sexta-feira, 6 de julho de 2012

Capítulo 9 - Doce tentação (Parte I)


















- Wow… Be careful, litle boys! – alertei com um sorriso largo nos lábios, os dois meninos gémeos que me interpolaram a sair da minha suite, cada um rasgando caminho pelas laterais do meu corpo, numa correria furiosa… muito natural das brincadeiras de crianças

- You won’t catch me, Thomas! – desafiou um deles, enquanto por entre gargalhadas continuavam a correr desalmados pelo fundo do corredor

- I’m sorry… I’m so sorry! – apressou-se a desculpar-se a senhora que eu depressa calculei ser a mãe daqueles miúdos de sensivelmente seis anos, pelos modos tomados pelos filhos

- Oh, don’t be sorry, it’s okay… Kids! – traquilizei-a num breve encolher de ombros compreensivo, que ela soube corresponder com um sorriso belamente grato

- Thomas! Daniel! Come back here! – a pobre senhora partiu então, igualmente numa correria, na direcção tomada pelos filhos procurando sossegar o seu coração de mãe e eu, eu limitei-me a retomar e seguir com o meu caminho

Embarquei no avião naquela noite… Sozinha, como já me habituara a fazer desde cedo. Para não variar as doze horas de viagem com vista de regresso a São Francisco, torturaram-me lentamente, pelo simples facto de terem contribuído para que um conflito de valores desse o rebuliço caótico a que os meus fragilizados pensamentos se alquebraram. Meras recordações impiedosas furtaram-me a necessidade de dormir; a consciência de todas as coisas que ficaram por fazer, de todas as palavras que ficaram por ser ditas e, principalmente, a dor profunda que sentia no ponto fulcral do meu coração, por não me ter entregue a um amor que somente por minha culpa, acabara por não ser vivido. “Será este o meu fado... Viver perpetuamente no escuro?” Era exactamente esta a pergunta que fizera incontáveis vezes a mim mesma, e que me acompanhou enquanto sobrevoara o longo manto azul do oceano.
E agora ali estava eu… Juntamente com o meu irmão Salvador, a percorrer os corredores do hotel que guardava tantas e tão boas memórias… O mesmo hotel de que se as suas paredes falassem, desvendariam os melhores segredos que eu ali vivera e que ainda guardava em mim.

- Joana! – um timbre grave e incrivelmente familiar, fez-me travar repentinamente o caminho já traçado até ao elevador

- Pai… - confirmei aos meus olhos o dono e senhor daquela voz, logo que dei instruções ao meu corpo para se voltar

- Podemos conversar? – vi-o a aproximar-se levemente, sempre nos seus modos senhoris de um empresário experiente, mas de um pai que eu não sabia mais conhecer… não depois da perversidade que me obrigara a fazer, há quase três anos

- Tem mesmo que ser agora? Ia dar um passeio pela cidade com o Salvador… - para além de ser a verdade, pareceu-me ser o argumento mais aceitável que lhe poderia dar, pois a minha vontade de conversar com ele naquele momento, era quase nenhuma

- Não queria adiar esta conversa por mais tempo… Cinco minutos é o que eu te peço!

- Diga lá então. – mais uma vez cedi à sua vontade, como sempre fizera, transferi o peso do corpo de uma perna para a outra, e logo que cruzei os meus braços teimosos, mostrei-me tão disposta e atenta a ouvi-lo, quanto me foi possível

- Preferia que não fosse aqui… – ele olhou o Salvador de certa forma como um impedimento para, talvez, ter comigo uma conversa que só poderia ter-nos aos dois como os únicos intervenientes, mas ainda assim, pela primeira vez em muito tempo, consegui patentear-lhe um tom calmo e uma postura benévola, provavelmente no intento – à partida falhado – de remediar todos os erros que cometera comigo no passado – Podemos ir até ao escritório?

- Pai, por favor… Estou com alguma pressa. – procurei as palavras que me pareceram ser as mais certas, para não lhe faltar ao respeito de maneira alguma, e com um leve toque no ombro puxei o meu irmão ainda mais para junto de mim

Ele baixou a guarda que mantivera bem elevada e armada durante toda uma vida, e escondeu as duas mãos nos bolsos das suas calças sarja, naturalmente vincadas no centro de toda a perna. Sabia que se quisesse falar comigo, agora, teria de ser segundo as minhas vontades, já que durante toda a minha existência tive que me vergar às suas.

- Salvador, se não te importas, espera lá em baixo pela tua irmã… Ela já lá vai ter contigo, está bem?

- Está bem… - sem formar nenhuma oposição, ele comediu-se às palavras quase ordenadas do meu pai, ainda me olhou mas eu não tive outro remédio que não fosse deixá-lo ir

- Mais satisfeito agora? Pode começar a falar…

- Sobre a tua mãe…

- Pai, não queira entrar por aí… - alertei-o passivamente, de modo a evitar uma discussão que poderia rebentar na periferia de um tema o qual me custava tanto a ouvir como a prenunciar

- Filha, ouve-me, está bem? Só preciso que me oiças… - por breves instantes o seu olhar desprendeu-se do meu, somente para percorrer o enorme corredor, na altura deserto, que se estendia atrás de mim – Eu sei que não estive presente durante a maior parte do tempo em que a tua mãe esteve doente, sei que foste tu a cuidar dela todo aquele tempo em que certamente ela mais precisava de sentir o apoio de toda a família, e eu sei que errei…

- Pois errou… Errou muito, pai…

- E não imaginas o quanto estou arrependido de não ter estado presente por inteiro na tua vida, nestes últimos anos!

- Não se esqueça que quem me afastou da sua vida, foi o pai! – acusei, deixando que toda a revolta que tinha alimentado dentro me mim, tomasse ordem de todos os meus trejeitos e palavras

- No entanto, e perante tudo isto, eu queria pedir-te…

- Perdão? É aí onde a sua conversa quer chegar? Quer pedir-me perdão… - achei inacreditável o pedido imoral que tinha em ideia fazer-me, e naturalmente que isso se fez trespassar para o tom de ironia que a minha voz adoptou, tal como a minha postura que se alterou para a posição defensiva

- Joana, eu sei que ainda estás magoada comigo, estás magoada com o que eu te fiz, mas aceita as minhas desculpas… Por favor…

- A única pessoa aqui a quem deve pedir desculpa, é ao Salvador… Nem decência suficiente teve, para levá-lo a ver a mãe uma última vez! – acusei sem remorsos, procurando, porém, manter um tom ameno que não suscitasse exaltação entre nós – Nem ao funeral foi…

- Não, filha, estás enganada… Eu fui ao funeral da tua mãe! – corrigiu-me rapidamente, apanhando-me completamente desprevenida em confronto da acertividade da sua afirmação – É certo que não me aproximei muito, nem estive contigo… Mas eu estive lá.

