era somente esse que os poderia continuar a manter próximos, estando os outros laços que um dia os uniram, desgastados e corroídos pela fatalidade que os separou

Não disseram mais nada, não voltaram a tocar no assunto que ainda se encontrava tão débil e frágil para poder ser discutido em condições. Joana estava magoada, profundamente triste, mas o choque inicial já tinha sido apaziguado em si e agora somente restava aprender a lidar com as suas vertentes da melhor forma... Lutar por si e ser feliz à sua maneira, lutar pelo que acreditava, mudar para melhor, e se havia algo que poderia mudá-la era sem a menor dúvida a dor, que a amargurava mas que também a fortalecia e a fazia crescer.
O silêncio que se arrastou nos minutos que se passaram, deu som às vozes de ambas que se resguardaram a mais palavras que não iriam ser proferidas naquele momento, talvez mais tarde, quando a poeira assentasse e o desgosto por uma perda inconsolável deixasse de ser o ponto ressalteador que ali ainda a abalava.
Adriana deixou-se ficar a abraçá-la, a enxugar-lhe as lágrimas que uma vez ou outra lá se deixavam cair, a mostrar-lhe que o apoio e amizade incondicional que lhe prestava, poderiam ser mostrados não mais do que por simples gestos, que pareciam ser tão básicos mas fundamentais e suficientes ao que era preciso.

- Cabeça a minha… Lembrei-me agora! Acho que vamos ter que deixar o nosso pequeno-almoço para outra altura, tenho uns assuntos para resolver! – ao fim de algum tempo e só por tê-la visto mais calma, ela começou a sua engendra no intento de conseguir ir embora para procurar uma pessoa, Adriana teve que dar uma mentirinha inofensiva que encobrisse a mudança repentina de planos, a qual Joana não imaginava o que seria, porque se imaginasse com certeza que a tentaria impedir

- Há algum problema?

- Não, nada disso! Apenas me lembrei que tenho que passar com urgência pela secretaria da minha faculdade para entregar uns papéis da licenciatura, e não pode passar mesmo desta manhã… Desculpa!

- Oh, não sejas tonta… Não tens nada que pedir desculpa, vai lá! Combinamos para outro dia! – ignorante aos planos de Adriana, nunca em momento algum ela estranhou ou questionou a saída fugaz da amiga, que tinha como único propósito colocar-se num frente a frente com Ruben, exigindo por explicações dele que muita gente queria ouvir 

- Pronto, eu depois ligo-te!

- Claro, vou ficar à espera! Queres que te acompanhe até à porta?

- Não, amor, não é preciso. Dá cá um beijinho… - pediu meigamente, acompanhando um abraço apertado de despedida, que fez Joana sentir-se acarinha e principalmente amada por quem nutria um carinho enorme –Qualquer coisa que precises, já sabes… Não hesites, eu virei ter contigo assim que puder. Adoro-te, pequenina!

- Eu também te adoro… - foi assim que disserem um adeus de despedida que esperaram ser curto para se voltarem a encontrar, levando desta maneira Adriana a sair e recolher-se no seu carro, para dirigir num só rumo e direcção que a levariam a encontrar respostas que ninguém se lembrara de procurar 

Novamente sozinha, e quando pensava que naquele momento nada mais poderia destabilizar o seu canto, o telefone de casa deu sinais de si com um telefonema madrugador que em nada motivava Joana a atender, mas que pela a insistência da segunda tentativa seguida, a fez levantar-se custosamente do sofá para ir buscá-lo e trazê-lo consigo para o seu ponto de apoio que voltou a fazer na sala, e só depois de ficar confortavelmente deitada na posição fetal, que atendeu finalmente a chamada.

- Sim? escutou de pálpebras cerradas, quando começou a sentir uma ligeira e aguda dor dar sinais de si na periferia da sua cabeça

- Hi, beautiful! – aquela pronuncia suave, aquela voz quente e embalante só poderiam pertencer a uma única pessoa, que Joana deslindou no mesmo instante e que a deixou incrivelmente reconfortada por dentro, ao estar a ouvi-la

- Will? – inquiriu para uma confirmação, ainda assim sabendo que se tratava do seu muito saudoso amigo que se fazia ouvir directamente da cidade das luzes – Oh Will, que bom que ligaste… Que saudades!

