segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Capítulo 20 - Uma promessa para toda a vida (Parte III)



Vivi os dois dias seguintes enleada a uma angústia constante. Se por um lado o livor da ignorância retirava de mim um peso desconfortável que eu não saberia como lidar, por outro aquela espera pelos resultados dos exames, assoberbava-me com dúvidas e inquietações do que poderia estar ainda para vir, bem reservado para mim.
Naquele dia, o derradeiro e destinado à mudança urdida da minha vida, e a qual eu por aquelas horas matutinas ainda estava longe de imaginar, os meus sentidos forçaram o meu corpo a despertar e a erguer-se da cama logo pela manhã, para se arrastar pelas escadas que numa correria entropeçada, acabaram por me guiar ao telefone do hall de entrada, que tocava incessantemente na procura histérica de um atendimento.

- Estou sim? – atendi tão formalmente quando pude, ao retirar o pequeno aparelho do seu suporte e colocá-lo seguro entre a palma da minha mão e o ouvido

- Estou sim, bom dia! Estou a falar com Joana Freitas de Andrade? – do outro lado da ligação, e numa voz equilátera de feminidade, a senhora que então falava comigo conseguiu colher toda a minha atenção numa questão de segundos, pelo formalismo que denotei naquele telefonema precoce

- Sim, sim… É a própria… - denunciei com um ligeiro, porém alheio aos olhos dela, sorriso, que surgia em mim quase de forma automática pela minha simpatia habitual

- Joana, fala da clínica… - naquele momento o sorriso desvaneceu gradualmente para dar ao meu rosto outra expressividade – a ansiedade. – Relativamente aos exames que veio fazer, eu estou a ligar para informá-la de que os resultados já chegaram… Pedia-lhe que passasse por cá o mais rapidamente possível para vir levantá-los.

- Sim, claro, eu passo por aí mas… Há alguma urgência?

- Não lhe posso adiantar muito pelo telefone, mas na verdade sim… Tem marcada uma consulta ainda para esta manhã, a doutora quer vê-la…

Eu sabia, eu sentia que algo não estava bem, que algo estava errado comigo e agora poderia ser confirmado. O meu pobre e mal tratado coração sofreu um pequeno solavanco quando na minha mente mil e uma hipóteses se ilustraram, mas talvez nem uma estava perto de ser a derradeira verídica. Não sabia ao certo o porquê de estar tão nervosa, tão ansiosa, apenas sentia que algo de maior estava para vir… Algo que faria a minha vida conhecer o seu total avesso.

- Então está bem, eu vou já para aí… Muito obrigada pelo telefonema.

- É o meu trabalho… Não tem de quê. Tenha um bom dia. – apesar da sua amabilidade pela saudação, de que seria ou não um bom dia, só mais tarde iria descobrir, por enquanto só podia rezar para que tudo corresse pelo melhor

- Bom dia. Com licença. – pedi educadamente no segundo antecedente ao fecho da chamada, que foi desferido por nós em simultâneo

Voltei a colocar o telefone na base e toda a casa voltou a ser novamente silenciada.
Não tinha tempo para perder, logo quanto mais rápido me despachasse para sair de casa e ir direitinha à clínica, melhor. Refiz o caminho até ao meu quarto onde acabei por enveredar pela casa de banho privativa e não levei mais de vinte minutos a ficar pronta. Optei por uma vestimenta casual e quentinha que completei com um casaco, tendo em conta a época do ano. Usei um pouco de corrector para disfarçar as noites mal dormidas pelo trabalho de faculdade que andava a preparar há semanas, um pouco de blush para rebuçar a palidez do rosto e batôn para dar algum brilho aos lábios e destacar os sorrisos… por mais tristes que pudessem surgir.


Quando voltei a descer ao rés-do-chão, pronta para sair, fiz uma paragem rápida na cozinha apenas para pegar uma peça de fruta e comê-la pelo caminho… Não queria, nem tampouco tinha vontade ou disposição para me delongar num pequeno-almoço minimamente decente, embora o devesse ter feito… Mas não tinha certezas se o meu estômago estava preparado para as demasiadas emoções que me estavam reservadas.
Como tinha o carro fora da garagem, dei uma corridinha leve até alcançá-lo para escapar ao chuvisco que começara a cair e ameaçava enfortecer-se a qualquer instante.

“… e depois do trânsito passemos então à música, não é assim Nuno?” – enquanto retida no habitual trânsito da capital, a rádio, a minha companheira de viagens, suprimia a solidão e silêncio do meu veículo, irrompendo animadamente no vácuo em uma das minhas estações preferidas

“É isso mesmo Vanda, e para começar esta linda e agradável manhã de chuva nada melhor do que uma musiquinha portuguesa de um jovem bem conhecido…” – a equipa da Rádio Comercial fazia as delícias das manhãs dos portugueses mesmo antes de mais um dia de trabalho, e era naquele ambiente descontraído que somente podia ouvir, que me ia procurando distrair, esvaziar a cabeça de tudo o que não me fizesse bem – “Caro ouvinte, bem-vindo às manhãs da Comercial, já a seguir fique com a melhor música de 2000 em diante.”
   
- Que chuvada, meu Deus! – murmurejei apreensivamente olhando do para-brisas, a chuva intensa e copiosa de Outono que continuava a precipitar-se, e que naturalmente dificultava o trânsito e uma condução segura a todos os veículos que seguiam juntamente comigo na autoestrada

“Estás sozinho no teu espaço, escondido entre as paredes de uma recordação, vais fugir mais uma vez, aprisionar todos os sonhos nessa solidão… Sobes lentamente à espera de um empurrão, chegou o momento transforma a ilusão…” – embora me fossem totalmente desconhecidos por estar a ouvi-los pela primeira vez, os acordes de um artista português entraram nos meus ouvidos e desde logo me conquistaram pelo sentido da letra

- Tudo a ver comigo, realmente… - metabolizei ironicamente enquanto esperava que o sinal se tingisse de outra cor, da canção que poderia ser destacada com a letra da minha vida, talvez, tal a maneira como esta se enquadrava, e de alguma forma tentando pensar o menos possível no que iria acontecer quando chegasse à clínica

“Tens que saltar pra outro lugar, ganhar coragem; enfrentar, queres aprender a construir um novo dia, amanhã(!) vais acordar e perceber que sem lutar nada vais ter, e num segundo mudaste o mundo, sem saber…” – foi ao sabor daquela música e das outras que se seguiram, que depois de cruzar à direita para fazer o estacionamento, acabei por chegar em fim ao meu destino

Ao entrar fui imediatamente atendida pela recepcionista que havia falado comigo ao telefone, e a qual me pediu que aguardasse somente uns minutinhos enquanto uma outra paciente estava a ser vista pela mesma médica que me iria atender.
Fui sentar-me na sala de espera, junto de mais três ou quatro pessoas, e procurei desesperadamente algo para fazer, algo que pudesse distrair-me… Mas nem a revista desportiva que peguei da mesa de apoio e a qual folhei apressadamente sem dar grande importância ao conteúdo, fez brandar o nervosismo miúdo que a ponta do meu pé calcetava ao embater ritmadamente contra a tijoleira cálida que revestia todo o piso.

