sexta-feira, 8 de março de 2013

Capítulo 12 - Tudo começou para nunca mais acabar (Parte II)


Os dias que se seguiram correram como uma celeridade que nem eu nem o Ruben contávamos. Talvez por estarmos embargados num mundo que só a nós pertencia, protegidos por um amor que só nós sentíamos, sortidos de uma felicidade que não queríamos que chegasse a um fim, e por estas razões, talvez, o tempo fora comandado em ordem fugaz, que nos passou diante dos olhos sem lhe conhecermos o verdadeiro instinto de permanecer.
Seguiu-se então o aguardado dia da viagem de regresso à nossa capital, um regresso acometido tanto por mim como pela equipa da Luz, que ao fim de uma semana árdua de trabalho, estava pronta para retornar a casa. E nessa mesma tarde rumei até ao quarto dos meus dois rapazes, Ruben e David, pois queria despedir-me do meu rapagão, antes de voltarmos a terras lusas.

- Oi, molequinha! – foi David que me veio abrir a porta, presenteando-me com um sorriso lindo e rasgado, que se dissipou naturalmente quando me beijou a bochecha

- Olá, David! – saudando também, dirigi-lhe o mesmo sorriso e depois, ainda que com um certa dificuldade pela sua corpulência, que me tapava quase a totalidade do interior que se escondia atrás de si, dei uma espreitadela para dentro do quarto que se encontrava plenamente passivo – Posso entrar?

- Claro, garota, entra aí… - arredando levemente o seu corpo, abriu-me espaço e com a mão ligeiramente altiva no ar, deu-me a indicação precisa para que eu invadisse o cantinho deles, e ladeados atravessámos a pequena sala e ingressámos pelo quarto onde numa das camas, vi o corpo de Ruben repousado – Depois do almoço o manz caiu na cama e ferrou…

- E achas que faço mal se o acordar? Ele deve estar cansado…

- A mim que me pergunta? A namorada desse babaca aí, é você! – disse numa voz esganiçada, mas suficientemente baixa para não o despertar… ri-mos espaçadamente da sua interjeição, dando vez a gargalhadas controladas que nos preencheram o íntimo – Mas então eu vou vazar, pra deixar vocês à vontade…

- Não precisas de sair, David! Mas se quiseres ir, eu também não te vou pedir para ficares… - um sorriso travesso tomou caminho na autonomia dos meus lábios, que lhe souberam expressaram o meu verdadeiro querer

- É, é… Engraçadinha! – desmistificando a nossa vontade em ficarmos algum tempo sozinhos, David deu-me um beijinho leve na testa e preparou-se assim para sair – Se comportem, ein? Juizinho! – disse por fim antes de me deixar a sós com Ruben

Caminhei até junto da poltrona que se prostrava ao lado da cama dele, e sentando-me confortavelmente, foi nela que me deixei ficar a vê-lo dormir… Tão calmo, tão sereno… Reparei que nem se tinha dado ao trabalho de se despir ou vestir outra roupa, pois sobre a colcha, ele pernoitava com umas calças de ganga e uma t-shirt estampada que lhe envergavam perfeitamente o corpo.
Dei por mim perdida num sorriso puristicamente tolo e apaixonado, quando decorava pela milionésima vez, o seu rosto iluminado pela claridade do quarto e esculpido a traços cuidados, os quais haviam amadurecido aquando os meus três anos de ausência. Mas agora já tudo era vago demais para ser relembrado, tínhamos concordado em obstruir o passado com uma enorme pedra, e era assim que este iria permanecer… Longe da felicidade que, certamente, o presente e o futuro se esforçariam para nos recompensar.
Ao fim de alguns minutos vi-o mexer-se dando sinais de que estava a despertar, e abrindo os olhos intermitentemente enquanto se espreguiçava, fendendo com toda a tensão acumulado nos músculos, deu pela minha inesperada presença pela primeira vez. Ao contrário do que eu esperava, ele não me disse nada, em vez disso acomodou a cabeça na sua almofada e por momentos permaneceu somente olhar-me, enquanto eu imaginava ele estar a pensar em mil e uma coisas ao mesmo tempo.

