Vivi
os dois dias seguintes enleada a uma angústia constante. Se por um lado o livor
da ignorância retirava de mim um peso desconfortável que eu não saberia como
lidar, por outro aquela espera pelos resultados dos exames, assoberbava-me com
dúvidas e inquietações do que poderia estar ainda para vir, bem reservado para
mim.
Naquele
dia, o derradeiro e destinado à mudança urdida da minha vida, e a qual eu por
aquelas horas matutinas ainda estava longe de imaginar, os meus sentidos
forçaram o meu corpo a despertar e a erguer-se da cama logo pela manhã, para se
arrastar pelas escadas que numa correria entropeçada, acabaram por me guiar ao
telefone do hall de entrada, que tocava incessantemente na procura histérica de
um atendimento.
-
Estou sim? – atendi tão formalmente quando pude, ao retirar o pequeno aparelho
do seu suporte e colocá-lo seguro entre a palma da minha mão e o ouvido
-
Estou sim, bom dia! Estou a falar com Joana Freitas de Andrade? – do outro lado
da ligação, e numa voz equilátera de feminidade, a senhora que então falava
comigo conseguiu colher toda a minha atenção numa questão de segundos, pelo
formalismo que denotei naquele telefonema precoce
-
Sim, sim… É a própria… - denunciei com um ligeiro, porém alheio aos olhos dela,
sorriso, que surgia em mim quase de forma automática pela minha simpatia
habitual
-
Joana, fala da clínica… - naquele momento o sorriso desvaneceu gradualmente
para dar ao meu rosto outra expressividade – a ansiedade. – Relativamente aos
exames que veio fazer, eu estou a ligar para informá-la de que os resultados já
chegaram… Pedia-lhe que passasse por cá o mais rapidamente possível para vir
levantá-los.
-
Sim, claro, eu passo por aí mas… Há alguma urgência?
-
Não lhe posso adiantar muito pelo telefone, mas na verdade sim… Tem marcada uma
consulta ainda para esta manhã, a doutora quer vê-la…
Eu
sabia, eu sentia que algo não estava bem, que algo estava errado comigo e agora
poderia ser confirmado. O meu pobre e mal tratado coração sofreu um pequeno
solavanco quando na minha mente mil e uma hipóteses se ilustraram, mas talvez
nem uma estava perto de ser a derradeira verídica. Não sabia ao certo o porquê
de estar tão nervosa, tão ansiosa, apenas sentia que algo de maior estava para
vir… Algo que faria a minha vida conhecer o seu total avesso.
-
Então está bem, eu vou já para aí… Muito obrigada pelo telefonema.
-
É o meu trabalho… Não tem de quê. Tenha um bom dia. – apesar da sua amabilidade
pela saudação, de que seria ou não um bom dia, só mais tarde iria descobrir,
por enquanto só podia rezar para que tudo corresse pelo melhor
-
Bom dia. Com licença. – pedi educadamente no segundo antecedente ao fecho da
chamada, que foi desferido por nós em simultâneo
Voltei
a colocar o telefone na base e toda a casa voltou a ser novamente silenciada.
Não
tinha tempo para perder, logo quanto mais rápido me despachasse para sair de
casa e ir direitinha à clínica, melhor. Refiz o caminho até ao meu quarto onde
acabei por enveredar pela casa de banho privativa e não levei mais de vinte
minutos a ficar pronta. Optei por uma vestimenta casual e quentinha que
completei com um casaco, tendo em conta a época do ano. Usei um pouco de
corrector para disfarçar as noites mal dormidas pelo trabalho de faculdade que
andava a preparar há semanas, um pouco de blush para rebuçar a palidez do rosto
e batôn para dar algum brilho aos lábios e destacar os sorrisos… por mais
tristes que pudessem surgir.
Quando
voltei a descer ao rés-do-chão, pronta para sair, fiz uma paragem rápida na
cozinha apenas para pegar uma peça de fruta e comê-la pelo caminho… Não queria,
nem tampouco tinha vontade ou disposição para me delongar num pequeno-almoço
minimamente decente, embora o devesse ter feito… Mas não tinha certezas se o
meu estômago estava preparado para as demasiadas emoções que me estavam reservadas.
Como
tinha o carro fora da garagem, dei uma corridinha leve até alcançá-lo para
escapar ao chuvisco que começara a cair e ameaçava enfortecer-se a qualquer
instante.
“…
e depois do trânsito passemos então à música, não é assim Nuno?” – enquanto
retida no habitual trânsito da capital, a rádio, a minha companheira de
viagens, suprimia a solidão e silêncio do meu veículo, irrompendo animadamente
no vácuo em uma das minhas estações preferidas
“É
isso mesmo Vanda, e para começar esta linda e agradável manhã de chuva nada
melhor do que uma musiquinha portuguesa de um jovem bem conhecido…” – a equipa
da Rádio Comercial fazia as delícias das manhãs dos portugueses mesmo antes de
mais um dia de trabalho, e era naquele ambiente descontraído que somente podia
ouvir, que me ia procurando distrair, esvaziar a cabeça de tudo o que não me
fizesse bem – “Caro ouvinte, bem-vindo às manhãs da Comercial, já a seguir
fique com a melhor música de 2000 em diante.”
-
Que chuvada, meu Deus! – murmurejei apreensivamente olhando do para-brisas, a
chuva intensa e copiosa de Outono que continuava a precipitar-se, e que
naturalmente dificultava o trânsito e uma condução segura a todos os veículos
que seguiam juntamente comigo na autoestrada
“Estás
sozinho no teu espaço, escondido entre as paredes de uma recordação, vais fugir
mais uma vez, aprisionar todos os sonhos nessa solidão… Sobes lentamente à
espera de um empurrão, chegou o momento transforma a ilusão…” – embora me
fossem totalmente desconhecidos por estar a ouvi-los pela primeira vez, os
acordes de um artista português entraram nos meus ouvidos e desde logo me
conquistaram pelo sentido da letra
-
Tudo a ver comigo, realmente… - metabolizei ironicamente enquanto esperava que
o sinal se tingisse de outra cor, da canção que poderia ser destacada com a
letra da minha vida, talvez, tal a maneira como esta se enquadrava, e de alguma
forma tentando pensar o menos possível no que iria acontecer quando chegasse à
clínica
“Tens que
saltar pra outro lugar, ganhar coragem; enfrentar, queres aprender a construir
um novo dia, amanhã(!) vais acordar e perceber que sem lutar nada vais ter, e
num segundo mudaste o mundo, sem saber…” – foi ao sabor daquela música
e das outras que se seguiram, que depois de cruzar à direita para fazer o
estacionamento, acabei por chegar em fim ao meu destino
Ao
entrar fui imediatamente atendida pela recepcionista que havia falado comigo ao
telefone, e a qual me pediu que aguardasse somente uns minutinhos enquanto uma
outra paciente estava a ser vista pela mesma médica que me iria atender.
