domingo, 17 de novembro de 2013

Capítulo 20 - Uma promessa para toda a vida (Parte V)

Chorei, chorei muito nos dias que se predispuseram àquele que me ditou a descoberta da minha gravidez… Chorei de solidão, de angústia, mas principalmente de medo, medo por dentro de alguns meses me ver com uma criança nos braços. Apesar ter uma consciência geral das responsabilidades a que estava submetia, um pânico submisso colocava-me à prova sempre que compunha o gesto, agora que se começava a tornar num hábito, de tocar a barriga, confrontando-me com as mais vulgares e paradoxas questões às quais eu não conseguia dar resposta e me deixavam numa ansiedade constante: E se eu errasse? Se eu falhasse, como mãe? Se não conseguisse cuidar, se não conseguisse proteger, educar?
Acordava a más horas todas as noites, suada, massacrada com essas afrontas que não me deixavam dormir direito e tantas vezes que peguei no telefone para à distância de uma chamada, perder a coragem de ligar ao Ruben, no entanto com uma vontade enorme de falar com ele, de ouvir a sua voz na esperança que me acalmasse como costumava acontecer no nosso passado enquanto juntos, mas desta vez era diferente, e eu sabia que se lhe ligasse, ainda para mais àquelas horas da noite, o deixaria sob alerta, preocupado, e a partir daí as perguntas surgiriam e ele acabaria por ficar a saber de toda a verdade, e eu simplesmente não estava preparada para isso Ele iria saber que ia ser pai, isso estava mais do que assente para mim, mas a seu tempo.

- Porque é que estás a fazer essa cara? Fala, diz qualquer coisa… - implorei de olhos pregados ao ecrã do meu portátil, que mantinha sobre o colo, enquanto todo o meu corpo permanecia confortavelmente repousado no sofá da sala

Há mais de uma hora que falava com Sara, a minha melhor amiga que continuava os seus estudos em Nova Iorque, através de uma video-chamada no Skype, e depois de já há vários minutos ter partilhado com ela a mais recente novidade da minha vida, continuava a vê-la a olhar-me completamente estupefacta, sem qualquer reacção, o que começava a deixar-me perturbadamente nervosa e abalada.

- Desculpa, mas… Eu não sei o que dizer, ainda não consigo acreditar que estás mesmo grávida…

- Eu sei, até a mim me custou a acreditar ao início, mas é mesmo verdade… - um sorriso surgiu espontaneamente no meu rosto, agora perfeitamente conformado com aquela minha nova realidade

- E… E estás feliz?

- Nada disto foi planeado, mas sim… Posso dizer que estou feliz. – percuti numa certeza mais conformada do que nunca, e na ligeireza de um pequeno gesto, senti os meus lábios adornarem-se num sorriso mais leve – É verdade que a princípio fiquei aterrorizada com a ideia, mas agora está tudo mais calmo na minha cabeça, e sim, estou sem dúvida muito feliz.

- E o pai é o Ruben? O teu Ruben? – apesar de já lhe ter dito que sim, Sara pretendia esmiuçar aquela conversa até todos os seus limites, passando a pente fino cada pormenorzinho

- O meu ex, Ruben! – rectifiquei, mostrando-lhe o meu indicador aguçado furar o ar – Mas parece inacreditável não é? Queríamos tanto isto para o nosso futuro, e agora que ele vai casar com outra mulher

- Isso quer dizer então que ele traiu a noiva contigo… – senti na fissura da sua voz, um certo tom de crítica aquando o seu raciocínio, mas não a deixei adiantar-se

- Sim, mas antes de me julgares, fica a saber que não estou orgulhosa, estou plenamente consciente de que não foi correcto o que fizemos, mas…

- Eu não te estou a julgar, amor, só estou a tentar perceber o que aconteceu… – através do monitor a sua expressão de complacência foi aclarada aos meus olhos que fitavam os dela, compreensivos, e uma leveza abarcou-se confortavelmente em meu peito – E estás arrependida de ter feito amor com ele, estando ele comprometido com outra pessoa? – poderia estar ali uma pergunta difícil de ser respondida se me fosse feita há algum tempo atrás, mas acho que agora estava mais clara para mim de ser contestada, apesar de naquele caso não ser relevante

- A questão não é essa, Sara…

- Estás ou não estás arrependida? – ela insistiu, e supus que continuaria a fazê-lo até se dar por satisfeita com uma réplica da minha parte

- Não, não estou arrependida. – afirmei numa lufada de ar que irrompeu fora pelos meus lábios – Não foi certo o que fizemos, não foi leal, mas não me arrependo porque eu ainda o amo, Sara, ele pode estar com outra mulher mas eu ainda o amo, e agora que estou à espera de um bebé dele, parece que o amo ainda mais. – nesse instante os meus olhos rasaram de lágrimas, que fui forçada a não deixar cair pelo esgotamento do meu rosto por elas demarcado nos últimos dias
                                                    
- E ao que parece ele ama-te a ti…

- Não, não digas isso… – neguei-me a aceitar aquelas palavras, completamente infundadas e completamente auto-destrutivas caso eu me deixasse iludir nelas

- Oh Joana, eu sei que te deve custar estando vocês separados, e desculpa se de alguma maneira te estou a alimentar esperanças, mas porque outra razão estaria ele disposto a desistir do casamento se tu lhe pedisses que o fizesse?

- Eu… não sei.

- Sabes sim! Só não te deixas acreditar nisso porque não queres sair magoada outra vez.

- E acho que estou no meu direito, se assim for…

- Sim, claro que estás, mas já pensaste por um momento o que seria se lhe tivesses pedido para não casar? Imagina o que… – recusei-me a continuar a ouvir a sua suposição, e por isso cortei-lhe o discurso ali mesmo

- Não, eu não quero pensar o que poderia ou não ter sido, o Ruben decidiu escolher um caminho, e eu não tive opção se não escolher outro. Fim da história. – pretendia dar o assunto com encerrado por ali, mas a sua persistência levou a melhor da minha

- E apesar de terem seguido caminhos diferentes, vão ter um filho… Por muitos trilhos opostos por onde tenham seguido, os vossos caminhos cruzaram-se…

- Por um mera circunstancialidade que não vai voltar a ser repetida. – referi decididamente a linha que não voltaria a pisar, os limites que não voltaria a transpor na minha relação com Ruben, e ajeitei melhor o meu corpo a um canto do sofá

- Por amor! – ela corrigiu-me num arquear perfeito de sobrancelhas, gesto o qual eu desprezei com a baixa guarda do meu olhar, e ao reparar que eu não iria comentar o seu contra-argumento, continuou – Ele já sabe?

