(Ruben)
Abandonámos o hotel a um tempo
confortável para podermos chegar ao aeroporto às horas que nos tinham sido
estipuladas, e com isto conseguir fugir ao trânsito que não tardava em
aglomerar-se no acesso aos viadutos.
A partir do momento em que nos
despedimos no meu quarto, com a promessa de voltarmos a estar juntos mais
tarde, nunca mais voltara a ver a Joana, e sem querer, a vontade de a ter outra
vez em meus braços foi-me rompendo de mansinho.
Mas o que é bem certo e verdade, é que
seguido do instante em que embarcáramos finalmente no avião que o tempo correu,
voou… Dando lugar à paz de espírito e tranquilidade que retomaram à minha vida,
e às quais eu me entreguei por completo nas horas seguintes.
- Manz? Manz, acorda… - quase que
imperceptivelmente consegui distinguir uma voz que aos meus sentidos parecia
estar longe, acompanha por uma força que sentia junto do meu ombro, agitando-me
e forçando-me a despertar – Acorda, pô!
- O quê? Já… Já chegámos? – foi a
primeira coisa que disse, logo que desencostei num sobressalto o meu corpo
ainda meio adormentado do banco, soltando os phones com os quais havia
adormecido nos ouvidos e olhando depois a figura de David, que tinha
permanecido toda a viagem ao meu lado
- ‘Tamos chegando… A hospedeira avisou
pra gente colocar o cinto que dentro de minutos já vamos aterrar!
Ainda só tinham passado algumas horas e
eu já estava com saudades dela. Tentei por muitas vezes durante a viagem sair
da primeira classe para procurá-la, nem que fosse só por cinco segundos, cinco
segundos que dessem para lhe dar um beijinho e me certificar de que ela estava
bem… Mas acabei por não fazê-lo, pois David foi-me pedindo sempre para ir
aguentando mais um pouco, alertando-me também, e com razão, que naquelas
circunstâncias eu não poderia abandonar a classe que era somente reservada à
comitiva, para ir vê-la. Para além de ser arriscado não deveria expor-nos
daquela maneira e muito menos comprometer a minha posição, pois em qualquer dos
casos eu ainda estava sobre o comando e chefia do meu clube.
- Cê
tá dando nas vistas, manz… - a voz alarmista e libertada num sussurro de David
junto do meu ombro, despertou-me do transe intrépido em que eu estava envolto,
não conseguindo desligar a minha atenção das portas de desembarque
- O que é que tem? Só estou a olhar…
- O problema é que cê já tá olhando há
tempo demais, ué… Tá aí e todo mundo topa que tá alguma coisa de errado
com você!
Estávamos há alguns minutos junto do
tapete rolante à espera das nossas bagagens, e desde então que eu não desprendera
de maneira alguma, os meus olhos da zona de desembarque, na ânsia e expectativa
de acalmar o meu coração quando uma nova pessoa rasgava passagem e todo eu tremia
na expectativa que fosse Joana… mas nunca era.
Tínhamos sido os primeiros a abandonar o
avião, e de cada vez que eu voltava a procurá-la e não a encontrava, o meu ser
desalentava um pouco mais assim como todas as minhas esperanças que esmoreciam.
- Rapazes, já que todos recolheram as
malas, vamos indo! Os seguranças já deixaram passar os jornalistas e não tarda
estão aí… - informou-nos cautelosamente Rui Costa, colocando-se à frente do
grupo – Eles não nos deverão poupar a perguntas e contudo não vamos ignorá-los,
mas peço-vos para serem o mais rápidos possível e não se demorem a entrar no
autocarro!
Quando começámos a caminhar pelo
aeroporto, que àquelas horas da madrugada estava muito pouco frequentado, e sem
ainda nos termos afastado muito aproveitei para falar em surdina a David – Eu
não vou com vocês…
- Você o quê? – julgando-me ter perdido
a sanidade, ele fez-me a pergunta óbvia de quem procurava por um esclarecimento
- É isso mesmo que ouviste, mano… Eu não
me vou embora!
- Como é que é? Cê tá louco, Ruben? –
David abrandou o ritmou da passada e apressou-se a controlar o tom de voz, para
que ninguém ao nosso redor deslindasse o teor da conversa – Você sabe que não
pode fazer isso… Ainda não fomos dispensados, sabe que não pode saltar fora
assim!
- Eu não vou sair daqui sem saber nada
da Joana!
- Ah, Ruben, por favô! Tarda não e a
Joana tá aí… Qual é?
- Enquanto não a vir com os meus olhos,
eu vou ficar e ponto final! – bradei em surdina e sem quaisquer hesitações,
recusando-me a sair dali sem saber nada dela, sem a ter visto uma única vez
- Vai arranjar lanha pra se queimar por
coisa nenhuma, mas cê que sabe… - ele agitou os caracóis no ar num sinal claro
de repreensão passiva à minha atitude, aparentemente incompreensível, e depois
afastou-se, assim como os meus colegas que vindos mais atrás acabaram por passar
à minha frente
Por vontade e necessidade própria travei
o percurso traçado pelos meus pés e estaquei no meio do corredor colossal por
onde seguíamos. Rodei ligeiramente o meu corpo e ao olhar para trás,
centralizei o cenário que provavelmente me custara mais enxergar nos últimos
tempos… Duas das hospedeiras que seguiram connosco a bordo fechavam as portas
de desembarque, assegurando-se de que ninguém mais restava. No segundo seguinte
olhei à minha volta numa réstia quase inconcebível de esperança e esta acabou
por arder ficando em cinzas, pois nada, nem um mero sinal me levou a
identificar Joana… A minha Joana.
- Ruben? Ei, Ruben! – foi a voz grave de
um dos preparadores físicos do clube que fez com que eu voltasse à terra, e sem
lhe responder rodei o pescoço e somente olhei-o – Então, ficas aí
especado…? Não vens? – confrontado com aquela pergunta, por segundos o meu
cérebro bloqueou o raciocínio e eu fiquei sem saber o que dizer mas a resposta
era fatalmente derradeira e não poderia falhar
- Ah… Sim… – clareei um pouco a voz que
me tinha falhado brevemente, e a minha cabeça vergou-se num único movimento de
cedência, seguida pelo olhar que a acompanhou remontando à cor fria chão – …
Sim, vou.