- Muitas saudades, piolha! – ele apoiou-a no sentimento mútuo de que partilhavam, e ambos não conseguiram esconder o sorriso que lhes desenhou os lábios no mesmo segundo, em que voltavam a retomar o contacto que se mantivera intocável nos dois meses anteriores – Então e diz-me como é que estás? Como é que vai a vidinha?

- Oh, cá vai… Devagar devagarinho, mas bem… Como Deus quer. – proferiu simplesmente, não tentada a suscitar algum assunto que ainda a deixava demasiadamente susceptibilizada

- Hum… Que vozinha é essa? Pareces-me triste… - mesmo sem ter a oportunidade de vê-la, de a olhar olhos nos olhos para lhe decifrar a combustão dos sentires incendiados, William notou-lhe apenas na voz que algo não estava bem

- Não, não é nada, não te preocupes… - disse que era nada quando na verdade era tudo, tudo estava errado, tudo estava voltado de cabeça para baixo, e o seu mundo ao contrário não tinha maneiras de se endireitar… talvez com o tempo, só com o tempo – E tu, grandalhão, como é que estás?

- Eu estou óptimo! Estou de férias e finalmente licenciado! – informou extremamente contente e feliz, por ver um dos seus sonhos finalizado pela sua concretização

- Já estás licenciado? Ai que bom, parabéns! – deixando que a felicidade de William completasse e preenchesse a sua própria felicidade, que até à uns minutos era nenhuma, Joana não pode deixar de patentear o orgulho que lhe sentia, por uma etapa na vida dele ultrapassada e conseguida com sucesso

- É verdade pois… Ainda estava a pensar inscrever-me este ano para tirar o mestrado, mas decidi fazer uma pausa para trabalhar e depois logo se vê, quem sabe…

- Estou muito contente por ti, Will… A sério que estou! – confessou mantendo o sorriso, e sentindo o vazio no coração ser consolado pelo calor aconchegante que ele lhe oferecia – É verdade, ouvi a mensagem que me deixaste… Vens cá passar férias, é?

- Sim, foi para falar sobre isso que também te liguei… Estava a pensar em ir passar aí alguns dias…

- Mas isso é óptimo… E precisas de alguma coisa?

- Preciso, por acaso… Os meus pais já venderam a casa onde morávamos e não tenho onde ficar, não queria ter de ir para nenhuma pensão nem hotel…

- Oh, mas se é por isso já podias ter dito! Ficas cá em casa comigo, não tem problema nenhum.

- A sério que não? Eu ficava-te eternamente agradecido…

- Não, claro que não! Até me vai saber bem ter-te aqui… - garantiu na certeza de que uma companhia como a de Will lhe iria fazer bem para matar as saudades que tinha do amigo, e também para se sentir o menos só possível, principalmente naquela fase, seria uma ajuda preciosa para voltar a rejuvenescer

- Obrigado, obrigado, obrigado! – agradeceu no seu jeito engraçado e realmente agradecido que a fez gargalhar levemente por ouvir a sua reacção formidavelmente feliz

- Não precisas de agradecer, totó… - ela brincou com ele e deixou-se embrenhar numa nova aura que lhe estava a ser oferecida, uma aura mais leve que dava para afastar a escuridão que envolveu a sua anterior – E quando é que estás a pensar em vir?

- Daqui a uma semana, mais ou menos… E a minha estadia aí vai depender também do emprego que conseguir ou não arranjar. Ando a candidatar-me a alguns trabalhos e logo que receba uma resposta, volto para cá.

- Está bem, então vamos falando até lá… Depois diz-me alguma coisa e põe-me a par do voo para te ir esperar ao aeroporto.

- Digo, claro. – consentiu positivamente, na confirmação de planos que lhe estavam a correr como desejado – Mas bem, minha linda, sei que falámos pouquinho mas liguei só mesmo para saber como estavas e para te falar sobre a minha passagem aí, e agora vou ter que desligar que tenho de ir o quanto antes a entregar uns currículos.

- Claro, anda vai lá… Não te esqueças de me ires dizendo qualquer coisa!

- Não esqueço, fica descansada. – ele sorriu e uma despedida breve desfechou a conversa deles – Adeus, pequenina, e fica bem!