- Ainda não. – respondi inexpressivamente, sabendo perfeitamente ao que Sara se estava a referir

- E estás à espera de quê para lhe contar?!

- À espera de ganhar coragem para fazê-lo…

- Oh amor… – declinando a cabeça levemente para um lado, ela prolongou meigamente a palavra, atribuindo-lhe um sentimento de compaixão e piedade, que apesar da distância que nos separava, chegou a tocar-me o coração – Vais ter que ganhar essa coragem em algum lado, o Ruben vai ter de saber.

- Onde é que eu já ouvi isto? – indaguei numa questão retórica, ao relembrar sucintamente o discurso pregoado por Adriana há uns dias atrás – Eu sei disso e não pretendo esconder-lhe nada, é o pai, é mais do que evidente que tenha de saber da minha gravidez, mas eu ainda não me sinto preparada para contar-lhe, quando chegar o momento e a altura certa, o Ruben saberá…

- E se esse momento nunca chegar? Se nunca sentires que é a altura certa, se nunca te sentires realmente preparada, como vai ser? Vais adiar o momento até teres o bebé? – ela depressa me bombardeou com uma fornalha de perguntas consequenciais, que me deixou a cabeça a zunir levemente

- Sara, percebe uma coisa: o Ruben vai casar, eu vou ser a madrinha dele, o que achas que acontecia nesta altura se eu largasse a bomba de que nós dois vamos ter um filho? – com um simples enredo já muito assente na minha cabeça, lancei-lhe um desafio que a faria reflectir sobre o meu ponto de vista em prol de toda aquela situação

- Não sei, mas muito provavelmente não havia casamento para ninguém e o Ruben deixaria tudo para ficar contigo.

- Pois é exactamente isso que eu não quero! – assertivei quando ela tocou finalmente no ponto da questão – Eu não quero que o Ruben refaça as prioridades dele por causa deste bebé, um bebé que ele não está à espera… Não quero que ele fique comigo porque se sinta na obrigação de tal porque vamos ter um filho! É incorrecto.

- O que é incorrecto é estares a justificar as possíveis acções dele que nem sequer aconteceram ainda… Isso sim é incorrecto, sabes que podes estar redondamente enganada.

- Não estou.

- Joana, não penses assim, é impossível teres a certeza de uma coisa dessas! E olha que se o Ruben quisesse voltar para ti, acredita que não seria apenas por causa desse bebé… Existe muita coisa que ainda vos liga, muita coisa mesmo, e isso está clarinho como a água… - Sara era a pessoa mais terra-a-terra que eu conhecia, custasse, magoasse ou não, para ela a verdade tinha de ser apontada, e a sua opinião era coisa que nunca conseguia guardar apenas para si

- Seja como for, este casamento tem de ser cumprir, ele não vai querer passar por tudo outra vez.

- Como assim?

- Se o Ruben desistir do casamento, vai ser pela segunda vez que o faz! – comecei por esclarecer, algo do qual ela não estava a par – Foi ele que o cancelou da primeira vez e terminou tudo com a Inês, e depois disso tenho a certeza que ele não vai querer armar mais escândalo, há muita coisa em jogo e desta vez ele tem de pensar em ambas as famílias e nos amigos que estão envolvidos…

- Então o que estás a querer dizer é que ele tem de casar para manter as aparências, para manter a boa imagem e uma boa impressão? – o seu rosto aproximou-se da câmara aquando fez as questões, o que me deu possibilidade de distinguir perfeitamente o seu ar inquisidor que lhe arregalou os olhos – Oh miúda, em que século vives, pelo amor de Deus! Se eu fosse a ti pegava masé nessas perninhas e ia ter com ele para lhe dar a grande novidade, o quanto antes! Quando soubesse que vai ser papá de um filho teu, ãh? teu(!), aposto que essas ideias absurdas do casamento lhe passavam num instantinho e bye bye noivinha! – ela fez uma expressão muito cómica, o que, apesar do seu discurso menos propositado, me fez soltar uma pequena gargalhada

- Só mesmo tu para me fazeres rir numa altura destas, realmente… - a minha cabeça agitou-se muito levemente no ar, enquanto o rasgo dos meus lábios se ia dissipando naturalmente do rosto – Não imaginas o quanto eu queria que as coisas fossem tão fáceis dessa maneira, mas o problema é que não o são e nem sempre correm como nós queremos, e olha que eu sei muito bem do que falo.

- Eu sei, pequenina, eu sei que estás a sofrer e sei que dói… E olha que se eu soubesse a maneira de amenizar essa dor, faria de tudo para torná-la mais pequenina e suportável! – a doçura da minha Sarita, codificou-se num olhar terno e carregado de carinho, enlaçado pelos anos da nossa amizade íntima

- Obrigada… – foi tudo o que eu lhe consegui dizer, na respeitante ao seu cuidado e preocupação que guardava por mim, e depois somente um silêncio se instaurou, antecipando a uma despedida anunciada

- Mas então, Joaninha, eu agora vou ter de ir… O Rafael está cá e quer levar-me a passear… - li-lhe perfeitamente na expressão, o seu pedido de desculpas sincero por ter de me voltar a deixar e regressar aos braços do namorado, que ela própria me havia dito, ter ido passar uns dias com ela à esplendorosa cidade das luzes

- Tudo bem! Vai, vai lá namorar… - um novo sorriso preencheu o meu rosto e ela pôde vê-lo

- Ficas bem? Custa-me saber que vais ficar sozinha aí nesse casarão…

- Eu fico bem, não te preocupes! O David e a Adriana vêm cá mais logo para jantarem comigo, por isso… - os meus ombros encolheram-se num gesto natural e já de forma automatizada, tal como os meus lábios que se rasgaram num pequeno sorriso que servia apenas para tranquilizá-la

- Óptimo, mas então não te esqueças de ir dando notícias, está bem? Quero saber de ti… E por favor, vai tirando fotografias à barriguinha, gostava de vê-la crescer…

- Fica descansada, não me esqueço. – assegurei numa promessa muda que ficou apenas registada entre os nossos olhares cúmplices – Tenho saudades tuas…

- E eu tuas… Gostava que viesses cá, sei que Nova Iorque não fica a dois palmos de distância, mas esta também é a tua casa.

- Talvez vá aí mais cedo do que o esperado… A mais que não seja para matar as saudades!

- Que bom, ainda bem! Fico à espera da tua visita! – ela sorriu muito contente, e eu acompanhei-a – Então vá, amor, adeus… Cuida bem de ti, sim? Adoro-te!

- Vou cuidar, agora melhor do que nunca! Também te adoro… Um beijinho grande!

