A madrugada
seguinte prevaleceu inerte e passiva lá fora, despindo dos céus o crepúsculo da
noite para dar lugar a um novo dia que aos poucos e muito timidamente, começava
a raiar.
Joana acordou
quando os seus sentidos a fizeram despertar pela falta de conforto e aconchego
de outro corpo que já não abraçava o seu. A sua mão estendeu-se ao outro lado
da cama para o procurar, mas nada mais sentiu do que o vazio da presença dele,
que deixara para trás uma temperatura arrepiantemente arrefecida no colchão e
lençóis, muito desigual à da noite anterior.
Estranhando
por não o ter ali, ela levantou-se vestindo no corpo umas cuequinhas e uma
t-shirt larga, e decidiu procurá-lo.
- Ru? –
chamou por ele ainda meio ensonada, batendo levemente à porta da casa de banho
privativa que o seu quarto oferecia, e não obtendo qualquer resposta, invadiu o
seu interior, mas este imperava alheio à presença dele – Ruben…?
Abandonou o
quarto, desceu calmamente as escadas e enveredou pelo corredor principal do
piso inferior… Um silêncio mórbido e penetrante invadia cada canto da casa, e a
cada passo que Joana dava, uma inexplicável sensação de desesperança e
mal-estar ia-se sorrateiramente instalando no mais profundo de si, levando-a a
querer que ali algo não estava bem, algo estaria para acontecer e que ainda a
iria magoar muito, como um mau presságio antevendo o desmanchar da sua vida que
não estava destina a ser vivida em pleno, tal como ela queria e um dia
imaginara.
Procurou-o na
cozinha, na sala de estar, mas não encontrou nada que denunciasse a sua
permanência ali, e foi então que caminhando num só rumo, alcançou o alpendre
das traseiras como o único lugar que restava para procurar.
- Ruben,
estás aqui? – logo que deslizou a porta corrediça e enveredou pelo alpendre, o
seu olhar varreu todo o jardim, vislumbrando cada recanto onde o pudesse
encontrar mas foi totalmente em vão, nenhum sinal dele… nada – Que estranho…
Será que se foi embora?
Cismando
nessa mesma dúvida, que só mais tarde viria a ter a sua resposta, ela voltou
para dentro, com o coração apertadinho no seu canto, deixando que uma nuvem
pesada toldasse todos os seus sentires, que não eram os melhores naquele
momento.
Tomou de novo
caminho directo para o hall de entrada no propósito de voltar a subir para o
seu quarto, mas algo em que o seu olhar se encaixou não a deixou chegar nem
perto do primeiro degrau. Em cima do móvel de entrada estava deixado um papel
rasurado… um bilhete prenunciador de mais um desengano.
- O que é
isto? – na estranheza austera de tudo aquilo, Joana retirou a chave da casa
sobreposta ao papel a qual Ruben guardara na noite anterior, e seguro entre as
suas mãos começou a ler o recado escrito a uma caligrafia acelerada mas
totalmente legível, e não foi capaz de controlar as lágrimas que escorreram
então pelo seu rosto
“Joana,
Não sei o que
mais posso dizer-te a não ser o pedido de desculpas que mereces de mim.
Desculpa por tudo… Pelo jeito que te tratei nos últimos tempos, pela forma como
te magoei, pelo nosso amor que eu desisti.
Sou um fraco
e não mereço o amor que tens por mim, e é acobardado por essa fraqueza que
estou a ir embora esta madrugada, a escrever-te este bilhete enquanto tu estás
tão serena a dormir.
Apesar de
ambos sabermos que o que aconteceu ontem entre nós ter sido uma loucura, eu não
me arrependo de ter sido louco nessas horas… Queria-te, desejava-te e
tivemo-nos um ao outro… pela última vez.
Como sabes os
tempos mudaram e também eu tive que mudar… O meu casamento está marcado e eu
não posso faltar a esse compromisso. Não tens de ir se não quiseres, não tens
de ser a minha madrinha se essa não for a tua vontade. És livre para seguires
com a tua vida e ser feliz, mais feliz do que eu algum dia fui capaz de te
fazer.
Estou para
aqui a escrever e nem sei bem o quê, parece que ando às voltas… É assim que me
tenho sentido, a andar em voltas constantes e ir parar sempre ao mesmo lugar.
Não espero que compreendas esta minha atitude nem que me perdoes já, pois eu
mesmo ainda estou a tentar perdoar-me por não te ter ouvido e arrependo-me por
agora ser tarde demais.
Tu, mais do
que ninguém, mereces tudo de bom na vida, e agora já não estou tão certo de ser
eu a pessoa digna de te dar esse tudo que mereces, e por isso afasto-me para
que encontres o teu caminho, agora diferente do meu. No futuro, se os nossos
caminhos se encontrarem, espero que consigamos sorrir um para o outro, sem mais
mágoas do nosso passado, por isso não vamos mexer-lhe mais, vamos preservá-lo e
guardar as coisas boas e lembrarmos o quanto crescemos com ele e o quanto nós
dois crescemos juntos.
Queria saber
o que escrever agora para me despedir, mas nunca fui com despedidas…
Ruben”
Chegou ao fim
e nem quis acreditar no que os seus olhos, rasos de lágrimas que caíam
abruptamente, tinham acabado de ler… Ficou simplesmente de rastos. Pelo seu
choro que se intensificou, as suas costas embateram na porta e foi contra ela
que o seu corpo deslizara desamparado até encontrar o chão.
- Acabou,
acabou mesmo… - balançando-se entre um soluçar que de mansinho se instalara,
ela recusou-se a ouvir as vozes da verdade… eram atrozes demais
Sentiu-se sem
rumo, sem chão debaixo dos pés, quando ingenuamente chegara até a colocar a
hipótese de ver a sua história amorosa completa e finalmente feliz, depois da
noite de amor que partilhara com Ruben… Mas estava enganada, redondamente
enganada e mais uma vez sentiu-se afogar na desilusão da uma sina que não
previra um final afortunado.
Quando ganhou
forças, embora que muito poucas e tentadas a abandoná-la a qualuquer momento,
guiou-se deambulando tremulamente sob os seus pés para a sala, e foi no sofá
que fez o seu poisio seguinte e necessário.
Encolheu-se
tristemente a um canto do sofá e abrindo os portões do seu peito a novos mares,
deixou-se chorar. Não podia culpar Ruben por estar a sentir-se assim, porque lá
no fundo ela mesma sabia que depois daquela noite o encantamento podia passar e
tudo voltaria ao normal… Longe dos braços um do outro. Mas um fiozinho de
esperança morou sempre consigo, e Joana não pôde deixar de se agarrar a ele.