Um aperto forte no peito dificultou-me a
facilidade de simplesmente respirar e fez soltar uma dor que me dominou por
dentro. Sem voltar a olhar para trás segui o meu caminho, sozinho, sem ela, e o
que mais temia acabara por ter sido confirmado aos meus olhos e logo depois ao
meu coração: a Joana não fez aquela viagem, não tinha saído daquele avião, e
isto, se alguma vez tenha realmente entrado.
***
(Joana)
O voo, embora cansativo pelo seu número
excessivo de horas, foi calmo e passivo na sua maioria, apesar de não termos
conseguido escapar à zona de turbulência depois da paragem que fizemos em Nova Iorque.
Tentei descansar um pouco mas foi
totalmente em vão, pois no mesmo segundo em que fechava os olhos, o meu ser
destabilizada aquando o meu pensamento não temia em desassossegar-me, viajando
até ao outro lado do Atlântico para estipular única e somente uma pessoa:
Ruben. Não conseguia deixar de me preocupar, e recear até, a sua reacção quando
descobrisse que, ao contrário do que ele julgava, eu não tinha viajado para
Lisboa e com isso as conclusões precipitadas que ele poderia tirar em prol de
um desfecho que nenhum de nós dois anteviu.
- Ladies and gentleman, welcome to Dominican Republic . We have
just landed at Punta
Cana International
Airport . Hope
you enjoyed your flight! – a voz aguda da
assistente de bordo ressoou a todos os altifalantes do avião, dando-nos a
confirmação necessária da nossa chegada àquele paraíso tropical
Não sei bem como, mas a verdade é que
mal saímos pelas portas do aeroporto, já um jipe preto estava estacionado à
nossa espera para nos levar para o hotel onde iríamos permanecer as próximas
duas noites.
Senti-me numa outra dimensão enquanto
pela janela do carro via passar por mim as paisagens mais exóticas e
extraordinárias que alguma vez vira na vida. Como hábito, Pedro encarregou-se
de fazer a nossa reserva, e enquanto ele optou por ficar entre a austeridade de
um quarto de hotel, eu preferi instalar-me no conforto em um dos trinta e dois
bungalows pertencentes à companhia do hotel, contemplados por uma praia
semiprivada a qual era cercada por centenas de palmeiras que conferiam a
intimidade de todos os hóspedes a um verdadeiro paraíso.
- Tu vê lá, Joana, não te metas em
aventuras! Sabes que pode ser perigoso ficares sozinha, e assim todo o cuidado
a tomar é pouco… - alertou-me cautelosamente Pedro, consciente de que tinha
sobre mim uma carga de responsabilidade não apenas como um colega de trabalho,
como também de um irmão mais velho
- Sim, eu sei… - os meus olhos reviraram-se
num movimento muito rápido, pelas instruções precisas para me manter em
segurança que ele cismava em repetir-me aos ouvidos – Os bungalows ficam apenas
a uns metros do hotel, para além de que ninguém me deve conhecer aqui, este é
um sítio privado, não vai haver problema!
- Mesmo assim continuo com a ideia de
que o Alexandre deveria ficar contigo!
- Ai, Pedro, por favor… Deixa de ser
melodramático! – pedi num desafogo, permitindo aos meus lábios traçarem um
sorriso irónico no instante seguinte, que ele rapidamente soube traduzir – Além
disso não te esqueças de que o bungalow é individual, querias que o pobre do
segurança dormisse comigo ou ficasse de plantão no alpendre?
- Deixa-te de piadas, Joana, eu estou a
falar muito a sério! – advertiu-me ele rapidamente, não deixando no ar qualquer
dúvida para a seriedade do assunto
- E eu também estou! – afirmei, muito
certa de que iria tudo correr pelo melhor e dei-lhe um beijinho na bochecha,
pronta para o deixar e tal como ele, ir dormir algumas horas antes do começo do
primeiro, dos dois dias de trabalho – Vá, vai descansar e fica sossegado…
***
Horas mais tarde os batuques ritmados
contra a porta de madeira do meu quarto perfuraram os meus sonhos, obrigando-me
a desprender dos lençóis e levantar-me, para ir ver quem era. Ainda a cambalear
sobre os pés descalços e de olhos semicerrados pelas horas contínuas que passei
a dormir, rodei a maçaneta nas minhas mãos e abri somente uma brechazinha para
conseguir espreitar um pouco do lado de fora, sem que a luz exasperada do sol
me ferisse os olhos.
- Bom dia, flor do dia! – o sorriso
animador de Pedro denunciou-lhe uma disposição e energia fora do normal, tendo
em conta o voo exaustivo que tivéramos há apenas umas horas
- Bom dia… - respondi monocordicamente e
sem permitir que qualquer entusiasmo me cativasse a voz, deixei-o entrar e da
mesma maneira vagueante e adormentada com que lhe fora abrir a porta, assim
retomei o mesmo caminho de regresso à cama que gritava por mim – Então,
entusiasmada para trabalhar e relaxares um pouco neste cantinho do céu?
- Hum, hum… - rumorejei ao mesmo tempo
que deixei cair o meu corpo pesadamente sobre o colchão – Entusiasmada para
dormir, pelo menos, mais uma horinha!
Ele riu-se do meu tom leve de piada, que
sabia não ser normal em mim logo que acordava – Era bom não era? Mas temo que
não possas fazê-lo… O melhor é ires arranjar-te e depois vamos comer qualquer
coisa, porque daqui a mais ou menos duas horas vais ser apresentada à equipa e
começas os primeiros testes de imagem e afins para iniciarmos as gravações!
- Está bem mas dá-me então só mais cinco
minutinhos… - pedi-lhe, com a cabeça totalmente afundada na almofada que fez
com que a voz me saísse indiscutivelmente abafada entre a esponja volumosa e
perfumada pelos meus cabelos
- Não, nem mais cinco, nem dez, nem
vinte minutinhos… - senti as suas mãos atacarem o meu braço puxando-me para
fora da cama – Vá, deixa mas’é de ser preguiçosa e levanta-te!
- Ai, Pedro, que chato… Bolas!
- Sim, sim, muito chato! Mas agora vai…
Andor, à minha frente, andor! – pressionando-me nas costas, ele foi-me empurrando
para a casa de banho
Deitei-lhe a língua de fora apenas para
espicaçá-lo e depois entrei, deixando-o à minha espera no quarto.