- Outro para tiiii! – da palma das nossas mãos voou um beijinho de despedida que foi partilhado pela tela do computador, vi a sua imagem desaparecer e depois de fechar a janela de conversação, saí do Skype

Desliguei seguidamente o computador, afundei o tampo e coloquei-o pousado em cima da mesinha de apoio ao centro.
Depois da companhia de mais de uma hora de Sara, todo o espaço que me envolvia foi novamente arrasado pelo silêncio, ausente do timbre das nossas vozes, e mais uma vez vi-me a ser induzida para o beco de solidão que me tinha acompanhado nos últimos tempos da minha vida, e então suspirei entre aquele vazio, tentando continuar a ser forte, agora não só por mim.
Tinha fome, as horas de almoço onde só me ficara por uma sandes e uma peça de fruta, já iam longe, e foi então que o apetite de uma gulodice me fez ir espreitar o frigorífico. Envergando desde aquela manhã o pijama que me mantinha quentinha, arrastei-me sob as minhas pantufas até à cozinha onde preparei uma taça de gelado de morango com pedaços e levei-a comigo de novo para a sala de estar, para assim comer enquanto assistia televisão. Fiz zapping durante algum tempo procurando uma programação que me cativasse, e quando a achei, detive-me no canal que passava um dos meus filmes românticos predilectos que já vira umas vinte vezes, daqueles antigos ainda a preto e branco, e não resisti a vê-lo pela vigésima primeira vez.
Daquela maneira passei o par de horas seguintes, e dei conta de que já não estava totalmente desperta, quando caí no erro fatídico de já não ser capaz de distinguir sonho de vigília.


****
A brisa quase veranil, arrastava melodiosamente no ar o cheiro da maresia que arejava os arredores do restaurante de praia onde me encontrava, tocava-me as faces e fugia para os meus cabelos curtos e soltos fazendo-os bailar acima dos ombros, e ao meu vestidinho claro, cortado a dois dedos sob os joelhos que envergava naquela noite.
Uma paz inebriou-se em mim e reconhecer aquele cenário foi fácil, não havia como enganar… Decidira afastar-me por uns instantes da agitação que envolvia o interior do restaurante depois de um dos jantares do Benfica, e fui visitar a esplanada. A animação era ponto ressalteado naquele lugar, mas especialmente naquele dia, a minha disposição para festas mostrava-se muito aquém da que era normal em mim.
Fazia alguns anos que eu ali estivera e que tudo começo, bem, talvez até já tivesse começado antes, mas naquela noite...

- Sabes que não precisas de vir cá pra fora para te veres livre de mim... – foi daquela maneira que Ruben me abordou, aquele tom brincalhão e simultaneamente doce, já não enganava os meus ouvidos, mesmo que os meus olhos não ocorressem à sua figura – Pede-me e eu afasto-me...

Rodei sob a planta dos pés e observei-o junto à entrada, com ambas as mãos recolhidas nos bolsos das calças e um sorriso envaidecidamente delirante, que desde há uns tempos para cá, me vinha fazendo soltar suspiros inexplicáveis, provocava uma sensação de nervosismo inquietante e um formigueiro estranhamente desconfortável na barriga.
Sorri-lhe de volta e vi-o aproximar-se calmamente, sempre portando aquela expressão encantadora no rosto.

- Não sejas parvo. – foi o que eu lhe disse, um insulto inofensivo que eu sabia ele vir a troçar

- Agora a sério, minorca, o que estás aqui a fazer sozinha? A malta está toda a divertir-se lá dentro...

- Imagino! Alguns já estão bem quentinhos...

- Sim, mas esse não é o meu caso, porque eu estou completamente sóbrio! – num movimento de inocência proclamada, ele ergueu ambas as mãos ao lado do corpo, um gesto meramente engraçado que nos fez rir

- E é bom que te mantenhas assim até ao final da noite, porque senão vou dizer à tua mãe. – colando a falange do meu indicador ao seu peito, coloquei-o falsamente sob aviso

- Não sei de quem deva ter mais medo, se da minha mãe ou de ti!

- O melhor é teres medo das duas...

- Ai é melhor? É? – a passos ligeiros e invasores, Ruben ameaçou o meu perímetro de segurança, preparado para me torturar com os já habituais ataques de cócegas, quando os seus dedos se agitavam no ar como tentáculos, prontos para assaltarem a minha barriga

- Pára, nem te atrevas! – tentei fugir dele com dois passos que adverti numa das direcções opostas à que ele se encontrava, mas foi completamente inútil

Conhecermo-nos como nos conhecíamos e ter uma amizade estável e consolidada, permitia-nos ter aquele tipo de brincadeiras, aquelas confianças que nos colocavam inteiramente à vontade um com o outro. E aquela brincadeira não podia ter terminado de outra forma senão connosco abraçados, a rirmo-nos prazerosamente nos braços um do outro.
Essa era sem dúvida uma das coisas que eu adorava nele... Ruben fazia-me rir, não eram gargalhadas patéticas forçadas nem tampouco desenxabidas, ele fazia-me rir a sério, com vontade, com prazer e satisfação e eu simplesmente adorava o som das nossas gargalhadas quando riamos juntos.

- Anda, vamos voltar para dentro... - o seu murmurar foi solto junto ao meu ouvido que ele beijou depois, e prontificando-se para tomar a dianteira do percurso de volta aos interiores, soltou-me da sua alçada, mas não completamente

- Sim... - deixando-me com os joelhos a tremer pela intrepidez do seu toque, nada mais do que uma palavra pequena foi libertada na abertura dos meus lábios, em tom pianinho

Ruben tomou a minha mão na sua, apertando-a e mantendo-a firme para que eu não a soltasse, e seguindo ligeiramente à minha frente, foi ele que me levou de regresso para o restaurante.
"Vocês parecem um casal de namorados sem o serem!" Lembrei-me do que um dia a Dona Anabela me havia dito em desabafo e tom de brincadeira, o qual eu não dera primeiramente qualquer importância, mas que ultimamente me deixara muitas vezes a pensar. Seriam talvez pequenos gestos como aquele que faziam as pessoas tirar uma ideia errada a nosso respeito e a acrescentarem demasiadas reticências e pontos de interrogação à nossa amizade... As mãos dadas em público, os constantes segredinhos partilhados ao ouvido um do outro, o carinho, a cumplicidade - talvez demasiada -, só não sei se o Ruben pensava da mesma maneira. Agitei então a cabeça de modo a pôr fim à teia de pensamentos e entrámos enfim no salão.
O ambiente estava descontraído, animado entre o convívio do grupo, enquanto uma banda amadora tocava ao vivo no bar e punha grande parte dos jogadores, pelos menos os mais desinibidos, a mostrarem que não era apenas chutar a bola que sabiam fazer com os pés, acompanhados pelas respectivas esposas e namoradas.