- Joana de Andrade? – o chamamento do meu nome petrificou todos os meus pensamentos, e levou o meu olhar a subir e procurar a figura que me clamava

- Sou eu. – num descuido imparcial deixei a minha voz tremer, ao denunciar-me à enfermeira que me procurava

- A doutora está pronta para recebê-la. Venha… - numa educação e simpatia que apreciei, vi-a estender o braço na minha direcção, dando a indicação de que a acompanhasse pois seria ela que me iria guiar pessoalmente até ao consultório

Ascendemos apenas um piso no elevador e enveredámos por inúmeros corredores onde, se estivesse sozinha, facilmente me perderia. Para ser sincera, estava tão envolta na panorâmica problemática que poderia encontrar nos próximos minutos entre as quatro paredes que aguardavam a minha chegada, que nem reparara no nome da ala por onde seguíamos, algo irrelevante visto que iria ficar a saber onde me destinava… mas cedo do que poderia imaginar.
Quando por fim chegámos junto do gabinete, a enfermeira Cecília fora o nome que lera na sua plaquinha de identificação que trazia presa no peito , deu dois simples toques na porta, sedeados com os nós das mãos e abriu-a seguidamente.

- Doutora Maria João, a menina Joana de Andrade já está aqui. pela pouca visibilidade que tinha, do que pude ver foi somente o fundo do consultório, com a pragmática secretária de trabalho ao centro e a figura difusa e indistinguível  da médica sentada por detrás da mesma

- Óptimo! Ela que entre, pode entrar… - concedeu rapidamente, mestrando com o braço um claro sinal de permissão, esperando conseguir ver-me atrás da figura da enfermeira que até então me encobria Obrigada, Cecília.

- Entre. a simpática enfermeira deferiu-me o lugar vazio entre o seu corpo e a ombreira da porta, que abriu somente na intenção de me ceder passagem para entrar Com licença, doutora. proferiu mesmo antes de sair para nos deixar a sós, retendo-me num lugar que me intimidava e onde me sentia inevitavelmente desconfortável

- Pode entrar, Joana. vendo-me acanhada ainda junto à entrada, com ambos os braços caídos à frente do corpo onde entre as minhas mãos segurava a mala, vi-a erguer-se do cadeirão que até então ocupava, para fitar a secretária e tomar calmamente o primeiro contacto físico e visual comigo O meu nome é Maria João Lucas, sou eu a médica que a vai acompanhar… - a sua mão recorreu à minha e numa delicadeza singular, ambas se agitaram vagamente no ar

Olhei-a ligeiramente apoquentada pelo que me dissera… É ela médica que me vai acompanhar. O que quereria aquilo dizer? Entrei imediatamente em sobre alerta, e a expressão, ou a falta dela, no meu rosto, decerto que não passou despercebida aos seus olhos. Tentei abstrair-me, não parecer nenhuma tolinha a quem as palavras faltavam, e foi então que pude mirá-la e discernir a sua aparência num vislumbre vagante sob sua bata. Ela era alta, bem mais alta do que eu, um facto que fazia ressaltar com os seus saltos altos, o seu cabelo comprido e cacheado estava perfeitamente apanhado com um pucho, o que lhe adornava o rosto de expressividade calma e não deveria ter mais dos seus trinta e poucos anos, apesar de parecer mais nova. Por mais estranho que pudesse parecer, algo nela me acalmou no primeiro instante, mesmo que não tenhamos trocado nenhuma palavra sobre o que me levava ali, não sei se da voz serena ou do olhar meigo que fazia recair sobre o meu, no entanto não me acalmou o suficiente para afastar todo o nervosismo do que teria para ouvir da sua boca, não tardava muito.

- Sente-se, vamos conversar um pouco. ela foi tão amável e educada o quanto eu esperava, mas a introdução da sua parte àquela conversa, definitivamente que não me agradou

Do que queria ela conversar? Não podia ir simplesmente directa ao assunto? Evitar os rodeios banais que no final de contas não serviriam de nada para me sossegar do que quer que fosse, do que quer que eu tivesse.
Tentei manter uma postura impetras e cordial, mas aqueles minutos estavam a destruir-me por dentro, a dissecar-me o pouco controlo que tinha sob as minhas emoções. Sentei-me numa das duas cadeiras vagas que guardeavam a secretária, e observei-a na minha frente a copiar-me o gesto. Na base da mesa e entre outras papeladas perfilhadas estrategicamente, distingui um envelope aberto e a sua respectiva carta, provavelmente os resultados dos meus exames que ela analisara mesmo antes da minha chegada.
Vi-a pegar neles e pervagar uma rápida vista de olhos pelos mesmos, talvez no intento de encontrar a melhor forma de me abordar, de me dar as más notícias… Digo isto porque só podiam ser más notícias, claro, caso contrário eu não estava ali.