Os ponteiros
do relógio de parede marcavam as seis horas da manhã, e lendo e relendo vezes e
vezes sem conta aquele bilhete, ela deixou-se ficar ali perdida durante mais um
par de horas… esperando preencher aquele vazio e acalmar aquela dor, esperando
não voltar a sentir mais.
***
- Estou a ir…
- adormecida no sofá, ela acordou com o toque da campainha… calçou as suas
havaianas, compôs a t-shirt e ajeitou o cabelo, isto para conseguir disfarçar
minimamente o seu estado de apatia que se arrastou até antes de se deixar
dormitar, e de passada vagante encaminhou-se até à porta principal
- Olá, amor!
– era Adriana, a namorada de David com quem formara uma amizade já muito forte
e achegada, indiscutivelmente essencial a momentos como aquele
- Adriana,
que surpresa! – por não ter sido avisada antecedentemente da sua visita, Joana
ficou admirada por vê-la, mas nos lábios abrilhantou um sorriso sincero, contente
por tê-la ali – Entra, amor!
- Com
licença. – pediu com extrema educação que desde sempre importara na sua
personalidade, e logo que lhe foi aberta passagem, não hesitou em entrar no
mundo resumido da amiga – Desculpa ter vindo sem avisar, mas como a tua semana
de férias já passou e tinhas o telemóvel desligado…
- Não te
preocupes, fizeste bem em vir… Já estava com saudades tuas! – enunciou no calor
de dois beijinhos que partilharam e num abraço aconchegante de destilou a
porção elevada dos dias que perfilharam a ausência pessoal uma da outra
- E eu tuas,
pequenina… Tenho muita coisa para te contar, temos que pôr a conversa em dia! –
ao quebrar o abraço demasiadamente reconfortante, Adriana teve pela primeira
vez uma visão nítida e total sobre o rosto desconsolado de Joana, que esta não
teve como puder esconder-lhe – Que olhinhos são esses, amor?
- Oh… São
alergias… - uma desculpa fácil e perfeitamente aceitável àquela condição, que
ela deu sob o seu primeiro pensamento – Sabes como é nesta altura do ano… Fui
ao jardim quando acordei e fiquei logo com esta linda cara!
- Pois, nesta
época é natural… Tens que tomar alguma coisa… - engolindo as palavras que
ouvira, Adriana acarinhou o rosto dela, com a delicadeza de um breve passar de
dedos
- Sim, eu
tomo, não te preocupes! – tranquilizou-a no mesmo instante sorrindo para a
serenar, e abraçadas guiaram-se num único trajecto até cursarem a sala de estar
– Já tomaste o pequeno-almoço?
- Não, ainda
não… Na verdade vinha cá para te apanhar exactamente para irmos tomar o
pequeno-almoço fora, passearmos um bocadinho, conversar…
- A mim
parece-me uma óptima ideia, mas antes de sairmos tenho mesmo que tomar um café…
Queres que também tire um para ti?
- Sim, pode
ser… Aceito! – admitiu no seu tom meigo habitual, enquanto deixava que o seu
olhar percorresse toda a sala, que conhecia pela primeira vez
- Então
senta-te e fica à vontade… Demoro dois minutos.
E dois
minutos foi o bastante para Adriana desvendar o mistério do qual não
desconfiava, mas que a amiga lhe escondera desde a sua entra naquela casa.
Joana desapareceu no corredor, deixando para trás e esquecida, a evidência que
tinha contra si por ter sido não vítima de alergias como se
desculpara, mas de uma corrente de choro, e a prova disso fora deixada pousada
no sofá bem ao alcance de Adriana. Ela sentou-se a um canto e no primeiro
relance lançado ao pousar a sua mala de mão perto de si, passou-lhe
despercebido, mas acabou por dar conta do papel sobre o qual tinha colocado a
mala, e olhando com mais atenção, reparou na caligrafia que conseguiu
reconhecer indiscutivelmente… Foi-lhe impossível controlar a forte curiosidade
de que fora alvo e não ler aquele bilhete manchado de lágrimas.
- Aqui estão
os cafezinh… - ao entrar de novo, Joana interrompeu as suas próprias palavras
pelo cenário debuxado na sua frente, não aguardado e do qual ela se devia ter
precavido antecipadamente, ao professar
interiormente o discurso justificativo que lhe devia dar
Adriana tinha
lido tudo, cada palavrinha, cada pedido de desculpa, cada vírgula, cada
parágrafo, e muito dificilmente seria capaz de ficar mais incrédula do que
mostrara parecer. Os seus olhos divergiram entre aquele papel e o rosto de
Joana, que então fora invadido por uma palidez amadurecida pelo pasmo que lhe
percorrera todo o corpo, na incerteza do que deveria ser dito naquele momento,
mas evidentemente que alguma coisa teria de ser dita.
- Posso
perguntar-te o que é isto? – foi a questão mais óbvia e eficaz de se fazer, no
entanto a mais difícil de se achar respondida
- Nada de
importante… - menosprezou, colocando seguidamente sob a mesinha de apoio, o
pequeno tabuleiro sortido com duas chávenas de café e um bule de açúcar, Joana
tentou ao máximo disfarçar o interesse daquele papel rasurado em palavras de
perdão e despedida
- O Ruben
escreveu-te um bilhete a pedir-te desculpa… a dizer que não se sente
arrependido pela noite que vocês passaram juntos… a despedir-se de ti e a
encorajar-te a seguires com a tua vida enfrente… - ela foi revelando à medida
que do papel que detinha na sua mão, distinguia os pontos chave do mesmo – … e
dizes que não é nada de importante?
- Adriana,
por favor… - era evidente para todos que Joana não queria falar sobre aquilo, a
sua cabeça estava ainda demasiado quente para conseguir falar sobre o assunto
que a debilitava tanto, quando as lágrimas não estavam totalmente desvanecidas
para as poder segurar
- Eu sei que
não me deves quaisquer explicações, mas juro que não entendo o que se passa
entre vocês os dois… - ela não pretendia ali levantar qualquer tipo de
acusação, apenas tentar entender as tempestades instauradas no coração dos dois
amigos – Quando é que ele te deixou isto?
- Esta manhã…
- respondeu num tom nivelado praticamente abaixo do que seria considerado
audível, tomando o lugar disponível no sofá de coro negro
- Hoje? Estão
esta noite de que o Ruben fala aqui, aconteceu ontem? Vocês estiveram juntos
ontem?
- Sim, foi
ontem.