- Esteve lá? – por instantes o meu clamor fraquejou e tive medo de ceder a toda a revolta que escondia, assim como às lágrimas que ameaçam rebentar na tona lacrimejante dos meus olhos, a qualquer momento – Meu Deus, como é que ainda tem coragem de me mentir dessa maneira?

- Eu não te estou a mentir, Joana!

- Oiça, eu não quero continuar a ter esta conversa consigo, por isso é melhor deixá-la ficar por aqui… É o melhor para si e para mim! – natural que me tivesse recusado a acreditar nas suas palavras e de maneira a defender-me, achei por bem terminar ali mesmo o assunto antes que este nos levasse aos extremos da exaustão

- Joana, ouve-me… - ele ainda tentou retomar a troca de palavras entre nós, mas nem assim me detive

- Vemo-nos depois… Até logo! – vislumbrei-o uma última vez com uma mágoa impetraz assoberbada no olhar, e assim que tive oportunidade de respirar bem fundo, longe do seu domínio, remontei caminho até ao encontro do meu irmão, que já  devia estar à espera no átrio principal

Aproveitámos o sol fortificante que resplendecia bem alto no céu naquela tarde de Verão, para visitar e passar por sítios maravilhosos e pelos quais já guardava enormes saudades, da cidade de São Francisco. Visitámos algumas lojas do comércio localizadas a meia dúzia de quarteirões do hotel, entre as quais eu nutria particularmente preferência por uma, desde a primeira vez que lá fora: a mais famosa loja de música da cidade. Esta inspirava um ar um tanto antiquado, fazendo referência – para além dos CD’S que giram por aí nos dias de hoje – álbuns de vinil, certamente artigos de colecção dos maiores êxitos que ficaram para a história da música dos anos 60, 70 e 80, e eu como fiel amante dessa arte, claramente que não pude deixar de demonstrar o encanto que tudo aquilo transmitia.
Passámos também pelo bar “La Boulange de Hayes” onde saboreamos os deliciosos batidos de fruta, e onde pudemos também compartilhar uma conversa sincera como ainda não tivéramos oportunidade para ter, um pouco à cerca das nossas vidas e o quanto elas tinham mudado entretanto. E no final da tarde, ainda desfrutámos de um passeio pelo emblemático parque Golden Gate, uma das maiores atracções e para mim um local de puro fascino, não só por toda a majestosa beleza dos jardins que rodeavam os relvados de golfe, campos de ténis e um estádio de hipismo, canoas que serviam da maior parte para passeios turísticos e românticos nos lagos que rodeavam toda aquela zona de lazer, mas também por ter visitado aquele lugar pela primeira vez com Ruben, que me levou até lá como me tinha prometido, nos tempos em que ainda pertencíamos um ao outro. E parecendo que não, os últimos anos mudara muita coisa por aqueles lados, mas era impossível de não concordar que cada recanto parecia aos meus olhos, mais belo e perfeito do que nunca antes.



***



- Amanhã podemos ir até à feira? Queria andar na roda gigante… - disse Salvador, aquando já caminhávamos sobre o passeio pedonal, de retorno ao hotel

- Ainda lá não foste? – uma surpresa irreversível patenteou-me a voz, por estranhar o facto dele ainda não ter visitado a feira popular da cidade, que se distanciava somente a uns quatrocentos metros, se tanto, instalada no parque de estacionamento da praia frente ao hotel

- Não… O pai disse ainda não teve tempo de lá ir comigo, mas também não deixa que eu vá sozinho!

- Até é de admirar não ter dito a nenhum segurança que fosse contigo, mas enfim… Não te preocupes que amanhã eu levo-te lá! – assegurei-o, dando-lhe um leve beijo promissor no topo da cabeça, por entre os cachinhos loiros, enquanto continuávamos a caminhar abraçados

- Obrigado, mana! – ele olhou para cima e ofereceu-me um sorriso afável, que foi o suficiente para me confortar o coração – Ah, e é verdade… O Jorge? Pensava que ele viesse connosco…

- Não… Felizmente que o pai percebeu que não é preciso que eu ande acompanhada por um segurança! – esclareci, tornando evidente o meu desagrado pela condição imposta pelo meu pai, no primeiro dia que pisei o chão daquele hotel

- Hi, Mr. Sullivan! – foi o meu irmão o primeiro a saudar o porteiro velhote e  rigorosamente fardado, tal como o cargo o exigia –   Good afternoon!

Ao perscrutar mais pormenorizadamente a figura do senhor, este rapidamente me fez lembrar o Ambrósio, o mordomo daquela publicidade televisiva que passa todos os Natais, dos Ferrero Rocher, levando-me a reparar no mesmo sorriso, bigode e cabelo branco… Quis soltar uma pequena e curta gargalhada em prol do meu pensamento reinadio, mas impus-me em não fazê-lo e cumprimentei-o também.

- Good afternoon! – olhei-o com um sorriso emitente de simpatia e educação, para depois olhar o cenário à nossa volta, que não se mostrava nem de perto igual, àquele quando tínhamos saído

- Good afternoon! – saudou também, fazendo-me uma pequena vénia enquanto mantinha as mãos cruzadas atrás das costas – The ride was good?