- Joana, as notícias que eu tenho para si… Sinceramente eu não sei bem por onde ei-de começar. Estive a examinar as suas análises, estudei aprofundadamente os seus sintomas…

- Diga-me, doutora, o que é que eu tenho? a impaciência começou desde cedo a dominar-me cada gesto, cada palavra, e estarmos naquele impasse só piorava o estado deplorável da minha alma

- Tenha um pouco de calma, não precisa estar nervosa… - podia pedir-me tudo, menos que tivesse calma… não quando eu não sabia como me deveria sentir, a sua feição enigmática não me permitia descodificar o que fosse, não poderia imaginar o que estava para ouvir e os rodeios eram algo que uma vez mais eu queria evitar – O que eu tenho para lhe dizer, isto se ainda não sabe…

- Eu estou doente, não estou? Diga de uma vez, por favor… - não aguentava mais estar presa àquela angústia, àquele não saber o que fazer, não saber o que pensar, queria respostas imediatamente… custasse o que viesse a custar Eu estou doente…

- Joana… - ela fez uma breve pausa, onde na qual os seus dedos amestraram a caneta que embateu na base da mesa uma vez só, gesto de que se serviu antes de continuar e dar-me enfim uma notícia que fez o meu coração parar de bater durante uma fracção atemorizada de segundos Pelo que eu sei e a minha experiência bem o confirma, gravidez não é doença… - acho que morri naquele instante

- Gra…videz? perguntei, quando voltei à vida - completamente atordoada pela surpresa que caíra como uma autêntica bomba sobre mim, e tendo a necessidade de engolir a seco enquanto tentava manter-me coerente e conseguir falar, comecei por sentir os batimentos do meu coração acelerarem furiosamente Disse gravidez?!

- Sim, gravidez… Ouviu bem. A Joana está grávida! ela esboçou um sorriso meigo pela bem-aventurada boa nova, uma parte por ser dona do prestígio de ser a primeira a dar-me a tão… inesperada notícia Devo dar-lhe os parabéns?

Não… Não podia ser. Simplesmente não podia. Eu, grávida? Mas como? Não fazia sentido, era… Impossível. Havia qualquer coisa que não batia certo, não podia ser mesmo verdade. Os meus sintomas não indicavam uma gravidez, já para não falar no meu período, que apesar de ter sido estranhamente breve, havia-me aparecido há coisa de uns dias… Algo ali não estava bem, algo estava por ser explicado.

- Tem… Tem a certeza do que está a dizer? – de olhar rompido pelas lágrimas inertes de confusão que o alienava, juntamente com uma voz fracassada de incertezas,  procurei ali somente pelo acerto da verdade numa única afirmação

- Tenho a certeza, claro. Os resultados estão aqui… Não deixam margem para dúvidas, não há qualquer possibilidade de estarem errados. – ela foi tão clara e assertiva quanto a conduta de seu cargo lhe exigia

- Estou mesmo grávida…? – ainda não conseguindo acreditar  no que me era dito, sussurrei, envolta naquele transe cerrado onde todos os meus sentidos se perpetuaram

- …De quatro semanas, aliás. – referiu num tom suave e muito pouco maçudo, e com um sorriso passageiro nos lábios ao apoiar o seu queixo nas mãos entrelaçadas, suportadas pelos cotovelos vincados sob a mesa

Enquanto a minha mente se consciencializada com aquela nova realidade, com a minha nova realidade, os meus olhos que se haviam enchido de lágrimas, depressa e muito naturalmente deixaram que estas cedessem ao decline intransigente do meu rosto por onde rolaram… Não sei se da felicidade subentendida daquela surpresa, ou do receio desta pela enorme responsabilidade futura e conflitos adjacentes que acartava.

- Mas então e aqueles sintomas quem mencionei? As dores de cabeça, o mal-estar, a perda dos sentidos… - relembrei, podendo atestar que algo não estava a bater certo e só por isso era-me importante e essencial esclarecer todas as incertezas

- Referente a esses sintomas, há uma explicação para eles, um motivo… - a partir daquele momento senti a conversa toldar-se de um fácies mais carregado que acrescentou alguma tensão entre nós, simplesmente pela nova postura que a doutora apoiou em si, e se até então estava com os nervos à flora da pele, mais nervosa fiquei – A Joana teve perdas de sangue, hemorragias durante o período desses sintomas?

- Ah… Sim, tive, mas foi da minha menstruação… - assim pensava eu, mas para ser sincera àquela altura já não sabia nada

- Podia ser, até porque nos primeiros tempos de gravidez a mulher pode ter pequenas perdas de sangue, algumas delas menstruam durante a gestação, mas creio que essas hemorragias não tiveram nada a ver com seu período menstrual…

- Como assim? – quanto mais informação os meus ouvidos albergavam, mais confusa ficava, mais depressa o meu coração desancava, com mais medo me sentia

- Ao que tudo indica… - ela fez uma pausa, que embora breve, fez ressaltar sobre mim a gravidade do assunto que me iria expor – Ao que tudo indica, a Joana sofreu de uma ameaça de aborto.

- O quê?! – os meus olhos esbugalharam-se dolorosamente, e logo a minha cabeça começou a marejar com tamanha e nova bomba, mais uma, que voltou a ser laçada sobre mim – Um aborto? Mas… Como… Um abort… - não conseguia terminar as frases que iniciava, simplesmente não conseguia, era demasiada informação, e toda ela de rajada para conseguir reter e dirigir em prol das minhas comoções, que não demoraram tempo algum a surgir e expor o lado mais debilitado e inseguro de mim

- Eu percebo, são muitas novidades, mas peço-lhe para manter a calma… O melhor é… Eu vou buscar-lhe um copo de água, volto já.

Quando a vi erguer-se da sua cadeira e contornar a secretária para concretizar o pedido que eu não lhe fizera mas que ela entendeu de imediato e era necessário, uma tontura passageira voluteou a fronteira ocular dos meus olhos e imediatamente a minha cabeça tombou, tendo sido amparada pela minha mão direita que segurou desesperadamente a testa.
Um pasmo entibiado percorreu-me toda a espinha e vertebras dissipando-se nas extremidades do meu corpo, cada vez mais massacrado pelo cansaço do desgaste físico e psicológico, e daí até toda eu me sentir a tremer foi uma questão irrelevante de segundos… Um calor desconfortável queimou-me por dentro apesar de me sentir gelada, queria respirar mas por alguma razão o ar não chegava aos meus pulmões, queria desafogar-me em lágrimas mas era como se tivesse desaprendido a chorar… Agora mais nenhuma lágrima caía, sentia-me tão perturbada, tão desorientada com tudo aquilo, que não sabia ao certo o que fazer, como reagir… Pasmei simplesmente no meio do nada.
Fui apanhada completamente desprevenida entre um turbilhão de notícias, totalmente desarmada e sem qualquer chão que me mantivesse de pé, apenas de rastos. A notícia da gravidez, uma gravidez que apesar de desejada – noutra altura – não fora planeada, e uma ameaça de aborto em seguida, tudo a acontecer sem eu saber de nada, sem ter notado, sem ter feito nada que impedisse o pior… Era muito para mim, era demasiado para ter de lidar sozinha… Demasiado.

