-
Wow… Be careful, litle boys! – alertei com um sorriso largo nos lábios, os dois
meninos gémeos que me interpolaram a sair da minha suite, cada um rasgando
caminho pelas laterais do meu corpo, numa correria furiosa… muito natural das
brincadeiras de crianças
-
You won’t catch me, Thomas! – desafiou um deles, enquanto por entre gargalhadas
continuavam a correr desalmados pelo fundo do corredor
-
I’m sorry… I’m so sorry! – apressou-se a desculpar-se a senhora que eu depressa
calculei ser a mãe daqueles miúdos de sensivelmente seis anos, pelos modos
tomados pelos filhos
- Oh, don’t be sorry, it’s okay… Kids! – traquilizei-a num breve encolher de ombros
compreensivo, que ela soube corresponder com um sorriso belamente grato
-
Thomas! Daniel! Come back here! – a pobre senhora partiu então, igualmente numa
correria, na direcção tomada pelos filhos procurando sossegar o seu coração de
mãe e eu, eu limitei-me a retomar e seguir com o meu caminho
Embarquei
no avião naquela noite… Sozinha, como já me habituara a fazer desde cedo. Para
não variar as doze horas de viagem com vista de regresso a São Francisco,
torturaram-me lentamente, pelo simples facto de terem contribuído para que um
conflito de valores desse o rebuliço caótico a que os meus fragilizados
pensamentos se alquebraram. Meras recordações impiedosas furtaram-me a
necessidade de dormir; a consciência de todas as coisas que ficaram por fazer,
de todas as palavras que ficaram por ser ditas e, principalmente, a dor
profunda que sentia no ponto fulcral do meu coração, por não me ter entregue a
um amor que somente por minha culpa, acabara por não ser vivido. “Será este
o meu fado... Viver perpetuamente no escuro?” Era exactamente esta a
pergunta que fizera incontáveis vezes a mim mesma, e que me acompanhou
enquanto sobrevoara o longo manto azul do oceano.
E
agora ali estava eu… Juntamente com o meu irmão Salvador, a percorrer os
corredores do hotel que guardava tantas e tão boas memórias… O mesmo hotel de
que se as suas paredes falassem, desvendariam os melhores segredos que eu ali
vivera e que ainda guardava em mim.
-
Joana! – um timbre grave e incrivelmente familiar, fez-me travar repentinamente
o caminho já traçado até ao elevador
-
Pai… - confirmei aos meus olhos o dono e senhor daquela voz, logo que dei
instruções ao meu corpo para se voltar
-
Podemos conversar? – vi-o a aproximar-se levemente, sempre nos seus modos
senhoris de um empresário experiente, mas de um pai que eu não sabia mais
conhecer… não depois da perversidade que me obrigara a fazer, há quase três
anos
-
Tem mesmo que ser agora? Ia dar um passeio pela cidade com o Salvador… - para
além de ser a verdade, pareceu-me ser o argumento mais aceitável que lhe
poderia dar, pois a minha vontade de conversar com ele naquele momento, era
quase nenhuma
-
Não queria adiar esta conversa por mais tempo… Cinco minutos é o que eu te
peço!
-
Diga lá então. – mais uma vez cedi à sua vontade, como sempre fizera, transferi
o peso do corpo de uma perna para a outra, e logo que cruzei os meus braços
teimosos, mostrei-me tão disposta e atenta a ouvi-lo, quanto
me foi possível
-
Preferia que não fosse aqui… – ele olhou o Salvador de certa forma como um
impedimento para, talvez, ter comigo uma conversa que só poderia ter-nos aos
dois como os únicos intervenientes, mas ainda assim, pela primeira vez em muito
tempo, consegui patentear-lhe um tom calmo e uma postura benévola, provavelmente
no intento – à partida falhado – de remediar todos os erros que cometera comigo
no passado – Podemos ir até ao escritório?
-
Pai, por favor… Estou com alguma pressa. – procurei as palavras que me
pareceram ser as mais certas, para não lhe faltar ao respeito de maneira alguma,
e com um leve toque no ombro puxei o meu irmão ainda mais para junto de mim
Ele
baixou a guarda que mantivera bem elevada e armada durante toda uma vida, e
escondeu as duas mãos nos bolsos das suas calças sarja, naturalmente vincadas
no centro de toda a perna. Sabia que se quisesse falar comigo, agora, teria de
ser segundo as minhas vontades, já que durante toda a minha existência tive que
me vergar às suas.
-
Salvador, se não te importas, espera lá em baixo pela tua irmã… Ela já lá vai
ter contigo, está bem?
-
Está bem… - sem formar nenhuma oposição, ele comediu-se às palavras quase
ordenadas do meu pai, ainda me olhou mas eu não tive outro remédio que não
fosse deixá-lo ir
-
Mais satisfeito agora? Pode começar a falar…
-
Sobre a tua mãe…
-
Pai, não queira entrar por aí… - alertei-o passivamente, de modo a evitar uma
discussão que poderia rebentar na periferia de um tema o qual me custava tanto
a ouvir como a prenunciar
-
Filha, ouve-me, está bem? Só preciso que me oiças… - por breves instantes o seu
olhar desprendeu-se do meu, somente para percorrer o enorme corredor, na altura
deserto, que se estendia atrás de mim – Eu sei que não estive presente durante
a maior parte do tempo em que a tua mãe esteve doente, sei que foste tu a
cuidar dela todo aquele tempo em que certamente ela mais precisava de sentir o
apoio de toda a família, e eu sei que errei…
-
Pois errou… Errou muito, pai…
- E não imaginas o quanto estou arrependido de não ter estado presente por inteiro na
tua vida, nestes últimos anos!
-
Não se esqueça que quem me afastou da sua vida, foi o pai! – acusei, deixando
que toda a revolta que tinha alimentado dentro me mim, tomasse ordem de todos
os meus trejeitos e palavras
-
No entanto, e perante tudo isto, eu queria pedir-te…
-
Perdão? É aí onde a sua conversa quer chegar? Quer pedir-me perdão… - achei
inacreditável o pedido imoral que tinha em ideia fazer-me, e naturalmente que
isso se fez trespassar para o tom de ironia que a minha voz adoptou, tal como a
minha postura que se alterou para a posição defensiva
-
Joana, eu sei que ainda estás magoada comigo, estás magoada com o que eu te fiz,
mas aceita as minhas desculpas… Por favor…
-
A única pessoa aqui a quem deve pedir desculpa, é ao Salvador… Nem decência
suficiente teve, para levá-lo a ver a mãe uma última vez! – acusei sem
remorsos, procurando, porém, manter um tom ameno que não suscitasse exaltação
entre nós – Nem ao funeral foi…
-
Não, filha, estás enganada… Eu fui ao funeral da tua mãe! – corrigiu-me
rapidamente, apanhando-me completamente desprevenida em confronto da acertividade
da sua afirmação – É certo que não me aproximei muito, nem estive contigo… Mas
eu estive lá.