- Tchau, Will… Beijinhos! – a nostalgia de um adeus breve instaurou-se na sua voz, que a tornou mais suave e vulnerável      

Joana desligou a chamada de curtíssimos minutos e atirou o telefone para o fundo do sofá. Suspirou pesadamente enquanto olhava em seu redor e uma vez mais o vazio e a solidão voltaram, e com eles o silêncio imperador fizeram-na recordar do triste cenário da sua vida… Triste por pouco tempo, pois sem outra alternativa ela estava decidida a pegar na sua vida e dar-lhe uma volta refortalecida, que iria fazer dela uma nova mulher, com novas ambições, com novas perspectivas para o futuro, e oxalá uma mulher com uma nova e maior vontade de voltar a amar.




***




- Bom dia, Dona Luísa! – saudou Adriana à porteira do prédio, assim que numa postura inquebrável atravessou as portas duplas de vidro que resguardavam os interiores do condomínio privado

- Bom dia, Adriana… Quer que avise o menino Ruben que vai subir?

- Não, Dona Luísa, deixe estar… Vou fazer-lhe uma surpresa! – ironizou levemente, demarcando caminho para o elevador

Nem era tarde nem cedo… A conversa rigorosa que ela queria travar com Ruben era já para ter chegado há mais tempo, mas sempre com circunstâncias novas a atravessarem-se no caminho de ambos, a altura tivera de ser adida… Até àquele momento! Não haveria mais desculpas para fugir ao inevitável, e ele iria ouvir o que provavelmente não queria e o que andara há demasiado tempo a evitar… 

- Adriana… - sensivelmente pouco tempo depois de bater, Ruben veio abrir-lhe a porta, e felizmente para ele que estava sozinho em casa

- Olá, Ru… Posso entrar? – ele beijou-lhe delicadamente a face e Adriana retribuiu amigavelmente o mesmo gesto na dele

- Ah… Eu estou quase de saída, mas sim… Entra! – abrindo passagem entre o seu braço que se ergueu no ar e a ombreira, ela pôde entrar sem reservas no apartamento dele – Não estava a contar contigo… Precisas de alguma coisa?

- Sim… Preciso de conversar contigo… - informou calmamente impetras a manter a calma desde o início, evitando apanhá-lo numa surpresa rompante e disparar com acusações precipitadas

- E tem de ser agora? – foi fácil de notar que ele estava apertado de tempo e com alguma pressa, e por isso seguiu para o seu quarto para acabar de preparar o saco de treino – Tenho que sair para o Seixal daqui a alguns minutos…

- O que eu tenho para falar contigo não pode mesmo esperar… Levo-te dez minutos. – seguindo atrás dele, Adriana acompanhou-o, redundante a aproveitar cada minuto que lhe era dispensado para falar – Posso perguntar-te onde estiveste ontem à noite ou é indiscrição? – ela não foi de rodeios e atingiu o assunto mestre numa só rajada

- O quê? Porque é que queres saber? – Ruben estranhou aquela pergunta de início, mas pouco e pouco raciocinando, foi capaz de chegar lá 

- Não queres responder?

- Se vieste aqui só para fazeres essa pergunta, suponho que já saibas a resposta… - equacionou rapidamente, antevendo as represálias que ainda iria ouvir da melhor amiga

- Dormiste com a Joana, Ruben? Dormiste com ela?!

- Sim, dormi! Dormi com a Joana… Fui ontem a casa dela e dormimos juntos, e então? – com toda a firmeza ele não tentou sequer mentir, pois era óbvio que teria factos  suficientes reunidos contra si e esses não poderia negar

- E dizes isso com a maior descontração do mundo…

- E como é que pretendias que eu dissesse?

- Não estás arrependido?

- Não… Se queres saber não estou. – referiu, embora estivesse ciente e sentisse um leve peso na consciência por ter traído a pessoa com quem era comprometido agora, mas se não tivesse partilhado aquele momento com Joana, arrepender-se-ia ainda mais – Foi um erro, foi e sabemos disso, mas não estou arrependido.

- Ruben, o que é que te passou pela cabeça? Tu estavas noivo da Inês! – evidenciou num tom claro de censura que pretendia unicamente atingi-lo

- E continuo a estar… O meu momento com a Joana foi… - foi desnecessário tentar caracterizar o momento que partilhara com Joana, Adriana fizera-lhe o favor de fazê-lo por si

- Foi uma despedida!?