Embora preferisse tê-lo feito, não me
prolonguei por demasiado no banho, ainda assim levei-o com calma, sem deixar-me
pressionar pelo curto tempo que teria para ficar pronta.
Arranjei-me com uma roupa leve que sabia
que iria ser indispensável ao calor tropical republicano, e deixei o meu cabelo
tomar os seus jeitos naturais aquando enxugado, assim como a maquilhagem que eu
reduzi somente a um pouco de blush pois sabia que mais tarde os
profissionais delimitados ao encargo do meu visual, iriam alterá-lo para os
posteriores testes de imagem.
- Quinze minutos… Nada mal… para uma
mulher! - logo que voltei a enveredar pelo quarto, olhei Pedro sentado à beira
da cama, balbuciando com um sorriso os minutos cronometrados da minha demora,
pelo relógio de pulso
- Sempre tão engraçadinho, não é? –
evidenciei, numa expressão conotada por uma ironia forçada
- Sabes como é…
- Sei… Sei muito bem até! Mas diz-me lá,
que horas são?
- Ah… É quase meio-dia! – confirmou,
olhando novamente o seu relógio
-
Meio-dia?! – questionei, num arregalo súbito dos meus olhos – Isso quer dizer
que são seis da manhã em Portugal… O avião deles já deve ter aterrado há
algumas horas!
- Sim, é provável!
- Então empresta-me o teu telemóvel, por
favor, para ligar ao Ruben! – pedi num tom inegável de súplica, que ele não
poderia recusar
- Pois, quanto a isso, bem… - como por
um reflexo repentino de culpa e cobardia, o seu olhar protegeu-se do meu ao
fixar outro ponto que não os meus olhos, e aquela sua hesitação despoletou em
mim uma inquietude momentânea
- O que foi, Pedro? Que cara é essa?
- Promete-me que não te chateias comigo…
- O quê? Mas que conversa é essa? –
inquiri num só assopro, e a sua expressão desalentada alertou-me de que alguma
coisa estava a ser-me escondida
- Promete, Joana!
- Não, desculpa mas eu não vou te
prometer nada enquanto não me disseres o que se está a passar… O porquê dessa
tua hesitação! – os meus braços tiranos exigiram-lhe uma explicação logo que se
cruzaram diante do meu peito, e o meu semblante tornou-se inevitavelmente mais
taciturno, receando o que iria ainda ouvir – Esqueceste-te do telemóvel no
hotel, é isso? Se for isso não tem problema, quando formos comer qualquer coisa
podemos passar pelo teu quarto para o ires buscar…
- Não, não… Não foi isso que aconteceu,
eu não me esqueci do telemóvel! – negou para depois respirar profundamente a
fim de se confessar a mim – A verdade é que eu… Eu não tenho o número do Ruben!
– disse por fim, numa afirmação frívola em conteúdo, que me apanhou de surpresa
e me feriu
- Tu não… Tu não tens o número do Ruben?
– um sorriso de pura prepotência desenhou-se por vontade própria nos meus
lábios, julgando eu estar a ser vítima de uma brincadeira de muito mau gosto
por parte do meu agente – Como não tens? Tu disseste que…
- Desculpa, eu pensava que o tinha, mas
como troquei de cartão recentemente, perdi alguns contactos e nunca mais me
lembrei de lho pedir… Desculpa! – perdoou-se rapidamente e bem na minha frente
viu-o erguer-se, portando um sentimento de culpa que lhe preencheu os ombros na
totalidade
- Isso quer dizer que me mentiste?
- Não, eu não te menti, eu apenas não me
lembrei que não o tinha… - ele precipitou-se na minha direcção, mas
imediatamente repeli-o, antes que tivesse oportunidade de me tocar – Por favor,
não me odeies, havemos de arranjar uma solução!
- Uma solução, Pedro? Que solução? – sem
eu mesma querer, as lágrimas começaram a subir aos meus olhos e um sentimento
misto de traição e mágoa transpuseram-me a voz, que não contive em elevar – Nós
estamos a centenas de quilómetros um do outro, eu não tenho maneira de o
contactar a ele ou a qualquer um dos nossos amigos, como raio se há-de arranjar
uma solução?
-
Acalma-te, por favor… Tem calma… - pediu-me sofregamente, tentando apaziguar o
meu estado, que naquele momento estava sobressaltado demais
- Tu sabes, tu sabes que eu só aceitei
vir assim para aqui, porque me prometeste que ia poder falar com o Ruben, mas
afinal… - Pedro interrompeu-me a tempo, pois não estava disposto a ouvir-me
recordar-lhe a verdade dos factos
- Porque de outra maneira eu sabia que
não virias… Apanhavas o próximo avião para Portugal e viravas costas a uma
oportunidade como esta! Tu nunca puseste os teus desejos e interesses pessoais
à frente do teu trabalho, não irias fazê-lo agora! Como teu agente eu não
poderia deixar… Seria um erro!
- Como meu agente, Pedro? Como meu
agente?! – inquiri voltando a subir o tom revoltoso da minha voz, mostrando-lhe
um sorriso de puro desalento – E então onde fica o meu amigo no meio disto
tudo? Tu és o meu melhor amigo, caramba! Mesmo que não concordasses, era
suposto aceitares as minhas escolhas independentemente de tudo, e não
mentires-me daquela maneira! Eu voltei a conquistar o amor do Ruben e não estou
disposta a abdicar dele novamente por causa de um equívoco! – uma recordação
triste do ressentimento de Ruben por ter sido obrigada a deixá-lo uma vez,
passou-me na frente dos olhos e acutilou-me o coração, pois temi que a ausência
de notícias da minha parte o levasse a precipitar novas conclusões
- Ouve, eu até entendo que te custe
estares aqui e o Ruben em Lisboa sem saber nada destes contratempos, mas não
achas que estás a exagerar um pouco? Depois de amanhã já estamos de volta a Portugal…
Logo logo podes falar com ele e explicas-lhe tudo, não precisas de fazer disto
um drama!
- Tu não entendes, pois não? – a minha
voz tinha por fim esmorecido, tal o meu cansaço em expor as razões que apesar
de tudo, apenas eu conseguia enxergar – Acho que ninguém entende, na verdade…
Esse era um facto. Ninguém conseguia
colocar-se no meu lugar e entender aquela minha posição, aquela ordem de impotência
de quem nada podia fazer para alterar o destino injustiçado que poderia voltar
a impor-se num futuro prospero, reavendo as mágoas e os erros cometidos num
pretérito ainda demasiado presente.