- Então? A servirem de bengaleiro ou à espera do príncipe encantado? – foi desta forma que Ruben manifestou a nossa chegada junto de David e Fábio, que a um canto do salão conversavam enquanto observavam a movimentação na pista

- Que engraçado! Vê lá se não te cai um dentinho... – ripostou Fábio em tom de zoação, batendo-lhe pesadamente com a mão nas costas uma enxurrada de vezes

- O que é que estão aqui a fazer feitas camélias? Não vão dançar?

- Dançar, eu? Não... Isso não é comigo, sou pé de chumbo! Aqui o nosso amigo David é que tem andado a tentar engatar algumas miúdas que andam por aí, mas coitado, leva sempre o desmarque. – Fábio aproveitou a oportunidade para provocar David, um dos poucos solteiros do grupo que não trouxera acompanhante

- É o David, é normal que leve a patada... – quem não conseguia ficar calado era evidentemente Ruben, que não perdia uma para atacar o melhor amigo

- Melhor tomar cuidado, manz, não vá a patada acertar na sua perna... – David não se deixou ficar para trás e respondeu à letra, levando-me a mim, a Fábio e Ruben, perdermo-nos numa enchente de risos

- É mentira? Feio e gordo como estás, é natural que elas não te queiram, mano...

- Nossa gente, ainda tem a cara de pau de me chamar de gordo! Cê não se olha no espelho, não é mesmo? O que não admira é que cê não tenha conseguido ainda arranjar uma namorada... com o tamanho dessa barriga e essa barba de moleque vacilão...

- Ele está bem assim, Dê... – até hoje estou sem saber bem o porquê de ter dito aquilo, intervim em defesa do Ruben para no instante seguinte reparar no olhar cúmplice trocado entre Fábio e David, e foi fatal não ter ficado ligeiramente desconfortável com a situação que eu mesma compusera

- Ouviram-na? Ouviram-na? Eu estou bem assim! – repetindo pausadamente as minhas palavras com um sorriso triunfal no rosto, Ruben abraçou-me por trás, começando a fazer-lhes caretas a cima do meu ombro direito, tal qual uma criança

- É o que te vale, puto... O que te vale é teres a Joana, mesmo que não a mereças!

- Oi, tá caladinho... Não sabes do que falas. – as palavras de Fábio ficaram imediatamente sem efeito, e eu senti-me a sorrir logo que automaticamente... estúpida e automaticamente – Eu mereço-a e muito, ouviste?

- É, é... Tá bem! Olhem lá, minhas senhoras, a conversa está muito agradável mas eu vou voltar para ao pé da minha Andreia, que ela já deve estar a sentir a minha falta!

- Ui, deve ter umas saudades tuas que eu imagino...

- Ruben, olha aí... – repreendi-o levemente por cima do ombro, e senti de imediato os seus olhos cravados aos meus

- O que foi que eu fiz?

 - Não sejas mau...

- Eu te digo a ti as saudades... – mesmo antes de se ir embora, Ruben não se livrou de levar um valente calduço de Fábio, que o deixou a resmungar – Até já!

- E aí, Joaninha... Cê vai dançar comigo, não vai?

- Ei, então?! – antes que eu pudesse dizer o que fosse, ele mostrou o seu desagrado

- Então o quê, manz?

- Caso ainda não tenhas reparado, a Joana é o meu par, logo ela vai dançar é comigo... – Ruben voltou a colocar-se na minha frente, fazendo-me olhinhos para me levar a ceder – Danças comigo, não danças, piolha?

- Nossa Senhora, haja paciência com você! Não larga nunca de ser um ciumento possessivo, ein?

Olhei-os alternadamente de maneira a tomar a minha decisão, mas esta mostrou-se bem mais irredutível que o meu querer e restou redimir-me a David – Eu danço contigo depois, pode ser, Dê?

- Ué, pode, claro! – ao contrário do melhor amigo, David mostrou-se mais calmo e moderado quanto à “disputa” – Então eu vou no bar tomar uma bebida e te venho pegar depois... – quando começou a andar, ele passou ao lado de Ruben e não resistiu em dar-lhe um encontrão – Nossa, quanta gente gorda aqui(!) – debitou para o ar no seu jeito cómico, afastando-se e deixando-nos aos dois a rir

- Vamos? – perguntou-me meigamente com um sorriso, enfim sós, predispondo a sua mão para receber a minha e encaminharmo-nos para o centro da pista

- Para homem até que nem danças mal... – comentei, escondendo um pequeno sorriso envergonhado, e simultaneamente tentar colocar o nervosismo de lado e quebrar o gelo entre nós, enquanto bem colados um ao outro, dançávamos juntos pela primeira vez

- O quê, pensavas que eu era pé de chumbo... como o Fábio?

- Já vi que não és... – confirmei em meio tom de voz, levando-o a soltar uma gargalhada calorosa, para num movimento regular fazer-me rodopiar numa só mão, e puxar-me de novo para si

- És a mulher mais linda da festa. – naquele instante a música terminou, e agradeci por isso silenciosamente pois o comentário dele tinha-me ruborizado as maçãs do rosto, deixando-me sem qualquer reacção apropriada para lhe mostrar... preparei-me para me afastar e sair assim ilesa, contudo foi em vão aquela minha atitude – Chegámos já no fim da música... Vamos dançar outra. – ele voltou a puxar-me para si e então tudo se complicou

Mudando o estilo, começou a tocar uma balada... nada mais oportuno para piorar a situação. Com um novo ritmo maestrado na música, obrigámo-nos a assumir um novo e correspondente coordenamento corporal que solenemente nos guiou a outras dimensões.
Os seus braços contornaram-me a parcialidade da cintura, fincando as mãos incrivelmente quentes no fundo das minhas costas, enquanto os meus braços lhe enlaçaram o pescoço e as nossas faces coladas, permitindo-nos falar ao ouvido um do outro, ao mesmo tempo que os nossos corpos que, de um jeito natural e nada forçado, se iam deixando balançar harmoniosa e calmamente.

- Tenho andado a pensar numa coisa... – foi ele que voltou a falar, enquanto eu mantinha o meu rosto escondido junto do seu pescoço perfumado

- Que coisa?

- Eu estou quase de férias, tu estás quase de férias... Certo?