- Sim, exactamente, foi uma despedida! Agora cada um pode seguir o seu caminho, e preservar as coisas boas que ficaram de nós, bem como a forma como acabou… Eu já estou a fazer isso com o meu, e espero que a ela consiga fazer o mesmo, só lhe desejo o melhor! – não o dizia da boca para fora, Ruben sentia-o de facto, apesar do seu caminho ter que seguir por trilhos diferentes e distantes dos de Joana

- E que desculpa deste à Inês por não teres vindo dormir a casa? – inquiriu, rematando os cabelos soltos para trás dos ombros, enquanto o seu pé irrequieto fazia bater ritmadamente a sola do sapato contra o soalho

- Não dei desculpa nenhuma porque vim dormir a casa.

- Vieste de madrugada, por tanto! – os seus braços contundentes abraçaram o peito aquando da sua reflexão certeira

- Mas que interrogatório e especulações são essas agora?! Que mania de todos se meterem na minha vida! – praguejou já um quanto irritado com aquela conversa, que por muito que tentasse disfarçar, estava a mexer consigo e a fazê-lo vacilar a cada instante um pouco mais

- Pois, e logo tu que estás tão enganado sobre a vida, Ruben… Tão enganado…

- O que é que queres dizer com isso?

- Se eu não te conhecesse tão bem diria que não estavas a sofrer com tudo isto, mas estás… - realmente Adriana foi a única pessoa capaz de decifrá-lo, capaz de trazer à margem os sentimentos mais obscuros e revoltados que Ruben cismava em manter escondidos de todos

- Eu… Eu não sei do que é que estás a falar! – negou tão depressa quanto conseguiu, no entanto escorregando num pequeno deslize que fez a sua voz falhar quando perdeu a intensidade

- Sabes, é claro que sabes… Porque é que procuraste a Joana?

- Acaba já com essa conversa, Adriana! – ordenou, antes que Adriana referisse o ponto chave que iria fazê-lo quebrar, que iria desalentá-lo por completo e levá-lo às amarras de uma tristeza que já começava a sentir

- Não precisas de dizer nada, ambos sabemos porque o fizeste… - referiu na máxima perspicácia, vendo-o inquietantemente nervoso enquanto fazia a travessia entre o roupeiro e a sua cama, arrumando o seu equipamento dentro do saco

- Não queiras tornar esta conversa ainda mais desagradável…

- Eu não estou a tornar desagradável coisíssima nenhuma! Sinceramente, Ruben, eu já nem te reconheço… O que é que aconteceu para ficares assim?

- Assim? Assim como?! Estás a referir-te ao quê?

- Ora, tu sabes bem ao que eu me refiro…Tu não és mais o mesmo Ruben, sempre contente, bem disposto e a fazer os outros rir… Ficaste mais fechado, mais frio e insensível… E tudo isto desde que chegaste do teu estágio em São Francisco.

- Oh Adriana, por favor, estás a ver coisas onde elas não existem… Eu continuo a ser o mesmo! – desaprovou imediatamente, tentando escapar de mansinho por baixo da porta, relativamente ao apontamento absoluto que ela fizera sobre si

- Não, não continuas! És o meu melhor amigo, caramba! Eu conheço-te e sei perfeitamente quando mudas e tu estás mudado… Parece que não tens mais aquela vontade de sorrir nem de viver a vida como tinhas dantes… - evidenciou o que todos, ou praticamente todos os mais próximos de Ruben, achavam, levando-o a encobrir o motivo das mais recentes atitudes e comportamentos que não eram nada dele e as quais nunca o caracterizaram

- As circunstâncias da vida são capazes de mudar uma pessoa, e se isso aconteceu comigo, então eu peço desculpa se as minhas atitudes e comportamentos susceptibilizaram de alguma forma alguém…

- A única pessoa aqui a quem te tens de pedir desculpa, é a ti, Ruben… - revelou numa lividez intocável de pena que sentia por ele, que mesmo conscientemente o levava a magoar-se a si próprio também – Tu és muito melhor que isso, muito melhor… E eu gostava de ter o meu velho melhor amigo de volta.

- E como é que isso será possível, estando este Ruben… Estando eu… - buscando por palavras que descrevessem o seu novo eu, Ruben perdeu-se na ambiguidade de não querer acabar o que começara por dizer – Olha esquece, a verdade é que também ninguém quer saber!