- Yes! It was an afternoon well spent! – afirmou Salvador com um sorriso de orelha a orelha, testemunha dos bons momentos que tínhamos partilhado no decorrer de toda a tarde… como já há muito tempo merecíamos

- Thank godness! – gracejou com um sorriso muito afável, ainda marcámos passada para entrarmos, mas Salvador, que seguia à minha frente, travou o percurso e eu fui obrigada a deter-me também

- Porque é que estão aqui estes seguranças todos? – perguntou-me em jeito de cochicho, fazendo referência a um sinal que eu anteriormente já tinha reparado

- Não faço a mínima ideia! – os meus ombros encolheram-se levemente no ar, numa feição que eu tinha tomado como sendo tão natural, que já a usava quase de jeito automático, quando me deparava com alguma situação que de certa maneira me ultrapassava – Thank you! – regraciei honestamente ao Senhor Sullivan, assim que este prestou o obsequio de nos abrir a enorme porta envidraçada

- Vais voltar para o teu quarto? – perguntou-me ele, fazendo surgir um novo assunto, enquanto ladeados um pelo outro, atravessávamos o átrio principal –  atestado por outros tantos hóspedes que iam saindo, entrando ou até mesmo se deslocavam para outras áreas polivalentes do hotel, domiciliadas no rés-do-chão –, com um único caminho cogitado até um dos dois elevadores

- Sim… Ainda quero descansar um pouco antes do jantar! – descolei o olhar fixo sobre o trajecto para olhar a figura meigamente passiva de Salvador, que mantinha o mesmo ritmo de passada que o meu - E tu… Ainda vais jantar aqui ou vais para casa?

- Vou primeiro lá em cima ao escritório ter com o pai, e depois vamos os dois para casa!

- Então subimos juntos! – disse numa afirmação evidente, e com o meu braço direito que no mesmo instante rodeou os seus ombros, continuámos a caminhar – Escuse me… - chamei pela mulher que se atravessara e começou a rasgar caminho à nossa frente, quando deixou cair um cartão da sua mala, aquando da última vez que a remexera para procurar o telemóvel – Escuse me… Wait please! – com o aparelho electrónico junto do ouvido e com o passo acelerado que tomara, tornou-se um pouco difícil perquirir a sua atenção, mas ainda assim insisti – You dropped this card… - informei, logo que por fim consegui chegar junto dela

- Oh, I’m sorry, I didn’t saw you called me… - assim que se voltou para me encarar, as suas palavras estagnaram e o discurso foi interrompido… ela desligou a chamada, olhámo-nos sem expressar qualquer reacção imediata, mas nem esse instante foi suficientemente fiável para que eu conseguisse acreditar na pessoa que tinha à minha frente – Joana? – prenunciou certeiramente o meu nome, quando arrastou os óculos de sol até ao topo da cabeça, para assim confirmar que era realmente eu

- Sara! – a voz finalmente retomou ás minhas cordas vocais, e pude assim proferir com um surpreso mas felicíssimo sorriso no rosto, o nome da minha melhor amiga

- Oh, miúda! – ela nem pensou duas vezes, precipitou-se na minha direcção e roubou-me um forte e apertado abraço, que foi impossível não ser retribuído por mim – Que saudades, que saudades!

- Ai, nem acredito que és mesmo tu… Senti tanto a tua falta! – ditei, domada por um tom de voz lamuriante, ainda na compartilha de um abraço francamente saudoso

- E eu a tua, pequenina… E eu a tua! 

- Estou tão contente por voltar a ver-te! – proferi ao quebrar levemente o enlaço dos nossos braços, procurando-lhe o rosto de maneira a observá-la ainda melhor

- Meu Deus, não esperava de todo encontrar-te aqui… - enunciou ainda num involuto de estupefácia, por nos termos cruzado ao fim de mais de dois longos meses, sem tomarmos qualquer tipo de contacto para um encontro

- Pois, nem eu… Começo a acreditar naquelas pessoas que dizem que o mundo é um lugar pequeno! – disse de forma animada, o que nos levou a soltar uma calorosa gargalhada em simultâneo

- Mas deixa-me olhar bem para ti… Quero ver o que mudaste nestes últimos meses! – ela pegou a minha mão e afastou-se um pouco, de maneira a facilitar a sua tarefa de olhar pormenorizadamente toda a minha figura, agora mais debilitada desde a última vez que me vira, por componente do carrossel de fortes emoções e antigos sentimentos que ressurgiram em mim nestes últimos tempos – Mas será que não te cansas de seres uma gata? Não, é que sinceramente… A concorrer contigo, não vou ter grandes hipóteses no mercado masculino! 

- Oh, deixa de ser parva! – ripostei não evitando um sorriso lisonjeiro, pelo seu comentário que eu sabia fazer parte do seu lado mais cómico e descontraído, que desde sempre formara na forte personalidade de que era portadora

- Deixa tu de ser modesta! Já olhaste bem para ti? Sim, estás sem dúvida mais magrita, é certo, mas continuas lindíssima! E se bem que… Ainda não sei ao certo o que é, mas noto-te… hum, diferente…

- Diferente? Como assim? – nem o tempo apagara a sua rápida perspicácia que mantinha em relação a tudo, e talvez o facto de termos estado afastadas durante um período considerável, a tenha levado a conceber coisas que nunca vira antes em mim, e isso de certa forma assustou-me pois não sabia até que ponto eu tinha mudado para ela – Eu continuo exactamente a mesma Joana de há dois meses atrás! – referi com total integridade, encaixando uma mecha solta do meu cabelo, para trás da orelha

- Hum, olha que mesmo assim, eu não diria bem que és “exactamente a mesma Joana”, como tu te referes…

- Ai não? Então diz-me lá, Senhora Sabe-Tudo, onde é que eu mudei? – desafiei-a ao mesmo tempo que levei os meus braços a entrelaçarem-se, num notório despique de brincadeira, ao qual ela se limitou a olhar o meu rosto, como acho que nunca antes fizera

- Os teus olhos…

- O que têm os meus olhos?

- Foram os teus olhos que mudaram… Sei lá, estão mais vivazes, ganharam um novo brilho… Brilho esse que nunca vi antes!

- Que disparate, Sara! – encenei uma curta risada que a levasse a querer que o que dissera não era encabeçado por qualquer fundamento, mas Sara conhecia-me bem demais, e quanto mais eu tentasse fugir ao assunto, que ela já estava bem próxima de adivinhar, mais a sua insistência redobrava sobre mim – Eu acho que esse teu curso de psicologia te anda a dar a volta à cabecinha…

- O que eu acho é que tens muita coisa para me contar!

- Espera, quero que conheças uma pessoa! – de forma a desviar o assunto “motivo da vivacidade e novo brilho dos meus olhos” que por enquanto ainda não queria desafogar com ela, tencionei uma vontade que já cria cumprir à muito tempo – Salvador, chega aqui, por favor… -  chamei o meu irmão que ainda se encontrava ali na zona, não muito distante de nós

- É o teu irmão? – perguntou-me ainda apanhada de surpresa, logo assim que ele chegou junto de nós

- Sara, é o Salvador… O meu irmão, e Salvador, é a Sara… Uma grande grande amiga minha!