- E pela
forma como ele aqui diz, já posso imaginar o que deve ter acontecido…
- Ele veio cá
porque queria conversar comigo, provavelmente para me dizer o que diz aí nesse
bilhete, mas entretanto fomos perdendo o controlo e quando dei por mim, já
estava no colo dele a beijá-lo…
- E acabaram
a…
- Acabámos a
fazer amor… - completou numa confissão em robustez enfraquecida, que não a
deixou premulgar nenhum sorriso, pelas clarividências patentes
- Ai, Joana,
não sei o que te diga… Sabes que vocês foram muito irresponsáveis, não sabes?
Principalmente o Ruben, caramba! Ele agora está comprometido com outra pessoa,
e desculpa, tu sabes que eu não digo isto para te magoar, mas temos que ser um
bocadinho racionais.
- Eu sei e
compreendo. O que aconteceu...
- Eu tenho
que ir falar com ele! – Adriana ergueu-se num pulo rápido e eficaz do sofá que
permanecia a ocupar, obtusa na intenção de procurar o melhor amigo e
enfrentá-lo, para de alguma forma tentar compreender as novas atitudes por ele
tomadas e porquê, e as quais não faziam de todo parte da carácter dele – O
Ruben não podia ter feito uma coisa destas!
- Não,
Adriana, por favor… - Joana pediu-lhe piedosamente para que não o fizesse e
levantou-se também, tentando demover-lhe aquela ideia não só porque sabia bem
que Ruben não gostava de ser confrontado, como também nenhum ajuste de contas
seria capaz de alterar o rumo de tudo o que já tinha acontecido – Tu não lhe
digas nada, pelo amor de Deus! A culpa foi minha também…
- Mas foi o
Ruben que veio cá, foi ele que veio procurar-te!
- E eu
deixei! – asseverou guardando
para si a certeza íntima de que também ela contribuíra com a sua cota
para ter deixado a noite
entre eles chegar tão longe, e Ruben não poderia ser responsabilizado sozinho,
quando foram os ambos a querer e a entregarem-se a um momento que nunca deveria
ter acontecido – Nós envolvemo-nos porque eu deixei, eu quis, Adriana, eu quis
muito ser dele e deixei-me levar…
- Porque tu
ainda o amas…
O facto de
Adriana ter tocado na ferida, no assunto proibido, fez Joana despoletar lágrimas suaves e muito pouco aflitivas que
em nada se poderiam comparar nem se persuadiam às últimas de um choro a que se
tinha entregue há poucas horas. Este era um lacrimejar ligeiro, silencioso, que
nada mais lamentava do que o fim definitivo e real da história de amor da sua
vida.
- Amo-o e
perdi-o para sempre.
- Oh
pequenina, não fiques assim… Isso vai passar, vai passar… - professou numa
promessa que não tinha a responsabilidade de cumprir, chegando-se à beira dela
para reconfortá-la – Ficaste com esperanças por terem passado a noite juntos?
- De certa
forma sim, não vou mentir… A maneira que nos tivemos um ao outro foi tão
especial, tão indescritível, que por momentos me fez acreditar que tudo
voltaria ao normal entre nós, mas por outro lado eu sabia que não era aquela
recaída que nos ia fazer voltar. Acabámos definitivamente e da melhor maneira
possível, vamos deixar ficar assim as coisas… - por entre as últimas lágrimas
que caíam, ela mostrou um sorriso triste mas abonado por uma nova esperança,
pronta a arregaçar as
mangas e começar de novo... Desta vez apenas por sua conta
- Mas olho
para ti e vejo que continuas magoada, a sofrer…
- E quem
nunca sofreu por um grande amor? Faz parte… Tanto ele como eu cometemos erros e
temos que responder por eles… Embora esteja muito abalada com a situação, agora
compreendo que não poderia ter sido de outra maneira…
- Sabes que
eu estou aqui para tudo o que precisares… Não te vou deixar ir abaixo por causa
disto, tu és forte e seu que vais conseguir dar a volta por cima! - desta forma
e apoiada incondicionalmente pela amiga, por sentir não estar sozinha, ela
ganhou de novo a vontade de sorrir
- E o tempo
vai ajudar-me, tenho a certeza… E para além do mais ele esta com a Inês e eu
nunca iria meter-me no meio deles para separá-los, seria incapaz de uma coisa
dessas. – disse em conformidade da sua ininterrupta sensatez, pois Joana jamais
seria capaz de se interpor na felicidade alheia apenas para reatar a sua
- Eu sei,
princesa… E não imaginas a pena com que fico de vos ver assim.
- Ainda nos
resta a amizade… Espero que esse seja um factor que nos permita relacionar pelo
menos com a mínima civilização.
- E a amizade
chega-te?
- Tem que
chegar… Vai ser apenas esse laço que a partir de agora nos vai unir… nada mais.
– e era somente esse que os poderia continuar a manter próximos, estando os
outros laços que um dia os uniram, desgastados e corroídos pela fatalidade que
os separou
Não disseram
mais nada, não voltaram a tocar no assunto que ainda se encontrava tão débil e
frágil para poder ser discutido em condições. Joana estava magoada, profundamente
triste, mas o choque inicial já tinha sido apaziguado em si e agora somente
restava aprender a lidar com as suas vertentes da melhor forma... Lutar por si
e ser feliz à sua maneira, lutar pelo que acreditava, mudar para melhor, e se
havia algo que poderia mudá-la era sem a menor dúvida a dor, que a amargurava
mas que também a fortalecia e a fazia crescer.
O silêncio
que se arrastou nos minutos que se passaram, deu som às vozes de ambas que se
resguardaram a mais palavras que não iriam ser proferidas naquele momento,
talvez mais tarde, quando a poeira assentasse e o desgosto por uma perda
inconsolável deixasse de ser o ponto ressalteador que ali ainda a abalava.
Adriana
deixou-se ficar a abraçá-la, a enxugar-lhe as lágrimas que uma vez ou outra lá
se deixavam cair, a mostrar-lhe que o apoio e amizade incondicional que lhe
prestava, poderiam ser mostrados não mais do que por simples gestos, que
pareciam ser tão básicos mas fundamentais e suficientes ao que era preciso.
- Cabeça a
minha… Lembrei-me agora! Acho que vamos ter que deixar o nosso pequeno-almoço
para outra altura, tenho uns assuntos para resolver! – ao fim de algum tempo e
só por tê-la visto mais calma, ela começou a sua engendra no intento de
conseguir ir embora para procurar uma pessoa, Adriana teve que dar uma
mentirinha inofensiva que encobrisse a mudança repentina de planos, a qual
Joana não imaginava o que seria, porque se imaginasse com certeza que a
tentaria impedir
- Há algum
problema?