- O que é que estás aí a fazer? – foi ele o primeiro a falar, escondendo atrás de um sorriso que se esforçou para que fosse contido, uma inquirição que eu viria a não compreender direito

- Estava a ver-te dormir… - respondi com simplicidade, num tom pianinho que rezava para que ele não fizesse troça por me ter apanhado em flagrante

- Eu sei que estavas… Só não percebo porque é que o estavas a fazer aí, e não aqui ao pé de mim, onde é o teu lugar. – rapidamente fiquei esclarecida, e no trejeito que expressou com o olhar, li-lhe o pedido que em silêncio me fizera para me deitar junto a ele, e que depois acabou por reforçar com palavras – Vem cá…  

Correspondi ao seu pedido com a maior das vontades. Descalcei as pequenas sabrinas que acompanhavam a saia negra de cintura subida e um body florido e sem alças, na minha indumentária, e ao vê-lo colocar-se de barriga para cima, deitei-me não no lugar vazio da cama, mas sobre o corpo dele, que ansiava por se sentir confortado com o peso do meu.
No meio daqui tudo, acabámos por nos beijar, certos de que não havia nada para ser dito naquele momento que não pudesse ser traduzido num acto tão espontâneo de amor como era aquele. Sentia as suas mãos calmas percorrerem-me as costas, ao passo de que a sua boca se contentava em abocanhar-me e beijar-me com ternura o pescoço e ombros, totalmente despedidos e totalmente disponíveis para receber os seus carinhos.

- Já fiz as malas e já me despedi do Salvador… - referi com uma certa nostalgia a patentear-me a voz, revelando a minha pequena melancolia em estar prestes a libertar Salvador da alçada de irmã protectora que eu portava

- Como é que ele ficou? – os seus dedos cuidados alentaram as minhas faces, e os seus lábios roubaram um selinho aos meus

- Um pouco triste, mas também é normal, estava a contar que eu ficasse cá por mais algum tempo… Mas eu sei que no fundo ele compreendeu.

- Falaste-lhe de nós?

- Ele já andava desconfiado, mas acabei por lhe confirmar as suspeitas… - falei, recitando-lhe depois as palavras precisas de Salvador, quando relembrei sucintamente do nosso encontro ao final da manhã – Disse-me que antes de irmos embora queria ter uma conversa contigo, de homem para homem!  

Ruben gargalhou prazerosamente ao ouvir o recado deixado pelo meu irmão, e eu acompanhei-o – Vou ver se ainda consigo arranjar um tempinho para estar com ele…

- Então e a tua mãe? Sempre chegaste a falar com ela sobre nós? – nesse instante o meu coração encontrou um novo ritmo para bater dentro do peito, um ritmo mais rápido e sobressaltado, que mais tarde a expressividade de Ruben veio a agravar

Diante dos meus olhos ele adoptou uma expressão subitamente mais séria, aquando da minha pergunta, o seu rosto contraiu-se levemente e a ausência de uma resposta deixou-me mais inquieta do que eu esperava.
Afastei o meu corpo do seu num rompante, e ergui-me, para começar a espezinhar a alcatifa do quarto de um lado para o outro, extravasando o tremor que me corrompia a alma por professar o descontentamento, bem como a falta de apoio de uma pessoa que nos era demasiado querida, tendo sido posta a par da nossa relação.

- Não, não digas nada… Prefiro que me poupes às palavras! – ordenei, e mesmo continuando naquela agitação, consegui vê-lo arrastar o corpo para trás e sentar-se à cabeceira da cama – A tua mãe não gostou, não gostou da nossa aproximação e não quer que voltes a envolver-te comigo… Eu sabia, eu já sabia… Mas também é normal, não é? Depois de…

- Ei, ei! Importas-te de parar um segundo? – Ruben separou-se da cama num pulo hábil e aproximou-se de mim, obrigando-me a parar com aquele vai e vem quando me puxou levemente pelo braço – E importaste também de deixares de dizer disparates? És tão tolinha!

- Então mas… Tu disseste que… - fui atropelando as minhas próprias palavras, pois não entendi o motivo do sorriso grandioso que depois ele me mostrou, contrastando com o seu ar cabisbaixo de há pouco

- Não, não… Ouviste-me a dizer alguma coisa? Eu não disse absolutamente nada… Tu é começaste logo a fazer filmes nessa cabecinha e a supor coisas que na verdade são outras!

- Então isso quer dizer que…

- Isso quer dizer que a minha mãe ficou radiante com a notícia e está super feliz por nós! – eu nem tive de dar continuação à minha suspeita, pois ele mesmo fizera questão de a completar – Disse-me que nos quer lá em casa mal chegarmos a Portugal!

- Ai, amor! – foi inevitável não expressar o meu contentamento e alívio, e jogar-me nos braços dele, que me receberam no mesmo instante – Mas espera… Porque é que fizeste aquela cara quando eu te perguntei? Deste-me a entender que ela tinha achado precisamente o contrário…!