-
Esteve lá? – por instantes o meu clamor fraquejou e tive medo de ceder a toda
a revolta que escondia, assim como às lágrimas que ameaçam rebentar na tona lacrimejante
dos meus olhos, a qualquer momento – Meu Deus, como é que ainda tem coragem de
me mentir dessa maneira?
-
Eu não te estou a mentir, Joana!
-
Oiça, eu não quero continuar a ter esta conversa consigo, por isso é melhor
deixá-la ficar por aqui… É o melhor para si e para mim! – natural que me
tivesse recusado a acreditar nas suas palavras e de maneira a defender-me,
achei por bem terminar ali mesmo o assunto antes que este nos levasse aos
extremos da exaustão
-
Joana, ouve-me… - ele ainda tentou retomar a troca de palavras entre nós, mas
nem assim me detive
-
Vemo-nos depois… Até logo! – vislumbrei-o uma última vez com uma mágoa impetraz
assoberbada no olhar, e assim que tive oportunidade de respirar bem fundo,
longe do seu domínio, remontei caminho até ao encontro do meu irmão, que
já devia estar à espera no átrio
principal
Aproveitámos
o sol fortificante que resplendecia bem alto no céu naquela tarde de Verão,
para visitar e passar por sítios maravilhosos e pelos quais já guardava enormes
saudades, da cidade de São Francisco. Visitámos algumas lojas do comércio
localizadas a meia dúzia de quarteirões do hotel, entre as quais eu nutria
particularmente preferência por uma, desde a primeira vez que lá fora: a mais
famosa loja de música da cidade. Esta inspirava um ar um tanto antiquado,
fazendo referência – para além dos CD’S que giram por aí nos dias de hoje –
álbuns de vinil, certamente artigos de colecção dos maiores êxitos que ficaram
para a história da música dos anos 60, 70 e 80, e eu como fiel amante dessa
arte, claramente que não pude deixar de demonstrar o encanto que tudo aquilo
transmitia.
Passámos
também pelo bar “La Boulange de Hayes” onde saboreamos os deliciosos
batidos de fruta, e onde pudemos também compartilhar uma conversa sincera como
ainda não tivéramos oportunidade para ter, um pouco à cerca das nossas vidas e
o quanto elas tinham mudado entretanto. E no final da tarde, ainda desfrutámos de um
passeio pelo emblemático parque Golden Gate, uma das maiores atracções e
para mim um local de puro fascino, não só por toda a majestosa beleza dos
jardins que rodeavam os relvados de golfe, campos de ténis e um estádio de
hipismo, canoas que serviam da maior parte para passeios turísticos e
românticos nos lagos que rodeavam toda aquela zona de lazer, mas também por ter
visitado aquele lugar pela primeira vez com Ruben, que me levou até lá como me
tinha prometido, nos tempos em que ainda pertencíamos um ao outro. E
parecendo que não, os últimos anos mudara muita coisa por aqueles lados, mas
era impossível de não concordar que cada recanto parecia aos meus olhos, mais
belo e perfeito do que nunca antes.
***
-
Amanhã podemos ir até à feira? Queria andar na roda gigante… - disse Salvador,
aquando já caminhávamos sobre o passeio pedonal, de retorno ao hotel
-
Ainda lá não foste? – uma surpresa irreversível patenteou-me a voz, por
estranhar o facto dele ainda não ter visitado a feira popular da cidade, que se
distanciava somente a uns quatrocentos metros, se tanto, instalada no parque de
estacionamento da praia frente ao hotel
-
Não… O pai disse ainda não teve tempo de lá ir comigo, mas também não deixa que
eu vá sozinho!
-
Até é de admirar não ter dito a nenhum segurança que fosse contigo, mas enfim…
Não te preocupes que amanhã eu levo-te lá! – assegurei-o, dando-lhe um leve
beijo promissor no topo da cabeça, por entre os cachinhos loiros, enquanto
continuávamos a caminhar abraçados
-
Obrigado, mana! – ele olhou para cima e ofereceu-me um sorriso afável, que foi
o suficiente para me confortar o coração – Ah, e é verdade… O Jorge? Pensava
que ele viesse connosco…
-
Não… Felizmente que o pai percebeu que não é preciso que eu ande acompanhada
por um segurança! – esclareci, tornando evidente o meu desagrado pela condição
imposta pelo meu pai, no primeiro dia que pisei o chão daquele hotel
-
Hi, Mr. Sullivan! – foi o meu irmão o primeiro a saudar o porteiro velhote
e rigorosamente fardado, tal como o
cargo o exigia – Good afternoon!
Ao
perscrutar mais pormenorizadamente a figura do senhor, este rapidamente me fez
lembrar o Ambrósio, o mordomo daquela publicidade televisiva que passa
todos os Natais, dos Ferrero Rocher, levando-me a reparar no mesmo
sorriso, bigode e cabelo branco… Quis soltar uma pequena e curta gargalhada em
prol do meu pensamento reinadio, mas impus-me em não fazê-lo e cumprimentei-o
também.
-
Good afternoon! – olhei-o com um sorriso emitente de simpatia e educação, para
depois olhar o cenário à nossa volta, que não se mostrava nem de perto igual,
àquele quando tínhamos saído
-
Good afternoon! – saudou também, fazendo-me uma pequena vénia enquanto mantinha
as mãos cruzadas atrás das costas – The ride was good?