- Eu quero! E tenho a certeza que as pessoas que gostam de ti, que te amam, também querem saber… - proferiu muito convicta do que dizia, adivinhando depois o que ele quereria ter dito mas não tivera coragem para terminar – Estando tu magoado…? Era isso que ias dizer?

- Sim, era isso. Estou magoado, desnorteado, perdido com tudo o que aconteceu…

E ele estava de facto perdido… Ele sentia-se perdido e apenas se esforçava para que ninguém descobrisse. Tinha vivido os últimos tempos isolado, à sombra de si próprio e evitara falar fosse com quem fosse sobre os seus sentimentos, as suas emoções que haviam sido arremessadas pelos torpedos e reviravoltas da vida. Sentia-se em baixo, esgotado, mas não mostrava… Ele que cometera os seus desacertos e aprendera a viver com eles em silêncio e a cada dia.

- É dessa maneira que te tens sentido, mas penso que ninguém diria isso, Ruben… Apesar de estares distante, mostras sempre firmeza nas decisões que tomas, nas atitudes que tens para contigo e para com os outros, ninguém seria capaz de notar que ainda estas a sofrer…

- Tu notaste. – evidenciou, pelo reparo que a própria Adriana suscitara sobre si – Desde que… Desde que regressei dos Estados Unidos… Sem a Joana. Felizmente tu não sabes o que é ser deixado pela pessoa que mais amas, sem uma única explicação… Anos depois ela reaparece na tua vida, voltam-se a apaixonar e de repente desaparece outra vez, sem dizer nada, dias a fio… Foi demais para mim, Adriana, foi demais para mim voltar a sentir o mesmo da primeira vez, ou ainda pior… A partir daí eu fiquei completamente fora de mim…

- E lá estás tu a martelar no mesmo, mas que teimoso… A Joana não te deixou!

- Eu sei! Agora sei disso… Eu agora acredito nela, juro que acredito…

- Ai sim? E apeteceu-te abrir os olhinhos só agora, foi? – a sua testa franziu levemente pela sua contestação, logo que as suas sobrancelhas se arquearam num arco incontestável – Pois então agora já vais tarde, Ruben… Decidiste acreditar nela tarde demais!

- Não precisas de reforçar o evidente… Já me sinto mal o suficiente para agora estar a ouvir represálias…

- E é bom que sintas, ouviste bem? É bom que sintas! Tu foste um grandessíssimo burro orgulhoso que não gosta de admitir que por vezes pode errar! – acusou com o indicador arrebitado no ar, não se preocupando em feri-lo com palavras mais amargas – Agiste como um autêntico palerma ao não lhe teres dado ouvidos, e agora acreditas nela…

- Já ofendeste tudo o que tinhas para ofender? Estás mais alíviada agora? – inquiriu logo que Adriana acabou de falar, não rejeitando de forma alguma as queixas que ela lhe atribuiu

- Por acaso até estou… Já andavas a merecer ouvi-las! E se ninguém não te mergulha a cabeça na realidade, eu não me importo de assumir essa função!

Depois da sentença dada, veio o silêncio. Ruben mostrou-se mais abatido do que em algum momento mostrara estar desde que Adriana aparecera, o seu olhar compadeceu mirrado de angústia e incerteza e a sua postura perdera a firmeza pela então demência do seu espírito. Ver-se confrontado por tanta verdade, fê-lo balançar nas escolhas que fizera para a sua vida.

- Posso fazer-te uma pergunta?

- Força… - permitiu, sabendo que mesmo que não o fizesse, Adriana prosseguiria na mesma

- Porque é que pediste à Joana para ser a tua madrinha de casamento?

- Acredita que isso foi uma coisa da qual eu não me orgulho nada de ter feito…

- Como assim?

- Eu nunca depois de reatar o noivado com a Inês, pus em hipótese convidar a Joana para o casamento, quanto mais para ser a minha madrinha… - esclareceu verdadeiramente, retendo sofregamente  para si o tormento que por aquela história, causara a Joana

- E porque é que o fizeste, então?