- Não, nada
disso! Apenas me lembrei que tenho que passar com urgência pela secretaria da
minha faculdade para entregar uns papéis da licenciatura, e não pode passar
mesmo desta manhã… Desculpa!
- Oh, não
sejas tonta… Não tens nada que pedir desculpa, vai lá! Combinamos para outro
dia! – ignorante aos planos de Adriana, nunca em momento algum ela estranhou ou
questionou a saída fugaz da amiga, que tinha como único propósito colocar-se
num frente a frente com Ruben, exigindo por explicações dele que muita gente
queria ouvir
- Pronto, eu
depois ligo-te!
- Claro, vou
ficar à espera! Queres que te acompanhe até à porta?
- Não, amor,
não é preciso. Dá cá um beijinho… - pediu meigamente, acompanhando um abraço
apertado de despedida, que fez Joana sentir-se acarinha e principalmente amada
por quem nutria um carinho enorme –Qualquer coisa que precises, já sabes… Não
hesites, eu virei ter contigo assim que puder. Adoro-te, pequenina!
- Eu também
te adoro… - foi assim que disserem um adeus de despedida que esperaram ser
curto para se voltarem a encontrar, levando desta maneira Adriana a sair e
recolher-se no seu carro, para dirigir num só rumo e direcção que a levariam a
encontrar respostas que ninguém se lembrara de procurar
Novamente sozinha,
e quando pensava que naquele momento nada mais poderia destabilizar o seu
canto, o telefone de casa deu sinais de si com um telefonema madrugador que em
nada motivava Joana a atender, mas que pela a insistência da segunda tentativa
seguida, a fez levantar-se custosamente do sofá para ir buscá-lo e trazê-lo
consigo para o seu ponto de apoio que voltou a fazer na sala, e só depois
de ficar confortavelmente deitada na posição fetal, que atendeu finalmente a
chamada.
- Sim? – escutou de pálpebras cerradas, quando
começou a sentir uma ligeira e aguda dor dar sinais de si na periferia da sua
cabeça
- Hi,
beautiful! – aquela pronuncia suave, aquela voz quente e embalante só poderiam
pertencer a uma única pessoa, que Joana deslindou no mesmo instante e que a
deixou incrivelmente reconfortada por dentro, ao estar a ouvi-la
- Will? –
inquiriu para uma confirmação, ainda assim sabendo que se tratava do seu muito
saudoso amigo que se fazia ouvir directamente da cidade das luzes – Oh Will,
que bom que ligaste… Que saudades!
- Muitas
saudades, piolha! – ele apoiou-a no sentimento mútuo de que partilhavam, e
ambos não conseguiram esconder o sorriso que lhes desenhou os lábios no mesmo
segundo, em que voltavam a retomar o contacto que se mantivera intocável nos
dois meses anteriores – Então e diz-me como é que estás? Como é que vai a
vidinha?
- Oh, cá vai…
Devagar devagarinho, mas bem… Como Deus quer. – proferiu simplesmente, não
tentada a suscitar algum assunto que ainda a deixava demasiadamente susceptibilizada
- Hum… Que
vozinha é essa? Pareces-me triste… - mesmo sem ter a oportunidade de vê-la, de
a olhar olhos nos olhos para lhe decifrar a combustão dos sentires incendiados,
William notou-lhe apenas na voz que algo não estava bem
- Não, não é
nada, não te preocupes… - disse que era nada quando na verdade era tudo, tudo
estava errado, tudo estava voltado de cabeça para baixo, e o seu mundo ao
contrário não tinha maneiras de se endireitar… talvez com o tempo, só com o
tempo – E tu, grandalhão, como é que estás?
- Eu estou
óptimo! Estou de férias e finalmente licenciado! – informou extremamente
contente e feliz, por ver um dos seus sonhos finalizado pela sua concretização
- Já estás
licenciado? Ai que bom, parabéns! – deixando que a felicidade de William completasse
e preenchesse a sua própria felicidade, que até à uns minutos era nenhuma,
Joana não pode deixar de patentear o orgulho que lhe sentia, por uma etapa na
vida dele ultrapassada e conseguida com sucesso
- É verdade
pois… Ainda estava a pensar inscrever-me este ano para tirar o mestrado, mas
decidi fazer uma pausa para trabalhar e depois logo se vê, quem sabe…
- Estou muito
contente por ti, Will… A sério que estou! – confessou mantendo o sorriso, e
sentindo o vazio no coração ser consolado pelo calor aconchegante que ele lhe
oferecia – É verdade, ouvi a mensagem que me deixaste… Vens cá passar férias,
é?
- Sim, foi
para falar sobre isso que também te liguei… Estava a pensar em ir passar aí
alguns dias…
- Mas isso é
óptimo… E precisas de alguma coisa?
- Preciso,
por acaso… Os meus pais já venderam a casa onde morávamos e não tenho onde
ficar, não queria ter de ir para nenhuma pensão nem hotel…
- Oh, mas se
é por isso já podias ter dito! Ficas cá em casa comigo, não tem problema
nenhum.
- A sério que
não? Eu ficava-te eternamente agradecido…
- Não, claro
que não! Até me vai saber bem ter-te aqui… - garantiu na certeza de que uma
companhia como a de Will lhe iria fazer bem para matar as saudades que tinha do
amigo, e também para se sentir o menos só possível, principalmente naquela
fase, seria uma ajuda preciosa para voltar a rejuvenescer
- Obrigado,
obrigado, obrigado! – agradeceu no seu jeito engraçado e realmente agradecido
que a fez gargalhar levemente por ouvir a sua reacção formidavelmente feliz
- Não
precisas de agradecer, totó… - ela brincou com ele e deixou-se embrenhar numa
nova aura que lhe estava a ser oferecida, uma aura mais leve que dava para
afastar a escuridão que envolveu a sua anterior – E quando é que estás a pensar
em vir?
- Daqui a uma
semana, mais ou menos… E a minha estadia aí vai depender também do emprego que
conseguir ou não arranjar. Ando a candidatar-me a alguns trabalhos e logo que
receba uma resposta, volto para cá.
- Está bem,
então vamos falando até lá… Depois diz-me alguma coisa e põe-me a par do voo
para te ir esperar ao aeroporto.
- Digo,
claro. – consentiu positivamente, na confirmação de planos que lhe estavam a
correr como desejado – Mas bem, minha linda, sei que falámos pouquinho mas
liguei só mesmo para saber como estavas e para te falar sobre a minha passagem
aí, e agora vou ter que desligar que tenho de ir o quanto antes a entregar uns
currículos.