-
Yes! It was an afternoon well spent! – afirmou Salvador com um sorriso de
orelha a orelha, testemunha dos bons momentos que tínhamos partilhado no
decorrer de toda a tarde… como já há muito tempo merecíamos
-
Thank godness! – gracejou com um sorriso muito afável, ainda marcámos passada
para entrarmos, mas Salvador, que seguia à minha frente, travou o percurso e eu
fui obrigada a deter-me também
-
Porque é que estão aqui estes seguranças todos? – perguntou-me em jeito de
cochicho, fazendo referência a um sinal que eu anteriormente já tinha reparado
-
Não faço a mínima ideia! – os meus ombros encolheram-se levemente no ar, numa feição
que eu tinha tomado como sendo tão natural, que já a usava quase de jeito
automático, quando me deparava com alguma situação que de certa maneira me
ultrapassava – Thank you! – regraciei honestamente ao Senhor Sullivan, assim
que este prestou o obsequio de nos abrir a enorme porta envidraçada
-
Vais voltar para o teu quarto? – perguntou-me ele, fazendo surgir um novo
assunto, enquanto ladeados um pelo outro, atravessávamos o átrio principal
– atestado por outros tantos hóspedes
que iam saindo, entrando ou até mesmo se deslocavam para outras áreas
polivalentes do hotel, domiciliadas no rés-do-chão –, com um único caminho
cogitado até um dos dois elevadores
-
Sim… Ainda quero descansar um pouco antes do jantar! – descolei o olhar fixo
sobre o trajecto para olhar a figura meigamente passiva de Salvador, que mantinha o mesmo ritmo de passada que o meu - E tu… Ainda vais
jantar aqui ou vais para casa?
-
Vou primeiro lá em cima ao escritório ter com o pai, e depois vamos os dois
para casa!
-
Então subimos juntos! – disse numa afirmação evidente, e com o meu braço
direito que no mesmo instante rodeou os seus ombros, continuámos a caminhar –
Escuse me… - chamei pela mulher que se atravessara e começou a rasgar caminho à
nossa frente, quando deixou cair um cartão da sua mala, aquando da última vez
que a remexera para procurar o telemóvel – Escuse me… Wait please! – com o
aparelho electrónico junto do ouvido e com o passo acelerado que tomara,
tornou-se um pouco difícil perquirir a sua atenção, mas ainda assim insisti – You
dropped this card… - informei, logo que por fim consegui chegar junto dela
-
Oh, I’m sorry, I didn’t saw you called me… - assim que se voltou para me
encarar, as suas palavras estagnaram e o discurso foi interrompido… ela desligou a chamada, olhámo-nos
sem expressar qualquer reacção imediata, mas nem esse instante foi
suficientemente fiável para que eu conseguisse acreditar na pessoa que tinha à
minha frente – Joana? – prenunciou certeiramente o meu nome, quando arrastou os
óculos de sol até ao topo da cabeça, para assim confirmar que era realmente eu
-
Sara! – a voz finalmente retomou ás minhas cordas vocais, e pude assim proferir
com um surpreso mas felicíssimo sorriso no rosto, o nome da minha melhor amiga
-
Oh, miúda! – ela nem pensou duas vezes, precipitou-se na minha direcção e
roubou-me um forte e apertado abraço, que foi impossível não ser retribuído por
mim – Que saudades, que saudades!
-
Ai, nem acredito que és mesmo tu… Senti tanto a tua falta! – ditei, domada por
um tom de voz lamuriante, ainda na compartilha de um abraço francamente saudoso
-
E eu a tua, pequenina… E eu a tua!
-
Estou tão contente por voltar a ver-te! – proferi ao quebrar levemente o enlaço
dos nossos braços, procurando-lhe o rosto de maneira a observá-la ainda melhor
-
Meu Deus, não esperava de todo encontrar-te aqui… - enunciou ainda num involuto
de estupefácia, por nos termos cruzado ao fim de mais de dois longos meses, sem
tomarmos qualquer tipo de contacto para um encontro
-
Pois, nem eu… Começo a acreditar naquelas pessoas que dizem que o mundo é um
lugar pequeno! – disse de forma animada, o que nos levou a soltar uma calorosa
gargalhada em simultâneo
-
Mas deixa-me olhar bem para ti… Quero ver o que mudaste nestes últimos meses! –
ela pegou a minha mão e afastou-se um pouco, de maneira a facilitar a sua
tarefa de olhar pormenorizadamente toda a minha figura, agora mais debilitada
desde a última vez que me vira, por componente do carrossel de fortes emoções e
antigos sentimentos que ressurgiram em mim nestes últimos tempos – Mas será que
não te cansas de seres uma gata? Não, é que sinceramente… A concorrer contigo,
não vou ter grandes hipóteses no mercado masculino!
-
Oh, deixa de ser parva! – ripostei não evitando um sorriso lisonjeiro, pelo seu
comentário que eu sabia fazer parte do seu lado mais cómico e descontraído, que
desde sempre formara na forte personalidade de que era portadora
-
Deixa tu de ser modesta! Já olhaste bem para ti? Sim, estás sem dúvida mais
magrita, é certo, mas continuas lindíssima! E se bem que… Ainda não sei ao
certo o que é, mas noto-te… hum, diferente…
-
Diferente? Como assim? – nem o tempo apagara a sua rápida perspicácia que
mantinha em relação a tudo, e talvez o facto de termos estado afastadas durante
um período considerável, a tenha levado a conceber coisas que nunca vira antes
em mim, e isso de certa forma assustou-me pois não sabia até que ponto eu tinha
mudado para ela – Eu continuo exactamente a mesma Joana de há dois meses atrás!
– referi com total integridade, encaixando uma mecha solta do meu cabelo, para
trás da orelha
-
Hum, olha que mesmo assim, eu não diria bem que és “exactamente a mesma Joana”,
como tu te referes…
-
Ai não? Então diz-me lá, Senhora Sabe-Tudo, onde é que eu mudei? – desafiei-a
ao mesmo tempo que levei os meus braços a entrelaçarem-se, num notório despique
de brincadeira, ao qual ela se limitou a olhar o meu rosto, como acho que nunca
antes fizera
-
Os teus olhos…
-
O que têm os meus olhos?
-
Foram os teus olhos que mudaram… Sei lá, estão mais vivazes, ganharam um novo
brilho… Brilho esse que nunca vi antes!
-
Que disparate, Sara! – encenei uma curta risada que a levasse a querer que o
que dissera não era encabeçado por qualquer fundamento, mas Sara conhecia-me
bem demais, e quanto mais eu tentasse fugir ao assunto, que ela já estava bem
próxima de adivinhar, mais a sua insistência redobrava sobre mim – Eu acho que
esse teu curso de psicologia te anda a dar a volta à cabecinha…
-
O que eu acho é que tens muita coisa para me contar!
-
Espera, quero que conheças uma pessoa! – de forma a desviar o assunto “motivo
da vivacidade e novo brilho dos meus olhos” que por enquanto ainda não queria
desafogar com ela, tencionei uma vontade que já cria cumprir à muito tempo – Salvador,
chega aqui, por favor… - chamei o meu
irmão que ainda se encontrava ali na zona, não muito distante de nós
-
É o teu irmão? – perguntou-me ainda apanhada de surpresa, logo assim que ele
chegou junto de nós
-
Sara, é o Salvador… O meu irmão, e Salvador, é a Sara… Uma grande grande amiga
minha!