Fui
sentar-me na sala de espera, junto de mais três ou quatro pessoas, e procurei
desesperadamente algo para fazer, algo que pudesse distrair-me… Mas nem a
revista desportiva que peguei da mesa de apoio e a qual folhei apressadamente sem
dar grande importância ao conteúdo, fez brandar o nervosismo miúdo que a ponta
do meu pé calcetava ao embater ritmadamente contra a tijoleira cálida que
revestia todo o piso.
-
Joana de Andrade? – o chamamento do meu nome petrificou todos os meus pensamentos,
e levou o meu olhar a subir e procurar a figura que me clamava
-
Sou eu. – num descuido imparcial deixei a minha voz tremer, ao denunciar-me à
enfermeira que me procurava
-
A doutora está pronta para recebê-la. Venha… - numa educação e simpatia que
apreciei, vi-a estender o braço na minha direcção, dando a indicação de que a
acompanhasse pois seria ela que me iria guiar pessoalmente até ao consultório
Ascendemos
apenas um piso no elevador e enveredámos por inúmeros corredores onde, se
estivesse sozinha, facilmente me perderia. Para ser sincera, estava tão envolta
na panorâmica problemática que poderia encontrar nos próximos minutos entre as
quatro paredes que aguardavam a minha chegada, que nem reparara no nome da ala
por onde seguíamos, algo irrelevante visto que iria ficar a saber onde me
destinava… mas cedo do que poderia imaginar.
Quando
por fim chegámos junto do gabinete, a enfermeira Cecília –
fora o nome que lera na sua plaquinha de identificação que trazia presa no peito –,
deu dois simples toques na porta, sedeados com os nós das mãos e abriu-a
seguidamente.
-
Doutora Maria João, a menina Joana de Andrade já está aqui. –
pela pouca visibilidade que tinha, do que pude ver foi somente o fundo do
consultório, com a pragmática secretária de trabalho ao centro e a figura
difusa e indistinguível da médica
sentada por detrás da mesma
-
Óptimo! Ela que entre, pode entrar… - concedeu rapidamente, mestrando com o
braço um claro sinal de permissão, esperando conseguir ver-me atrás da figura
da enfermeira que até então me encobria – Obrigada,
Cecília.
-
Entre. – a simpática enfermeira deferiu-me o
lugar vazio entre o seu corpo e a ombreira da porta, que abriu somente na
intenção de me ceder passagem para entrar – Com
licença, doutora. – proferiu mesmo antes de sair
para nos deixar a sós, retendo-me num lugar que me intimidava e onde me sentia
inevitavelmente desconfortável
-
Pode entrar, Joana. – vendo-me acanhada ainda
junto à entrada, com ambos os braços caídos à frente do corpo onde entre as
minhas mãos segurava a mala, vi-a erguer-se do cadeirão que até então ocupava,
para fitar a secretária e tomar calmamente o primeiro contacto físico e visual
comigo – O meu nome é Maria João Lucas, sou
eu a médica que a vai acompanhar… - a sua mão recorreu à minha e numa
delicadeza singular, ambas se agitaram vagamente no ar
Olhei-a
ligeiramente apoquentada pelo que me dissera… É ela médica que me vai
acompanhar. O que quereria aquilo dizer? Entrei imediatamente em sobre alerta, e
a expressão, ou a falta dela, no meu rosto, decerto que não passou despercebida
aos seus olhos. Tentei abstrair-me, não parecer nenhuma tolinha a quem as
palavras faltavam, e foi então que pude mirá-la e discernir a sua aparência num
vislumbre vagante sob sua bata. Ela era alta, bem mais alta do que eu, um facto
que fazia ressaltar com os seus saltos altos, o seu cabelo comprido e cacheado
estava perfeitamente apanhado com um pucho, o que lhe adornava o rosto de
expressividade calma e não deveria ter mais dos seus trinta e poucos anos,
apesar de parecer mais nova. Por mais estranho que pudesse parecer, algo nela
me acalmou no primeiro instante, mesmo que não tenhamos trocado nenhuma palavra
sobre o que me levava ali, não sei se da voz serena ou do olhar meigo que fazia
recair sobre o meu, no entanto não me acalmou o suficiente para afastar todo o
nervosismo do que teria para ouvir da sua boca, não tardava muito.
-
Sente-se, vamos conversar um pouco. – ela foi tão
amável e educada o quanto eu esperava, mas a introdução da sua parte àquela
conversa, definitivamente que não me agradou
Do
que queria ela conversar? Não podia ir simplesmente directa ao assunto? Evitar
os rodeios banais que no final de contas não serviriam de nada para me sossegar
do que quer que fosse, do que quer que eu tivesse.
Tentei
manter uma postura impetras e cordial, mas aqueles minutos estavam a
destruir-me por dentro, a dissecar-me o pouco controlo que tinha sob as minhas
emoções. Sentei-me numa das duas cadeiras vagas que guardeavam a secretária, e
observei-a na minha frente a copiar-me o gesto. Na base da mesa e entre outras
papeladas perfilhadas estrategicamente, distingui um envelope aberto e a
sua respectiva carta, provavelmente os resultados dos meus exames que ela
analisara mesmo antes da minha chegada.
Vi-a
pegar neles e pervagar uma rápida vista de olhos pelos mesmos, talvez no
intento de encontrar a melhor forma de me abordar, de me dar as más notícias…
Digo isto porque só podiam ser más notícias, claro, caso contrário eu não
estava ali.