- Claro, anda
vai lá… Não te esqueças de me ires dizendo qualquer coisa!
- Não
esqueço, fica descansada. – ele sorriu e uma despedida breve desfechou a
conversa deles – Adeus, pequenina, e fica bem!
- Tchau, Will…
Beijinhos! – a nostalgia de um adeus breve instaurou-se na sua voz, que a
tornou mais suave e vulnerável
Joana
desligou a chamada de curtíssimos minutos e atirou o telefone para o fundo do
sofá. Suspirou pesadamente enquanto olhava em seu redor e uma vez mais o vazio
e a solidão voltaram, e com eles o silêncio imperador fizeram-na recordar do
triste cenário da sua vida… Triste por pouco tempo, pois sem outra alternativa
ela estava decidida a pegar na sua vida e dar-lhe uma volta refortalecida, que
iria fazer dela uma nova mulher, com novas ambições, com novas perspectivas
para o futuro, e oxalá uma mulher com uma nova e maior vontade de voltar a amar.
***
- Bom dia, Dona Luísa! – saudou Adriana à porteira do prédio,
assim que numa postura inquebrável atravessou as portas duplas de vidro que
resguardavam os interiores do condomínio privado
- Bom dia, Adriana… Quer que avise o menino Ruben que vai subir?
- Não, Dona Luísa, deixe estar… Vou fazer-lhe uma surpresa! –
ironizou levemente, demarcando caminho para o elevador
Nem era tarde nem cedo… A conversa rigorosa que ela queria travar
com Ruben era já para ter chegado há mais tempo, mas sempre com circunstâncias
novas a atravessarem-se no caminho de ambos, a altura tivera de ser adida… Até
àquele momento! Não haveria mais desculpas para fugir ao inevitável, e ele iria
ouvir o que provavelmente não queria e o que andara há demasiado tempo a
evitar…
- Adriana… - sensivelmente pouco tempo depois de bater, Ruben veio
abrir-lhe a porta, e felizmente para ele que estava sozinho em casa
- Olá, Ru… Posso entrar? – ele beijou-lhe delicadamente a face e
Adriana retribuiu amigavelmente o mesmo gesto na dele
- Ah… Eu estou quase de saída, mas sim… Entra! – abrindo passagem
entre o seu braço que se ergueu no ar e a ombreira, ela pôde entrar sem
reservas no apartamento dele – Não estava a contar contigo… Precisas de alguma
coisa?
- Sim… Preciso de conversar contigo… - informou calmamente
impetras a manter a calma desde o início, evitando apanhá-lo numa surpresa
rompante e disparar com acusações precipitadas
- E tem de ser agora? – foi fácil de notar que ele estava apertado
de tempo e com alguma pressa, e por isso seguiu para o seu quarto para acabar
de preparar o saco de treino – Tenho que sair para o Seixal daqui a alguns
minutos…
- O que eu tenho para falar contigo não pode mesmo esperar…
Levo-te dez minutos. – seguindo atrás dele, Adriana acompanhou-o, redundante a
aproveitar cada minuto que lhe era dispensado para falar – Posso perguntar-te
onde estiveste ontem à noite ou é indiscrição? – ela não foi de rodeios e
atingiu o assunto mestre numa só rajada
- O quê? Porque é que queres saber? – Ruben estranhou aquela
pergunta de início, mas pouco e pouco raciocinando, foi capaz de chegar
lá
- Não queres responder?
- Se vieste aqui só para fazeres essa pergunta, suponho que já
saibas a resposta… - equacionou rapidamente, antevendo as represálias que ainda
iria ouvir da melhor amiga
- Dormiste com a Joana, Ruben? Dormiste com ela?!
- Sim, dormi! Dormi com a Joana… Fui ontem a casa dela e dormimos
juntos, e então? – com toda a firmeza ele não tentou sequer mentir, pois era
óbvio que teria factos suficientes reunidos contra si e esses não poderia
negar
- E dizes isso com a maior descontração do mundo…
- E como é que pretendias que eu dissesse?
- Não estás arrependido?
- Não… Se queres saber não estou. – referiu, embora estivesse
ciente e sentisse um leve peso na consciência por ter traído a pessoa com quem
era comprometido agora, mas se não tivesse partilhado aquele momento com Joana,
arrepender-se-ia ainda mais – Foi um erro, foi e sabemos disso, mas não estou
arrependido.
- Ruben, o que é que te passou pela cabeça? Tu estavas noivo da
Inês! – evidenciou num tom claro de censura que pretendia unicamente atingi-lo
- E continuo a estar… O meu momento com a Joana foi… - foi
desnecessário tentar caracterizar o momento que partilhara com Joana, Adriana
fizera-lhe o favor de fazê-lo por si
- Foi uma despedida!?
- Sim, exactamente, foi uma despedida! Agora cada um pode seguir o
seu caminho, e preservar as coisas boas que ficaram de nós, bem como a forma
como acabou… Eu já estou a fazer isso com o meu, e espero que a ela consiga
fazer o mesmo, só lhe desejo o melhor! – não o dizia da boca para fora, Ruben
sentia-o de facto, apesar do seu caminho ter que seguir por trilhos diferentes
e distantes dos de Joana
- E que desculpa deste à Inês por não teres vindo dormir a casa? – inquiriu,
rematando os cabelos soltos para trás dos ombros, enquanto o seu pé irrequieto
fazia bater ritmadamente a sola do sapato contra o soalho
- Não dei desculpa
nenhuma porque vim dormir a casa.
- Vieste de madrugada,
por tanto! – os seus braços contundentes abraçaram o peito aquando da sua
reflexão certeira
- Mas que
interrogatório e especulações são essas agora?! Que mania de todos se
meterem na minha vida! – praguejou já um quanto irritado com aquela conversa, que por
muito que tentasse disfarçar, estava a mexer consigo e a fazê-lo vacilar a cada
instante um pouco mais
- Pois, e logo tu que estás tão enganado sobre a vida, Ruben… Tão
enganado…
- O que é que queres dizer com isso?
- Se eu não te conhecesse tão bem diria que não estavas a sofrer
com tudo isto, mas estás… - realmente Adriana foi a única pessoa capaz de
decifrá-lo, capaz de trazer à margem os sentimentos mais obscuros e revoltados
que Ruben cismava em manter escondidos de todos
- Eu… Eu não sei do que é que estás a falar! – negou tão depressa
quanto conseguiu, no entanto escorregando num pequeno deslize que fez a sua voz
falhar quando perdeu a intensidade
- Sabes, é claro que sabes… Porque é que procuraste a Joana?