Abanei levemente a cabeça num gesto
claro de quem não conseguia ser compreendida e peguei então na minha mala,
preparando-me para sair sem dar a Pedro qualquer tipo de justificação.
- Joana, onde vais? Espera…
- Não venhas atrás de mim, está bem? Eu
quero estar sozinha! – detive-me quando abri porta que antecipou a minha saída
precipitada, e olhei-o naquela que seria a última vez antes de partir – E não
te preocupes que eu não vou fugir aos meus deveres, sei perfeitamente as
responsabilidades que tenho aqui…
- Joana! Joana, espera… Vamos conversar!
– sem ter tido a necessidade de olhar para trás, consegui senti-lo
acompanhar-me até à porta e deter-se junto da ombreira, vendo-me fugir do
alpendre tabuado e alcançar as escadas que me levaram enfim a pisar o areal
Não sabia o que fazer, isto se podia
mesmo fazer algo… Estava de mãos e pés atados e com uma dor agressiva por
evidentemente me sentir ser a única culpada daquela história toda, pois
começara a apoiar o meus receios na incerteza de que a minha relação com Ruben
pudesse vir a ser susceptibilizada por desencontros que não estiveram ao nosso
alcance evitar.
Antes de me lançar os meus deveres,
pelos quais estava ali, tirei um momento só para mim, precisava dele para
pensar e sobretudo sossegar-me na esperança de que tudo iria correr pelo melhor
e depois, quando me senti suficientemente mais leve e calma, segui para o
hotel, ao encontro da equipa responsável pela campanha a qual eu fora escolhida
para representar.
***
Fui apresentada a todos os elementos da
equipa com os quais iria trabalhar nos próximos dois dias de gravações, e
animou-me a maneira calorosa com que cada um chegou junto a mim e se
disponibilizou para tudo o que eu viesse a prescindir.
Em tempo fugaz que nem mesmo eu dei
conta de passar, quando dei por mim já seguia num catamaran que rasgava as
águas azuis turquesa do alto mar, velejando em direcção à Ilha Saona onde iriam
ser feitas as filmagens do anúncio. Embora tivéssemos trocado olhares por
diversas vezes, durante toda a viagem não mantive qualquer outro contacto com
Pedro, ainda estava demasiado magoada com a atitude dele e enquanto aquela
revolta interior não abrandasse em mim o suficiente para perder o orgulho, eu
mesma iria continuar a manter a distância entre nós.
- Lhegámos! – anunciou um senhor
carabiano de meia-idade que conduzira o catamaran, num típico sotaque
castelhano que nos anunciou a chegada a bom porto a um fenómeno deslumbrante da
natureza
Logo que saímos do barco pisámos a areia
escaldante e puramente branca que era beijada pela água mais quente que alguma
vez provara.
Situada na província La Romana , Saona era uma das
ilhas da República Dominicana mais requisitada em resorts e indispensável à
visita turística, era também considerada uma das melhores e mais bonitas ilhas
paradisíacas de todo o mundo e que eu mesma tivera o privilégio de conhecer com
os meus próprios olhos. Fiquei imediatamente fascinada com todo o cenário de
sonho em meu redor quando senti pairar no ar o cheiro característico a fruta
tropical, os coqueiros, alguns assustadores pelas suas alturas, que faziam
sombra às espreguiçadeiras e camas de rede que faziam as delícias de qualquer
um. Sobre as nossas cabeças observei com entusiasmo alguns pequenos macacos
mais atrevidos que se exibiam nos galhos das palmeiras e outras tantas aves
exóticas que não soube distinguir pelo pouco conhecimento que tinha na área.
- Era capaz de apostar que a gente já se
cruzou em algum lugar, só ainda não lembrei onde… - enquanto bebia uma
deliciosa água de côco nos dez minutos dispensados antes de iniciarmos a
pré-produção, ao balcão do pequeno bar juntou-se a mim o modelo que iria
dividir a tela comigo, presenteando-me com um sotaque delicioso a que eu já
estava tão bem familiarizada
- Ah… Sim, eu também penso que sim… -
confirmei, praticamente certa que não estava induzida a erro ao olhá-lo
brevemente, recordando os traços famosos do seu rosto – …em Nova Iorque , se não me
engano!
- Em Nova Iorque … É, acho
que agora eu lembro! Cê era a tal moça portuguesa com quem eu iria pousar junto
pra’quele catálogo… Mas aí houve aquela troca com a agência e terminámos nem
fotografando! – recordou num tiro certeiro, esboçando-me um sorriso ténue que
eu correspondi no segundo seguinte
- Hum… Sim, exactamente! Estivemos
juntos no estúdio mas a sessão acabou por ser adiada. – pousei o côco sob o
balcão e o mesmo fiz com aos meus braços cruzados
- Meu nome é Francisco mas por favor, me
chama só de Chico, como todo o mundo me chama. – ele soltou uma gargalhada
suave e eu vi-me tentada a acompanhá-lo, voltando a segurar as duas palhinhas
da minha água de côco, contemplando mais um sorvo – Você deve ser a Joana, né?
- Sim, sou eu! Muito prazer, Francisc…
Chico! – a minha mão foi ao encontro da dele que já se tinha erguido na minha
direcção, e foi no que ar elas se agitaram levemente selando o típico
cumprimento com a partilha de dois beijinhos no rosto
Francisco Lachowski, era assim o seu
nome. Tal como ele me conhecia a mim pelo profissão que tínhamos em comum, eu
dele sabia o que apenas tinha visto e lido pelos média… Ele era o modelo
brasileiro mais requisitado no seu país, e no seu currículo poderia orgulhar-se
de já ter sido convidado para representar as marcas de moda mais prestigiadas
em todo o mundo, o que fazia dele um profissional de prestígio que dava e
certamente continuaria a dar cartas ao ramo. E apesar de já nos termos cruzado,
como ele mesmo referira e eu recordara, nunca em outra ocasião havíamos sido
apresentados.
- E aí… É a primeira vez que faz esse
tipo de trabalho? Noto aí uma pontadinha de nervosismo em você…
- Sim, estou um pouco nervosa, mas nada
demais! – o meu olhar voltou a recair sobre o seu semblante e um sorriso
educado foi expresso nos meus lábios – Fiquei surpreendida por ter sido chamada
a fazer o anúncio, visto que a maioria do meu trabalho passa pela máquina
fotográfica e não pelas câmaras…
- “Há sempre uma primeira vez pra tudo”…
Não é isso que a galera tá sempre falando? E se escolheram você pra esse
anúncio, é porque sabiam que cê ‘tava bem à altura, ué!