-
É a menina que estudou contigo em Nova Iorque? – perguntou-me inocentemente ao
altivar o olhar, enquanto eu o mantinha à minha frente, com as mãos sobrepostas
aos seus ombros
-
Hum, hum… Sou eu mesma! – foi Sara que respondeu à sua pergunta, com um sorriso
nos lábios que eu rapidamente lhe adivinhei ser muito meigo e amigável – Ainda não
nos conhecíamos, mas eu já tinha ouvido falar muito de ti! – ambas trocámos um
olhar fiador de cumplicidade, e que Salvador soube descodificar sem quaisquer
dificuldades, mostrando-nos apenas um sorriso ainda tímido, junto de alguém que
acabara de conhecer
-
Joana, eu vou então lá em cima a ter com o pai… Ele já deve estar à minha
espera!
-
Sim, piolho, também acho que é melhor ires… Não queremos que o Senhor Ricardo
se chateie! E se não nos virmos mais hoje… até amanhã! – as minhas mãos
acolheram o seu rosto redondo e perfeitamente adornado das feições de um menino
pré-adolescente, e os meus lábios foram ao encontro da pele naturalmente morena
da sua bochecha, onde lhe guardaram um suave e quente beijo
-
Prazer em conhecer-te… Sara… - embora tenha conseguido vencer a sua forte
timidez naquele momento de despedida, Salvador não deixou passar despercebido
um certo ápice de hesitação
-
Prazer também em conhecer-te, Salvador! – despediu-se também, tendo sido ela a
tomar iniciativa para a troca primordial de dois beijinhos… acenei-lhe uma
última vez e vimo-lo afastar-se a passo ligeiro
-
É querido, o miúdo… Gostei dele!
-
É meu irmão… O que é que esperavas? – retorqui de modo descontraído e
simultaneamente engraçado, levando-a à cessão de um riso contagioso que também
acabou por me atingir a mim
-
Mas conta-me lá, o que estás aqui a fazer? – senti um leve puxão intencionado
na minha mão, no qual fui arrastada até aos confortáveis bancos, posicionados
junto à imponente coluna da entrada – Quero saber tudo!
-
Oh, vim passar aqui uns dias… Estava a precisar de apanhar novos ares! –
referi, mostrando-lhe um olhar dolente e conformado, pelos motivos que me
levaram a sair por uns tempos de Portugal, e logo assim que me sentei ao seu
lado e de corpo ligeiramente direccionado para si
-
E vieste fazê-lo logo aqui? No hotel do teu pai? – em despotismo de uma
estranheza impertinente, vi-a arquear ambas as sobrancelhas permitindo que na
sua testa se formasse uma fina linha de pasmo, pois Sara sempre estivera a par
da relação muito pouco amena que eu partilhava com o meu pai
-
Só vim pra’qui por causa do Salvador… É aqui que ele vive, e bem, para matar as
saudades e poder estar com ele, tive que pôr de parte alguns inconvenientes! –
justifiquei com um sorriso ténue a tomar posse dos meus lábios, referenciando
as evidências estipuladas, que eu não podia mudar – E tu… Estás aqui há muito
tempo? Já foste a Portugal?
-
Ainda não… Cheguei à coisa de três dias, quis aproveitar que ainda há duas
semanas as minhas aulas terminaram, para gozar um pouquinho da praia e do Sol
californiano, antes de voltar para casa pra junto da família… Esta zona é lindíssima para se passar férias!
-
Sim, é de facto uma das melhores que podemos encontrar por cá no Verão, para
umas boas férias! – concordei, permitindo que no berço da minha boca se
formasse um sorriso que teve tanto de triste como de nostálgico, ao recordar
dos momentos maravilhosos, vividos nas minhas últimas férias que tivera
exactamente naquele lugar – Então e o Will? Nunca mais falei com ele…
-
O Will ainda está em Nova Iorque, mas também deve estar aí amanhã ou depois…
-
O quê? Ele também vem pra cá? – inquiri, num laivo manifesto de entusiasmo,
pelo simples facto de poder estar novamente com as duas pessoas que mais me
apoiaram e com quem mais partilhei os momentos dos últimos anos da minha vida
-
Sim, vem… Ainda ficou a resolver lá umas coisas na faculdade, mas disse que já
não deve tardar muito em vir, para passar aqui uns dias!
-
Óptimo, ainda bem… Vou gostar muito de o ver!
-
Mais seguranças?! – após um curto momento de silêncio, os olhos de Sara desgrudaram-se da minha
figura, para observar dois capatazes, que rapidamente foram seguidos pelo nosso
olhar atento a atravessar o centro do átrio, marginados um pelo outro e
direccionados numa linha imparcial até à porta de entrada
-
Também viste aqueles que estavam lá fora? – perguntei-lhe curiosa, logo que
deixei de os conseguir ver
-
Sim, vi! Já ouvi dizer por aí que este aparato é por causa de uma equipa de
futebol que vem estagiar para esta zona, e ao que parece vai ficar aqui
hospeda… Mas não perguntes qual é, que isso já não sei. – ela sorriu-me no seu
jeito muito doce de ser, nunca imaginando o turbilhão de conflitos que as suas
palavras, inocentemente, tinham acabado de causar me mim
Não,
não podia ser verdade… Tudo menos isso! É certo que Ruben me disse que o
estágio da equipa iria ser transcorrido em São Francisco, mas não podia ser
ali, não naquela zona e muito menos hospedados naquele hotel! O que iria fazer
eu quando nos voltássemos a ver? O que lhe iria dizer depois de tudo? Nem tão
pouco sabia que atitude iria conseguir tomar com ele, se compartilhássemos do
mesmo espaço nos próximos dias... Abanei
discretamente a cabeça num intento precativo de me convencer a mim mesma de que a
minha suposição não poderia passar disso mesmo – de uma suposição –, e respirei fundo, rezando para que
nenhuma surpresa estivesse já reservada para mim.
-
Então e novidades? Tenho a certeza que tens aí muita coisa para me contar… -
foi a voz de Sara que me libertou de um estado de transe sinóptico a que
mansamente me tinha entregue… fiz com que o meu olhar fosse ao encontro do seu,
para lhe falar disposta a pô-la a par de tudo o que acontecera nos últimos
tempos, mas fiquei-me mesmo pela tentativa, pois o cenário que mais queria
evitar, começou por deparar-se mesmo na frente dos meus olhos
-
Ai, eu não acredito! – praguejei num queixume perturbante, no momento em que
deixei descair a cabeça, suportando-a no ar somente pelo auxílio da minha mão
junto da testa
-
O que foi?