- Está aqui o copo de água… Beba. – pouco mais de dois minutos a doutora Maria João voltou a enveredar no seu escritório e a entregar-me em mãos um copo de água que degolei duas únicas vezes

- Obrigada… - agradeci-lhe naturalmente frágil e desalentada, segurando o copo em ambas as mãos junto das coxas

- Se precisar de algum tempo para si, eu posso deixá-la por uns momentos…

- Não… - discordei quando os meus olhos procuraram a compreensão e alento nos dela – Eu não quero estar sozinha agora. – apesar de me ter oferecido o meu espaço, a minha liberdade de pensamento a sós, eu não queria passar um momento sozinha… já bastava a solidão com que me iria deparar nos próximos tempos

- Joana, eu não me quero estar a intrometer demais, mas já reparei que contava com tudo menos com esta gravidez… - começou por dizer-me, cruzando os braços mordazes na frente do seu peito para tomar a pujança de caminhar lentamente na minha direcção – O que eu quero dizer é que se vier a pensar interromper a gravidez, como médica eu aconselho-a a ponderar seriam…

- Não, não… De maneira nenhuma. – por minha culpa e culpa da disposição  apática e talvez até remota que tomei, ela tenha tirado a ideia errada de mim bem como dos meus princípios e valores, uma escolha que eu tinha o direito de tomar mas que nunca naquele momento ou em qualquer um outro, ponheria em causa

- Você ainda é jovem, é natural que um bebé não entre nos seus planos de vida pelo menos para já, e visto que a maior parte das mulheres que engravidam na sua idade e até mais novas, opta por não ter a criança, eu pensei…

– Não, mas não sou nenhuma dessas mulheres… Não faço qualquer ideia de por fim à gravidez. Isso… Isso não acontecer. – afirmei asseveradamente sem qualquer dúvida a pincelar-me a voz, poderia ser uma novidade ainda quente, escaldada para mim, poderia anda não saber como tudo iria mudar dali em diante, porém eu já tinha definido muito bem a coisa mais acertada a fazer – Mas…

- Mas...

- Eu não sei, estou assustada, tenho medo do que acontecerá daqui para a frente… Tenho tanto medo…

- Oh Joana, mas isso é perfeitamente normal… Não há problema nenhum, ter medo não é nem nunca foi sinal de fraqueza… - inesperadamente, e talvez por me notar tão distante em pensamento, a médica agachou-se e colocou-se de cóqueras na minha frente, retirou-me o copo das mãos e uniu-as às suas… um pequeno grande gesto que desde logo facultou a confiança entre médica e paciente e me colocou mais à vontade junto a ela, sentindo o apoio que me prestava – O medo põe-nos alerta, faz-nos pensar duas vezes antes de agir. E ter um bebé é uma grande responsabilidade… ter medo faz parte, acredite.

Acho que medo era um sentimento pequenino para a sobriedade do tamanho desalento onde me encontrava. Eu sentia-me francamente aterrorizada, principalmente por… vir a ser mãe.
Ser mãe. O prenúncio soava-me tão estranho, tão distante e impessoal, que se não fossem as evidências a falarem por si e a não deixaram qualquer espaço para implantar dúvidas, diria até não ser real aquilo estar a acontecer comigo. Aliás, estava a acontecer tudo demasiado depressa e por incrível que parecesse, até à altura eu estava a conseguir lidar com tudo aquilo da forma mais serena e passiva que me era possível, contudo podia pressagiar que o meu momento de queda estava ainda para chegar… Assim que estivesse isolada no refúgio da minha casa, do meu quarto, baixaria todas as guardas e passaria horas a fio jogada sobre a cama a chorar, noites em claro que iria passar e sem ninguém do meu lado a dar-me a mão, e foi aí, que nessa maré de tristezas e conflitos íntimos que travava comigo mesma, que o meu pensamento se destinou a uma única e só pessoa: Ruben…! O meu ex-namorado, o agora noivo de Inês, o ainda amor da minha vida, e o pai daquele bebé que era nosso. Foi exactamente aí que um novo quadro futurista se pintou de negro na minha frente, tudo ficara cinzento de repente, escuro… Tão escuro como se tingia a minha alma e escuro da tristeza e infortúnio onde a minha vida mergulhava dia após dia.

- E o bebé como é que está? Ele está bem? Aconteceu-lhe alguma coisa quando…? – uma preocupação, uma preocupação que eu não conhecia mas que começava a descobrir, figurou-se em mim ao relembrar a anterior conversa onde a minha ameaça de aborto fora abordada vagamente, sem muitos pormenores nem explicações

- Até agora o estado clínico do bebé é uma incógnita para nós, temos de fazer mais exames para conseguirmos ver como está o desenvolvimento dele, descobrir alguma anomalia que eventualmente o possa ter atingido, e dentro disso é importantíssimo descobrirmos o que causou a ameaça de aborto…   

- Então vamos fazer esses exames, eu preciso de saber como ele está. – o sentimento de nervosismo depressa se arrastou para a ansiedade, e sem eu mesma contar com isso, uma protecção inquebrável, vinda de dentro, assolou o meu coração virginal que a cada batida se esforçava para bloquear novas e desalmadas lágrimas




***


- Joana, vou pedir-lhe que se dispa da cintura para baixo e depois vista a bata que está em cima da marquesa. – permitiu educadamente a médica enquanto entrávamos num novo espaço, perfeitamente equipado com todo o material necessário à prova de exames que me iriam ser facultados

Fomos para uma sala anexada ao consultório onde iria fazer os derradeiros testes que, desejava eu, iriam colocar fim à tortura que se abatia sob os meus pensamentos e suposições, que vagueavam interruptamente na minha cabeça e que poderiam corresponder em nada à verdadeira realidade.
Como era ainda muito cedo para se conseguir ver o bebé através de um ultrassom na barriga, a doutora Maria João optou por me fazer uma ecografia transvaginal que, como ela me explicou desde logo, passava pela inserção de um transdutor, uma sonda, dentro de mim, para transmitir imagens do meu útero e ovários para o ecrã de um computador.