- Porque a Inês me pediu uma prova de amor… Ela soube que eu e a Joana voltamos a ficar juntos em São Francisco, e ela estava insegura, pensava que eu ainda amava a Joana para agora querer voltar a casar com ela…

- E pensou muito bem! – por não querer mostrar nenhuma emoção há referência dela, Ruben fechou o saco que já tinha pronto e saindo do quarto rumou para a sala de estar, juntamente com Adriana que voltou a segui-lo

- … E foi isso, pedir à Joana para ser a minha madrinha era a prova de como eu não sentia mais nada por ela, foi isso que a Inês me pediu, mas eu sempre pensei, sempre, que ela não fosse aceitar…

- Mas aceitou e acredito que lhe tenha custado muito tomar essa decisão. Ela é uma mulher muito forte, corajosa…

- Pois é… - concordou com um sorriso ameno que foi desaparecendo naturalmente logo que prosseguiu – E eu detesto magoá-la, podes pensar o contrário mas esta é a verdade… detesto vê-la a sofrer, a chorar, muito menos quando é por minha causa.

- Podia ser tudo tão diferente se não tivesses sido tão casmurro naquela altura… - em consequência da interjeição de Adriana e ao fim de alguns minutos em silêncio, os olhos de Ruben começaram a ficar húmidos e a ganhar uma nova cor, um raiar forte e profundo de vermelhidão que ilustrou a condescendência do seu estado de espírito, que minuto após minuto se deixava abater pelas verdades que a ele lhe eram ditas

- Agora já não vale a pena olhar para trás e lamentar o passado, o que está feito, está feito, e tenho que arcar com as responsabilidades das decisões e compromissos que tomei desde então.

- O teu maior compromisso e responsabilidade neste momento é teu casamento.

- Sim, nisso tens razão, eu já desfiz este noivado uma vez, seria mau demais voltar a fazê-lo… Tenho a certeza que iria desiludir muitas pessoas se o voltasse a fazer.

- Acredita que estás a desiludir mais ainda levando este casamento para a frente…

- Eu sei, e não precisas de mo dizer, eu sei que desiludi muita gente com a retoma deste noivado Desiludi a minha mãe, desiludi o David e até a ti, e talvez até tenha sido precipitado mas agora já não posso reconsiderar e voltar atrás…

- E sabes porque é que nos desiludiste, Ruben? Porque nós gostamos muito muito de ti, e não queremos ver-te cometer um erro que te pode deixar indeterminadamente infeliz

- Isso não vai acontecer… Eu vou tentar construir a minha felicidade. - afirmou meramente confiante, mas sem conseguir conter um suave lacrimejar que surgiu na linha de água dos seus olhos, fazendo um esforço tremendo para não deixar nenhuma lágrima rolar

- E podes explicar-me como tencionas fazer isso amando tu outra pessoa?!

- Vou esquecer essa pessoa e vou aprender a amar a Inês de novo… Já a amei uma vez, posso apaixonar-me de novo por ela! – fiando-se nas suas próprias palavras, Ruben fez de tudo para acreditar nelas, mas essa decisão não estava nas mãos dele para ser tomada… dependia apenas das condições do seu coração

- Tu nunca amaste a Inês como amas a Joana, Ruben…! O vosso amor um pelo outro é genuíno, é puro… Não há cá isso que tens com a Inês do "aprender a amá-la"… O amor que tens com a Joana só aparece uma vez na vida, acredita nisso! Não terás outra oportunidade.

- Eu sou uma besta… Uma besta… - fatalmente arrependido pelo amor que perdera para sempre, e como agora era já tarde demais para recuperá-lo, o desespero domou-lhe todo o corpo, o que permitiu a sua cabeça inclinar ligeiramente para a frente, assumindo as culpas que a ocupavam

O coração de Ruben ressentiu-se por fim, o que o levou rebentar num choro aflitivo e exasperado, que fez Adriana olhá-lo com outros olhos, com os olhos de quem sabe ver para lá das acções e palavras que poderiam ser enganadoras, e envolvê-lo num abraço de apoio e carinho que sentia ele estar a precisar muito.
A máscara caiu e ao de cima reapareceu o antigo Ruben, magoado, triste e a sofrer como ninguém imaginava, a deixar-se finalmente chorar, como já não chorava há muito tempo.