- Sim, talvez tenhas razão… Ainda por
cima estou aqui por um dos melhores motivos que é o meu trabalho, acho que só
tenho que aproveitar!
- É isso aí, moleca… Relaxa, aproveite
esses dias num lugar de sonho como esse, que tarda nada já ‘tamos dizendo adeus
ao Caribe e de volta a casa! – um sorriso simpático denunciou-lhe toda a
jovialidade de que era portador e rapidamente aquela sua certeza anestesiou-me
com a lembrança de um fardo que me acompanhava desde aquela manhã
“…de volta a casa”. Conseguia
perfeitamente atribuir um segundo significado a estas palavras… Palavras que
para mim só faziam sentido se fossem sinónimo do porto de amor e paz que Ruben
representava para mim, mas palavras as mesmas que deixavam de rimar agora que
voltara a estar tão longe dele. E pronto… Lá estava eu de novo mergulhada
naquela melancolia que não me deixava pensar direito, que me fazia sentir
culpada e se abatia em mim com afogos de medo e desesperanças por temer voltar
a perder a razão, talvez a mais forte de todas as que tinha, de refazer a
minha vida e continuar a ser feliz.
Abanei levemente a cabeça de modo a
varrer os meus devaneios e notei que Francisco me olhava introspectivo,
reparando que eu estivera longe por alguns momentos.
Acabámos por ser chamados e nas horas
seguintes que se estenderam durante quase toda a tarde, entreguei-me
exclusivamente ao trabalho. Às minhas mãos chegou um guião que eu li
atentamente de forma a perspectivar o cenário do anúncio que iria ser gravado
no dia seguinte, pois naquela tarde limitámo-nos apenas à escolha de cenários,
figurinos e ao ensaio das cenas. Quando chegámos ao fim sentia-me realmente
cansada, mas felizmente não cansada o suficiente para descobrir outros encantos
escondidos naquele paraíso das Caraíbas.
- Eu não vou poder ir contigo porque
ainda tenho uns assuntos a tratar com a produtora, e como não podes ir sozinha…
O Alexandre leva-te lá! – rematou Pedro rapidamente, tomando controlo das
pontas soltas de uma conversa que iniciáramos há minutos
- Porque é que o Alexandre tem de ir
comigo? Que eu saiba posso muito bem ir sozinha aonde quiser! – não queria ser
demasiado fria nas palavras, mas por razões óbvias o ressentimento deixado na
nossa última conversa ainda estava bem presente em mim
- Podes, podes ir aonde quiseres, mas a
partir do momento em que escolheste ir passear na cidade, que deixaste de poder
decidir se vais ou não sozinha!
- Não percebo porquê, eu ainda sei tomar
conta de mim…
- Joana, tudo isto que vês aqui à tua
volta é muito bonito mas acredita que também pode ser muito perigoso… As redondezas
da cidade é o contraste disto tudo, há destroços, pobreza e o que não falta lá
é marginalidade, portanto, para tua segurança, é melhor que o Alexandre te
acompanhe, ok?
- Tudo bem… - os meus ombros descaíram
sob o meu tronco, e uma postura mais complacente face ao cuidado que Pedro
tomava em mim, tornou-se visível aos olhos de todos daqueles que nos estavam
próximos
- Pronto, mas então não te excedas nas
horas, não tarda e vai anoitecer… - sobre alertou-me, relembrando uma vez mais
a extrema responsabilidade que tinha sobre mim naqueles dias
- Sim, não te preocupes. – acordei
simplesmente, para ao fim de escassos instantes o segurança particular se
juntar a nós
- Joana… Quando voltares vamos acabar a
conversa desta manhã, está bem?
- Até logo! – respondi em altivez já a
uma distância considerável dele, e agitei-lhe a minha mão no ar, num gesto
claro de quem fintava o assunto mestre que ele havia ressuscitado entre nós, e
o qual eu não queria nem iria voltar a tocar, não segundo a minha vontade
***
A cidade de Salvaleón Higuey estava
localizada somente a um par de quilómetros dos complexos hoteleiros de Punta
Cana. Para lá usámo-nos do meio de transporte que os turistas usufruíam para
visitar as zonas da periferia, e iniciámos então o passeio pelas avenidas
principais que eram demarcadas pelos monumentos que divisavam os lugares
emblemáticos da cidade, como galerias de arte, estúdios de artistas, o museu
Taino e rapidamente deixei-me seduzir por um ambiente enfeitiçante que me
envolvia e me fazia apaixonar.
Percorri as praças da baixa avenida e
enveredei pelo centro histórico, que rodeado por provavelmente um dos maiores
jardins que até então vira, exibia com orgulho a imponente e belíssima Basílica
La Altagracia
construída no século XVI, que guardava para os fies, a padroeira dominicana.
Porém não entrei, pois não sabia o horário de visitas e também queria
aproveitar todo o tempo que me fora dispensado para continuar a conhecer cada
recanto que ainda se alistava na minha mente.
- Não acho boa ideia irmos à vila,
Joana… Aquilo lá é uma realidade diferente da que estamos habituados a ver e
pode ser perigoso, não te esqueças que esta ainda é uma cidade em vias de
desenvolvimento! – informou-me o sempre coerente Alexandre, que fizera questão
de não me largar um segundo durante todo o percurso
- Tudo bem, é uma cidade em vias de
desenvolvimento, mas também não é nenhum submundo! Vamos lá, damos uma voltinha
e depois vimo-nos embora… Simples! – argumentei, forçando uma proposta que
rezei para que fosse aceite por ele
- Não acho que o Pedro vá gostar quando
souber…
- O Pedro não tem que saber! – rematei
com um sorrisinho desafiador que se instalou temporariamente no meu rosto
- Não sei, Joana, não sei… O Pedro
confia em mim, não acho correcto esconder-lhe o que quer que seja, ainda para
mais no que toca a ti e à tua segurança!