-
Joana, as notícias que eu tenho para si… Sinceramente eu não sei bem por onde
ei-de começar. Estive a examinar as suas análises, estudei aprofundadamente os
seus sintomas…
-
Diga-me, doutora, o que é que eu tenho? – a
impaciência começou desde cedo a dominar-me cada gesto, cada palavra, e
estarmos naquele impasse só piorava o estado deplorável da minha alma
-
Tenha um pouco de calma, não precisa estar nervosa… - podia pedir-me tudo,
menos que tivesse calma… não quando eu não sabia como me deveria sentir, a sua
feição enigmática não me permitia descodificar o que fosse, não poderia
imaginar o que estava para ouvir e os rodeios eram algo que uma vez mais eu
queria evitar – O que eu tenho para lhe dizer, isto se ainda não sabe…
-
Eu estou doente, não estou? Diga de uma vez, por favor… - não aguentava mais
estar presa àquela angústia, àquele não saber o que fazer, não saber o que
pensar, queria respostas imediatamente… custasse o que viesse a custar –
Eu estou doente…
-
Joana… - ela fez uma breve pausa, onde na qual os seus dedos amestraram a
caneta que embateu na base da mesa uma vez só, gesto de que se serviu antes de
continuar e dar-me enfim uma notícia que fez o meu coração parar de bater
durante uma fracção atemorizada de segundos – Pelo que eu
sei e a minha experiência bem o confirma, gravidez não é doença… - acho que morri naquele instante
-
Gra…videz? – perguntei, quando voltei à vida - completamente atordoada
pela surpresa que caíra como uma autêntica bomba sobre mim, e tendo a necessidade
de engolir a seco enquanto tentava manter-me coerente e conseguir falar,
comecei por sentir os batimentos do meu coração acelerarem furiosamente –
Disse gravidez?!
-
Sim, gravidez… Ouviu bem. A Joana está grávida! – ela esboçou
um sorriso meigo pela bem-aventurada boa nova, uma parte por ser dona do
prestígio de ser a primeira a dar-me a tão… inesperada notícia –
Devo dar-lhe os parabéns?
Não…
Não podia ser. Simplesmente não podia. Eu, grávida? Mas como? Não fazia sentido,
era… Impossível. Havia qualquer coisa que não batia certo, não podia ser mesmo
verdade. Os meus sintomas não indicavam uma gravidez, já para não falar no meu
período, que apesar de ter sido estranhamente breve, havia-me aparecido há
coisa de uns dias… Algo ali não estava bem, algo estava por ser explicado.
-
Tem… Tem a certeza do que está a dizer? – de olhar rompido pelas lágrimas
inertes de confusão que o alienava, juntamente com uma voz fracassada de
incertezas, procurei ali somente pelo
acerto da verdade numa única afirmação
-
Tenho a certeza, claro. Os resultados estão aqui… Não deixam margem para
dúvidas, não há qualquer possibilidade de estarem errados. – ela foi tão clara
e assertiva quanto a conduta de seu cargo lhe exigia
-
Estou mesmo grávida…? – ainda não conseguindo acreditar no que me era dito, sussurrei, envolta
naquele transe cerrado onde todos os meus sentidos se perpetuaram
-
…De quatro semanas, aliás. – referiu num tom suave e muito pouco
maçudo, e com um sorriso passageiro nos lábios ao apoiar o seu queixo nas mãos
entrelaçadas, suportadas pelos cotovelos vincados sob a mesa
Enquanto
a minha mente se consciencializada com aquela nova realidade, com a minha nova
realidade, os meus olhos que se haviam enchido de lágrimas, depressa e muito naturalmente
deixaram que estas cedessem ao decline intransigente do meu rosto por onde rolaram… Não sei se da
felicidade subentendida daquela surpresa, ou do receio desta pela enorme
responsabilidade futura e conflitos adjacentes que acartava.
-
Mas então e aqueles sintomas quem mencionei? As dores de cabeça, o mal-estar, a
perda dos sentidos… - relembrei, podendo atestar que algo não estava a bater
certo e só por isso era-me importante e essencial esclarecer todas as
incertezas
-
Referente a esses sintomas, há uma explicação para eles, um motivo… - a partir
daquele momento senti a conversa toldar-se de um fácies mais carregado que
acrescentou alguma tensão entre nós, simplesmente pela nova postura que a
doutora apoiou em si, e se até então estava com os nervos à flora da pele, mais
nervosa fiquei – A Joana teve perdas de sangue, hemorragias durante o período
desses sintomas?
-
Ah… Sim, tive, mas foi da minha menstruação… - assim pensava eu, mas para ser
sincera àquela altura já não sabia nada
-
Podia ser, até porque nos primeiros tempos de gravidez a mulher pode ter
pequenas perdas de sangue, algumas delas menstruam durante a gestação, mas
creio que essas hemorragias não tiveram nada a ver com seu período menstrual…
-
Como assim? – quanto mais informação os meus ouvidos albergavam, mais confusa ficava,
mais depressa o meu coração desancava, com mais medo me sentia
-
Ao que tudo indica… - ela fez uma pausa, que embora breve, fez ressaltar sobre
mim a gravidade do assunto que me iria expor – Ao que tudo indica, a Joana
sofreu de uma ameaça de aborto.
-
O quê?! – os meus olhos esbugalharam-se dolorosamente, e logo a minha cabeça
começou a marejar com tamanha e nova bomba, mais uma, que voltou a ser laçada sobre mim – Um aborto? Mas… Como… Um abort… - não conseguia terminar as frases que
iniciava, simplesmente não conseguia, era demasiada informação, e toda ela de
rajada para conseguir reter e dirigir em prol das minhas comoções, que não
demoraram tempo algum a surgir e expor o lado mais debilitado e inseguro de mim
-
Eu percebo, são muitas novidades, mas peço-lhe para manter a calma… O melhor é…
Eu vou buscar-lhe um copo de água, volto já.
Quando
a vi erguer-se da sua cadeira e contornar a secretária para concretizar o
pedido que eu não lhe fizera mas que ela entendeu de imediato e era necessário,
uma tontura passageira voluteou a fronteira ocular dos meus olhos e imediatamente
a minha cabeça tombou, tendo sido amparada pela minha mão direita que segurou
desesperadamente a testa.
Um
pasmo entibiado percorreu-me toda a espinha e vertebras dissipando-se nas
extremidades do meu corpo, cada vez mais massacrado pelo cansaço do desgaste
físico e psicológico, e daí até toda eu me sentir a tremer foi uma questão
irrelevante de segundos… Um calor desconfortável queimou-me por dentro apesar
de me sentir gelada, queria respirar mas por alguma razão o ar não chegava aos
meus pulmões, queria desafogar-me em lágrimas mas era como se tivesse
desaprendido a chorar… Agora mais nenhuma lágrima caía, sentia-me tão
perturbada, tão desorientada com tudo aquilo, que não sabia ao certo o que
fazer, como reagir… Pasmei simplesmente no meio do nada.
Fui
apanhada completamente desprevenida entre um turbilhão de notícias, totalmente
desarmada e sem qualquer chão que me mantivesse de pé, apenas de rastos. A
notícia da gravidez, uma gravidez que apesar de desejada – noutra altura – não
fora planeada, e uma ameaça de aborto em seguida, tudo a acontecer sem eu saber
de nada, sem ter notado, sem ter feito nada que impedisse o pior… Era muito
para mim, era demasiado para ter de lidar sozinha… Demasiado.