- Sim, certo... E então? – a voz saiu-me abafada, e esperei paciente para voltar a ouvi-lo

- Estive a pensar e... Porque é que não vamos de férias juntos? – congelei, completamente... esperei por ouvir tudo, tudo menos aquilo

- Juntos? Tu e eu? – perguntei sem a mínima coragem de olhá-lo naquele momento, atraiçoada pelo ar que me faltou dos pulmões e o sangue que me fugiu das faces, empalidecendo-as

- Sim, não achas uma boa ideia? Uma semana... saímos daqui e vamos para qualquer lado.

- Eu, eu não sei bem... – comecei a ficar nervosa novamente, algo que era raríssimo de acontecer quando estava com ele, mas a par e passo a nossa condição de amizade começava a mostrar-se mais decadente a outras proporções… daquelas arriscadas

- Estive a pensar em Itália, desde que nos conhecemos sempre me disseste que gostavas de conhecer Roma...

- Sim, mas...

- Não gostavas?

- Gostava, mas... Só nós os dois?

- Gostava de passar mais tempo... só contigo...

- Só comigo? Porquê? – perguntei-lhe num sussurro, e já compadecida com o fôlego necessário, forcei o encontro dos nosso olhares

- Porque, porque... Então, nós somos amigos e... - não o deixei continuar, e a minha curiosidade salvou-o do embaraço anterior, para o qual ele não tinha uma resposta devidamente formulada

- Não querias ir com mais ninguém para além de mim?

- Não... A única pessoa que queria levar comigo és tu. – o seu murmúrio dispersou-se embatendo no veludo dos meus lábios, pela proximidade a que os nossos corpos se redimiam – Vens comigo? – felizmente que não tive de lhe responder, a sua proposta acabou por ser abafada concisos segundos depois de ser feita, pelos aplausos e assobios daqueles que dançavam em nosso redor, brindados à banda

- Parece que a música acabou... – confirmei com um sorriso nervoso na boca, e embora a minha imprudente irracionalidade me implorasse para não o fazer, fui eu a forçar de novo a distância entre nós, afastando-me – É melhor eu ir embora, está a ficar tarde. Desculpa...

- Vais embora? Mas... já? – não dei tempo a mim mesma para lhe vislumbrar a expressão facial aquando a sua inquisição, pois mal tive oportunidade, comandei outro rumo à sola dos meus sapatos, encruzilhando-me o melhor que pude entre aqueles que ocupavam a pista, encaminhar-me para a sala de cabides para ir buscar os meus pertences, apanhar o primeiro táxi e ir embora – Joana? Joana, espera!

Custou-me imenso sair daquela maneira, deixá-lo para trás sem qualquer explicação, sem qualquer aviso de antecedência, mas sentir o que eu sentia, não dava mais para continuar ao pé dele, a sorrir-lhe, a olhá-lo, a agir como se tudo continuasse igual, como se nada tivesse mudado... mas mudou – quase tudo.

- Ei, Joana! – devia ter calculado que ele viria atrás de mim, e ingenuamente deixei-o apanhar-me a um canto vazio da sala praticamente ausente de luz, prendendo-me o braço com a sua mão forte que me paralisou qualquer movimento – O que é que aconteceu?

- Não aconteceu nada, Ruben... Apenas tive um dia longo e apetece-me ir descansar. – respirei fundo de modo a conseguir devolver a fala à minha boca, mas não fui capaz de encará-lo

- Apeteceu-te ir descansar assim de repente, e sem sequer te despedires de mim, sem me dizeres nada?

- Sim, assim de repente...

- Não me mintas, eu conheço-te. Foi alguma coisa que eu disse? Alguma coisa que eu fiz? Ainda agora estávamos tão bem... – lá estava ele a ser querido comigo, não aguentava quando ele me falava daquela maneira, quando me olhava daquele jeito, o meu coração simplesmente não aguentava

- Não fizeste nada, Ruben, não te preocupes. – recorrendo a todas minhas forças interiores, tentei abstrair-me do formigueiro da minha barriga, da tremeluzidade das minhas pernas, mas tê-lo ali tão perto tornava-se difícil de fugir àquele apogeu de sensações

- Mas eu preocupo-me... Porque é que do nada, ficaste diferente comigo?

- Eu não fiquei diferente contigo...

- Não? – a sua sobrancelha distendeu-se num arco dispótico à dissonância da minha negação – Não é isso que parece... Se eu fiz alguma coisa de errado, diz-me, para que eu possa pedir-te desculpa.

- Se houve aqui alguém a fazer algo de errado, fui eu.

- O quê?

“Deixar-me apaixonar por ti.” – apeteceu-me dizer-lhe, porém, para o meu bem e para o bem da nossa amizade, guardei aquela minha – cada vez mais – certeza, só para mim – Eu vou buscar as minhas coisas. – não lhe disse o que ele queria ouvir, e pensando ter colocado ali um ponto final, somente criei espaço para vírgulas

Deixando-o para trás pela segunda vez, retomei o trajecto que fora interrompido há minutos, e temo ter sido aquele meu acto involuntário de desprezo que o tenha levado ao limite. Senti-o segurar-me de novo o braço, apanhando-me no fim do corredor, e arrastou-me consigo até à sala de cabides, fechando ao entrar depois de mim.

- Agora vamos falar, quer queiras, quer não. – o seu estado interrupto de nervosismo, ficou-me exposto logo assim que me olhou profundamente nos olhos, tão profundamente que se quisesse, conseguiria ler-me a alma sem dificuldades – O que raio se está a passar contigo?

- O que raio se está a passar comigo? Eu é que pergunto que raio de pergunta é essa! – ripostei numa vociferação ligeiramente irritada no mesmo segundo, surpreendida com as atitudes dele que não abriam mão de mim – Já te disse que estou cansada e quero ir embora, qual é o teu problema?

- Tu já viste o jeito com que me estás a tratar, Joana? A maneira como estás a falar para mim? Tu nunca falaste assim comigo! – vi a tensão nos seus ombros crescer, à medida que a sua voz descarnada justificava a desilusão e tristeza que o meu comportamento havia provocado em si

- Desculpa... Se te magoei de alguma forma, peço desculpa, não era minha intenção. – no meio do meu estado de nervos e ânsia em sair dali, caí na realidade e dei-lhe um pedido de desculpas que ele merecia ouvir da minha parte, e do bengaleiro peguei rapidamente o meu casaco que vesti e a minha mala – Mais uma vez, desculpa... Boa noite.