- E posso perguntar-lhe pelo seu companheiro? Ele vai gostar da ideia de ser pai? – aquela pergunta lançada numa desprevenção inequívoca, gelou-me por completo o sangue que me corria nas veias e deixou-me a gaguejar

- Eu não… Eu não sei… - disse unicamente e sem me alongar demasiado em explicações que me poderiam levar a um vale de lágrimas que eu não estava disposta a ter à frente de ninguém, pelas razões que só eu conhecia

- Não sabe? – para o meu desconforto, apenas na sua posição inofensiva de minha médica, ela insistiu numa conversa que eu não estava preparada para ter, pois a verdade era que eu não sabia como tê-la – Vocês nunca falaram sobre esta possibilidade? De poderem ser pais, ter uma família… ou a vossa relação é ainda prematura? – não, se havia algo que a nossa relação não era, ou não fora, era prematura, aliás, eu nunca tinha tido um relacionamento tão sólido e duradouro como tivera com Ruben, e por isso a possibilidade de vivermos uma vida a dois e a futura construção de uma família, não viera às nossas conversas só uma nem duas vezes, havíamos discutido essa ideia vezes demais até, para tudo ter acabado da maneira como acabou

- Nós não estamos mais juntos. – com um semblante carregado de dor pelas afirmações que fazia, dei novamente uma resposta curta e rápida, que me permitia não pensar imoderadamente no assunto

Felizmente que ela percebeu que eu não queria falar mais respectivamente àquele tema que nunca deveria ter sido abordado, e com a mesma espontaneidade com que a conversa surgiu, da mesma maneira se findou.
Aquando finalmente pronta me deitei na marquesa de genecologia, afastando as pernas e colocando cada uma no seu respectivo apoio, não pude deixar de me sentir cada vez mais nervosa e assustada, e o momento que se seguia deixava-me inexplicavelmente com o coração entre as mãos.

- Estou a magoá-la? – perguntou-me cuidadosamente, enquanto já manuseava o pequeno objecto dentro de mim e vi-a em simultâneo as imagens que apareciam no monitor e as quais eu não conseguia olhar

Apesar de ser um pouco desconfortável para mim aquele exame, com olhar pregoado ao tecto imaculadamente branco, respondi-lhe somente com um aceno negativo de cabeça, que substituiu a minha incapacidade de falar o que quer que fosse. As minhas mãos sobre a barriga estremeciam sem eu as conseguir controlar, e em profundo silêncio eu só podia pedir a Deus que tudo acontecesse pelo melhor.

- Aqui está ele… Ainda é tão pequenino, do tamanho de uma ervilhinha. – depois de uns minutos evocados por um silêncio abafante, a sua voz voltou a surgir acompanhada por uma expressão leve e serena, a única prova que me era mostrada de que o pior nos tinha passado ao lado – Não quer vê-lo, Joana?

A verdade é que eu queria, queria muito olhar aquelas imagens, mas não conseguia. Não tinha coragem para enfrentar uma nova realidade, para receber um novo mundo, não tinha forças para fazer aquilo sozinha. Mas tinha de as arranjar, por muito que custasse, por muito que doesse, agora teria de ser forte por mim e… por ele.
Rodei ligeiramente a cabeça para o meu lado direito ao respirar fundo, e de imediato fixei o monitor que se enquadrava na frontaria da minha visão, clara unicamente até àquela altura porque pouco depois já pude sentir o meu queixo tremelicar muito ao de leve e os meus olhos a encherem-se de novo com lágrimas que enturvaram levianamente a minha perspectiva. Não conseguia perceber com exactidão o que era exposto naquelas imagens incolor, apesar de o indicador da médica me ter apontado o embrião, mas tive a certeza, no mais profundo de mim, de que estava perante o maior milagre que podia testemunhar, o qual crescia dentro de mim e era projectado naquele monitor... E aquele primeiro contacto, decerto, que o manteria guardado na minha memória para sempre.
E pude desejar apenas ter ali uma única pessoa do meu lado, a mais evidente de todas… A segurar-me a mão, a chorar e a sorrir em simultâneo de tamanha felicidade, comigo, a partilharmos juntos aquele momento que eu não trocaria por nenhum outro na minha vida.

- Ao que parece está tudo bem com o bebé, está a desenvolver-se normalmente e sem qualquer perigo. – prelecionou-me na sua calma permanente que a caracterizada, tentando tranquilizar-me – Graças a Deus que não passou de um susto.

- Está mesmo tudo bem com ele?

- Está tudo óptimo, não tem mais com que se preocupar. – a meu pedido inseguro, ela reforçou a sua afirmação anterior com um sorriso a preencher-lhe os lábios, dando-me o maior alívio que poderia receber – Acho que alguém lá em cima está a torcer por este bebé…

É verdade, ouvir aquela boa-nova foi como sentir uma enorme lufada de ar fresco abater-se sobre mim… Estava ainda a tentar habituar-me à ideia de não estar sozinha, de um novo e pequenino alguém estar ligado a mim, mas no fundo, bem dentro do meu ser, eu nunca quis perdê-lo.
E foi então que no meio do silêncio e passividade que nos rodeava, que chorei, com ambas as mãos a cobrirem o meu rosto, de alma patente a novos sentires, a novas sensações, que me deixei chorar sem mais afogos, libertei-me e deixei-me simplesmente levar por tudo de novo o que sentia, por tudo o que tinha passado, pelas lembranças que me assolaram a memória e vi passar na frente dos meus olhos em flashes sucessivos: a morte da minha mãe; o último abraço que dei ao meu irmão; o sorriso do Ruben, a nossa separação, o nosso primeiro beijo, a última vez que fizemos amor; e a primeira imagem de um filho, o nosso filho. Derreter-me em lágrimas foi a única saída que encontrei para me libertar, precisava fazê-lo… de outra maneira iria sufocar no meu próprio leito.


***


- Então a nossa próxima consulta fica marcada para a próxima semana. – quando regressámos ao consultório, sentadas à secretária, continuámos a trocar impressões, comigo a receber conselhos essenciais ao bem-estar e harmonia da gravidez, sem mais percalços, sem mais distúrbios emocionais que possibilitassem novos sustos como aquele que havia ocorrido, ou algo ainda mais grave…

- Sim, daqui a uma semana cá estarei. – dispus-me imediatamente sem qualquer impedimento, assumindo o acordo de cada uma das minhas novas responsabilidades que compunham aquele compromisso, o mais importante da minha vida: a maternidade

- E por favor não se esqueça do que lhe disse. Como há pouco pudemos confirmar, a Joana tem um útero frágil e qualquer risco que corra pode comprometer a vida do seu filho, e é por isso que lhe recomendo dois dias de repouso absoluto, sem sair da cama…

- E a minha faculdade? – inquiri, tomando consciência do compromisso que mantinha também com o meu futuro profissional, mas que em nada poderia sem comparado e era superior em prioridade ao mais recente  

- A faculdade vai ter que ficar para segundo plano, para já. Agora o mais importante é concentrar-se na sua gravidez… E é por isso que tem de descansar o mais que puder, tenha cuidado com a alimentação, não exagere no exercício físico, e o mais essencial de tudo: evite a todo o custo as emoções fortes… é muito importante que o faça.