- É a menina que estudou contigo em Nova Iorque? – perguntou-me inocentemente ao altivar o olhar, enquanto eu o mantinha à minha frente, com as mãos sobrepostas aos seus ombros

- Hum, hum… Sou eu mesma! – foi Sara que respondeu à sua pergunta, com um sorriso nos lábios que eu rapidamente lhe adivinhei ser muito meigo e amigável – Ainda não nos conhecíamos, mas eu já tinha ouvido falar muito de ti! – ambas trocámos um olhar fiador de cumplicidade, e que Salvador soube descodificar sem quaisquer dificuldades, mostrando-nos apenas um sorriso ainda tímido, junto de alguém que acabara de conhecer

- Joana, eu vou então lá em cima a ter com o pai… Ele já deve estar à minha espera!

- Sim, piolho, também acho que é melhor ires… Não queremos que o Senhor Ricardo se chateie! E se não nos virmos mais hoje… até amanhã! – as minhas mãos acolheram o seu rosto redondo e perfeitamente adornado das feições de um menino pré-adolescente, e os meus lábios foram ao encontro da pele naturalmente morena da sua bochecha, onde lhe guardaram um suave e quente beijo

- Prazer em conhecer-te… Sara… - embora tenha conseguido vencer a sua forte timidez naquele momento de despedida, Salvador não deixou passar despercebido um certo ápice de hesitação

- Prazer também em conhecer-te, Salvador! – despediu-se também, tendo sido ela a tomar iniciativa para a troca primordial de dois beijinhos… acenei-lhe uma última vez e vimo-lo afastar-se a passo ligeiro

- É querido, o miúdo… Gostei dele!

- É meu irmão… O que é que esperavas? – retorqui de modo descontraído e simultaneamente engraçado, levando-a à cessão de um riso contagioso que também acabou por me atingir a mim
 
- Mas conta-me lá, o que estás aqui a fazer? – senti um leve puxão intencionado na minha mão, no qual fui arrastada até aos confortáveis bancos, posicionados junto à imponente coluna da entrada – Quero saber tudo!

- Oh, vim passar aqui uns dias… Estava a precisar de apanhar novos ares! – referi, mostrando-lhe um olhar dolente e conformado, pelos motivos que me levaram a sair por uns tempos de Portugal, e logo assim que me sentei ao seu lado e de corpo ligeiramente direccionado para si

- E vieste fazê-lo logo aqui? No hotel do teu pai? – em despotismo de uma estranheza impertinente, vi-a arquear ambas as sobrancelhas permitindo que na sua testa se formasse uma fina linha de pasmo, pois Sara sempre estivera a par da relação muito pouco amena que eu partilhava com o meu pai

- Só vim pra’qui por causa do Salvador… É aqui que ele vive, e bem, para matar as saudades e poder estar com ele, tive que pôr de parte alguns inconvenientes! – justifiquei com um sorriso ténue a tomar posse dos meus lábios, referenciando as evidências estipuladas, que eu não podia mudar – E tu… Estás aqui há muito tempo? Já foste a Portugal?

- Ainda não… Cheguei à coisa de três dias, quis aproveitar que ainda há duas semanas as minhas aulas terminaram, para gozar um pouquinho da praia e do Sol californiano, antes de voltar para casa pra junto da família… Esta zona é lindíssima para se passar férias!

- Sim, é de facto uma das melhores que podemos encontrar por cá no Verão, para umas boas férias! – concordei, permitindo que no berço da minha boca se formasse um sorriso que teve tanto de triste como de nostálgico, ao recordar dos momentos maravilhosos, vividos nas minhas últimas férias que tivera exactamente naquele lugar – Então e o Will? Nunca mais falei com ele…

- O Will ainda está em Nova Iorque, mas também deve estar aí amanhã ou depois…

- O quê? Ele também vem pra cá? – inquiri, num laivo manifesto de entusiasmo, pelo simples facto de poder estar novamente com as duas pessoas que mais me apoiaram e com quem mais partilhei os momentos dos últimos anos da minha vida

- Sim, vem… Ainda ficou a resolver lá umas coisas na faculdade, mas disse que já não deve tardar muito em vir, para passar aqui uns dias!

- Óptimo, ainda bem… Vou gostar muito de o ver!

- Mais seguranças?! – após um curto momento de silêncio, os olhos de Sara desgrudaram-se da minha figura, para observar dois capatazes, que rapidamente foram seguidos pelo nosso olhar atento a atravessar o centro do átrio, marginados um pelo outro e direccionados numa linha imparcial até à porta de entrada 

- Também viste aqueles que estavam lá fora? – perguntei-lhe curiosa, logo que deixei de os conseguir ver

- Sim, vi! Já ouvi dizer por aí que este aparato é por causa de uma equipa de futebol que vem estagiar para esta zona, e ao que parece vai ficar aqui hospeda… Mas não perguntes qual é, que isso já não sei. – ela sorriu-me no seu jeito muito doce de ser, nunca imaginando o turbilhão de conflitos que as suas palavras, inocentemente, tinham acabado de causar me mim

Não, não podia ser verdade… Tudo menos isso! É certo que Ruben me disse que o estágio da equipa iria ser transcorrido em São Francisco, mas não podia ser ali, não naquela zona e muito menos hospedados naquele hotel! O que iria fazer eu quando nos voltássemos a ver? O que lhe iria dizer depois de tudo? Nem tão pouco sabia que atitude iria conseguir tomar com ele, se compartilhássemos do mesmo espaço nos próximos dias... Abanei discretamente a cabeça num intento precativo de me convencer a mim mesma de que a minha suposição não poderia  passar disso mesmo – de uma suposição , e respirei fundo, rezando para que nenhuma surpresa estivesse já reservada para mim.

- Então e novidades? Tenho a certeza que tens aí muita coisa para me contar… - foi a voz de Sara que me libertou de um estado de transe sinóptico a que mansamente me tinha entregue… fiz com que o meu olhar fosse ao encontro do seu, para lhe falar disposta a pô-la a par de tudo o que acontecera nos últimos tempos, mas fiquei-me mesmo pela tentativa, pois o cenário que mais queria evitar, começou por deparar-se mesmo na frente dos meus olhos

- Ai, eu não acredito! – praguejei num queixume perturbante, no momento em que deixei descair a cabeça, suportando-a no ar somente pelo auxílio da minha mão junto da testa

- O que foi?