- Mas eu estou em segurança, não vês? Tu
estás comigo e não me vais perder de vista por um segundinho, pois não? Vá lá
Alexandre, não te custa nada… - um tom pedinchão que não era frequente em mim
sobressaiu-se na minha voz e num reflexo as minhas mãos prenderam-se no
colarinho da sua t-shirt, e os meus pés colocaram-se em pontinhas de maneira a
conseguir chegar mais perto dele e puder olhá-lo atrás dos seus óculos escuros,
porém foi em vão pois a diferencia das nossas alturas era eleva e ele cismava
em não olhar-me nos olhos para não ceder às minhas vontades – Sabias que és o
meu segurança preferido?
- Talvez seja porque eu sou o teu único
segurança(!) – o ar de evidência da sua afirmação deram-lhe os fundamentos
essenciais a uma feição cómica que nos fez desprender em gargalhadas que nos
reconfortaram a alma
Alexandre tinha largado a segurança em
portas de discotecas há pouco mais de um ano e desde então que me acompanhava
em todas as viagens de trabalho a que eu era incumbida, ficando a cargo dos
meus serviços. Ilustrador de um corpo alto e forte pelas horas excessivas de
treinos e ginásio, ele era um homem que estava prestes a ingressar na casa dos
trinta anos e livre de compromissos de maior, o que lhe dava disponibilidade
para se ranger à flexibilidade da minha agenda e acompanhar-me sempre que
preciso.
- Pronto, tudo bem, vamos até à vila…
Mas que não te passe pela ideia afastares-te de mim, estás ao meu encargo!
- Ai, obrigada, Alex! Obrigada,
obrigada! – agradeci-lhe sinceramente, surpreendendo-o com um abraço que ainda
assim se mostrou difícil de reforçar, pois devido à sua enorme corpulência os
meus braços tiveram dificuldade em contornar-lhe o tronco na totalidade
Descemos sem pressas os caminhos da
calçada que cada vez mais se iam estreitando e por fim invadimos a monotonia
das típicas ruas de favela.
Assustava-me de vez em quando com as dezenas
de motorizadas que passavam à nossa beira, sendo estas o transporte mais comum dos
locais para fins de trabalho, e com aquele panorama debuxado bem em meu redor,
acabei por ver imagens que iria certamente manter vivas na minha memória por
muito tempo.
A azáfama era grande, havia pessoas
amontoadas nas ruas, muitas delas refasteladas nos passeios dando significado
ao titular de pobreza… Vi agrupamentos de casas de todas formas, algumas
unicamente construídas a pedra e outras pintadas a inúmeras cores, e
rapidamente fiz a distinção entre os dois comércios locais: junto às quelhas e
zonas mais refugiadas, instalava-se o artesanato de mercado negro, onde
imediatamente Alexandre me proibiu de chegar perto, e mais abaixo junto às
margens do rio Chavón era assentado o comércio de produtos turísticos e
piscatórios.
- Tenho sede e não trouxe água comigo… -
revelou-me ele num desabafo de fastio, pois o clima excessivamente quente e
abafado bem como o esforço que fizera ao andar a pé, reflectiram-se em si com o
desidrate do seu organismo
- Sempre podes ir comprar! Passámos há
pouco por um café do outro lado da rua… Vais comprar uma garrafinha de água que
eu fico aqui à tua espera.
- Se eu for comprar uma garrafa de água
tu vens comigo, não te vou deixar aqui sozinha! – proferiu num tom sério e
perspicaz que lhe automatizava toda a responsabilidade que tinha sobre mim
- Olha bem à tua volta, Alexandre… Achas
mesmo que alguém está interessado em vai fazer-me mal? Cada um está na sua
vidinha, a fazer o seu trabalho… Eu sou apenas uma turista que está aqui de
passagem!
- Mas é exactamente por seres uma
estranha aqui, que podes chamar atenções, Joana… Eu até posso acreditar que
haja aqui muita gente de bem e com boas intenções, mas sabes que de boas
intenções…
- …está o inferno cheio, eu sei! –
ciciei em tom monocórdico aquando completei o provérbio popular que estava
acostumada a ouvir desde pequena – Mas vai, podes ir… Eu não saio daqui,
prometo. E se alguém tentar fazer-me mal, eu juro que grito! – disse tentando
parecer muito séria, e mordi os lábios para não me rir na cara dele para assim
não deixar exposto o meu jeito mais gozão de ser
- Não sais mesmo? – a sua sobrancelha
arqueou-se altivamente, sobressaindo da lente ocular e exigindo-me uma só
garantia
Mostrei-lhe as palmas hirtas das minhas
mãos quando os meus braços se ergueram no ar separados pelo meu tronco,
expressando a sinaleira de uma promessa muda.
- Queres que te traga alguma coisa?
Desde que saímos da praia que ainda não comeste nada…
- Estou bem assim, ainda não tenho fome…
Obrigada.
- Então eu não me demoro… Volto num
minuto. – ele começou a afastar-se e em passadas largas vi-o preparar-se para
atravessar a rua, que naquele momento estava bastante movimentada não só por
veículos dos mais rudimentares, com também por pedestres comerciantes, que
levavam consigo animais de gado para venda ou troca de artesanato
Assim fiquei ali sozinha, e quase que
dei por mim a respirar um novo ar… Um ar com sabor a liberdade, diria mesmo. A
agitação daquela pequena e pacata vila despertava-me a atenção de uma maneira
que eu não julguei ser possível, prometendo mostrar-me as pequenas maravilhas
que aquela terra escondia. Não consegui ficar ali parada enquanto ainda havia
tanto para descobrir, e olhando de relance Alexandre que ainda não conseguira
alcançar as portas do café, aventurei-me por novos caminhos.
Passei na dianteira de dezenas de mesas
que mantinham em exposição artigos de venda, muitos deles feitos pelas mãos dos
próprios feirantes, enquanto os ouvia gargantear em castelhano pregões que
despertavam as atenções daqueles que ali passavam, e ao mesmo tempo que me
miravam curiosos de cima a baixo e depois me lançavam sorrisos enigmáticos que
eu retribuía com um ligeiramente tímido e aveludado.
Seguidamente, ao varrer com o olhar o
meu redor, deslindei as águas do enorme amazonas Chavón, onde sabia ter sido
gravado um filme da saga “Rambo”, e foi inevitável a atracção que senti para me
aproximar delas. Desci uma pequena colina de terra batida e quando cheguei
junto às orlas foi numa pedra achatada que achei pousio confortável para me
sentar e ficar a relaxar uns momentos, vendo as mulheres caribianas lavarem as
suas roupas nas águas do rio, juntamente com os filhos pequenos que as
acompanhavam e brincavam alegremente nas margens.