-
Está aqui o copo de água… Beba. – pouco mais de dois minutos a doutora Maria
João voltou a enveredar no seu escritório e a entregar-me em mãos um copo de água
que degolei duas únicas vezes
-
Obrigada… - agradeci-lhe naturalmente frágil e desalentada, segurando o copo em
ambas as mãos junto das coxas
-
Se precisar de algum tempo para si, eu posso deixá-la por uns momentos…
-
Não… - discordei quando os meus olhos procuraram a compreensão e alento nos
dela – Eu não quero estar sozinha agora. – apesar de me ter oferecido o meu
espaço, a minha liberdade de pensamento a sós, eu não queria passar um momento
sozinha… já bastava a solidão com que me iria deparar nos próximos tempos
-
Joana, eu não me quero estar a intrometer demais, mas já reparei que contava
com tudo menos com esta gravidez… - começou por dizer-me, cruzando os braços
mordazes na frente do seu peito para tomar a pujança de caminhar lentamente na
minha direcção – O que eu quero dizer é que se vier a pensar interromper a
gravidez, como médica eu aconselho-a a ponderar seriam…
-
Não, não… De maneira nenhuma. – por minha culpa e culpa da disposição apática e talvez até remota que tomei, ela
tenha tirado a ideia errada de mim bem como dos meus princípios e valores, uma
escolha que eu tinha o direito de tomar mas que nunca naquele momento ou em
qualquer um outro, ponheria em causa
-
Você ainda é jovem, é natural que um bebé não entre nos seus planos de vida
pelo menos para já, e visto que a maior parte das mulheres que engravidam na
sua idade e até mais novas, opta por não ter a criança, eu pensei…
–
Não, mas não sou nenhuma dessas mulheres… Não faço qualquer ideia de por fim à
gravidez. Isso… Isso não acontecer. – afirmei asseveradamente sem qualquer
dúvida a pincelar-me a voz, poderia ser uma novidade ainda quente, escaldada
para mim, poderia anda não saber como tudo iria mudar dali em diante, porém
eu já tinha definido muito bem a coisa mais acertada a fazer – Mas…
-
Mas...
-
Eu não sei, estou assustada, tenho medo do que acontecerá daqui para a frente…
Tenho tanto medo…
-
Oh Joana, mas isso é perfeitamente normal… Não há problema nenhum, ter medo não
é nem nunca foi sinal de fraqueza… - inesperadamente, e talvez por me notar tão
distante em pensamento, a médica agachou-se e colocou-se de cóqueras na minha
frente, retirou-me o copo das mãos e uniu-as às suas… um pequeno grande gesto
que desde logo facultou a confiança entre médica e paciente e me colocou mais à
vontade junto a ela, sentindo o apoio que me prestava – O medo põe-nos alerta,
faz-nos pensar duas vezes antes de agir. E ter um bebé é uma grande
responsabilidade… ter medo faz parte, acredite.
Acho
que medo era um sentimento pequenino para a sobriedade do tamanho desalento
onde me encontrava. Eu sentia-me francamente aterrorizada, principalmente por…
vir a ser mãe.
Ser mãe. O prenúncio
soava-me tão estranho, tão distante e impessoal, que se não fossem as
evidências a falarem por si e a não deixaram qualquer espaço para implantar
dúvidas, diria até não ser real aquilo estar a acontecer comigo. Aliás, estava a
acontecer tudo demasiado depressa e por incrível que parecesse, até à altura eu
estava a conseguir lidar com tudo aquilo da forma mais serena e passiva que me
era possível, contudo podia pressagiar que o meu momento de queda estava ainda
para chegar… Assim que estivesse isolada no refúgio da minha casa, do meu quarto,
baixaria todas as guardas e passaria horas a fio jogada sobre a cama a chorar,
noites em claro que iria passar e sem ninguém do meu lado a dar-me a mão, e foi
aí, que nessa maré de tristezas e conflitos íntimos que travava comigo mesma, que
o meu pensamento se destinou a uma única e só pessoa: Ruben…! O meu
ex-namorado, o agora noivo de Inês, o ainda amor da minha vida, e o pai daquele
bebé que era nosso. Foi exactamente aí que um novo quadro futurista se pintou de negro
na minha frente, tudo ficara cinzento de repente, escuro… Tão escuro como se
tingia a minha alma e escuro da tristeza e infortúnio onde a minha vida
mergulhava dia após dia.
-
E o bebé como é que está? Ele está bem? Aconteceu-lhe alguma coisa quando…? –
uma preocupação, uma preocupação que eu não conhecia mas que começava a
descobrir, figurou-se em mim ao relembrar a anterior conversa onde a minha
ameaça de aborto fora abordada vagamente, sem muitos pormenores nem explicações
-
Até agora o estado clínico do bebé é uma incógnita para nós, temos de fazer mais
exames para conseguirmos ver como está o desenvolvimento dele, descobrir alguma
anomalia que eventualmente o possa ter atingido, e dentro disso é
importantíssimo descobrirmos o que causou a ameaça de aborto…
-
Então vamos fazer esses exames, eu preciso de saber como ele está. – o
sentimento de nervosismo depressa se arrastou para a ansiedade, e sem eu mesma
contar com isso, uma protecção inquebrável, vinda de dentro, assolou o meu
coração virginal que a cada batida se esforçava para bloquear novas e
desalmadas lágrimas
***
-
Joana, vou pedir-lhe que se dispa da cintura para baixo e depois vista a bata
que está em cima da marquesa. – permitiu educadamente a médica enquanto
entrávamos num novo espaço, perfeitamente equipado com todo o material necessário
à prova de exames que me iriam ser facultados
Fomos
para uma sala anexada ao consultório onde iria fazer os derradeiros testes que,
desejava eu, iriam colocar fim à tortura que se abatia sob os meus pensamentos
e suposições, que vagueavam interruptamente na minha cabeça e que poderiam
corresponder em nada à verdadeira realidade.
Como
era ainda muito cedo para se conseguir ver o bebé através de um ultrassom na
barriga, a doutora Maria João optou por me fazer uma ecografia transvaginal
que, como ela me explicou desde logo, passava pela inserção de um transdutor,
uma sonda, dentro de mim, para transmitir imagens do meu útero e ovários para o
ecrã de um computador.