O
meu marasmo acabava de chegar em peso e número, entrando pela fachada do hotel…
Toda a comitiva encarnada invadia um canto do átrio, para aos poucos se
aglomerar junto do local de recepção. Rapidamente consegui distinguir entre
outros tantos o Savi, Luisão, Roberto, Aimar, Saviola e Javi, que se
encontravam na frente do grupo… Instantaneamente suspirei de alívio pelo
simples acaso de a minha vista não ter alcançado a feição de Ruben naquele
instante... “provavelmente ainda está lá fora”, pensei, mas infelizmente a ânsia de ele poder aparecer a qualquer momento desolou ainda mais o meu
coração, deixando-o apertadinho num recanto em desassossego absoluto.
-
Senta-te à minha frente… - pedi-lhe, aquando desviara o olhar do plantel, de
maneira a que nenhum deles conseguisse ver-me e não dessem assim pela minha
presença
-
Porquê? – interrogou-me confusa perante o meu pedido anormal, e sem ter a
necessidade de olhá-la directamente, senti também os olhos dela recaíram sobre
as novas figuras masculinas que dividiam o mesmo espaço connosco
-
Faz o que eu te peço, Sara… por favor! – implorei-lhe mais uma vez, na
esperança que ela cumprisse o meu pedido sem fazer mais perguntas
-
Não faço a mínima ideia do que se está a passar contigo, mas tudo bem… Eu
faço-te a vontade!
Sem
mais perguntas, ela satisfez o meu pedido e quando, na minha boa fé, voltei a
olhar meramente de realce os rapazes, o mirar do meu padrinho – que se
encontrava reunido a eles – estagnou na zona dos bancos onde me encontrava e cruzou-se com o meu, numa rápida fracção de segundos que eu julgara ser
insuficiente para me reconhecer.
-
Eu… eu tenho que sair daqui! – referi a mim mesma, no pressentimento de que
aquele “encontro” poderia não acabar bem, e o melhor seria ir-me embora e virar
costas, antes que fosse tarde demais
-
O que estás a fazer? Onde vais? – perguntou-me a pobre coitada, numa notória e
compreensível expressão de quem não estava de todo a compreender as minhas
imprevistas atitudes, ao ver-me colocar a mala ao ombro preparando-me para me
levantar
-
Eu tenho que me ir embora, desculpa… Depois falamos!
-
Espera, Joana… Onde é que vais?
-
Encontramo-nos depois e eu conto-te tudo… Prometo! – prometi-lhe em surdina ao
olhá-la sobre o ombro, vendo-a também de pé e à espera de uma explicação
iminente minha, que por muito que quisesse não lhe podia dar… não ali e não
agora
O
medo de o encarar começara a tomar-me de uma maneira tão incontrolável, que foi
o bastante para finalmente ter dominação – ainda que meio inconsciente – de mim
mesma, e para a passo vacilante, rumar num só sentido ao elevador que iria
certamente levar-me para um lugar mais seguro.
Cheguei
a pensar então, que tinha toda a situação sobre controlo, mas quando já
nada poderia falhar, um imprevisto denunciante deitou por terra, toda a minha
firmeza e segurança, face à situação excessivamente embaraçosa a que eu mais
queria fugir, se prosperar mesmo aquém de mim…
- Joana? – no exacto momento que ouvira aquela voz, todo o
meu corpo gelou, as emoções estancaram, mas, ironicamente ou não, o meu coração
não deixou de sentir… - Joana? – ele voltou a insistir, fechei os olhos num
claro sinal de desistência, pois acabara de me aperceber que tinha sido vencida
- Padrinho… - consegui enfim dar um sinal de mim, assim que
rodei o meu corpo sem urgência, mas num evidente estado de opressão que sem
querer ele me havia imposto… uma força maior ordenou-me e estranhamente eu obedeci,
tomando andamento até ele
- Eu sabia que eras tu! – afirmou com uma extrema certeza na
voz, presenteando-me com um sorriso cortês nos lábios, como eu já lhe conhecia,
e puxando-me para um abraço que eu não tive como recusar
Logo que sobrepus o meu queixo no seu ombro, pude observar
pela primeira vez o panorama arrepiantemente constrangedor que se prostrava na
nossa retaguarda… Praticamente todos tinham as suas atenções concentradas
unicamente em nós, e sim, nesse momento pude ver Ruben, que de mala travada
pela sua mão ligeiramente atrás do corpo, me olhava, admirado e conjuntamente
enigmático, acompanhado por David, que também já se encontrava junto da equipa.
Os nossos olhares estiveram cativos um ao outro, ainda
durante um tempo avultado, mas fui eu a quebrar o clima no instante que decidi
ignorá-lo… sim, custou-me, mas senti que o devia fazer… Seria melhor para os
dois continuar a manter a distância, mas principalmente seria melhor para o meu
coração, pois se eu continuasse a insistir em fazer rodopiar os dados sobre o
tabuleiro, não sairia ileso daquele jogo de emoções e… sentimentos.
- Agora que já têm os cartões, podem subir para os vossos
quartos… E como é uma excepção, aqueles que preferirem, podem ficar e jantar no quarto, aqueles que não, às oito
e meia encontramo-nos naquele átrio do fundo, que pertence à zona de restauração! -
numa voz clara e ordenativa, dirigida geralmente, consegui ouvir as indicações
do preparador físico da equipa, pois não me encontrava muito afastada deles –
Ah… E aproveitem a noite para descansar bem, que o treino de amanhã começa bem
cedo!
- Ao tempo que já não te via… Está tudo bem, querida? – foi a
voz do meu padrinho que me fez desviar a atenção pregoada uns razoáveis metros
à minha frente, tocando levemente no meu rosto
- Sim, está tudo bem… - fui bastante redutível no que toca a
palavras, pois não sabia como me poderia prolongar mais, para mantermos uma
conversa
- O teu pai já me tinha dito que estavas aqui para passar uns
tempos...