Evitar as emoções fortes penso que era o maior desafio que iria enfrentar, algo de que eu não estava livre era mesmo das emoções, essas que há meses a fio me perseguiam e que com certeza não eram as melhores de se sentir. Mas iria fazer um esforço, pelo meu bem-estar e principalmente pela saúde do bebé, eu ia fazer um esforço para me afastar de tudo o que nos podia fazer mal e isso incluía manter a distância de certas ocasiões e de certas pessoas.   

- Claro, do que depender de mim vou fazer os possíveis e impossíveis para que tudo corra bem.

- Pronto, então parece que estamos conversadas. – mostrado uma simpatia constante, ela exibiu um novo sorriso  enquanto sincronicamente nos levantámos para tomarmos caminho até à porta de saída – E Joana, qualquer coisa que precise, não hesite, apareça sempre que precisar… É preciso ter muita coragem para aceitar ser mãe solteira, e a Joana tem essa coragem, não a perca. – exacto, mãe solteira… era isso que eu iria ser, quisesse ou não

- Obrigada… Obrigada por tudo. – tive de simular um sorriso, porque por mais que quisesse que saísse naturalmente, este teve a tendência a retrair-se… coloquei a mala na dobra do braço e acompanhada até à porta, preparei-me para sair do consultório da doutora Maria João, onde despendi as minhas últimas quase duas horas

- Então até para a semana…

- Até para a semana. – quando ela me abriu a porta, despedimo-nos com um curto e cordial abraço que encerrou o momento mais difícil que vivi naquela manhã

Quando voltei a sair da clínica corri numa única direcção até alcançar o meu carro e fechei-me lá dentro. O meu corpo combaliu pesadamente contra o assento, tal como a minha cabeça que caída para trás, o acompanhou até encontrar apoio. Conseguia pensar em tanta coisa ao mesmo tempo, tanto quanto conseguia pensar em nada… Sentia-me completamente sem rumo, sem direcção, sem braços para onde correr, sem abrigo para onde fugir. As lágrimas começaram a delinear novamente os traços do meu rosto, agora silenciosamente e com a minha permissão, sem que tivesse aquela vontade de retê-las… Não estava ali ninguém para me ver, nem para me julgar, e por isso mesmo deixei-me ser quem eu era: uma mulher que sozinha, descobria como lidar com a maior surpresa que a vida lhe reservou. 
Quando me acalmei, rodei a chave na ignição e arranquei com carro para sair dali, tinha um destino traçado na minha mente, o único para onde queria ir e o qual eu sabia que me iria acolher sem me renegar. Conduzi então até à Lourinhã para visitar a praia que conhecia desde pequena eque fora desde sempre uma das minhas prediletas, a da Areia Branca, a praia que eu e Ruben mais costumávamos frequentar no período antes e aquando namorávamos, e gostávamos de apelidar como “nossa”.
Apesar de ter parado de chover e o céu estar a ser contemplado com algumas abertas por onde os raios de sol penetravam, não desci até à areia como das outras vezes e deixei-me permanecer na calçada, sentada no muro enquanto olhava a beleza do mar e absorvia os seus aromas. Aquele era um dos meus lugares preferidos, conhecia-o desde miúda e foi lá que despendi algumas das fases mais felizes da minha vida, era um lugar que guardava a ingenuidade das crianças, os amores da adolescência e as novas oportunidades da meia idade... Aquele foi o mar que praticamente me viu crescer.

- O que é que hei-de fazer à minha vida, meu Deus? – praguejei numa aclamação intimista que só eu e Ele podíamos partilhar, e para a qual a resposta só me iria ser esclarecida com o avançar vagaroso e torturável do tempo

Continuei ali, perdida em memórias de tudo o que era irrecuperável, do que não podia mais ser vivido e tentei não deixar a nostalgia entrar no meu peito, quando a vontade de reaver o que tinha perdido era maior que a razão de ser.
Aproveitei para olhar à minha volta e ver com atenção… Parecia que tinha ganho uma nova vida, senti-me como se tivesse morrido e nascido de novo… Os sons, os cheiros, tudo me despertava novas emoções, tudo parecia ter ganho novos significados, mais beleza. Olhei tudo com mais atenção e dei mais valor a tudo o que em meu redor a vida fazia e tudo o que era feito dela. Perguntei-me se seria possível o estado de esperanças oferecer-me novos sentidos para olhar o mundo, visto que um novo crescia dentro de mim.
Fechei os olhos e somente ouvi. Escutei o silvar das ondas e em vão tentei descobrir o que elas queriam dizer, porém a procura pela minha paz de espirito foi interrompida quando da mala senti o modo de vibração do meu telemóvel que dava sinal de uma nova chamada.

- Estou? – embora não conhecesse o número do remetente, nem tampouco o tinha gravado na minha lista de endereços, não hesitei em atender somente na preocupação de poder ser alguma urgência, no entanto não houve qualquer contestação do outro lado – Estou, sim? Quem fala?

Continuei sem obter qualquer resposta, apenas ouvia o sibilar de uma respiração que ressoava ao auscultador Uma respiração profunda, que de uma maneira descabidamente inexplicável era capaz de me roubar o fôlego a cada instante que era findado e eu continuava sem perceber o que estava a acontecer ali.

- Vai ter de me desculpar, mas se não tem nada para me dizer, eu eu vou desligar…! Com licença. disposta a terminar com aquela que eu pensava ser uma brincadeira de mau gosto, preveni-o(a) de que ira encerrar aquilo que não chegaria a lado nenhum… a meu cego ver

- Não, não, espera! Não desligues… - aquele timbre, aquela bem-dita voz que eu era capaz de reconhecer em qualquer recanto, surgiu junto do meu ouvido e tocou a emoção do meu coração saudoso

- Ruben? – a minha voz estremeceu ao compasso do seu nome que ditei, para confirmar a mim mesma que era mesmo ele que permanecia do outro lado da linha

- Sim, sou eu… Desculpa não ter respondido logo, mas não sabia bem o que havia de dizer…

Mas que fantástico sentido de oportunidade, não haja dúvida… Ele podia ter ligado em todos os outros dias, em qualquer ocasião, mas escolheu logo aquela(!) Mal ele desconfiava do segredo recente que eu guardava e o mesmo que ainda não fazia ideia de como lho havia de partilhar, mas teria de o fazer, mais cedo o mais tarde, de uma maneira melhor ou não, mas ele teria de saber.