- Não vais a lado nenhum até me explicares o que é que eu te fiz para te ter deixado dessa maneira! – só consegui abrir uma brechazinha da porta, pois devido à sua força imponente, num toque de brusquidão esta voltou a ser fechada, pela mão dele que me boicotou a saída – Tu és sempre tão meiguinha comigo, tão doce... Eu sei ver quando estás diferente, e neste momento tu estás, só quero que me digas porquê... – assim que me voltei para ele e me apercebi estar encurralada pelo seu corpo, senti os seus dedos acariciarem suavemente a minha face

- Acho que o melhor seja afastarmo-nos, Ruben... – declarei, num tom punjado de melancolia, ao fim de alguns segundos que ele passou a olhar-lhe e eu passei a tentar fugir do olhar dele

- Afastarmo-nos?! Mas... – a voz saiu-lhe estrangulada pela lividez de espanto que o meu pedido lhe causou – Mas porquê? Estás farta de mim, é isso? O que é que eu te eu fiz, caramba? Diz-me! – o seu punho cerrado demorou segundos a atingir a porta onde eu permanecia encostada, que foi soqueada fortemente, fazendo-me estremecer

- Só te estou a dizer que para o bem de todos, mas principalmente para o nosso bem, devemos afastar-nos... Deixar de nos ver, de falarmos por uns tempos... Só isso.

- Só isso? Falas de uma maneira que faz parecer fácil fazer o que me estás a pedir, mas sabes que mais? Não é! Não é mesmo.

- Vai ser mais fácil se nos afastarmos agora, vai doer menos agora...

- Tu não podes estar a falar a sério, não podes... – um sorriso de puro desalento domou-lhe cada contracção muscular do rosto, e nesse instante, por ordem dele, os nossos olhares descruzaram-se – Quer dizer, depois de tudo o que passámos juntos, da nossa amizade, de nos conhecermos até ao ponto que nos conhecemos, tu pedes-me para esquecer tudo isso, para pôr este meio ano de lado e começarmos a seguir caminhos diferentes? Depois de tudo?! – para além de uma cota de desespero, também um sinal de confusão o domou por completo, fazendo-o agitar a cabeça em marca de desaprovação para comigo 

- Desculpa... – era tudo o que eu tinha para dizer, e no instante seguinte ele impôs-nos novamente a uma aproximação bastante perigosa que fragilizava a minha posição de defesa

- Não, não me peças desculpa, dá-me antes um motivo que sustente a parvoíce que me estás a pedir. Diz-me só porquê. – tentou negociar, mas eu não ia dizer nada, não tinha nada para lhe dizer, e ao fim de algum tempo Ruben apercebeu-se disso – Não vais falar, pois não? E mesmo assim... queres ir? – inquiriu já sem forças e recuando dois passos permitiu-me tomar uma decisão, sem qualquer impedimento seu, fitando-me com os olhos vermelhos que não perdiam o alcance dos meus – Diz-me... Queres?

Não, não queria ir. Queria ficar. Se ele soubesse o quanto eu queria ficar...
Não dissemos nada um ao outro durante um tempo desalmadamente longo, que nos perpetuou a um mutismo que nem eu nem Ruben nos atrevemos a quebrar. E se por um lado o silêncio que ficava prescrito nas entrelinhas, ocupava o lugar vazio de quando não havia nada para dizer, nós, ali sozinhos, demos connosco a conversar, uma conversa passiva e silente argumentada apenas pela leitura dos nossos olhares que namoriscavam um com o outro. Não vou dizer que não comecei a ficar incomodada com aquele momento, porque a verdade é que estava, mas por mais nervosa, observada, desassossegada que me sentisse, eu não iria sair dali sem antes dar um desfecho e uma razão àquele momento e, finalmente, aconteceu.
O tempo que passámos a estudar-nos, serviu perfeitamente para que nos soubéssemos ler um ao outro, o que levou os nossos lábios e os nossos rostos, a moveram-se em simultâneo e por vontade própria... Não foi apenas ele a tomar iniciativa, não fui apenas eu... Fomos nós dois a avançarmos, a querermos o mesmo, a desejarmos demasiado.
Senti um punhal do meu cabelo ser repuxado pela sua mão, ao passo da minha cintura a ser projectada contra o corpo dele, que eu amarrei para mim. Ambas as bocas entreabertas, que suspiravam, precipitaram-se na mesma direcção e tudo culminou, com o toque que as uniu harmoniosamente. Arrepiei-me com a quentura das nossas bocas, enlaçadas, e depressa o nervoso miudinho que me dominava, passou, enfim libertei-me quando ele me aconchegou para si e deixei-me levar. Contornei os seus ombros com os meus braços e senti-o sorrir no meio do beijo, o nosso primeiro beijo, a primeira união imaculada dos nossos lábios, virgens do toque um do outro, o que acabou por tornar aquele ensejo mais profundo e intimamente apaixonante.

- E finalmente que está a acontecer… Sinto que esperei uma eternidade por isto... - os seus lábios soltaram os meus por uns segundinhos, num espaço mínimo que os separava e que me permitiu senti-los roçar nos meus enquanto falava

- Porquê? – perguntei-lhe baixinho num meio sorriso envergonhado, naquele imbrólogo apaziguante que nos envolvia, para ao mesmo tempo sentir o meu ombro ser carinhosamente beijado por ele

- Porque sou... - Ruben voltou a subir o queixo e perscrutou cada pedaço do meu rosto com o olhar, preparando-se mentalmente para o que me iria dizer a seguir – Porque sou completamente doido por ti.

Foi ali, naquele exacto instantinho, que soube que os meus sentimentos não estavam sozinhos e que vinham acompanhados pelos da pessoa a quem correspondiam. Acho que nunca me tinha sentido tão feliz até àquela altura e não queria que aquela sensação desaparecesse.
Sem me dar tempo de reagir, a testa de Ruben voltou a empurrar a minha e um novo beijo surgiu... Quente, doce, secreto, deixando-nos perder na loucura de uma noite, e naquele acto puro onde nos envolvíamos entre mimos e precárias carícias, mal poderíamos nós imaginar estarmos a plantar a sementinha que um dia iria crescer e florir, a dar os primeiros passos à escrita da nossa história, destinada a ser vivida na sombra e limiares de um grande, grande amor, daqueles que nos derretem o coração e mal cabem dentro do peito.
****

Num reflexo assustado, voltei a abrir os olhos, sobressaltada com aquela sensação de nos sentirmos a cair no vazio, e ocorri de imediato com a mão à minha barriga, como forma de a proteger e procurando tranquilizar-me.
Não posso dizer que acordei, porque a verdade é que também não estive a dormir. Estive ali nos limiares que separam a realidade da inércia, este mundo do outro, e apercebi-me de que tudo não passara de um sonho, de uma mera recordação. Perguntei-me se era possível sonharmos com situações que já aconteceram, mas no fundo já tinha a minha resposta.
Olhei então a televisão, e como reparei que o filme já tinha terminado pelos créditos que passavam, e com a preguiça de me levantar do sofá, ao esticar-me para alcançar o comando pousado sob a mesinha de apoio, este escorregou-me dos dedos e deixei-o cair ao chão, mudando acidentalmente de canal.