- Sim, agora já podemos arranjar tempo para tomarmos um cafezinho
e pôr a conversa em dia! – assenti, num tom tão tranquilo e numa postura tão
segura, quanto tivesse força suficiente para assim continuar a manter-me
- É verdade, agora aqui com o estágio de uma semana, tenho a
certeza que nos havemos de ver por aí muitas vezes… E esse café é algo de que
não me vou esquecer… Temos muita coisa para falar! – sorri-lhe, não fui capaz
de arranjar mais frases compostas, pois no meu pensamento nada mais se formara
do que uma temerosa reflexão sobre o que a semana que se avizinhava trazia
reservado para mim, e não só…
***
(David)
- Manz… Manz! – chamei o Ruben pela milionésima vez, enquanto
ele permanecia deitado na sua cama, ignorando ou fingindo ignorar toda a
conversa que eu tinha pra falar com ele
Me lembro como se tivesse sido ontem, das férias no meu
Brasil, passadas do lado da minha família e da mulher com quem eu, com toda a certeza,
queria passar o resto dos meus dias. E agora ‘tava ali, em São Francisco, me
aprontando com o resto da equipe para mais uma época de trabalho que se
adivinhava dura e puxada, e na qual eu desde o início me prometera, dar tudo de
mim.
Embarcamos no avião pela madrugada e ao cair da noite já
tínhamos chegado ao hotel, para passar a última noite de descanso ferrado,
antes de começar a dar no duro pela manhã seguinte.
-
Ei, Ruben! – sem pensar duas vezes me precipitei até ele e lhe dei uma palmada
no peito, de maneira a que ele abrisse os olhos pra me dar um pouco da sua
atenção – Dá pra desligar isso? Parece que tô falando pró boneco, pô…
-
O que é que queres, David? – falou num jeito ríspido e incomodado, soltando os
fones dos ouvidos, como se fosse eu o culpado pelo seu mau-humor, que adoptou
desde que entrámos no quarto que acordámos dividir
-
Que quero? Olha, ter um pouco da sua atenção seria legal… Acho que ainda não ouviu
nada do que eu tô tentando dizer pra cê!
-
Pronto, desculpa… Diz lá! – finalmente vi ele tomar uma posição disposta a
escutar, mas ainda assim sem tirar aquela cara de vacilão
-
Então é o seguinte… - iniciei, me sentando no fundo da cama dele – Eu tô
seriamente pensando em pedir a Adriana em casamento!
-
Ai sim? Hum… Boa! – ciciou, não mostrando nem um pinguinho de orgulho pela
decisão que eu ainda tinha em mãos pra tomar, e botou de novo os fones para se
voltar a concentrar num mundo só seu
-
É só isso que tem pra me dizer? – não pude deixar passar um rasgo de desilusão
na voz, por não sentir nem uma pontada de encorajamento da parte daquele que eu
considerava ser o meu melhor amigo… ainda fiquei esperando que ele dissesse
mais alguma coisa, mas acabou por não o fazer – Não vai falar mais nada não?
-
O que é que queres que te diga mais?
-
Ah, eu sei lá… Eu tô te dizendo que tô prestes a dar uma grande volta na minha
vida, a tocar ela definitivamente, construir família com a mulher que eu amo e
que só por acaso também é a sua melhor amiga, e cê me diz “Boa”… Tá certo! -
agitei minha cabeça afirmativamente, num jeito desapontado que só eu conhecia e
me levantei, indo pra junto das portas da varanda
-
Tu disseste que andas a pensar nisso… - falou para logo fazer uma breve pausa,
vi ele jogar o seu iPod pra um lugar vazio da cama e chegar seu corpo
ligeiramente atrás, dando espaço a si mesmo para se sentar à cabeceira –
Presumo então que ainda não tenhas nenhuma decisão tomada…
-
Cê é o meu melhor amigo, pô… é a primeira pessoa pra quem tô contando! Me dar o
seu apoio, um incentivo, um conselho… Seria bacana, ué! – vi ele cruzando os braços na frente do
peito, enquanto me olhava com um arzinho de prepotência repulsiva, que eu lhe
desconhecia totalmente
-
Queres um conselho, não é? Eu dou-te um conselho! – num pulo rápido, saltou da
cama e só parou bem na minha frente – Pensa bem se é mesmo isso que queres para
a tua vida, antes de fazeres alguma coisa de que mais tarde te venhas
arrepender…
-
É isso? É esse o seu conselho, é?
-
É… é este o meu conselho! Só te estou a alertar, David, não quero que depois me
venhas dizer que eu nunca te avisei, porque estou a fazê-lo agora… e sabes que
digo isto por experiência própria!
-
Ah, Ruben, tá bom… Valeu! – de maneira a colocar um ponto final na conversa que
já ‘tava tomando outros rumos, corri a porta envidraçada e virei costas,
enveredando um novo espaço do lado de fora
Fiquei
frustrado com ele… Pra falar a verdade, fiquei frustrado e irritado também! Noutra
altura de certeza que teria tomado outro jeito perante o que lhe tinha falado,
sobre os planos que tinha para uma vida em conjugue com Adriana, do que aquele de arrogância e
indiferença, que de certa forma, da maneira fria como falou, acabou por me machucar
também! Me debrucei sobre o gradeamento e fiquei simplesmente a contemplar a
bela paisagem nocturna que tinha na minha frente… “Mas
o qué que deu no moleque? Pirou?” Lembro que ‘tava tudo bem com ele… Ainda
em Lisboa, na viagem de avião e de autocarro… ‘tava tudo de boa! A partir do
instante em que a gente entrou no hotel é que ele virou esse cara de pau!
Pera,
a gente entrou no hotel e… Posha, é óbvio! É tão óbvio que só eu não enxerguei
mais cedo! Esse seu mau-humor súbito e seu amuo aparentemente inexplicável… Isso
tinha um motivo… e nome próprio também…
-
David… - sua voz foi acompanhada pela sua presença, mas não olhei ele… preferi
continuar no meu canto, continuar olhando o mar que se estendia lá mais à
frente – Ouve mano, embora não o tenha demonstrado, eu fico contente por
pensares no casamento com a Adriana, a sério que fico, mas só não me peças para
te dar conselhos matrimoniais… Já fiquei muito a perder nesse campo!
-
Eu não tô te pedindo conselhos matrimoniais… Eu tô te pedindo conselhos de
amigo, tô te pedindo a sua opinião… só isso e nada mais!
-
Queres saber a minha opinião? – me questionou, apenas para fazer tempo pra se
aproximar e me copiar o meneio, se inclinando também sobre o corrimão – Vai em frente!
Amas a Adriana, queres construir uma família com ela, tens a certeza que é a
mulher da tua vida… Vai em frente! Falas primeiro com ela a sós, depois fazes o
pedido oficial e pronto… Se é isso que queres, puto, vai em frente!