- Acaba já com essa conversa, Adriana! – ordenou, antes que
Adriana referisse o ponto chave que iria fazê-lo quebrar, que iria desalentá-lo
por completo e levá-lo às amarras de uma tristeza que já começava a sentir
- Não precisas de dizer nada, ambos sabemos porque o fizeste… -
referiu na máxima perspicácia, vendo-o inquietantemente nervoso enquanto fazia
a travessia entre o roupeiro e a sua cama, arrumando o seu equipamento dentro
do saco
- Não queiras tornar esta conversa ainda mais desagradável…
- Eu não estou a tornar desagradável coisíssima nenhuma!
Sinceramente, Ruben, eu já nem te reconheço… O que é que aconteceu para ficares
assim?
- Assim? Assim como?! Estás a referir-te ao quê?
- Ora, tu sabes bem ao que eu me refiro…Tu não és mais o mesmo
Ruben, sempre contente, bem disposto e a fazer os outros rir… Ficaste mais
fechado, mais frio e insensível… E tudo isto desde que chegaste do teu estágio em São Francisco.
- Oh Adriana, por favor, estás a ver coisas onde elas não existem…
Eu continuo a ser o mesmo! – desaprovou imediatamente, tentando escapar de
mansinho por baixo da porta, relativamente ao apontamento absoluto que ela
fizera sobre si
- Não, não continuas! És o meu melhor amigo, caramba! Eu
conheço-te e sei perfeitamente quando mudas e tu estás mudado… Parece que não
tens mais aquela vontade de sorrir nem de viver a vida como tinhas dantes… -
evidenciou o que todos, ou praticamente todos os mais próximos de Ruben,
achavam, levando-o a encobrir o motivo das mais recentes atitudes e
comportamentos que não eram nada dele e as quais nunca o caracterizaram
- As circunstâncias da vida são capazes de mudar uma pessoa, e se
isso aconteceu comigo, então eu peço desculpa se as minhas atitudes e
comportamentos susceptibilizaram de alguma forma alguém…
- A única pessoa aqui a quem te tens de pedir desculpa, é a ti,
Ruben… - revelou numa lividez intocável de pena que sentia por ele, que mesmo
conscientemente o levava a magoar-se a si próprio também – Tu és muito melhor
que isso, muito melhor… E eu gostava de ter o meu velho melhor amigo de volta.
- E como é que isso será possível, estando este Ruben… Estando eu…
- buscando por palavras que descrevessem o seu novo eu, Ruben perdeu-se na
ambiguidade de não querer acabar o que começara por dizer – Olha esquece, a
verdade é que também ninguém quer saber!
- Eu quero! E tenho a certeza que as pessoas que gostam de ti, que
te amam, também querem saber… - proferiu muito convicta do que dizia,
adivinhando depois o que ele quereria ter dito mas não tivera coragem para
terminar – Estando tu magoado…? Era isso que ias dizer?
- Sim, era isso. Estou magoado, desnorteado, perdido com tudo o
que aconteceu…
E ele estava de facto perdido… Ele sentia-se perdido e apenas se
esforçava para que ninguém descobrisse. Tinha vivido os últimos tempos isolado,
à sombra de si próprio e evitara falar fosse com quem fosse sobre os seus
sentimentos, as suas emoções que haviam sido arremessadas pelos torpedos e
reviravoltas da vida. Sentia-se em baixo, esgotado, mas não mostrava… Ele que
cometera os seus desacertos e aprendera a viver com eles em silêncio e a cada
dia.
- É dessa maneira que te tens sentido, mas penso que ninguém diria
isso, Ruben… Apesar de estares distante, mostras sempre firmeza nas decisões
que tomas, nas atitudes que tens para contigo e para com os outros, ninguém
seria capaz de notar que ainda estas a sofrer…
- Tu notaste. – evidenciou, pelo reparo que a própria Adriana
suscitara sobre si – Desde que… Desde que regressei dos Estados Unidos… Sem a
Joana. Felizmente tu não sabes o que é ser deixado pela pessoa que mais amas,
sem uma única explicação… Anos depois ela reaparece na tua vida, voltam-se a
apaixonar e de repente desaparece outra vez, sem dizer nada, dias a fio… Foi
demais para mim, Adriana, foi demais para mim voltar a sentir o mesmo da
primeira vez, ou ainda pior… A partir daí eu fiquei completamente fora de mim…
- E lá estás tu a martelar no mesmo, mas que teimoso… A Joana não
te deixou!
- Eu sei! Agora sei disso… Eu agora acredito nela, juro que acredito…
- Ai sim? E apeteceu-te abrir os olhinhos só agora, foi? – a sua
testa franziu levemente pela sua contestação, logo que as suas sobrancelhas se
arquearam num arco incontestável – Pois então agora já vais tarde, Ruben…
Decidiste acreditar nela tarde demais!
- Não precisas de reforçar o evidente… Já me sinto mal o
suficiente para agora estar a ouvir represálias…
- E é bom que sintas, ouviste bem? É bom que sintas! Tu foste um
grandessíssimo burro orgulhoso que não gosta de admitir que por vezes pode
errar! – acusou com o indicador arrebitado no ar, não se preocupando em feri-lo
com palavras mais amargas – Agiste como um autêntico palerma ao não lhe teres
dado ouvidos, e agora acreditas nela…
- Já ofendeste tudo o que tinhas para ofender? Estás mais alíviada
agora? – inquiriu logo que Adriana acabou de falar, não rejeitando de forma
alguma as queixas que ela lhe atribuiu
- Por acaso até estou… Já andavas a merecer ouvi-las! E se ninguém
não te mergulha a cabeça na realidade, eu não me importo de assumir essa
função!
Depois da sentença dada, veio o silêncio. Ruben mostrou-se mais
abatido do que em algum momento mostrara estar desde que Adriana aparecera, o
seu olhar compadeceu mirrado de angústia e incerteza e a sua postura perdera a
firmeza pela então demência do seu espírito. Ver-se confrontado por tanta
verdade, fê-lo balançar nas escolhas que fizera para a sua vida.
- Posso fazer-te uma pergunta?
- Força… - permitiu, sabendo que mesmo que não o fizesse, Adriana
prosseguiria na mesma
- Porque é que pediste à Joana para ser a tua madrinha de
casamento?
- Acredita que isso foi uma coisa da qual eu não me orgulho nada
de ter feito…
- Como assim?
- Eu nunca depois de reatar o noivado com a Inês, pus em hipótese
convidar a Joana para o casamento, quanto mais para ser a minha madrinha… -
esclareceu verdadeiramente, retendo sofregamente para si o
tormento que por aquela história, causara a Joana
- E porque é que o fizeste, então?