- E posso perguntar-lhe pelo seu companheiro? Ele vai gostar da ideia de ser pai? –
aquela pergunta lançada numa desprevenção inequívoca, gelou-me por completo o
sangue que me corria nas veias e deixou-me a gaguejar
-
Eu não… Eu não sei… - disse unicamente e sem me alongar demasiado em
explicações que me poderiam levar a um vale de lágrimas que eu não estava
disposta a ter à frente de ninguém, pelas razões que só eu conhecia
-
Não sabe? – para o meu desconforto, apenas na sua posição inofensiva de minha
médica, ela insistiu numa conversa que eu não estava preparada para ter, pois a verdade era
que eu não sabia como tê-la – Vocês nunca falaram sobre esta possibilidade? De
poderem ser pais, ter uma família… ou a vossa relação é ainda prematura? – não,
se havia algo que a nossa relação não era, ou não fora, era prematura, aliás,
eu nunca tinha tido um relacionamento tão sólido e duradouro como tivera com
Ruben, e por isso a possibilidade de vivermos uma vida a dois e a futura
construção de uma família, não viera às nossas conversas só uma nem duas vezes,
havíamos discutido essa ideia vezes demais até, para tudo ter acabado da
maneira como acabou
-
Nós não estamos mais juntos. – com um semblante carregado de dor pelas
afirmações que fazia, dei novamente uma resposta curta e rápida, que me
permitia não pensar imoderadamente no assunto
Felizmente
que ela percebeu que eu não queria falar mais respectivamente àquele tema que
nunca deveria ter sido abordado, e com a mesma espontaneidade com que a conversa
surgiu, da mesma maneira se findou.
Aquando
finalmente pronta me deitei na marquesa de genecologia, afastando as pernas e
colocando cada uma no seu respectivo apoio, não pude deixar de me sentir cada
vez mais nervosa e assustada, e o momento que se seguia deixava-me
inexplicavelmente com o coração entre as mãos.
-
Estou a magoá-la? – perguntou-me cuidadosamente, enquanto já manuseava o pequeno
objecto dentro de mim e vi-a em simultâneo as imagens que apareciam no monitor
e as quais eu não conseguia olhar
Apesar
de ser um pouco desconfortável para mim aquele exame, com olhar pregoado ao tecto
imaculadamente branco, respondi-lhe somente com um aceno negativo de cabeça,
que substituiu a minha incapacidade de falar o que quer que fosse. As minhas
mãos sobre a barriga estremeciam sem eu as conseguir controlar, e em profundo
silêncio eu só podia pedir a Deus que tudo acontecesse pelo melhor.
-
Aqui está ele… Ainda é tão pequenino, do tamanho de uma ervilhinha. – depois de
uns minutos evocados por um silêncio abafante, a sua voz voltou a surgir
acompanhada por uma expressão leve e serena, a única prova que me era mostrada de que o pior nos tinha passado ao lado – Não quer vê-lo, Joana?
A
verdade é que eu queria, queria muito olhar aquelas imagens, mas não conseguia.
Não tinha coragem para enfrentar uma nova realidade, para receber um novo
mundo, não tinha forças para fazer aquilo sozinha. Mas tinha de as arranjar,
por muito que custasse, por muito que doesse, agora teria de ser forte por mim
e… por ele.
Rodei
ligeiramente a cabeça para o meu lado direito ao respirar fundo, e de imediato
fixei o monitor que se enquadrava na frontaria da minha visão, clara unicamente
até àquela altura porque pouco depois já pude sentir o meu queixo tremelicar
muito ao de leve e os meus olhos a encherem-se de novo com lágrimas que
enturvaram levianamente a minha perspectiva. Não conseguia perceber com
exactidão o que era exposto naquelas imagens incolor, apesar de o indicador da médica me ter apontado o embrião, mas tive a certeza, no
mais profundo de mim, de que estava perante o maior milagre que podia
testemunhar, o qual crescia dentro de mim e era projectado naquele monitor... E
aquele primeiro contacto, decerto, que o manteria guardado na minha memória
para sempre.
E
pude desejar apenas ter ali uma única pessoa do meu lado, a mais evidente de
todas… A segurar-me a mão, a chorar e a sorrir em simultâneo de tamanha
felicidade, comigo, a partilharmos juntos aquele momento que eu não trocaria
por nenhum outro na minha vida.
-
Ao que parece está tudo bem com o bebé, está a desenvolver-se normalmente e sem
qualquer perigo. – prelecionou-me na sua calma permanente que a caracterizada, tentando
tranquilizar-me – Graças a Deus que não passou de um susto.
-
Está mesmo tudo bem com ele?
-
Está tudo óptimo, não tem mais com que se preocupar. – a meu pedido inseguro,
ela reforçou a sua afirmação anterior com um sorriso a preencher-lhe os lábios,
dando-me o maior alívio que poderia receber – Acho que alguém lá em cima está a
torcer por este bebé…
É
verdade, ouvir aquela boa-nova foi como sentir uma enorme lufada de ar fresco
abater-se sobre mim… Estava ainda a tentar habituar-me à ideia de não estar sozinha,
de um novo e pequenino alguém estar ligado a mim, mas no fundo, bem dentro do
meu ser, eu nunca quis perdê-lo.
E
foi então que no meio do silêncio e passividade que nos rodeava, que chorei,
com ambas as mãos a cobrirem o meu rosto, de alma patente a novos sentires, a
novas sensações, que me deixei chorar sem mais afogos, libertei-me e deixei-me
simplesmente levar por tudo de novo o que sentia, por tudo o que tinha passado,
pelas lembranças que me assolaram a memória e vi passar na frente dos meus olhos
em flashes sucessivos: a morte da minha mãe; o último abraço que dei ao meu
irmão; o sorriso do Ruben, a nossa separação, o nosso primeiro beijo, a última
vez que fizemos amor; e a primeira imagem de um filho, o nosso filho.
Derreter-me em lágrimas foi a única saída que encontrei para me libertar,
precisava fazê-lo… de outra maneira iria sufocar no meu próprio leito.
***
-
Então a nossa próxima consulta fica marcada para a próxima semana. – quando
regressámos ao consultório, sentadas à secretária, continuámos a trocar
impressões, comigo a receber conselhos essenciais ao bem-estar e harmonia da gravidez, sem mais percalços, sem mais distúrbios emocionais que
possibilitassem novos sustos como aquele que havia ocorrido, ou algo ainda mais
grave…
-
Sim, daqui a uma semana cá estarei. – dispus-me imediatamente sem qualquer
impedimento, assumindo o acordo de cada uma das minhas novas responsabilidades
que compunham aquele compromisso, o mais importante da minha vida: a
maternidade
-
E por favor não se esqueça do que lhe disse. Como há pouco pudemos confirmar, a
Joana tem um útero frágil e qualquer risco que corra pode comprometer a vida do
seu filho, e é por isso que lhe recomendo dois dias de repouso absoluto, sem
sair da cama…
-
E a minha faculdade? – inquiri, tomando consciência do compromisso que mantinha
também com o meu futuro profissional, mas que em nada poderia sem comparado e
era superior em prioridade ao mais recente
-
A faculdade vai ter que ficar para segundo plano, para já. Agora o mais importante é
concentrar-se na sua gravidez… E é por isso que tem de descansar o mais que
puder, tenha cuidado com a alimentação, não exagere no exercício físico, e o
mais essencial de tudo: evite a todo o custo as emoções fortes… é muito
importante que o faça.