- …Viene a pedir mi mano, viene/ vamos
a sonar unos palos para que me quiera por siempre/ que su amor sea verdadero i
oh!/ para que me quiera i ay! – ouvia afinadamente as mulheres trautearem
cânticos nativos da sua cultura, aquando realizavam atarefadamente as suas
lidas de donas de casa
Deixei-me ficar ali alguns instantes a
absorver aqueles cheiros, aquela imagem magnífica que me inspirava fascínio e
se estendia na frontaria.
Pouco depois vi uma menina, não devia
ter mais dos seus seis anos de idade, de cabelos compridos escuros e roupa descuidada,
sentar-se a uns escassos centímetros de mim. A curiosidade de criança
despertou-se dentro de si e reparei que ela me olhava discretamente com um
certo enigmatismo, talvez por ver uma rapariga como eu, com uma cor de pele
diferente da sua. Sorri-lhe num jeito afável e senti a sua timidez desaparecer
naturalmente.
- Me llamo Jarlin. – disse-me ela num
tom doce de uma pequena menina
- Tienes un nombre hermoso, Jarlin. –
respondi-lhe na mesma língua, e num jeito surpreendentemente natural, deixámos
que laços de afecto se formassem entre nós
- Gracias… Blanquita! – agradeceu
sorridente, e eu não pude deixar de me rir com a alcunha que a pequena me à
oferecido, visto que não sabia o meu nome, e recorrendo ao pormenor da cor da
minha pele
- Este lugar es realmente magnifico…
Debes gustar de vivir aqui, no?
- Sí, me encanta, pero nunca he salido
de los Altos de Chavón… Los otros chicos han dejádo aqui, pero yo nunca he
visto las cataratas ni las playas… - um sorriso triste foi revelado pelos seus
olhinhos negros, e ao fim de um instante marcado pelo silêncio entre nós, ela
voltou a tomar ordem da conversa – Me gusta tu pelo… Brilla con la luz del sol.
- Puedes tocarlo, si quieres… - ela
pareceu-me entusiasmada com a minha permissão, e até sentir os seus dedinhos
começaram a fazer tranças e prenderem pequeninas flores em todo o meu cabelo,
foi uma questão de segundos
- Joana! Joana! – ao fim de alguns
minutos ouvi nas minhas costas uma voz grossa que me era bastante familiar, e
ao levantar-me num rompante pude clarificar o dono da mesma
- Alexandre… - o seu nome saiu-me num
sussurro por entre os lábios ao olhá-lo, estava bem ciente que iria ouvir uma
reprimenda da sua parte pois tinha transposto a sua barreira de segurança
- Corri a vila quase toda à tua procura!
Não sabes a preocupação com que me deixaste… Pensei que te tinha acontecido
alguma coisa! – a sua figura ofegada pela correria que fizera à minha procura,
denunciou-lhe e com razão, a cara de poucos amigos e talvez tivesse sido isso
que levasse a pequena Jarlin a esconder-se atrás de mim, confusa com o que
estava a acontecer
- Alex, Desculpa… Mas este sítio é tão
bonito que me senti tentada a explorá-lo um pouco mais e nem dei pelo passar do
tempo! – apressei a perdoar-me, sabendo perfeitamente que a culpa daquele
pequeno alarido era minha – Eu sei que foi irresponsabilidade da minha parte e
peço desculpa por isso!
- Foi, foi muita irresponsabilidade da
tua parte, Joana… Se te tivesse acontecido alguma coisa eu… Eu nem sei!
- Já conheces a Jarlin? – perguntei
imediatamente, numa tentativa constrangida em fugir das suas repreensões em meu
ataque, e Alexandre apenas conseguiu responder com um sorriso desajeitado, ao
olhar a menina que apareceu timidamente do meu lado esquerdo, segurando as mãos
aos meus calções
- Bem, mas agora é melhor voltarmos…
Daqui a pouco está a anoitecer e ainda tenho que arranjar transporte para nos
levar ao hotel!
- Sim, é melhor irmos que já sei como é
o Pedro se chegarmos tarde! – dito isto voltei-me para a pequenita e agachei-me
à frente dela – Me tengo que ir, pero antes quiero ofrecerte un regalo… -
retirei a mochila que trazia às costas e do seu bolso exterior peguei algumas
conchas e um pequeno búzio que trouxera da praia
- Qué es esto?
- Dame tus manos, dulce… – pedi-lhe, e
logo que as suas pequenas mãos se estenderam à minha frente formando uma
concavidade, ofereci-lhe as conchinhas e o búzio – Mientras que no puedas ver
el mar, pones la caracola cerca de tu oreja e puedes escutar el sonido de las olas
siempre que quieras. – a pequena Jarlin pareceu ficar encantada com a prenda
modesta que lhe entregava e a sua felicidade foi visível ao meus olhos quando
estes lhe deslindaram um sorriso lindo e puro ainda de uma criança
- Gracias, blanquita, muchas gracias! –
vi-a pousar com todo o cuidado as conchas no chão e depois assaltou o meu corpo
ainda agachado, com um abraço, enlaçando-se ao meu pescoço e presenteando-me com
o melhor gesto de gratidão, carinho e conforto que eu poderia receber e que
tanto me fizera falta naquele dia
***
Foi com uma lividez de nostalgia a
rebentar em meu peito que voltei às unidades hoteleiras onde estava instalada.
O crepúsculo já tinha caído e tivemos sorte por Alexandre ter conseguido
negociar com um guia turístico e termos seguido numa lancha com um grupo de
ingleses e alemães que tinham passado a tarde de visita à Ilha Saona.
Depois de ter conseguido vencer a
insistência do meu segurança que prostrou a sua vontade em acompanhar-me até às
minhas instalações, continuei a caminhar sob o areal que ainda não havia
arrefecido, e sozinha segui para o meu bungalow estrategicamente posicionado à
beira-mar. Subi as escadas tabuadas que antecipavam o pequeno alpendre, mas
qual não foi a minha surpresa ao ver um novo hóspede acampado à entrada…
- Pedro? O que é que estás aqui a fazer?