- Porque a Inês me pediu uma prova de amor… Ela soube que eu e a
Joana voltamos a ficar juntos em São
Francisco , e ela
estava insegura, pensava que eu ainda amava a Joana para agora querer voltar a
casar com ela…
- E pensou muito bem! – por não querer mostrar nenhuma emoção há
referência dela, Ruben fechou o saco que já tinha pronto e saindo do quarto
rumou para a sala de estar, juntamente com Adriana que voltou a segui-lo
- … E foi isso, pedir à Joana para ser a minha madrinha era a
prova de como eu não sentia mais nada por ela, foi isso que a Inês me pediu,
mas eu sempre pensei, sempre, que ela não fosse aceitar…
- Mas aceitou e acredito que lhe tenha custado muito tomar essa
decisão. Ela é uma mulher muito forte, corajosa…
- Pois é… - concordou com um sorriso ameno que foi desaparecendo
naturalmente logo que prosseguiu – E eu detesto magoá-la, podes pensar o
contrário mas esta é a verdade… detesto vê-la a sofrer, a chorar, muito menos
quando é por minha causa.
- Podia ser tudo tão diferente se não tivesses sido tão casmurro
naquela altura… - em consequência da interjeição de Adriana e ao fim de alguns
minutos em silêncio, os olhos de Ruben começaram a ficar húmidos e a ganhar uma
nova cor, um raiar forte e profundo de vermelhidão que ilustrou a
condescendência do seu estado de espírito, que minuto após minuto se deixava
abater pelas verdades que a ele lhe eram ditas
- Agora já não vale a pena olhar para trás e lamentar o passado, o
que está feito, está feito, e tenho que arcar com as responsabilidades das
decisões e compromissos que tomei desde então.
- O teu maior compromisso e responsabilidade neste momento é teu
casamento.
- Sim, nisso tens razão, eu já desfiz este noivado uma vez, seria
mau demais voltar a fazê-lo… Tenho a certeza que iria desiludir muitas pessoas
se o voltasse a fazer.
- Acredita que estás a desiludir mais ainda levando este casamento
para a frente…
- Eu sei, e não precisas de mo dizer, eu sei que desiludi muita gente
com a retoma deste noivado… Desiludi a minha mãe, desiludi o David e até a ti, e talvez até tenha sido precipitado mas agora já não posso
reconsiderar e voltar atrás…
- E sabes porque é que
nos desiludiste, Ruben? Porque nós gostamos muito muito de
ti, e não queremos ver-te cometer
um erro que te pode deixar indeterminadamente infeliz…
- Isso não vai acontecer… Eu vou
tentar construir a minha felicidade. - afirmou meramente confiante, mas sem
conseguir conter um suave lacrimejar que surgiu na linha de água dos seus
olhos, fazendo um esforço tremendo para não deixar nenhuma lágrima rolar
- E podes explicar-me como tencionas fazer isso amando tu outra
pessoa?!
- Vou esquecer essa pessoa e vou aprender a amar a Inês de novo…
Já a amei uma vez, posso apaixonar-me de novo por ela! – fiando-se nas suas
próprias palavras, Ruben fez de tudo para acreditar nelas, mas essa decisão não
estava nas mãos dele para ser tomada… dependia apenas das condições do seu
coração
- Tu nunca amaste a Inês como amas a Joana, Ruben…! O vosso amor
um pelo outro é genuíno, é puro… Não há cá isso que tens com a Inês do
"aprender a amá-la"… O amor que tens com a Joana só aparece uma vez
na vida, acredita nisso! Não terás outra oportunidade.
- Eu sou uma besta… Uma besta… - fatalmente arrependido pelo amor
que perdera para sempre, e como agora era já tarde demais para recuperá-lo, o desespero
domou-lhe todo o corpo, o que permitiu a sua cabeça inclinar ligeiramente para
a frente, assumindo as culpas que a ocupavam
O coração de Ruben ressentiu-se por fim, o que o levou rebentar
num choro aflitivo e exasperado, que fez Adriana olhá-lo com outros olhos, com
os olhos de quem sabe ver para lá das acções e palavras que poderiam ser
enganadoras, e envolvê-lo num abraço de apoio e carinho que sentia ele estar a
precisar muito.
A máscara caiu e ao de cima reapareceu o antigo Ruben, magoado, triste
e a sofrer como ninguém imaginava, a deixar-se finalmente chorar, como já não
chorava há muito tempo.
- Esse coração não está totalmente curado de um grande amor, tu
mesmo provaste isso ao procurares a Joana e teres ido lá a casa ontem… -
acrescentou, prologando a sua afirmação anterior – Vocês acabaram por não
resistir ao que sentem e envolveram-se sem reservas…
- Eu juro que não era essa a minha intenção. Eu ia lá,
conversávamos um pouco, eu pedia-lhe desculpa e vinha embora, apenas isso… -
revelou num soluçar apertado no peito que era sacudido a cada respiração
esforçada - Mas depois ao vê-la, parece que me esqueci de tudo, o que ia lá
fazer, tudo! Eu perdi o controlo e deixei-me levar…
- … Pelo que sentias! - completou-o Adriana sem hesitações – Ai,
Ruben, gostava tanto de poder compreender-te, de saber o que vai nessa
cabecinha… - os dedos da sua mão improvisaram um pente que deslizou no cabelo
dele, de maneira a fazê-lo acalmar um pouco
- Eu tenho que ir… - anunciou, limpando rapidamente as lágrimas do
rosto para do chão pegar o enorme saco de desporto e colocá-lo ao ombro
- Ruben, espera… - Adriana ainda tentou travá-lo, testemunhando o
estado transtornado que o abalava e que ele queria a todo o custo dar a mínima
importância e manter longe dos olhares de todos
- Quando saíres não te esqueças de fechar a porta. – deu-lhe um
beijo rápido no topo da cabeça e saiu, deixando para trás ainda umas quantas
incógnitas em redor daquela conversa, que não se viriam tão cedo a serem
devidamente esclarecidas
Ele saiu lavado em lágrimas, deixando somente de arrasto no
corredor, o som do soluçar que ainda não tinha conseguido estabilizar do seu
choro recente.
Ruben podia enganar muita gente, mas não podia enganar-se a si
próprio, e depois do confronto que travara com ele, Adriana pôde tirar uma
única conclusão, a autêntica e derradeira, sem a mínima dúvida a patentear-lhe
o pressentimento: “Ele vai casar-se, isso é certo, mas não vai ser com a Inês…”.
Queridas leitoras, fica aqui mais um capítulo! :)
Espero que gostem e deixem os vossos comentários,
Boa leitura!