Evitar
as emoções fortes penso que era o maior desafio que iria enfrentar, algo de que
eu não estava livre era mesmo das emoções, essas que há meses a fio me perseguiam e
que com certeza não eram as melhores de se sentir. Mas iria fazer um esforço,
pelo meu bem-estar e principalmente pela saúde do bebé, eu ia fazer um esforço
para me afastar de tudo o que nos podia fazer mal e isso incluía manter a
distância de certas ocasiões e de certas pessoas.
-
Claro, do que depender de mim vou fazer os possíveis e impossíveis para que
tudo corra bem.
-
Pronto, então parece que estamos conversadas. – mostrado uma simpatia
constante, ela exibiu um novo sorriso
enquanto sincronicamente nos levantámos para tomarmos caminho até à
porta de saída – E Joana, qualquer coisa que precise, não hesite, apareça
sempre que precisar… É preciso ter muita coragem para aceitar ser mãe solteira,
e a Joana tem essa coragem, não a perca. – exacto, mãe solteira… era isso que
eu iria ser, quisesse ou não
-
Obrigada… Obrigada por tudo. – tive de simular um sorriso, porque por mais
que quisesse que saísse naturalmente, este teve a tendência a retrair-se…
coloquei a mala na dobra do braço e acompanhada até à porta, preparei-me para
sair do consultório da doutora Maria João, onde despendi as minhas últimas quase
duas horas
-
Então até para a semana…
-
Até para a semana. – quando ela me abriu a porta, despedimo-nos com um curto e
cordial abraço que encerrou o momento mais difícil que vivi naquela manhã
Quando
voltei a sair da clínica corri numa única direcção até alcançar o meu carro e
fechei-me lá dentro. O meu corpo combaliu pesadamente contra o assento, tal
como a minha cabeça que caída para trás, o acompanhou até encontrar apoio.
Conseguia pensar em tanta coisa ao mesmo tempo, tanto quanto conseguia pensar
em nada… Sentia-me completamente sem rumo, sem direcção, sem braços para onde
correr, sem abrigo para onde fugir. As lágrimas começaram a delinear novamente
os traços do meu rosto, agora silenciosamente e com a minha permissão, sem que
tivesse aquela vontade de retê-las… Não estava ali ninguém para me ver, nem
para me julgar, e por isso mesmo deixei-me ser quem eu era: uma mulher que sozinha,
descobria como lidar com a maior surpresa que a vida lhe reservou.
Quando
me acalmei, rodei a chave na ignição e arranquei com carro para sair
dali, tinha um destino traçado na minha mente, o único para onde queria ir e o
qual eu sabia que me iria acolher sem me renegar. Conduzi então até à Lourinhã
para visitar a praia que conhecia desde pequena eque fora desde sempre uma das minhas prediletas, a da Areia
Branca, a praia que eu e Ruben mais costumávamos frequentar no período antes e
aquando namorávamos, e gostávamos de apelidar como “nossa”.
Apesar
de ter parado de chover e o céu estar a ser contemplado com algumas abertas
por onde os raios de sol penetravam, não desci até à areia como das outras vezes e
deixei-me permanecer na calçada, sentada no muro enquanto olhava a beleza do mar e absorvia os seus aromas. Aquele era um dos meus lugares preferidos, conhecia-o desde miúda e foi lá que despendi algumas das fases mais felizes da
minha vida, era um lugar que guardava a ingenuidade das crianças, os amores da
adolescência e as novas oportunidades da meia idade... Aquele foi o mar que praticamente me viu crescer.
-
O que é que hei-de fazer à minha vida, meu Deus? – praguejei numa aclamação
intimista que só eu e Ele podíamos partilhar, e para a qual a resposta só me iria ser esclarecida com o avançar vagaroso e torturável do tempo
Continuei
ali, perdida em memórias de tudo o que era irrecuperável, do que não podia mais
ser vivido e tentei não deixar a nostalgia entrar no meu peito, quando a vontade
de reaver o que tinha perdido era maior que a razão de ser.
Aproveitei
para olhar à minha volta e ver com atenção… Parecia que tinha ganho uma nova
vida, senti-me como se tivesse morrido e nascido de novo… Os sons, os cheiros,
tudo me despertava novas emoções, tudo parecia ter ganho novos significados,
mais beleza. Olhei tudo com mais atenção e dei mais valor a tudo o que em meu
redor a vida fazia e tudo o que era feito dela. Perguntei-me se seria possível
o estado de esperanças oferecer-me novos sentidos para olhar o mundo, visto que
um novo crescia dentro de mim.
Fechei
os olhos e somente ouvi. Escutei o silvar das ondas e em vão tentei descobrir o
que elas queriam dizer, porém a procura pela minha paz de espirito foi interrompida
quando da mala senti o modo de vibração do meu telemóvel que dava sinal de uma
nova chamada.
-
Estou? – embora não conhecesse o número do remetente, nem tampouco o tinha gravado
na minha lista de endereços, não hesitei em atender somente na preocupação de
poder ser alguma urgência, no entanto não houve qualquer
contestação do outro lado – Estou, sim? Quem fala?
Continuei
sem obter qualquer resposta, apenas ouvia o sibilar de uma respiração que
ressoava ao auscultador… Uma respiração profunda, que
de uma maneira descabidamente inexplicável era capaz de me roubar o fôlego a
cada instante que era findado e eu continuava sem perceber o que estava a
acontecer ali.
- Vai ter de me desculpar, mas se não tem nada para me dizer, eu…
eu vou desligar…! Com licença. – disposta a terminar com
aquela que eu pensava ser uma brincadeira de mau gosto, preveni-o(a) de que ira
encerrar aquilo que não chegaria a lado nenhum… a meu cego ver
-
Não, não, espera! Não desligues… - aquele timbre, aquela bem-dita voz que eu era
capaz de reconhecer em qualquer recanto, surgiu junto do meu ouvido e tocou a
emoção do meu coração saudoso
-
Ruben? – a minha voz estremeceu ao compasso do seu nome que ditei, para
confirmar a mim mesma que era mesmo ele que permanecia do outro lado da linha
-
Sim, sou eu… Desculpa não ter respondido logo, mas não sabia bem o que havia de
dizer…
Mas
que fantástico sentido de oportunidade, não haja dúvida… Ele podia ter ligado
em todos os outros dias, em qualquer ocasião, mas escolheu logo aquela(!) Mal
ele desconfiava do segredo recente que eu guardava e o mesmo que ainda não fazia
ideia de como lho havia de partilhar, mas teria de o fazer, mais cedo o mais
tarde, de uma maneira melhor ou não, mas ele teria de saber.