– interceptei o meu agente mal o olhei, notoriamente surpreendida por tê-lo
ali… sentado no chão junto da porta, aguardando pela minha chegada a qualquer
momento
- Joana… Já chegaste… - um sorriso discreto,
porém aliviado por me ter ali, abonou o seu rosto, visivelmente esgotado pelo
dia de trabalho e pelos pequenos conflitos que enfrentara entretanto
- Estás aqui há muito tempo? – inquiri
apenas por educação e perscrutei a sua figura num relance arremessado de alto a
baixo, logo que ele se levantou
- Há algum… Uma hora, talvez. – referiu,
vendo-me colocar a chave na fechadura e destrancar a porta – Não me esqueci que
deixámos uma conversa pendente esta manhã…
- Não deixámos nada pendente esta manhã,
Pedro… Ficou tudo dito!
- Não ficou tudo esclarecido… Ainda
temos que falar sobre o que eu fiz. – ele ripostou disposto a esmiuçar uma nova
conversa até ao fim e forçou a sua invasão no meu quarto, onde há segundos eu
tinha entrado
- Não há mais nada para falar, o que
está feito está feito e não há nada que possa alterar isso… Não há como voltar
atrás!
- Pelo menos deixa-me explicar-te a
razão porqu…
- Tu já me explicaste! Não querias que
eu desistisse deste projecto e então mentiste-me para que não voltasse a
Portugal sem antes fazer a campanha! - falei sempre com refutações de
contra-ataque, reformulando o seu discurso matutino numa simples frase que
resumia as suas intenções
- Vês? Vês? É por isto que eu quero
falar contigo… com calma! Tu estás diferente comigo, estás chateada, noto isso
no teu tom de voz… Nem nos olhos me consegues olhar.
- Eu não estou chateada contigo, eu
estou magoada que é que diferente! – voltei-me para ele e o meu dedo alteou-se
no ar aquando o corrigi – A tua atitude magoou-me!
- Eu sei que fui um otário em ter-te
mentido, não o deveria ter feito, mas também nunca pensei que isso fosse tão
sério para ti!
- Desde que alguma coisa, por mais
insignificante que possa parecer, interfira negativamente no meu namoro com o
Ruben, é sério para mim! – o meu corpo combalido pelos destroços que o
abalavam, desamparou-se a um canto de um sofá de dois lugares, onde deixei
sentadas comigo todas as minhas angústias – O facto de termos combinado
regressar juntos a Portugal e de repente sair-me tudo fora dos planos, perder o
avião, vir para aqui sem mais nem menos e não ter como falar com ele… Acredita
que é angustiante…
- Se soubesses o quão arrependido estou
neste momento…
- O teu arrependimento não apaga o erro
cometido! – acusei frivolamente, não parando para reflectir um segundo numa
contestação alternativa àquela, mas depressa me auto-recriminei por somente
estar a agir por instinto e susceptibilizar a posição de Pedro, que já por
várias vezes me tinha mostrado o seu arrependimento – Desculpa, desculpa por
estar a ser tão fria contigo mas esta situação toda… Eu, eu não estou bem.
Tal como acontecera naquela manhã, um
terrível e inexplicável sentimento de perda golpeou-me o compassar, outrora
virtuoso, do meu coração, que mais uma vez se encontrava brutalmente
fragilizado.
Senti de novo aquela súbita vontade de
chorar, e contrastando de uma maneira irrevogável com a vontade que tinha se
sorrir, ela prevaleceu. As lágrimas inoportunas começaram então a picar-me os
olhos e não demoraram a soltarem-se pelas linhas dantes desenhadas no traçar do
meu rosto, e uma vez mais entreguei-me à dor que tinha de aprender a lidar
calma e silenciosamente.
- Não, a única pessoa que aqui tem de
pedir desculpa sou eu, Joana. Estás no teu direito de me tratares como achas
que mereço… Desculpa por ter inferiorizado vossa relação. – a sua voz tocou um
arrependimento tal que chegou até a ressentir-se num aperto do meu peito e
depois senti o calor do seu corpo ocupar o vazio do meu lado no sofá, pronto a proteger-me
na sua alçada
- Eu amo-o, Pedro, eu amo-o e tenho um
medo terrível de o voltar a perder! – pela primeira vez desde que entrámos
naquele quarto, o meu olhar procurou o abrigo do seu e ficou completamente
desarmado, ao deixar-lhe exposto todo o rasgo de lágrimas que o corrompiam
- Shiu, isso não vai acontecer! – os
seus dedos cuidados ocuparam-se de limpar a água salgada que me banhava as
faces, quando as suas mãos cálidas procuraram o meu rosto para acolher… os seus
lábios foram ao encontro da minha testa e em dois segundos mergulharam-na no
sentimento de um beijo delicado que reacendeu um novo alento que eu precisava
de voltar a tocar, e depois encostei a cabeça no seu peito, permitindo a mim
mesma embalar-me com o seu afago nos meus cabelos – Tem um pouco de calma e
tenta não pensar mais no assunto… Vais ver que logo que chegarmos a Lisboa e
falares com ele, fica tudo bem!
- E se não ficar? – a pergunta foi
lançada num sussurro tenebroso mas ficou suspensa no ar, à espera de uma
resposta que acabou por não ser proclamada… ele não sabia o que mais poderia
dizer-me para me acalmar, e por outro lado eu não sabia o que precisava de
ouvir para afastar todos os receios e fatalidades que não esperava tão cedo
voltar a sentir
Eu sei, meninas, eu sei que não tenho conseguido ser regular nas publicações, desculpem mas como devem saber os estudos vêm em primeiro lugar!
Contudo deixo-vos aqui um novo capítulo, espero que gostem e por favor comentem, é muito importante recolher as vossas opiniões! :)
Prometo que postarei o próximo capítulo tão rápido quanto me for possível.
Beijinhos a todas,
Joana :)
Nem sei o que te dizer mais... já sabes que adoro a história e amo a forma como consegues transmitir-me as emoções... sabes ainda o quanto já te melguei a cabeça sobre tudo o que partilhaste comigo por isso só te peço que sejas o mais breve possível a dar novidades.
ResponderEliminarQuero mais
Bjs
Mari
ameiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii *.*
ResponderEliminarpor favor o proximo rapido :)
Esta fantastico quero o proximo.bjs
ResponderEliminarPerfeito! :*
ResponderEliminarohhh só espero que o Rúben compreenda :) lindooo *.* continua!
ResponderEliminarFantástico...
ResponderEliminarQuero mais... Tou super curiosa para ver o próximo...
Continua...