- Bolas! – praguejei enquanto me debruçava na direcção do chão, mas uma voz inconfundivelmente familiar exigiu que eu voltasse a subir o rosto e pregá-lo ao ecrã – Ruben…

Aquela figura perfeita surgiu na minha frente embebendo todos os meus sentidos… Tanto tempo sem o ver e agora ali estava ele, o meu adorado Ruben, perfeitamente enquadro no televisor aquando era entrevistado na sala da sua casa, como eu bem reconheci, por Daniel Oliveira.
Por muito que devesse ter ignorado aquelas imagens, não fui capaz de desligar a televisão, as saudades levaram a melhor de mim e então sentei-me, recostando-me no sofá, e deixei a sua presença invadir aquela casa.

“ – Gosto… Gosto do Benfica, gosto de futebol, gosto muito do minha família, gosto da comidinha da minha mãe, gosto de dormir até tarde, gosto de ler e gostava de ter mais tempo para ler, gosto da “Sorrisos Perfeitos”, gosto muito de Roma… Gostava de lá voltar… - o facto de se ter referido a Itália, suscitou em mim novas recordações e foi impossível não lembrar o início do nosso namoro, naquelas férias de Verão que ele quis fazer só comigo, em plena Cidade Eterna, junto à Fontana di Trevi

- Tens algum ritual antes de entrares em campo? Alguma superstição Falas com alguém, entras sempre com o pé direito?

- Pessoalmente não sou muito supersticioso, mas sim, quanto mais coisas fizer que pressagiem a favor de uma boa prestação em campo, melhor. A última pessoa com quem costumo falar sempre antes dos jogos, é com a minha mãe, quando me vai ver ao estádio, e quando não vai, liga-me sempre a desejar-me sorte.

- Ainda és o menino da mamã, Ruben?

- Eu? Não… Já me deixei disso! – ele gargalhou e depois acabou por se confessar – Sou, ainda sou um bocadinho… A minha mãe sempre me habituou muito à sua presença, desde pequeno que sempre fui muito ligado a ela, e qualquer coisa que acontecia comigo lá ia eu a correr para as saias dela… Em algumas circunstâncias hoje ainda é assim, a minha mãe vai ser sempre a mulher da minha vida.

- Do que eu não gosto… Hum Não gosto de apanhar trânsito quando vou para os treinos, não gosto de ouvir o despertador – é mau sinal –, não gosto de conflitos, não gosto de pessoas que não se esforçam, detesto perder, até a feijões, não gosto de ler revistas nem jornais, não gosto de sentir saudades…

- Como lidas com a crítica? É difícil para ti ou…?

- Eu ligo muito ao que os outros dizem, mas felizmente já não tanto como dantes… Foi mais difícil para mim ouvir críticas a meu respeito quando comecei, no início da minha carreira, agora compreendo que cada um tenha a sua opinião, e eu próprio sei analisar a minha prestação em jogo.

- E as lesões que tens vindo a sofrer, sentes que tens saído prejudicado?

- Sim, claro que sim. As lesões são a minha maior entrave neste momento, tenho tido algumas infelicidades quando me magoo e isso condiciona o meu lugar na equipa e em campo, afasta-me de novas possibilidades, perco oportunidades de mostrar o meu trabalho, o meu esforço, e é óbvio que me custa imenso quando vejo os jogos fora das quatro linhas.

- Fala-me da tua família…

- A minha família… Eu adoro a minha família. Custa-me não passar tanto tempo quanto gostaria com eles, principalmente por causa da minha profissão… Os jogos fora, os estágios… Mas sempre que consigo conciliar o que quero, quando organizo o meu tempo para estar com a minha família, tento aproveitar sempre ao máximo.

- E especialmente agora, não é? Que chegou um novo membro recentemente.

- Sim, é verdade… O meu sobrinho. Adoro tomar conta dele, brincar com ele… E já mostrou ter muitos traços do tio, principalmente os traços de beleza física! – ele voltou a brincar fazendo o Daniel rir no seu canto do sofá, e dei por mim a sorrir com eles

- Ténis ou sapatos? Ténis. Goleada ou vitória no último minuto? Apesar da vitória no último minuto ser mais extasiante, prefiro uma boa goleada. Proibido ou obrigatório? Proibido. Depressa ou devagar? Hum… Devagar. Mensagens ou telefonemas? Depende das circunstâncias, mas talvez mensagens. De manhã ou à tardinha? Definitivamente à tardinha. Cristiano Ronaldo ou Messi? Apesar de ser também um admirador do Messi, Ronaldo sempre. Bolo de chocolate ou pizza? Se for o bolo de chocolate da minha mãe, prefiro o bolo, senão, então pizza. Autógrafos ou fotografias? Autógrafos. Dar ou receber? Dar.

- Dizes que não gostas de chamar a atenção por motivos desnecessários… Que motivos são esses?

- Não gosto de chamar a atenção às minhas relações pessoais. Quando me falam sobre a minha vida amorosa e me perguntam se namoro com esta ou com aquela… Eu acho que isso não interessa. E não tenho necessidade nenhuma de ir a imensas festas, a discotecas, exibir-me e sair a cair de bêbado, entendes? Para além de não gostar de perder o controlo de mim mesmo, acho que temos de conhecer os nossos limites, temos de ter a noção de até onde podemos esticar a corda.

- Tu praticaste hóquei, estudaste, entraste para o futebol… No meio disso tudo, tiveste tempo para namorar?