- Porque é que ligaste, Ruben? – foi a questão mais lucida e coerente que lhe coloquei, ainda cheguei a perguntar-me como tinha ele arranjado o meu número, mas isso pouco importava agora

- Eu não sei… Senti que devia fazê-lo, estive a olhar para o telemóvel tanto tempo até ganhar coragem para ligar, e bem… Aqui estou. – não entendi direito o que ele pretendia por estar a fazer aquilo, acho que no fundo nem ele sabia, porém eu compreendia o que era agir por impulso – Como é que estás?

- Como é que eu estou…? Estou bem, acho. – não conseguia disfarçar a surpresa do telefonema mais inesperado que podia receber, e ocultar-lhe a verdade foi algo que eu não tive como evitar

- Estás mesmo bem?

- Sim… Porque não haveria de estar? – hesitei uns segundos no limiar da verdade com a mentira, pois Ruben era a pessoa que me conhecia melhor do que ninguém, e desvendar o meu íntimo era algo que ele fazia de olhos fechados, sem esforço algum

- O David disse-me que tens andado doente estes dias, e fiquei preocupado contigo… Queria saber como estavas.

- Eu já estou bem, não foi nada demais. – mais uma vez a minha autodefesa fugiu da minha boca automaticamente, como uma resposta ensaiada que lhe escondeu tudo aquilo o que eu ainda não estava preparada para lhe contar

- Mesmo assim, foste ao médico? Cuidaste bem de ti?  

Mas porque carga de água estávamos nós a ter aquela conversa? Sinceramente. Porque razão ele estava tão interessado, tão preocupado comigo? Nós não erámos mais um casal, aquele tipo de conversas não deveria mais existir entre nós, aquele cuidado e aquele carinho não deveriam constar mais nos nossos discursos, simplesmente. Mas pelo discurso dele, pela sua maneira cuidada e meiga em falar comigo, na sua maior simplicidade conseguiu formar lágrimas por detrás das minhas pálpebras doridas, e fazendo o maior esforço do mundo para conseguir segurá-las, fechei instintivamente os olhos e obriguei-as a recuar.

- Não dizes nada? – ele insistiu, no seu jeito preocupado de ser, foi fácil encontrar o desalento que lhe embebeu a voz e esse facto só serviu para esborrachar ainda mais o meu pequeno coração apaixonado contra o peito – Fala comigo, Joana…

- Eu já te disse tudo o que querias saber, talvez o melhor agora seja desligarmos a chamada… - esperei alguns segundos para me acalmar um pouco e voltar a falar-lhe, pois temi que o meu choro prestes que já ameaçava, assaltasse num rompante a minha voz e consequentemente me expusesse perante ele

- Não, não desligues já, deixa-me ouvir a tua voz…

- Ruben, pára com isso, não queiras entrar por aí…

- Desculpa. Mas a verdade é que nunca pensei que fosse tão difícil…

- O que é que é tão difícil? inquiri a medo

- Lidar com as saudades… As saudades que eu tenho tuas, as saudades de nós…

- Não digas isso, por favor.

- Tu perguntaste.

- Não o deveria ter feito.

- Agora já sabes… - aquela troca de palavras começava a matar-me, e o meu receio só aumentava se ele caísse no embuste de me deixar sem resposta – E tu… tens saudades?

- Isso agora não importante mais, não interessa.

- Interessa pra mim! – o seu desânimo e suplicação tocaram o mais profundo de mim, aquela conversa estava a deixar-me profundamente desconfortável e eu começava a não saber lidar com as emoções, que de tão fortes estas intimidavam em tomar o meu controlo total – Tens saudades do jeito como éramos?

- Eu não quero ter estava conversa contigo, vou desligar…

- Porquê? Porque é que foges?

- Eu não estou a fugir, simplesmente acho que estando nós nestas circunstâncias, esta conversa não tem cabimento nenhum, não faz qualquer sentido, e muito menos quando a estamos a ter por telefone! – quando eu pensava que tinha conseguido dar a volta por cima, e colocar um ponto final naquela loucura, ele não baixou defesas e encurralou-me contra a parede

- Queres que eu vá ter contigo? Só volto a ter treino mais logo, eu vou buscar-te agora e conversamos cara a cara, olhos nos olhos em qualquer lugar… onde tu quiseres!

Silenciosamente, linhas finas de água cursaram os caminhos tumultuosos das minhas faces que a brisa agreste esfriava. Obriguei a mim mesma manter-me em silêncio enquanto continuava a segurar o telefone junto do meu ouvido e escutava a sua respiração desassossegada que aguardava por uma resposta minha. Se prenunciasse uma palavra que fosse naquele momento, um choro atormentado que se desencadearia, denunciar-me-ia e isso era a última coisa que queria naquele instante.
O meu peito explodia a cada nova emoção que o invadia, e Ruben continuava em linha à espera de um sinal meu… Não sabia o que dizer-lhe, contudo sabia o que queria e o que devia de ser feito… 




Olá, meninas! :)
Mais uma vez peço desculpas pela demora em trazer novidades, 
mas não me foi mesmo possível fazê-lo mais cedo.
Depois quero dar-vos o meu muito obrigada! Vocês não imaginam o quão me é gratificante, enquanto escritora, chegar aqui e receber o vosso apoio e carinho
em palavras de incentivo que me dão um alento enorme 
para continuar esta história que também é vossa.
Peço para continuarem a deixar-me os vossos
comentários, é muito importante para mim, e principalmente nesta fase da história,
receber as vossas opiniões.
Espero que gostem deste novo capítulo, e boa leitura! :)

Beijinhos,
Joana

  

22 comentários:

  1. Ai Joana, Joana que não sei o que te faça... és mesmo "ruim" para mim... LOOL

    Adorei o capítulo e se ontem já me tinha emocionado com a parte que li hoje com este fim que deste ao capítulo nem te falo... opa aquela conversa... sério que o Ruben tinha mesmo de ligar agora???