- Esse coração não está totalmente curado de um grande amor, tu mesmo provaste isso ao procurares a Joana e teres ido lá a casa ontem… - acrescentou, prologando a sua afirmação anterior – Vocês acabaram por não resistir ao que sentem e envolveram-se sem reservas…

- Eu juro que não era essa a minha intenção. Eu ia lá, conversávamos um pouco, eu pedia-lhe desculpa e vinha embora, apenas isso… - revelou num soluçar apertado no peito que era sacudido a cada respiração esforçada - Mas depois ao vê-la, parece que me esqueci de tudo, o que ia lá fazer, tudo! Eu perdi o controlo e deixei-me levar…

- … Pelo que sentias! - completou-o Adriana sem hesitações – Ai, Ruben, gostava tanto de poder compreender-te, de saber o que vai nessa cabecinha… - os dedos da sua mão improvisaram um pente que deslizou no cabelo dele, de maneira a fazê-lo acalmar um pouco

- Eu tenho que ir… - anunciou, limpando rapidamente as lágrimas do rosto para do chão pegar o enorme saco de desporto e colocá-lo ao ombro

- Ruben, espera… - Adriana ainda tentou travá-lo, testemunhando o estado transtornado que o abalava e que ele queria a todo o custo dar a mínima importância e manter longe dos olhares de todos

- Quando saíres não te esqueças de fechar a porta. – deu-lhe um beijo rápido no topo da cabeça e saiu, deixando para trás ainda umas quantas incógnitas em redor daquela conversa, que não se viriam tão cedo a serem devidamente esclarecidas

Ele saiu lavado em lágrimas, deixando somente de arrasto no corredor, o som do soluçar que ainda não tinha conseguido estabilizar do seu choro recente.
Ruben podia enganar muita gente, mas não podia enganar-se a si próprio, e depois do confronto que travara com ele, Adriana pôde tirar uma única conclusão, a autêntica e derradeira, sem a mínima dúvida a patentear-lhe o pressentimento: “Ele vai casar-se, isso é certo, mas não vai ser com a Inês…”.





Queridas leitoras, fica aqui mais um capítulo! :)
Espero que gostem e deixem os vossos comentários,
Boa leitura!

Beijinhos a todas,
Joana :)


10 comentários:

  1. Q capitulo mágico..... :)

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  2. oh...eu sabia que nao ia correr bem.
    Cobarde, fugiu!! Tadinha da Joana :/
    A despedida?! Pois, nao consegue perdoar-se por nao ter acreditado na Joana e agora que percebeu que fez asneira ao casar-se com a Inês, quer uma despedida, como se aquela noite fosse alguma uma despedida, entre aqueles dois nunca vai haver despedida, o amor é demasiado grande.
    Não sei porque mas acho que a vinda do Will ainda vai dar muito que falar e acho que quem nao vai gostar nadica de nada será o Ruben quando souber que ele vai estar na casa da Joana e quem sabe se nao será mais, se nao será o seguir em frente dela. Espero que nao, se bem que era bem feito para o Ruben, para ele sentir o que a Joana sente cada vez que o ve e imagina com a Inês.
    E a Adriana, hein?! Esperta, conseguiu apanhar tudinho. Gosto dela!! Conseguiu fazer o Ruben falar, fazê-lo abrir os olhos e ainda lembrar-lhe que ele nunca amará a Inês como ama a Joana.
    Ah, adoro a certeza dela: “Ele vai casar-se, isso é certo, mas não vai ser com a Inês…”.
    Espero mesmo que este casamento nao chegue a acontecer!!

    Beijinhos e continua a escrever porque isto tá cada vez melhor! :D

    Lisandra

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  3. Cada um pior que o outro.... como quem diz.... está de matar qualquer um...
    Este Rubico dá cabo de mim. Ai que dor...
    Amei, publica rápido por favor.
    Beijo
    Adriana

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  4. Gostei do capítulo, de saber como o Ruben pensa.
    Mais uma vez te digo, era fantástico se a Adriana engravidasse mas não lhe dissesse e mentisse sobre quem era o pai , desenvolver apartir daí ia dar pano para mangas.
    Adorei e espero por mais !!