- Se eu tive tempo para namorar? – ele sorriu e mostrou-se mais intimidado – Tive, tive tempo. A minha primeira namorada a sério, pela qual me apaixonei a valer, a valer, tinha os meus 21 anos. Claro que tive aqueles namoricos da adolescência, mas foi mais ou menos na altura em que entrei para o Benfica que conheci a minha “tal”. – ele estava a falar de mim, sem dúvida alguma que estava a falar de mim, e ao ouvi-lo os meus olhos rasaram de lágrimas instantaneamente

- E hoje, depois destes anos, essa tua “tal”… Continua a sê-lo? – Ruben hesitou, ficou visivelmente apreensivo com aquela pergunta, e a verdade é que eu não sei se chegou a responder, e se o fez, o que é que respondeu, porque desliguei a televisão mesmo antes de lhe ver uma atitude"

Não fui forte o suficiente para continuar a ver, e deixei ficar aquele momento por ali antes que me arrependesse de não o ter feito. Na frente dos meus olhos, e desta vez por imposição minha, vi a sua imagem desaparecer com o mesmo rompante com que surgiu, e uma vez mais restou-me saber lidar com a sua ausência.
Cheguei uma almofada que decorava o sofá, para mim, apertei-a com os dois braços contra o peito e desatei a chorar…

- Preciso tanto de ti agora, preciso tanto… - proferi sozinha para comigo mesma, mergulhada numa amargura profunda, enquanto as lágrimas caiam em catadupa pelas minhas faces entorpecidas

pouquíssimo tempo do nosso reencontro, agora e mais do que nunca, eu precisava muito do Ruben… Porque o queria, porque era o homem que eu mais amava no mundo, e porque era ele o pai do meu filho. Mas uma coisa era certa e eu tinha isso muito presente em mim… Independentemente de tudo o que nos separava, dentro de mim crescia algo que nos uniria… para sempre. 




Queridas leitoras, peço-vos imensas desculpas pela tamanha demora, mas pelas
razões que vocês já sabem, foi-me mesmo impossível trazer novidades mais cedo.
Mas como vale mais tarde do que nunca, aqui vos deixo finalmente com o novo capítulo, espero que gostem e continuem a deixar-me os vossos comentários. :)

Beijinhos a todas,
Joana


14 comentários:

  1. Meu Deus isto ta perfeito :)
    A descricao do primeiro beijo... owg *.*
    Mas a entrevista nao pode acabar assim... quero a resposta e é mais do que obvio que a tal ainda continua a se-lo e sera sempre.
    A espera valeu a pena, mas agora como é que vou aguentar mais uma espera?!?
    E que isto e bom demais, apetece ler e ler e ler :)
    Beijinhos
    Lisandra

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  2. Ceus!!!! Eu quero mais!!!!! Como é que ela desliga a televisão????
    Eu nem quero pensar que ela não lhe diz antes do casamento... vou ter 2 ataques...
    Quero mais!!!!
    Beijo
    Adriana

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  3. Bem adoro ser a primeira a comentar!
    O que tenho a dizer? Muita coisa...

    Para começar sou apaixonada pela tua dedicação quando escreves, percebe-se à distância que escreves com o coração e assim não poderia ser excecão este capítulo que não outra forma de ser descrito como perfeito!

    Quero que publiques rápido porque estou ansiosa e desesperada para saber qual será a reação do Ruben.

    Beijinhos,
    Alexandra!

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  4. Olá :)
    o tão ansiado capítulo chegou!
    Tão bom o primeiro beijo, fantástica descrição, momento mágico...
    Adorei ler cada palavra e quanto mais passava o cursor em direcção ao final da página mais pensava:'' não quero que isto acabe xD quero ler mais, quero saber onde é que isto vai dar!''
    E deu no que eu nunca iria esperar que desse :) essa entrevista ainda vai dar que falar... e a falta de coragem da menina joana é medo e só medo de ouvir a verdade, que toda a gente sabe e que ela já está a começar a admitir:)
    Ai céus... só quero ler O MOMENTO!, que ele chegue rapidinho!!!

    beijinho enorme

    Catarina

    PS: Parabéns por mais um capítulo fantástico que nos leva a imaginar e a sonhar :)

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  5. Ola!
    Li a tua historia em 2 dias e adorei.
    Estou desejosa pelo momento em que o Rúben saiba da boa nova.
    Ansiosa por um novo capítulo!
    Parabens!

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  6. Oh! Meu Deus, como é que ela teve coragem de desligar a tv? eu quero saber o que é que ele respondeu ao Daniel, eu só espero que ele tenha dito que a "tal" continua a ser a "tal", isso é que era de valor.
    Adorei o momento em que ela no meio de um sonho ou de um pensamento mais profundo nos descreve o primeiro beijo, amei, simplesmente maravilhoso.
    A Joaninha tem que ganhar coragem e contar ao Ruben que dentro de alguns meses ele vai ser pai, e tal como disse a amiga dela, em que século é que ela vive? Desde quando é que o rapaz iria deixar o casamento com a outra por causa de um filho? Tá louca só pode, ele não gosta da Inês, se ele desistir do casório é por amar a Joana, porque ela é a "tal".
    Tou ruidinha de curiosidade para ler o próximo, e espero que ele sabe-se lá como tenha "ouvido" o apelo dela, e vá ao seu encontro, porque ela precisa dele mas ele também precisa dela.
    Adorei, quero mais, continua

    Beijocas

    Fernanda

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  7. Quando podes ou pensas colocar o proximo capitulo?
    obrigada. ;)

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  8. Como postei somente há dois dias, ainda não tive oportunidade de começar a escrever o novo capítulo, e por isso ainda é difícil para mim dar uma previsão da próxima publicação.

    Beijinhos

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  9. obrigada pela resposta e eu compreendo. nao quis ofender ninguém com a pergunta. penso que fui educada.
    obrigada pela resposta.
    ;)

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  10. Eu compreendo perfeitamente que não possas publicar, mas também sou daquelas que não consegue deixar de pedir mais, porque adoro, sou completamente viciada na fic. Não deixo de vir cá todos os dias ver se há novidades.
    Compreendo mas não resisto a pedir mais ;)

    Beijo
    Adriana

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  11. Já virou ''mania'' minha ficar sem saber o que falar ao terminar de ler seus capítulos. Ai, ai... essa fic é o meu apego ❤
    Mas ok, vamos lá... O PRIMEIRO BEIJO, SOCORRO, O PRIMEIRO BEIJO!!!! QUE LINDO, AMEI, AMEI MESMO!!
    Por incrível que pareça, concordo com a Sara dessa vez, em tudo que disse.
    Hum... e gostei de saber que o David e a Adriana vão jantar com ela. Será que pode acontecer alguma surpresa nesse jantar? Surpreende-nos sempre, o que adoro, então... só me resta esperar ansiosamente por mais um pedacinho dessa história maravilhosa.
    Ah sim, claro, não poderia esquecer de dizer que adorei a entrevista também, achei tão fofa <3 mas ela não podia ficar assim pelo meio... podia? Oh, Joaninha, tinha que ter terminado de assistir, não podia me deixar assim :( hahahahahaha brincadeiras à parte, quero mais, please!!
    Beijocas.
    Gabi

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  12. ai que lindo!!!
    estou tão ansiosa p'ra ler o grande momento xD
    quero ver a reacção do ruben...
    Por favor, publica rápido :)

    beijinho

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  13. Para quando o proximo?? Quero o reencontro, sim?!

    beijinhos

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