-
Não te entendo… Juro por Deus que não! Ainda há pouco começou jogando dúvidas
em cima de mim… Se era mesmo isso que queria pra minha vida e não sei que mais,
e agora já tá dizendo pra eu ir em frente…?
-
Eu sei… Desculpa, talvez me tenha precipitado nas palavras. Mas casar é um
compromisso muito sério, David, um compromisso que poderá ser levado toda uma
vida, e uma decisão como essa não pode ser tomada de ânimo leve…
-
Eu sei aquilo que quero pra minha vida e sei também que casamento não é
brincadeira… Só quero dar mais um passo enfrente na relação com a mulher que eu
amo… Se já vivemos juntos, porquê não casarmos? – confirmei pra ele todas as
certezas que eu já tinha bem elucidadas na minha cabeça – Mas cê falando desse
jeito, até parece que não quer…
-
Oh David, não é nada disso! – me interrompeu de imediato, travando minha prédica
com a mão estendida no ar – Sabes perfeitamente que eu só quero o melhor para
ti… Não quero que cometas o mesmo erro que eu! – foi naquele momento que
finalmente consegui perceber o motivo pelo qual ele tanto implicava com o assunto
do casamento, não era por minha causa mas sim por causa dele…
-
Eu não vou cometer o mesmo erro que você, e sabe porquê? – o meu olhar
desamarrou o ponto do horizonte onde me tinha focado e assentou no de Ruben,
logo que ele virou a cara, procurando em mim uma resposta – Porque não há
ninguém entre mim e a Adriana... Sou só eu e ela!
-
Do que é que estás a falar? – imediatamente vi-o vergar o sobreolho, claramente
que se ‘tava fazendo de desentendido quando na verdade sabia muito bem a quem
eu me referia
-
Não se faça de otário, manz… Cê sabe do que tô falando, aliás, de quem eu tô
falando… Tá bem na sua cara a razão pela qual cê rompeu o noivado e terminou
com a Inês!
-
Eu acabei com a Inês porque não dava mais, já não fazia sentido estarmos
juntos… E ainda assim, não percebo onde queres chegar com tudo isso!
-
Ah, Ruben, se liga de uma vez, porra! – saí da varanda e voltei a entrar no
quarto… não queria xingar nele, mas passou a ser inevitável não chamar ele à
razão pra lhe mostrar as evidências, que teimava em não querer ver – Oh você
virou burro ou então cegou, pra chegar ao ponto de não conseguir ver o que se
passa consigo mesmo!
-
Importaste de te deixares desses jogos de palavras?! Juro que não estou com
pachorra nenhuma pra isso! – não foi preciso olhar pra trás pra perceber que
ele me tinha seguido e vindo atrás de mim, buscando por uma explicação que
lá no fundo, ele já tinha – De uma vez por todas, onde é que queres chegar?
-
Eu vou dizer isso bem na sua cara, pra ver se enxerga de uma vez… Em vez de andar
por aí se fazendo que não tem nada, que não sente nada… - me virei de repente,
fazendo ele travar seus passos de imediato – Cê tá ferrado! Amarrado na Joana,
manz! É tão difícil pra você admitir, o que tá na frente de todo o mundo?
-
Oh, oh David… - sabia que enquanto pudesse, ele iria negar seus sentimentos por
aquela garota, mas essa tarefa é bem mais difícil quando não dá mais pra
disfarçar, e isso era coisa que o Ruben já não conseguia fazer
-
Ah não… Não tente nem negar!
-
Que eu saiba nós estávamos a falar de ti e do teu pedido de casamento, não das
tuas taras sobre as minhas intenções para com a Joana… - referiu num sorriso de
bobagem que já é costume nele, tudo em manobra pra fugir ao assunto que eu
mesmo senti necessidade de evocar, para lhe abrir os olhos e chamá-lo a uma
realidade que ele fingia não existir mais
-
Aquilo a que você chama de taras, eu chamo de pontos a pequenos sinais, que no
fundo fazem toda a diferença, e que mostram o quanto cê gosta realmente dela!
Vai ter que me desculpar, mas se ninguém desperta você pra cair na real, sinto a obrigação de ter de ser eu a fazê-lo!
-
Ai sim? Então vá, já que tu percebes mais dos meus sentimentos do que eu próprio,
diz-me lá quais são esses "pequenos sinais"… - me desafiou, no instante em que se
sentou na beira da minha cama, pronto a escutar tudo o que eu tinha para lhe
dizer
-
Cê que quis, agora vai ouvir até ao fim… - avisei, mostrando que já não dava
pra voltar atrás, querendo ou não, agora o Ruben iria ser confrontado com todas
as evidências… me posicionei na frente do roupeiro de jeito a ficarmos frente a
frente e olhei ele, que continuava decidido a manter aquela pose de durão que
não tinha nada a esconder, quando na verdade seus olhos e os seus
comportamentos irreflectidos, o denunciavam mais do que ele poderia imaginar
-
Vá, começa lá, então! – seus braços se entrelaçaram e foi um curto momento que
tive, pra poder equacionar se aquela abordagem tinha rasteira pelo meio ou não,
e aí comecei picando ele
-
Primeiro houve aquela sua implicância mórbida em ela ter voltado lá de Nova
Iorque e ter virado seu mundo ponta de cabeceira; depois o seu desconforto sempre
que ‘tava ao pé dela – desconforto esse, incompreensível vá, porque cês já não
tinham nada um com o outro –; as discussões de cada vez que ‘tavam juntos, que
vem do clássico eterno “Amor-ódio”… Ah e ‘pera aí, já me ‘tava esquecendo… E não
sei, mas talvez pra matar as saudades, você pegou e ficou assistindo a um videozinho
de cês dois, não foi verdade?
-
Ei, como é que sabes do vídeo? – interrompeu, num natural ar de surpresa e
indignação, a que eu fiz questão de responder imediatamente
-
A Adriana falou pra mim!
-
Ela não podia…
-
Aguenta aí que eu ainda não terminei! – automaticamente a minha mão se ergueu
no ar, e por mais incrível que me tivesse parecido, ele se deixou permanecer
exactamente no mesmo lugar pra continuar a ouvir – Depois você me diz que ainda
ontem lancharam juntos e que no final ainda ficaram amigos – é… muito fofo –
pra não falar da maneira que vocês se ficaram olhando há pouco que… nossa, eu
vou te contar, ein? – fiz um pequeno parêntesis a esse ponto, lhe dando o
enfâse necessário, mas notei um certo incómodo que ele expressou só pelo
movimento do seu corpo, que se contraiu levemente no lado da cama em que ele
ainda ‘tava sentado – E no fim, cê entra no quarto furioso por ela não ter ligado
chucha pra você! Daí esse seu mau-humor que eu na altura não compreendi
direito, mas que agora tá mais do que explicado!