-
Porque é que ligaste, Ruben? – foi a questão mais lucida e coerente que lhe coloquei, ainda cheguei a perguntar-me como tinha ele arranjado
o meu número, mas isso pouco importava agora
-
Eu não sei… Senti que devia fazê-lo, estive a olhar para o telemóvel tanto
tempo até ganhar coragem para ligar, e bem… Aqui estou. – não entendi direito o
que ele pretendia por estar a fazer aquilo, acho que no fundo nem ele sabia,
porém eu compreendia o que era agir por impulso – Como é que estás?
-
Como é que eu estou…? Estou bem, acho. – não conseguia disfarçar a surpresa do
telefonema mais inesperado que podia receber, e ocultar-lhe a verdade foi algo
que eu não tive como evitar
-
Estás mesmo bem?
-
Sim… Porque não haveria de estar? – hesitei uns segundos no limiar da verdade
com a mentira, pois Ruben era a pessoa que me conhecia melhor do que ninguém, e
desvendar o meu íntimo era algo que ele fazia de olhos fechados, sem esforço
algum
-
O David disse-me que tens andado doente estes dias, e fiquei preocupado contigo…
Queria saber como estavas.
-
Eu já estou bem, não foi nada demais. – mais uma vez a minha autodefesa fugiu
da minha boca automaticamente, como uma resposta ensaiada que lhe escondeu tudo
aquilo o que eu ainda não estava preparada para lhe contar
-
Mesmo assim, foste ao médico? Cuidaste bem de ti?
Mas
porque carga de água estávamos nós a ter aquela conversa? Sinceramente. Porque razão ele
estava tão interessado, tão preocupado comigo? Nós não erámos mais um casal,
aquele tipo de conversas não deveria mais existir entre nós, aquele cuidado e
aquele carinho não deveriam constar mais nos nossos discursos, simplesmente. Mas
pelo discurso dele, pela sua maneira cuidada e meiga em falar comigo, na sua
maior simplicidade conseguiu formar lágrimas por detrás das minhas pálpebras
doridas, e fazendo o maior esforço do mundo para conseguir segurá-las, fechei instintivamente
os olhos e obriguei-as a recuar.
-
Não dizes nada? – ele insistiu, no seu jeito preocupado de ser, foi fácil encontrar o desalento
que lhe embebeu a voz e esse facto só serviu para esborrachar ainda mais o meu
pequeno coração apaixonado contra o peito – Fala comigo, Joana…
-
Eu já te disse tudo o que querias saber, talvez o melhor agora seja desligarmos
a chamada… - esperei alguns segundos para me acalmar um pouco e voltar a
falar-lhe, pois temi que o meu choro prestes que já ameaçava, assaltasse num
rompante a minha voz e consequentemente me expusesse perante ele
-
Não, não desligues já, deixa-me ouvir a tua voz…
- Ruben, pára com isso, não queiras entrar por aí…
-
Desculpa. Mas a verdade é que nunca pensei que fosse tão difícil…
-
O que é que é tão difícil? – inquiri a medo
-
Lidar com as saudades… As saudades que eu tenho tuas, as saudades de nós…
-
Não digas isso, por favor.
-
Tu perguntaste.
-
Não o deveria ter feito.
-
Agora já sabes… - aquela troca de palavras começava a matar-me, e o meu receio
só aumentava se ele caísse no embuste de me deixar sem resposta – E tu… tens
saudades?
-
Isso agora não importante mais, não interessa.
-
Interessa pra mim! – o seu desânimo e suplicação tocaram o mais profundo de
mim, aquela conversa estava a deixar-me profundamente desconfortável e eu começava
a não saber lidar com as emoções, que de tão fortes estas intimidavam em tomar o meu
controlo total – Tens saudades do jeito como éramos?
-
Eu não quero ter estava conversa contigo, vou desligar…
-
Porquê? Porque é que foges?
-
Eu não estou a fugir, simplesmente acho que estando nós nestas circunstâncias,
esta conversa não tem cabimento nenhum, não faz qualquer sentido, e muito menos
quando a estamos a ter por telefone! – quando eu pensava que
tinha conseguido dar a volta por cima, e colocar um ponto final naquela
loucura, ele não baixou defesas e encurralou-me contra a parede
-
Queres que eu vá ter contigo? Só volto a ter treino mais logo, eu vou buscar-te agora e conversamos cara a cara,
olhos nos olhos em qualquer lugar… onde tu quiseres!
Silenciosamente,
linhas finas de água cursaram os caminhos tumultuosos das minhas faces que a
brisa agreste esfriava. Obriguei a mim mesma manter-me em silêncio enquanto
continuava a segurar o telefone junto do meu ouvido e escutava a sua respiração
desassossegada que aguardava por uma resposta minha. Se prenunciasse uma palavra
que fosse naquele momento, um choro atormentado que se desencadearia, denunciar-me-ia e isso era a
última coisa que queria naquele instante.
O
meu peito explodia a cada nova emoção que o invadia, e Ruben continuava em
linha à espera de um sinal meu… Não sabia o que dizer-lhe, contudo sabia o que queria e o que
devia de ser feito…
Olá, meninas! :)
Mais uma vez peço desculpas pela demora em trazer novidades,
mas não me foi mesmo possível fazê-lo mais cedo.
Depois quero dar-vos o meu muito obrigada! Vocês não imaginam o quão me é gratificante, enquanto escritora, chegar aqui e receber o vosso apoio e carinho
em palavras de incentivo que me dão um alento enorme
para continuar esta história que também é vossa.
Peço para continuarem a deixar-me os vossos
comentários, é muito importante para mim, e principalmente nesta fase da história,
receber as vossas opiniões.
Espero que gostem deste novo capítulo, e boa leitura! :)
Beijinhos,
Joana
Ai Joana, Joana que não sei o que te faça... és mesmo "ruim" para mim... LOOL
ResponderEliminarAdorei o capítulo e se ontem já me tinha emocionado com a parte que li hoje com este fim que deste ao capítulo nem te falo... opa aquela conversa... sério que o Ruben tinha mesmo de ligar agora???