O meu marasmo acabava de chegar em peso e número, entrando pela fachada do hotel… Toda a comitiva encarnada invadia um canto do átrio, para aos poucos se aglomerar junto do local de recepção. Rapidamente consegui distinguir entre outros tantos o Savi, Luisão, Roberto, Aimar, Saviola e Javi, que se encontravam na frente do grupo… Instantaneamente suspirei de alívio pelo simples acaso de a minha vista não ter alcançado a feição de Ruben naquele instante... “provavelmente ainda está lá fora”, pensei, mas infelizmente a ânsia de ele poder aparecer a qualquer momento desolou ainda mais o meu coração, deixando-o apertadinho num recanto em desassossego absoluto.

- Senta-te à minha frente… - pedi-lhe, aquando desviara o olhar do plantel, de maneira a que nenhum deles conseguisse ver-me e não dessem assim pela minha presença

- Porquê? – interrogou-me confusa perante o meu pedido anormal, e sem ter a necessidade de olhá-la directamente, senti também os olhos dela recaíram sobre as novas figuras masculinas que dividiam o mesmo espaço connosco

- Faz o que eu te peço, Sara… por favor! – implorei-lhe mais uma vez, na esperança que ela cumprisse o meu pedido sem fazer mais perguntas

- Não faço a mínima ideia do que se está a passar contigo, mas tudo bem… Eu faço-te a vontade!

Sem mais perguntas, ela satisfez o meu pedido e quando, na minha boa fé, voltei a olhar meramente de realce os rapazes, o mirar do meu padrinho – que se encontrava reunido a eles – estagnou na zona dos bancos onde me encontrava e cruzou-se com o meu, numa rápida fracção de segundos que eu julgara ser insuficiente para me reconhecer.

- Eu… eu tenho que sair daqui! – referi a mim mesma, no pressentimento de que aquele “encontro” poderia não acabar bem, e o melhor seria ir-me embora e virar costas, antes que fosse tarde demais

- O que estás a fazer? Onde vais? – perguntou-me a pobre coitada, numa notória e compreensível expressão de quem não estava de todo a compreender as minhas imprevistas atitudes, ao ver-me colocar a mala ao ombro preparando-me para me levantar

- Eu tenho que me ir embora, desculpa… Depois falamos!

- Espera, Joana… Onde é que vais?

- Encontramo-nos depois e eu conto-te tudo… Prometo! – prometi-lhe em surdina ao olhá-la sobre o ombro, vendo-a também de pé e à espera de uma explicação iminente minha, que por muito que quisesse não lhe podia dar… não ali e não agora

O medo de o encarar começara a tomar-me de uma maneira tão incontrolável, que foi o bastante para finalmente ter dominação – ainda que meio inconsciente – de mim mesma, e para a passo vacilante, rumar num só sentido ao elevador que iria certamente levar-me para um lugar mais seguro.
Cheguei a pensar então, que tinha toda a situação sobre controlo, mas quando já nada poderia falhar, um imprevisto denunciante deitou por terra, toda a minha firmeza e segurança, face à situação excessivamente embaraçosa a que eu mais queria fugir, se prosperar mesmo aquém de mim… 

- Joana? – no exacto momento que ouvira aquela voz, todo o meu corpo gelou, as emoções estancaram, mas, ironicamente ou não, o meu coração não deixou de sentir… - Joana? – ele voltou a insistir, fechei os olhos num claro sinal de desistência, pois acabara de me aperceber que tinha sido vencida

- Padrinho… - consegui enfim dar um sinal de mim, assim que rodei o meu corpo sem urgência, mas num evidente estado de opressão que sem querer ele me havia imposto… uma força maior ordenou-me e estranhamente eu obedeci, tomando andamento até ele

- Eu sabia que eras tu! – afirmou com uma extrema certeza na voz, presenteando-me com um sorriso cortês nos lábios, como eu já lhe conhecia, e puxando-me para um abraço que eu não tive como recusar

Logo que sobrepus o meu queixo no seu ombro, pude observar pela primeira vez o panorama arrepiantemente constrangedor que se prostrava na nossa retaguarda… Praticamente todos tinham as suas atenções concentradas unicamente em nós, e sim, nesse momento pude ver Ruben, que de mala travada pela sua mão ligeiramente atrás do corpo, me olhava, admirado e conjuntamente enigmático, acompanhado por David, que também já se encontrava junto da equipa.
Os nossos olhares estiveram cativos um ao outro, ainda durante um tempo avultado, mas fui eu a quebrar o clima no instante que decidi ignorá-lo… sim, custou-me, mas senti que o devia fazer… Seria melhor para os dois continuar a manter a distância, mas principalmente seria melhor para o meu coração, pois se eu continuasse a insistir em fazer rodopiar os dados sobre o tabuleiro, não sairia ileso daquele jogo de emoções e… sentimentos.

- Agora que já têm os cartões, podem subir para os vossos quartos… E como é uma excepção, aqueles que preferirem, podem ficar e jantar no quarto, aqueles que não, às oito e meia encontramo-nos naquele átrio do fundo, que pertence à zona de restauração! - numa voz clara e ordenativa, dirigida geralmente, consegui ouvir as indicações do preparador físico da equipa, pois não me encontrava muito afastada deles – Ah… E aproveitem a noite para descansar bem, que o treino de amanhã começa bem cedo!

- Ao tempo que já não te via… Está tudo bem, querida? – foi a voz do meu padrinho que me fez desviar a atenção pregoada uns razoáveis metros à minha frente, tocando levemente no meu rosto

- Sim, está tudo bem… - fui bastante redutível no que toca a palavras, pois não sabia como me poderia prolongar mais, para mantermos uma conversa

- O teu pai já me tinha dito que estavas aqui para passar uns tempos...