Beijinhos a todas,
Joana :)
Q capitulo mágico..... :)
ResponderEliminaroh...eu sabia que nao ia correr bem.
ResponderEliminarCobarde, fugiu!! Tadinha da Joana :/
A despedida?! Pois, nao consegue perdoar-se por nao ter acreditado na Joana e agora que percebeu que fez asneira ao casar-se com a Inês, quer uma despedida, como se aquela noite fosse alguma uma despedida, entre aqueles dois nunca vai haver despedida, o amor é demasiado grande.
Não sei porque mas acho que a vinda do Will ainda vai dar muito que falar e acho que quem nao vai gostar nadica de nada será o Ruben quando souber que ele vai estar na casa da Joana e quem sabe se nao será mais, se nao será o seguir em frente dela. Espero que nao, se bem que era bem feito para o Ruben, para ele sentir o que a Joana sente cada vez que o ve e imagina com a Inês.
E a Adriana, hein?! Esperta, conseguiu apanhar tudinho. Gosto dela!! Conseguiu fazer o Ruben falar, fazê-lo abrir os olhos e ainda lembrar-lhe que ele nunca amará a Inês como ama a Joana.
Ah, adoro a certeza dela: “Ele vai casar-se, isso é certo, mas não vai ser com a Inês…”.
Espero mesmo que este casamento nao chegue a acontecer!!
Beijinhos e continua a escrever porque isto tá cada vez melhor! :D
Lisandra
Cada um pior que o outro.... como quem diz.... está de matar qualquer um...
ResponderEliminarEste Rubico dá cabo de mim. Ai que dor...
Amei, publica rápido por favor.
Beijo
Adriana
Gostei do capítulo, de saber como o Ruben pensa.
ResponderEliminarMais uma vez te digo, era fantástico se a Adriana engravidasse mas não lhe dissesse e mentisse sobre quem era o pai , desenvolver apartir daí ia dar pano para mangas.
Adorei e espero por mais !!
Escreves de uma forma que consegues prender-me completamente à história, resultado fico demasiado curiosa para ler sempre mais... És a única que tens esse poder sobre mim :P a forma como descreves as situações mas principalmente como estruturas a história só faz com que seja quase perfeito, não digo que é perfeito porque para mim a perfeição não existe... há sempre mais qualquer coisa a melhorar e prova disso é ver a evolução da tua escrita... ainda me recordo dos primeiros capítulos que li teus (os da tua primeira fic) e se os comparar nada têm de parecidos, se os anteriores já eram bons estes são excelentes... Só posso pedir-te que não deixes de escrever porque de fato tens um talento que merece continuar a ser explorado… Posto isto vou finalmente comentar o que li!!!!
ResponderEliminarMinha linda... o que dizer mais além de tudo o que já sabes... só mesmo reforçar que não consegui ter peninha nenhuma dele... para mim bem que pode sofrer, chorar, berrar, fazer aquilo que quiser que não irá conseguir amolecer o "odiozinho" que conseguiste que criasse ao ler tudo o que já li (o que postaste e o que virá por aí :P) juro que por mais que leia e volte a ler só consigo ficar ainda com um "pó" maior... ai se pudesse acertava-lhe o passo cá de uma forma... E a Joana... vê lá se a metes a chegar-lhe a roupa ao pêlo!!!! Vá rapidinho que estou a desesperar por novidades... quero aqueles capítulos... só de saber que terei que roer as unhas durante mais... (nós sabemos quantos :P)
Beijinhos!!!
não sei o porquê mas já gostei mais deste capitulo :p
ResponderEliminarContinua Joana e mais uma vez parabéns :)
publica rapidinho :p
beijinhos
Finalmente apareceu alguém para dizer umas boas verdades ao menino Rúben, ser amigo é isso mesmo, não é só beijos e abraços, quando é preciso dar na cabeça lá está ele, e esse sim é o verdadeiro amigo, gostei muito da atitude da Adriana, porque ela conseguiu que o Ruben de alguma forma dissesse o que lhe vai na alma. E até que enfim que o Rúben assumiu aquilo que tem sido ultimamente, uma besta, não é nada que eu não lhe tenha já chamado, mas ao menos admite, mas apesar de assumir continua a sê-lo, porque insiste na ideia estúpida de casar com a outra, quando todos sabemos e ele já o admitiu que continua a amar a Joana.
ResponderEliminarFoi um erro a noite dos dois? foi, primeiro porque entre eles nunca vai haver despedidas, o amor que os une não o permite, segundo só fez com que as saudades aumentem, porque se a própria Joana já tinha metido na cabeça que ia seguir em frente, esta noite só serviu para que aquela esperança que ela tinha bem guardada lá no fundo do coraçãozinho dela aparecesse novamente, terceiro o acordar, um novo dia e com ele a realidade, tudo voltou a estar como estava, a Joana sozinha, o Rúben noivo e de casamento marcado, que não teve a coragem de lhe dizer na cara tudo o que escreveu no bilhete, mas do mal o menos ao menos não se foi embora sem uma palavra, mas algo me diz que esta noite ainda vai dar muito que falar, é esperar pelos próximos capítulos.
Concordo com a Mariana, não é com meia dúzia de lágrimas, e com o discurso de que foi uma besta que o Rúben me convenceu, acho que depois de tudo o que ele tem feito a Joana sofrer, já merece uma lição, e como a Mariana diz e muito bem, a ver se a Joana lhe chega a roupa ao pêlo. Esta visita do amigo da Joana se calhar até veio mesmo a calhar, gostava de ver o Rúben a subir pelas paredes ruidinho de ciúmes, com uma vontade louca de ir ás trombas do outro, isto sim era provar do próprio veneno.
Adorei, tudinho do principio ao fim, e por isso só te posso pedir mais.
Continua
Beijocas
Fernanda
Adora a tua fic deste o primeiro capitulo aqui publicado :)
ResponderEliminarCusta ver estes dois separados e ainda mais o ruben a magoar assim tanto a nossa joaninha...
Eu acompanho a fic juntamente com aminha irmã ela é uma sonhadora...ao fim de ler disse logo oh ela podia ficar gravida depois desta noite e não dizia nada ao ruben no dia antes do casamento a namorada do ruben descobria ia ao altar e na parte do se aceita casar com ele ela dizia não porque ele a tinha traído e dia que ela estava gravida e o filho era do ruru...ahah esta garota é louca e faz com cada filme...Mas continua RAPIDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
Please continue
ResponderEliminarPor favor, estou super ansiosa... publica o mais rápido que puderes.
ResponderEliminarBeijo
Adriana