    Opa... ele tem o direito de saber que vai ser pai... e tu tens o dever de não nos fazeres sofrer LOOL só de pensar no que falta para... :P

    Quero o próximo :P

    Beijocas

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  2. Mas que capítulo estrondoso !!!
    Estou sem palavras, que surpresa! Nunca pensei que a Joana estivesse grávida e já tivesse tido uma ameaça de aborto... Que corajosa, enfrentar a realidade, levar a gravidez adiante, mesmo sabendo tudo o que isso implica na sua vida... abandonar a sua carreira de modelo e o seu curso na faculdade, ainda que temporariamente, enfrentar os olhares indiscretos, mesmos os que lhe estão mais proximos e o pior de tudo... ver o pai do seu filho longe de si e comprometido com outra!
    Longe de si... quer dizer... pelos vistos só fisicamente, porque em pensamento estão sempre juntos. Que timing do Ruben! Que conversa mais fofa! ADOREI!!! que posso dizer mais?

    já sei o que quero xD o próximo, pois está claro...
    Eu sei que sou chata, mas é por adorarmos o que escreves que somos tão exigente ahah

    beijinho e parabéns por mais um maravilhoso capítulo

    Raquel

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  3. Boa, ela está grávida :)
    Espero que ela lhe conte o mais rápido possivel! Ele tem que saber afinal vai ser pai :)
    Bem estou ansiosa pelo próximo :)

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  4. opah que surpresa! Grávida ! Oh meu deus ! Olha tens todo o meu apoio e da minha família que te adora (não te conhecem mas a tua forma de escrever diz tudo sobre ti) continua pq nos deixaste surpresos e encantados ! Um beijinho da família Sequeira

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  5. Indescritivelmente FANTÁSTICO !!!

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  6. Gravidez ?! MEU DEUS! nunca pensei...
    quero saber o rumo que vais dar à história, porque se tem vezes que consigo prever mais ou menos o que poderá acontecer... agora nada me parece certo, muito longe disso !

    dúvidas existenciais pairam no fim da leitura deste capítulo... espero que o próximo capítulo venha rápido p'ra esclarecê-las xD

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  7. Oh my god!!!! Oh my god!!!! Fantástico!!!!
    Como é que se consegue acabar assim um capitulo???? Como???
    Quero mais, por favor!!!
    Beijo
    Adriana.

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  8. Não tenho palavras p'ra comentar este capitulo! tudo nele foi surpresa... que reviravolta :)
    Estou completamente rendida a esta história e tenho a certeza que o rumo que lhe vais dar é o que nós leitoras queremos ler :)

    parabéns por mais um capitulo fantástico!

    beijinho

    Catarina

    (ps: publica o próximo rapidamente, por favor xD)

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  9. ai Joana nem sei o que te dizer... *.* esta história é sem duvida diferente de todas as outras! a maneira como tu escreves é mesmo especial... parece parvo, mas quando estou a ler a tua historia parece que sinto uma cena na barriga...sinceramente não te sei explicar. é mesmo perfeitaaa, continua! beijinhos

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  10. Simplesmente maravilhoso, algo me dizia que doente a Joaninha não estava, mas daí a estar grávida, juro que até me passou pela ideia essa hipótese, porque se pensarmos bem tu até nos deste algumas pistas, os enjoos, o mal estar as dores de cabeça, aquela hemorragia que ela associou à menstruação mas que ao mesmo tempo achou estranho pois não era normal ser assim, e agora o desmaio, tava tudo lá, mas também podiam ser só coincidências, mas ainda bem que não foram e a Joana tá mesmo grávida.
    Ela agora tem que ganhar forças para ela mas principalmente para o bebé, porque pode não ter sido planeado mas de certeza que vai ser muito amado, até porque é o fruto de um grande amor. O Ruben tem mesmo sentido de oportunidade, ligou na hora certa, adorei a conversa deles, acho que ele tem o direito de saber que vai ser pai, mas não sei se isso vai mudar alguma coisa, afinal ele fez a escolha dele, mas como tu nos surpreendes sempre, espero da tua parte algo estrondoso.
    A Joaninha tem que cuidar dela, descansar tal como a médica lhe disse até porque corre alguns riscos.
    Se esta história já era emocionante, agora ainda vai ficar mais.
    Só te peço uma coisinha, e sei que isto já parece um disco riscado, mas agora preciso urgentemente do próximo capitulo, isto é desesperante, viciante, adorei mesmo.
    Continua

    Beijocas

    Fernanda

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  11. Está tão, mas tão LINDO ...

    Mais um, por favor!

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  12. Eu já li e reli a parte em que o Rúben lhe ligou e que a medica disse que ela estava grávida!
    é porque eu não tava a acreditar: quer dizer, à uns capítulos atrás passou me pela cabeça que a Joana estivesse gravida, mas depois com a " vinda da menstruação " fiquei-me...
    afinal era uma ameaça de aborto (coitada, deve ser horrível, descobrir que se está gravida e que já sofremos uma ameaça de aborto, não queria estar no lugar dela). Mas a gravidez é bom, quando ainda por cima quando estamos grávidas do homem que amamos. E a Joana não podia estar gravida de outro homem, que não o Rúben.
    e por falar em Rúben, que sentido de oportunidade, se o que estes dois têm não e amor, então não sei o que é!!
    Espero que ele vá ter com ela, e que ela lhe conte que ele vai ser papa :D
    Mas algo me diz que não vai ser ainda, mas o Rúben não vai casar... ahahahah

    Mas este capitulo está qualquer coisa de uau...LINDO♥♥♥
    Beijinho e continua, até podes demorar, que para ler coisas destas vale a pena a espera.
    p.s. ok, mas n muito tempo, que uma pessoa morre de ansiedade;)

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  13. Queremos mais um!!! este telefonema não pode ficar a meio por muito tempo ahah

    beijinho

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  14. ja li e reli o capitulo. tá mesmo lindoooo :)

    para quando o próximo?

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  15. sim, quando é que voltas a publicar mais um capítulo?
    estou super entusiasmada para ler o que aí vem!!!

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  16. Ainda não sei quando voltarei a publicar, mas espero ser o mais breve possível!

    Beijinhos :))

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  17. obrigada por responderes :)

    beijinho

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  18. já tenho saudades desta história...

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  19. olá :) O meu nome é Ana e faço anos no próximo dia 18 de outubro e gostava de te pedir se nesse dia poderias postar uma capitulo e dedicar-me :D faço 19 anos !! bjcs

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  20. Ola não da para ver o que tu publicas-te.bjs

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