- Sim, agora já podemos arranjar tempo para tomarmos um cafezinho e pôr a conversa em dia! – assenti, num tom tão tranquilo e numa postura tão segura, quanto tivesse força suficiente para assim continuar a manter-me

- É verdade, agora aqui com o estágio de uma semana, tenho a certeza que nos havemos de ver por aí muitas vezes… E esse café é algo de que não me vou esquecer… Temos muita coisa para falar! – sorri-lhe, não fui capaz de arranjar mais frases compostas, pois no meu pensamento nada mais se formara do que uma temerosa reflexão sobre o que a semana que se avizinhava trazia reservado para mim, e não só…




***



(David)

- Manz… Manz! – chamei o Ruben pela milionésima vez, enquanto ele permanecia deitado na sua cama, ignorando ou fingindo ignorar toda a conversa que eu tinha pra falar com ele

Me lembro como se tivesse sido ontem, das férias no meu Brasil, passadas do lado da minha família e da mulher com quem eu, com toda a certeza, queria passar o resto dos meus dias. E agora ‘tava ali, em São Francisco, me aprontando com o resto da equipe para mais uma época de trabalho que se adivinhava dura e puxada, e na qual eu desde o início me prometera, dar tudo de mim.
Embarcamos no avião pela madrugada e ao cair da noite já tínhamos chegado ao hotel, para passar a última noite de descanso ferrado, antes de começar a dar no duro pela manhã seguinte.

- Ei, Ruben! – sem pensar duas vezes me precipitei até ele e lhe dei uma palmada no peito, de maneira a que ele abrisse os olhos pra me dar um pouco da sua atenção – Dá pra desligar isso? Parece que tô falando pró boneco, pô…

- O que é que queres, David? – falou num jeito ríspido e incomodado, soltando os fones dos ouvidos, como se fosse eu o culpado pelo seu mau-humor, que adoptou desde que entrámos no quarto que acordámos dividir

- Que quero? Olha, ter um pouco da sua atenção seria legal… Acho que ainda não ouviu nada do que eu tô tentando dizer pra cê!

- Pronto, desculpa… Diz lá! – finalmente vi ele tomar uma posição disposta a escutar, mas ainda assim sem tirar aquela cara de vacilão

- Então é o seguinte… - iniciei, me sentando no fundo da cama dele – Eu tô seriamente pensando em pedir a Adriana em casamento!

- Ai sim? Hum… Boa! – ciciou, não mostrando nem um pinguinho de orgulho pela decisão que eu ainda tinha em mãos pra tomar, e botou de novo os fones para se voltar a concentrar num mundo só seu

- É só isso que tem pra me dizer? – não pude deixar passar um rasgo de desilusão na voz, por não sentir nem uma pontada de encorajamento da parte daquele que eu considerava ser o meu melhor amigo… ainda fiquei esperando que ele dissesse mais alguma coisa, mas acabou por não o fazer – Não vai falar mais nada não?

- O que é que queres que te diga mais?

- Ah, eu sei lá… Eu tô te dizendo que tô prestes a dar uma grande volta na minha vida, a tocar ela definitivamente, construir família com a mulher que eu amo e que só por acaso também é a sua melhor amiga, e cê me diz “Boa”… Tá certo! - agitei minha cabeça afirmativamente, num jeito desapontado que só eu conhecia e me levantei, indo pra junto das portas da varanda

- Tu disseste que andas a pensar nisso… - falou para logo fazer uma breve pausa, vi ele jogar o seu iPod pra um lugar vazio da cama e chegar seu corpo ligeiramente atrás, dando espaço a si mesmo para se sentar à cabeceira – Presumo então que ainda não tenhas nenhuma decisão tomada…

- Cê é o meu melhor amigo, pô… é a primeira pessoa pra quem tô contando! Me dar o seu apoio, um incentivo, um conselho… Seria bacana, ué!  – vi ele cruzando os braços na frente do peito, enquanto me olhava com um arzinho de prepotência repulsiva, que eu lhe desconhecia totalmente

- Queres um conselho, não é? Eu dou-te um conselho! – num pulo rápido, saltou da cama e só parou bem na minha frente – Pensa bem se é mesmo isso que queres para a tua vida, antes de fazeres alguma coisa de que mais tarde te venhas arrepender…

- É isso? É esse o seu conselho, é?

- É… é este o meu conselho! Só te estou a alertar, David, não quero que depois me venhas dizer que eu nunca te avisei, porque estou a fazê-lo agora… e sabes que digo isto por experiência própria!

- Ah, Ruben, tá bom… Valeu! – de maneira a colocar um ponto final na conversa que já ‘tava tomando outros rumos, corri a porta envidraçada e virei costas, enveredando um novo espaço do lado de fora

Fiquei frustrado com ele… Pra falar a verdade, fiquei frustrado e irritado também! Noutra altura de certeza que teria tomado outro jeito perante o que lhe tinha falado, sobre os planos que tinha para uma vida em conjugue com  Adriana, do que aquele de arrogância e indiferença, que de certa forma, da maneira fria como falou, acabou por me machucar também! Me debrucei sobre o gradeamento e fiquei simplesmente a contemplar a bela paisagem nocturna que tinha na minha frente… “Mas o qué que deu no moleque? Pirou?” Lembro que ‘tava tudo bem com ele… Ainda em Lisboa, na viagem de avião e de autocarro… ‘tava tudo de boa! A partir do instante em que a gente entrou no hotel é que ele virou esse cara de pau! 
Pera, a gente entrou no hotel e… Posha, é óbvio! É tão óbvio que só eu não enxerguei mais cedo! Esse seu mau-humor súbito e seu amuo aparentemente inexplicável… Isso tinha um motivo… e nome próprio também…

- David… - sua voz foi acompanhada pela sua presença, mas não olhei ele… preferi continuar no meu canto, continuar olhando o mar que se estendia lá mais à frente – Ouve mano, embora não o tenha demonstrado, eu fico contente por pensares no casamento com a Adriana, a sério que fico, mas só não me peças para te dar conselhos matrimoniais… Já fiquei muito a perder nesse campo!

- Eu não tô te pedindo conselhos matrimoniais… Eu tô te pedindo conselhos de amigo, tô te pedindo a sua opinião… só isso e nada mais!

- Queres saber a minha opinião? – me questionou, apenas para fazer tempo pra se aproximar e me copiar o meneio, se inclinando também sobre o corrimão – Vai em frente! Amas a Adriana, queres construir uma família com ela, tens a certeza que é a mulher da tua vida… Vai em frente! Falas primeiro com ela a sós, depois fazes o pedido oficial e pronto… Se é isso que queres, puto, vai em frente!