Terminei
de falar e ele não disse absolutamente nada. Sabia que tinha tocado em todos os
pontos que pro Ruben podia nem ter razões de ser, mas que aos olhos de todos,
tinham uma causa bem plausível. Deixei ele pensando… Deixei que fosse ele mesmo
a encaixar as pecinhas do seu puzzle, que aos poucos, começava tomando uma
forma… uma nova forma.
-
O que é que queres que eu te diga? – pra não ter que me olhar nos olhos, deu um
pulou da cama, pra começar dando voltas no chão do quarto, que nem uma barata tonta, enquanto falava –
Sim, além de tudo isso, é verdade que a Joana não me sai da cabeça… é verdade
que só me apetece estar com ela a toda a hora! E hoje quando nos vimos na entrada do hotel e
ela me virou a cara com aquela indiferença, com aquele desprezo, como se não
nos tivéssemos olhado com aquela intensidade, como se de repente lhe passasse a
ser um estranho… Sim, também é verdade… isso deixou-me fulo, tirou-me do sério!
Pela
primeira vez me apercebi que ele já começava cedendo, mostrando o que realmente
ia naquele coração que, no final de contas, manteve bem guardadinha sua verdadeira
dona, durante esses últimos anos de separação.
-
Tá vendo? Só me tá dando mais razão ainda… - caminhei levemente até à poltrona
que se encontrava ainda na zona das camas e nela deixei meu corpo pesado pelo
cansaço, cair e repousar – Não esquece que eu sou uma das únicas pessoas que te
conheçe até virado do avesso… E assim não entendo porque você insiste em negar o
quanto gosta dela… Quer dizer… Não vale a pena esse seu esforço!
-
É o que é que queres que eu faça, mano? – rapidamente decifrei todo o desalento
que o domou por completo, na procura de respostas que ansiava por encontrar,
descaindo os braços e fazendo-os embater pesadamente contra as pernas
-
Quero que cê seja honesto consigo próprio… Quero que admita, primeiro a si
mesmo, que os amores antigos estão de volta à sua vida, por mais que ainda o
tente negar… Admita e aceite que cê tá apaixonado de novo por essa garota!
Falei
muito sincera e calmamente, tão calmamente que Ruben ainda me ficou olhando
durante algum tempo, talvez na esperança que eu ainda lhe desse mais umas luzes
– que no final de contas teria de encontrar sozinho – para fazer ele tomar uma
atitude, mas acabou se afastando e saiu de novo pelas portas da varanda… Sabia
que precisava de ficar sozinho e de ter o seu espaço pra poder pensar e reflectir
sobre a nossa conversa, e eu respeitei… Continuei no meu canto sem voltar a
confrontá-lo.
Ao
fim de algum tempo que eu não sei precisar, já rendido ao cansado de um dia
bastante longo, fui no banheiro escovar os dentes, tirei a roupa só pra dormir
de boxer e regressei ao quarto, pronto pra cair na cama e só acordar pela
manhã.
-
Eba, isso é tudo pressa para ir dormir, manz? - debochei com um sorriso de
zoação em meu rosto, logo que vi ele voltar a entrar no quarto e se atravessar meu no caminho, em passadas longas e rápidas
-
Sabes que mais, David? Tens razão… Tens toda a razão! – sua postura firme e
resposta convicta, criou em mim a dúvida de quem não ‘tava percebendo o porquê
de ter falado daquele jeito
-
Onde cê vai? – perguntei deixando que um rasgo de admiração e curiosidade me
perfurasse a voz, vendo ele pegar no cartão do quarto e guardar o celular no
bolso frontal dos jeans
-
Vou resolver a minha vida! – disse na minha cara, com toda a certeza que lhe podia
conhecer, saindo logo depois batendo com a porta, e deixando para trás somente
um turbilhão de esperanças
Mesmo sério tinhas que acabar agora????? Onde está o resto????
ResponderEliminarSabes bem aquilo que quero lol por isso mexe mas é esses dedinhos que quero muito ler :D
Beijocas
Adorei, mas tinhas que acabar assim? Agora vou ficar em pulgas até ler o próximo, por acaso tens consciência do mal que isso faz? Ainda fico com uma crise nervosa...
ResponderEliminarIsso é que foi pontaria, com tanto hotel tinham logo que ir para o mesmo, adorei.
Grande David, assim é que é disse-lhe tudinho, alguém tinha que lhe abrir a pestana, vamos ver se resulta.
Quero muito o próximo, depressinha.
Beijocas
Fernanda
Adorei estou a espera do proximo.bjs
ResponderEliminarmagnifico...
ResponderEliminartou super curiosa para ver o proximo... quero mais...
continua...
Olá :)
ResponderEliminarADOREI!
Mas o que não adorei foi a curiosidade que me deixaste :P e tenho de pedir o próximo muito muito rápido ;)
Beijinhos
Rita
http://lifegoesonr.blogspot.pt/
Fabuloso! Agora fiquei muito curiosa com o que vai acontecer! Continua :D
ResponderEliminarOh Meu Deus. O que dizer de capítulo tão perfeito como este?!
ResponderEliminarEspero sinceramente, que o Ruben fale com ela e que nada os impeça de ser felizes.
Beijinhos* adorei adorei adorei
E tem mesmo qe resolver! :D Adoreei!
ResponderEliminarO David é aquela coisa :p, agora não sei é se a Joana vai facilitar... tou para ver.
Beijinhoos e que venha o próximo!
Meu amor, já não me espante a magnificência com que escreves, mas ainda me espantam as tuas descrições pormenorizadas, a delicadeza de cada palavra escolhida e as decisões acertadas que tomas para o rumo da história!
ResponderEliminarTens o poder de surpreender e prender as leitoras desde a primeira à última linha, simplesmente fiquei rendida!
Não te digo mais nada, porque o resto dos elogios já os conheces de cor das nossas conversas, princesinha!
Beijo grande, love you boneca <3
AMEI *.*
ResponderEliminarespero que o Ruben e a Joana se entedam :p
o David é o maior :D
CONTINUA...
beijo
Quando postas um novo capitulo? Nao nos podes deixar assim, com a pulga atras da orelha, por saber o que o Ruben vai fazer e qual a reaçao da Joana!
ResponderEliminarEspero que esteja para breve :)
Beijinhos *
Lisandra