Opa... ele tem o direito de saber que vai ser pai... e tu tens o dever de não nos fazeres sofrer LOOL só de pensar no que falta para... :P
Quero o próximo :P
Beijocas
Mas que capítulo estrondoso !!!
ResponderEliminarEstou sem palavras, que surpresa! Nunca pensei que a Joana estivesse grávida e já tivesse tido uma ameaça de aborto... Que corajosa, enfrentar a realidade, levar a gravidez adiante, mesmo sabendo tudo o que isso implica na sua vida... abandonar a sua carreira de modelo e o seu curso na faculdade, ainda que temporariamente, enfrentar os olhares indiscretos, mesmos os que lhe estão mais proximos e o pior de tudo... ver o pai do seu filho longe de si e comprometido com outra!
Longe de si... quer dizer... pelos vistos só fisicamente, porque em pensamento estão sempre juntos. Que timing do Ruben! Que conversa mais fofa! ADOREI!!! que posso dizer mais?
já sei o que quero xD o próximo, pois está claro...
Eu sei que sou chata, mas é por adorarmos o que escreves que somos tão exigente ahah
beijinho e parabéns por mais um maravilhoso capítulo
Raquel
Boa, ela está grávida :)
ResponderEliminarEspero que ela lhe conte o mais rápido possivel! Ele tem que saber afinal vai ser pai :)
Bem estou ansiosa pelo próximo :)
opah que surpresa! Grávida ! Oh meu deus ! Olha tens todo o meu apoio e da minha família que te adora (não te conhecem mas a tua forma de escrever diz tudo sobre ti) continua pq nos deixaste surpresos e encantados ! Um beijinho da família Sequeira
ResponderEliminarLindo <3
ResponderEliminarIndescritivelmente FANTÁSTICO !!!
ResponderEliminarGravidez ?! MEU DEUS! nunca pensei...
ResponderEliminarquero saber o rumo que vais dar à história, porque se tem vezes que consigo prever mais ou menos o que poderá acontecer... agora nada me parece certo, muito longe disso !
dúvidas existenciais pairam no fim da leitura deste capítulo... espero que o próximo capítulo venha rápido p'ra esclarecê-las xD
Oh my god!!!! Oh my god!!!! Fantástico!!!!
ResponderEliminarComo é que se consegue acabar assim um capitulo???? Como???
Quero mais, por favor!!!
Beijo
Adriana.
Não tenho palavras p'ra comentar este capitulo! tudo nele foi surpresa... que reviravolta :)
ResponderEliminarEstou completamente rendida a esta história e tenho a certeza que o rumo que lhe vais dar é o que nós leitoras queremos ler :)
parabéns por mais um capitulo fantástico!
beijinho
Catarina
(ps: publica o próximo rapidamente, por favor xD)
ai Joana nem sei o que te dizer... *.* esta história é sem duvida diferente de todas as outras! a maneira como tu escreves é mesmo especial... parece parvo, mas quando estou a ler a tua historia parece que sinto uma cena na barriga...sinceramente não te sei explicar. é mesmo perfeitaaa, continua! beijinhos
ResponderEliminarSimplesmente maravilhoso, algo me dizia que doente a Joaninha não estava, mas daí a estar grávida, juro que até me passou pela ideia essa hipótese, porque se pensarmos bem tu até nos deste algumas pistas, os enjoos, o mal estar as dores de cabeça, aquela hemorragia que ela associou à menstruação mas que ao mesmo tempo achou estranho pois não era normal ser assim, e agora o desmaio, tava tudo lá, mas também podiam ser só coincidências, mas ainda bem que não foram e a Joana tá mesmo grávida.
ResponderEliminarEla agora tem que ganhar forças para ela mas principalmente para o bebé, porque pode não ter sido planeado mas de certeza que vai ser muito amado, até porque é o fruto de um grande amor. O Ruben tem mesmo sentido de oportunidade, ligou na hora certa, adorei a conversa deles, acho que ele tem o direito de saber que vai ser pai, mas não sei se isso vai mudar alguma coisa, afinal ele fez a escolha dele, mas como tu nos surpreendes sempre, espero da tua parte algo estrondoso.
A Joaninha tem que cuidar dela, descansar tal como a médica lhe disse até porque corre alguns riscos.
Se esta história já era emocionante, agora ainda vai ficar mais.
Só te peço uma coisinha, e sei que isto já parece um disco riscado, mas agora preciso urgentemente do próximo capitulo, isto é desesperante, viciante, adorei mesmo.
Continua
Beijocas
Fernanda
Está tão, mas tão LINDO ...
ResponderEliminarMais um, por favor!
Eu já li e reli a parte em que o Rúben lhe ligou e que a medica disse que ela estava grávida!
ResponderEliminaré porque eu não tava a acreditar: quer dizer, à uns capítulos atrás passou me pela cabeça que a Joana estivesse gravida, mas depois com a " vinda da menstruação " fiquei-me...
afinal era uma ameaça de aborto (coitada, deve ser horrível, descobrir que se está gravida e que já sofremos uma ameaça de aborto, não queria estar no lugar dela). Mas a gravidez é bom, quando ainda por cima quando estamos grávidas do homem que amamos. E a Joana não podia estar gravida de outro homem, que não o Rúben.
e por falar em Rúben, que sentido de oportunidade, se o que estes dois têm não e amor, então não sei o que é!!
Espero que ele vá ter com ela, e que ela lhe conte que ele vai ser papa :D
Mas algo me diz que não vai ser ainda, mas o Rúben não vai casar... ahahahah
Mas este capitulo está qualquer coisa de uau...LINDO♥♥♥
Beijinho e continua, até podes demorar, que para ler coisas destas vale a pena a espera.
p.s. ok, mas n muito tempo, que uma pessoa morre de ansiedade;)
Queremos mais um!!! este telefonema não pode ficar a meio por muito tempo ahah
ResponderEliminarbeijinho
ja li e reli o capitulo. tá mesmo lindoooo :)
ResponderEliminarpara quando o próximo?
sim, quando é que voltas a publicar mais um capítulo?
ResponderEliminarestou super entusiasmada para ler o que aí vem!!!
Ainda não sei quando voltarei a publicar, mas espero ser o mais breve possível!
ResponderEliminarBeijinhos :))
obrigada por responderes :)
ResponderEliminarbeijinho
mais um, please :)
ResponderEliminar<3
já tenho saudades desta história...
ResponderEliminarolá :) O meu nome é Ana e faço anos no próximo dia 18 de outubro e gostava de te pedir se nesse dia poderias postar uma capitulo e dedicar-me :D faço 19 anos !! bjcs
ResponderEliminarOla não da para ver o que tu publicas-te.bjs
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