- Não te entendo… Juro por Deus que não! Ainda há pouco começou jogando dúvidas em cima de mim… Se era mesmo isso que queria pra minha vida e não sei que mais, e agora já tá dizendo pra eu ir em frente…?

- Eu sei… Desculpa, talvez me tenha precipitado nas palavras. Mas casar é um compromisso muito sério, David, um compromisso que poderá ser levado toda uma vida, e uma decisão como essa não pode ser tomada de ânimo leve…

- Eu sei aquilo que quero pra minha vida e sei também que casamento não é brincadeira… Só quero dar mais um passo enfrente na relação com a mulher que eu amo… Se já vivemos juntos, porquê não casarmos? – confirmei pra ele todas as certezas que eu já tinha bem elucidadas na minha cabeça – Mas cê falando desse jeito, até parece que não quer…

- Oh David, não é nada disso! – me interrompeu de imediato, travando minha prédica com a mão estendida no ar – Sabes perfeitamente que eu só quero o melhor para ti… Não quero que cometas o mesmo erro que eu! – foi naquele momento que finalmente consegui perceber o motivo pelo qual ele tanto implicava com o assunto do casamento, não era por minha causa mas sim por causa dele…

- Eu não vou cometer o mesmo erro que você, e sabe porquê? – o meu olhar desamarrou o ponto do horizonte onde me tinha focado e assentou no de Ruben, logo que ele virou a cara, procurando em mim uma resposta – Porque não há ninguém entre mim e a Adriana... Sou só eu e ela!

- Do que é que estás a falar? – imediatamente vi-o vergar o sobreolho, claramente que se ‘tava fazendo de desentendido quando na verdade sabia muito bem a quem eu me referia

- Não se faça de otário, manz… Cê sabe do que tô falando, aliás, de quem eu tô falando… Tá bem na sua cara a razão pela qual cê rompeu o noivado e terminou com a Inês!

- Eu acabei com a Inês porque não dava mais, já não fazia sentido estarmos juntos… E ainda assim, não percebo onde queres chegar com tudo isso!

- Ah, Ruben, se liga de uma vez, porra! – saí da varanda e voltei a entrar no quarto… não queria xingar nele, mas passou a ser inevitável não chamar ele à razão pra lhe mostrar as evidências, que teimava em não querer ver – Oh você virou burro ou então cegou, pra chegar ao ponto de não conseguir ver o que se passa consigo mesmo!

- Importaste de te deixares desses jogos de palavras?! Juro que não estou com pachorra nenhuma pra isso! – não foi preciso olhar pra trás pra perceber que ele me tinha seguido e vindo atrás de mim, buscando por uma explicação que lá no fundo, ele já tinha – De uma vez por todas, onde é que queres chegar?

- Eu vou dizer isso bem na sua cara, pra ver se enxerga de uma vez… Em vez de andar por aí se fazendo que não tem nada, que não sente nada… - me virei de repente, fazendo ele travar seus passos de imediato – Cê tá ferrado! Amarrado na Joana, manz! É tão difícil pra você admitir, o que tá na frente de todo o mundo?

- Oh, oh David… - sabia que enquanto pudesse, ele iria negar seus sentimentos por aquela garota, mas essa tarefa é bem mais difícil quando não dá mais pra disfarçar, e isso era coisa que o Ruben já não conseguia fazer

- Ah não… Não tente nem negar!

- Que eu saiba nós estávamos a falar de ti e do teu pedido de casamento, não das tuas taras sobre as minhas intenções para com a Joana… - referiu num sorriso de bobagem que já é costume nele, tudo em manobra pra fugir ao assunto que eu mesmo senti necessidade de evocar, para lhe abrir os olhos e chamá-lo a uma realidade que ele fingia não existir mais

- Aquilo a que você chama de taras, eu chamo de pontos a pequenos sinais, que no fundo fazem toda a diferença, e que mostram o quanto cê gosta realmente dela! Vai ter que me desculpar, mas se ninguém desperta você pra cair na real, sinto a obrigação de ter de ser eu a fazê-lo!

- Ai sim? Então vá, já que tu percebes mais dos meus sentimentos do que eu próprio, diz-me lá quais são esses "pequenos sinais"… - me desafiou, no instante em que se sentou na beira da minha cama, pronto a escutar tudo o que eu tinha para lhe dizer

- Cê que quis, agora vai ouvir até ao fim… - avisei, mostrando que já não dava pra voltar atrás, querendo ou não, agora o Ruben iria ser confrontado com todas as evidências… me posicionei na frente do roupeiro de jeito a ficarmos frente a frente e olhei ele, que continuava decidido a manter aquela pose de durão que não tinha nada a esconder, quando na verdade seus olhos e os seus comportamentos irreflectidos, o denunciavam mais do que ele poderia imaginar

- Vá, começa lá, então! – seus braços se entrelaçaram e foi um curto momento que tive, pra poder equacionar se aquela abordagem tinha rasteira pelo meio ou não, e aí comecei picando ele

- Primeiro houve aquela sua implicância mórbida em ela ter voltado lá de Nova Iorque e ter virado seu mundo ponta de cabeceira; depois o seu desconforto sempre que ‘tava ao pé dela – desconforto esse, incompreensível vá, porque cês já não tinham nada um com o outro –; as discussões de cada vez que ‘tavam juntos, que vem do clássico eterno “Amor-ódio”… Ah e ‘pera aí, já me ‘tava esquecendo… E não sei, mas talvez pra matar as saudades, você pegou e ficou assistindo a um videozinho de cês dois, não foi verdade?

- Ei, como é que sabes do vídeo? – interrompeu, num natural ar de surpresa e indignação, a que eu fiz questão de responder imediatamente

- A Adriana falou pra mim!

- Ela não podia…

- Aguenta aí que eu ainda não terminei! – automaticamente a minha mão se ergueu no ar, e por mais incrível que me tivesse parecido, ele se deixou permanecer exactamente no mesmo lugar pra continuar a ouvir – Depois você me diz que ainda ontem lancharam juntos e que no final ainda ficaram amigos – é… muito fofo – pra não falar da maneira que vocês se ficaram olhando há pouco que… nossa, eu vou te contar, ein? – fiz um pequeno parêntesis a esse ponto, lhe dando o enfâse necessário, mas notei um certo incómodo que ele expressou só pelo movimento do seu corpo, que se contraiu levemente no lado da cama em que ele ainda ‘tava sentado – E no fim, cê entra no quarto furioso por ela não ter ligado chucha pra você! Daí esse seu mau-humor que eu na altura não compreendi direito, mas que agora tá mais do que explicado!