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  5. Escreves de uma forma que consegues prender-me completamente à história, resultado fico demasiado curiosa para ler sempre mais... És a única que tens esse poder sobre mim :P a forma como descreves as situações mas principalmente como estruturas a história só faz com que seja quase perfeito, não digo que é perfeito porque para mim a perfeição não existe... há sempre mais qualquer coisa a melhorar e prova disso é ver a evolução da tua escrita... ainda me recordo dos primeiros capítulos que li teus (os da tua primeira fic) e se os comparar nada têm de parecidos, se os anteriores já eram bons estes são excelentes... Só posso pedir-te que não deixes de escrever porque de fato tens um talento que merece continuar a ser explorado… Posto isto vou finalmente comentar o que li!!!!

    Minha linda... o que dizer mais além de tudo o que já sabes... só mesmo reforçar que não consegui ter peninha nenhuma dele... para mim bem que pode sofrer, chorar, berrar, fazer aquilo que quiser que não irá conseguir amolecer o "odiozinho" que conseguiste que criasse ao ler tudo o que já li (o que postaste e o que virá por aí :P) juro que por mais que leia e volte a ler só consigo ficar ainda com um "pó" maior... ai se pudesse acertava-lhe o passo cá de uma forma... E a Joana... vê lá se a metes a chegar-lhe a roupa ao pêlo!!!! Vá rapidinho que estou a desesperar por novidades... quero aqueles capítulos... só de saber que terei que roer as unhas durante mais... (nós sabemos quantos :P)

    Beijinhos!!!

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  6. não sei o porquê mas já gostei mais deste capitulo :p
    Continua Joana e mais uma vez parabéns :)
    publica rapidinho :p
    beijinhos

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  7. Finalmente apareceu alguém para dizer umas boas verdades ao menino Rúben, ser amigo é isso mesmo, não é só beijos e abraços, quando é preciso dar na cabeça lá está ele, e esse sim é o verdadeiro amigo, gostei muito da atitude da Adriana, porque ela conseguiu que o Ruben de alguma forma dissesse o que lhe vai na alma. E até que enfim que o Rúben assumiu aquilo que tem sido ultimamente, uma besta, não é nada que eu não lhe tenha já chamado, mas ao menos admite, mas apesar de assumir continua a sê-lo, porque insiste na ideia estúpida de casar com a outra, quando todos sabemos e ele já o admitiu que continua a amar a Joana.
    Foi um erro a noite dos dois? foi, primeiro porque entre eles nunca vai haver despedidas, o amor que os une não o permite, segundo só fez com que as saudades aumentem, porque se a própria Joana já tinha metido na cabeça que ia seguir em frente, esta noite só serviu para que aquela esperança que ela tinha bem guardada lá no fundo do coraçãozinho dela aparecesse novamente, terceiro o acordar, um novo dia e com ele a realidade, tudo voltou a estar como estava, a Joana sozinha, o Rúben noivo e de casamento marcado, que não teve a coragem de lhe dizer na cara tudo o que escreveu no bilhete, mas do mal o menos ao menos não se foi embora sem uma palavra, mas algo me diz que esta noite ainda vai dar muito que falar, é esperar pelos próximos capítulos.
    Concordo com a Mariana, não é com meia dúzia de lágrimas, e com o discurso de que foi uma besta que o Rúben me convenceu, acho que depois de tudo o que ele tem feito a Joana sofrer, já merece uma lição, e como a Mariana diz e muito bem, a ver se a Joana lhe chega a roupa ao pêlo. Esta visita do amigo da Joana se calhar até veio mesmo a calhar, gostava de ver o Rúben a subir pelas paredes ruidinho de ciúmes, com uma vontade louca de ir ás trombas do outro, isto sim era provar do próprio veneno.
    Adorei, tudinho do principio ao fim, e por isso só te posso pedir mais.
    Continua

    Beijocas

    Fernanda

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  8. Adora a tua fic deste o primeiro capitulo aqui publicado :)
    Custa ver estes dois separados e ainda mais o ruben a magoar assim tanto a nossa joaninha...
    Eu acompanho a fic juntamente com aminha irmã ela é uma sonhadora...ao fim de ler disse logo oh ela podia ficar gravida depois desta noite e não dizia nada ao ruben no dia antes do casamento a namorada do ruben descobria ia ao altar e na parte do se aceita casar com ele ela dizia não porque ele a tinha traído e dia que ela estava gravida e o filho era do ruru...ahah esta garota é louca e faz com cada filme...Mas continua RAPIDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

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  9. Por favor, estou super ansiosa... publica o mais rápido que puderes.
    Beijo

    Adriana

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