Terminei de falar e ele não disse absolutamente nada. Sabia que tinha tocado em todos os pontos que pro Ruben podia nem ter razões de ser, mas que aos olhos de todos, tinham uma causa bem plausível. Deixei ele pensando… Deixei que fosse ele mesmo a encaixar as pecinhas do seu puzzle, que aos poucos, começava tomando uma forma… uma nova forma.

- O que é que queres que eu te diga? – pra não ter que me olhar nos olhos, deu um pulou da cama, pra começar dando voltas no chão do quarto,  que nem uma barata tonta, enquanto falava – Sim, além de tudo isso, é verdade que a Joana não me sai da cabeça… é verdade que só me apetece estar com ela a toda a hora! E hoje quando nos vimos na entrada do hotel e ela me virou a cara com aquela indiferença, com aquele desprezo, como se não nos tivéssemos olhado com aquela intensidade, como se de repente lhe passasse a ser um estranho… Sim, também é verdade… isso deixou-me fulo, tirou-me do sério!

Pela primeira vez me apercebi que ele já começava cedendo, mostrando o que realmente ia naquele coração que, no final de contas, manteve bem guardadinha sua verdadeira dona, durante esses últimos anos de separação.

- Tá vendo? Só me tá dando mais razão ainda… - caminhei levemente até à poltrona que se encontrava ainda na zona das camas e nela deixei meu corpo pesado pelo cansaço, cair e repousar – Não esquece que eu sou uma das únicas pessoas que te conheçe até virado do avesso… E assim não entendo porque você insiste em negar o quanto gosta dela… Quer dizer… Não vale a pena esse seu esforço!

- É o que é que queres que eu faça, mano? – rapidamente decifrei todo o desalento que o domou por completo, na procura de respostas que ansiava por encontrar, descaindo os braços e fazendo-os embater pesadamente contra as pernas

- Quero que cê seja honesto consigo próprio… Quero que admita, primeiro a si mesmo, que os amores antigos estão de volta à sua vida, por mais que ainda o tente negar… Admita e aceite que cê tá apaixonado de novo por essa garota!

Falei muito sincera e calmamente, tão calmamente que Ruben ainda me ficou olhando durante algum tempo, talvez na esperança que eu ainda lhe desse mais umas luzes – que no final de contas teria de encontrar sozinho – para fazer ele tomar uma atitude, mas acabou se afastando e saiu de novo pelas portas da varanda… Sabia que precisava de ficar sozinho e de ter o seu espaço pra poder pensar e reflectir sobre a nossa conversa, e eu respeitei… Continuei no meu canto sem voltar a confrontá-lo.
Ao fim de algum tempo que eu não sei precisar, já rendido ao cansado de um dia bastante longo, fui no banheiro escovar os dentes, tirei a roupa só pra dormir de boxer e regressei ao quarto, pronto pra cair na cama e só acordar pela manhã.

- Eba, isso é tudo pressa para ir dormir, manz? - debochei com um sorriso de zoação em meu rosto, logo que vi ele voltar a entrar no quarto e se atravessar meu no caminho, em passadas longas e rápidas

- Sabes que mais, David? Tens razão… Tens toda a razão! – sua postura firme e resposta convicta, criou em mim a dúvida de quem não ‘tava percebendo o porquê de ter falado daquele jeito

- Onde cê vai? – perguntei deixando que um rasgo de admiração e curiosidade me perfurasse a voz, vendo ele pegar no cartão do quarto e guardar o celular no bolso frontal dos jeans

- Vou resolver a minha vida! – disse na minha cara, com toda a certeza que lhe podia conhecer, saindo logo depois batendo com a porta, e deixando para trás somente um turbilhão de esperanças




11 comentários:

  1. Mesmo sério tinhas que acabar agora????? Onde está o resto????

    Sabes bem aquilo que quero lol por isso mexe mas é esses dedinhos que quero muito ler :D

    Beijocas

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  2. Adorei, mas tinhas que acabar assim? Agora vou ficar em pulgas até ler o próximo, por acaso tens consciência do mal que isso faz? Ainda fico com uma crise nervosa...
    Isso é que foi pontaria, com tanto hotel tinham logo que ir para o mesmo, adorei.
    Grande David, assim é que é disse-lhe tudinho, alguém tinha que lhe abrir a pestana, vamos ver se resulta.
    Quero muito o próximo, depressinha.

    Beijocas

    Fernanda

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  3. Adorei estou a espera do proximo.bjs

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  4. magnifico...

    tou super curiosa para ver o proximo... quero mais...

    continua...

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  5. Olá :)
    ADOREI!
    Mas o que não adorei foi a curiosidade que me deixaste :P e tenho de pedir o próximo muito muito rápido ;)
    Beijinhos
    Rita
    http://lifegoesonr.blogspot.pt/

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  6. Fabuloso! Agora fiquei muito curiosa com o que vai acontecer! Continua :D

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  7. Oh Meu Deus. O que dizer de capítulo tão perfeito como este?!
    Espero sinceramente, que o Ruben fale com ela e que nada os impeça de ser felizes.
    Beijinhos* adorei adorei adorei

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  8. E tem mesmo qe resolver! :D Adoreei!
    O David é aquela coisa :p, agora não sei é se a Joana vai facilitar... tou para ver.
    Beijinhoos e que venha o próximo!

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  9. Meu amor, já não me espante a magnificência com que escreves, mas ainda me espantam as tuas descrições pormenorizadas, a delicadeza de cada palavra escolhida e as decisões acertadas que tomas para o rumo da história!
    Tens o poder de surpreender e prender as leitoras desde a primeira à última linha, simplesmente fiquei rendida!

    Não te digo mais nada, porque o resto dos elogios já os conheces de cor das nossas conversas, princesinha!

    Beijo grande, love you boneca <3

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  10. AMEI *.*
    espero que o Ruben e a Joana se entedam :p
    o David é o maior :D
    CONTINUA...
    beijo

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  11. Quando postas um novo capitulo? Nao nos podes deixar assim, com a pulga atras da orelha, por saber o que o Ruben vai fazer e qual a reaçao da Joana!

    Espero que esteja para breve :)

    Beijinhos *

    Lisandra

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