- É o que eu digo… És uma tolinha! – os seus ombros encolheram-se despreocupadamente e rapidamente quentes gargalhadas de troça inundaram os meus ouvidos, e eu apressei-me a afastar-me dele

- E tu és um parvo, um insensível! Tu viste bem no estado em que eu fiquei? No estado em que me deixaste? Eu fiquei preocupada seu… Seu parvo! – barafustei num tom claro de amuo, e comecei a bater-lhe no peito com palmadas e socos, que ainda assim por mais que me esforçasse, não eram fortes e severos o suficiente para o magoar

- Ai, amor, que bruta! Dói tanto… - uma lividez de dor foi fingida pelo seu rosto e desmascarada no instante seguinte quando o vi perder-se novamente em gargalhadas, pelo meu incansável, porém desperdiçado, esforço – Mas bate-me, vá, e bate com mais força… Nunca ouviste aquela expressão que diz “quanto mais me bates mais eu gosto de ti”? – continuando a rir-se de mim, ele encheu o peito de ar, desafiou-me e eu alinhei

- Até podes gostar mais de mim, mas neste momento eu estou a odiar-te!

- Mentirosa! – a sua força bruta impediu-me que o continuasse a atacar, e agarrando-me nos pulsos travou o movimento dos meus braços – És uma mentirosa, tu amas-me… Admite!

E admiti. Pendurei-me novamente no seu pescoço, e prendendo as mãos à sua nuca, precipitei os nossos lábios a um encontro. Senti-o pegar-me ao colo, os seus braços envolverem a minha cintura e a puxarem-me bem forte contra si. O toque tangente e já necessário das nossas línguas, que se envolveram até quase tocarem a exaustão, foi um ponto vital e impulsionador ao momento que já aguardávamos, e que acabou por chegar.

- E que tal se fossemos tomar um banho? Relaxar um pouco… - aproveitando a viagem dos seus lábios que me beijavam a pele do pescoço, a sua voz voltou a soar mas desta vez num tom mais baixo junto do meu ouvido, e satisfatoriamente envolvente para me fazer arrepiar

- Acho perfeito! – afirmei, copiando-lhe o gesto que ele usou para me falar, e completando com um sorriso completamente apaixonado que fiz intenção de lhe mostrar

Caminhando no seu colo, e sempre envolvidos entre brincadeiras e novos beijos que surgiam, Ruben levou-me para a casa de banho, e foi nela onde trancámos e permanecemos praticamente toda a hora seguinte.
Enchemos a enorme banheira e deliciados entre um relaxado banho de espuma, fizemos amor… Amámo-nos dentro e fora do sentido figurado da palavra e ao extremo da vastidão do sentimento. Em cada segundo que partilhámos, senti-me uma mulher irreversivelmente completa, preenchida e realizada, como se pela primeira vez tivesse poder sobre mim mesma e o resto de um mundo soberano a meus pés.

- A que horas tens de estar lá em baixo para te encontrares com a equipa? – inquiri, enquanto ele continuava a firmar os seus braços enlaçados em redor do meu tronco e as mãos sobrepostas na minha barriga, deixando que as minhas costas permanecessem confortavelmente coladas ao seu peito

- Às cinco… Ainda vamos ao restaurante comer qualquer coisa antes de sairmos para o aeroporto! – murmurou, enchendo depois o meu pescoço de beijinhos calmamente repenicados, quando descansei totalmente a cabeça no seu ombro – Estava a pensar e… Tens planos para o resto do Verão?

- Ah… Sim, alguns, mas somente de trabalho! Já tenho agendado algumas datas e vou andar a girar por aí em desfiles, presenças, sessões fotográficas…

- Em Portugal?

- Também mas não só… Vou passar também por Madrid, Londres… - acrescentei, recitando por alto os dois destinos que marcavam data nos meus projectos de trabalho para aquele ano

- Hum… Mas não vais estar fora durante muito tempo, ou vais? – voltou a perguntar, num sussurrar auspiciosamente desassossegado que me confirmou todo o seu não-querer em nos afastarmos durante longos períodos de tempo

- Não, claro que não… São só uns dias, e além disso não vou andar constantemente a viajar! – por momentos notei-o pensativo e consegui desmistificar a sua apreensão repentina em prol daquele assunto – Relaxa, amor… Vamos ter todo o tempo do mundo para estarmos juntos e conseguirmos fazer a nossa vidinha! – dei-lhe um beijinho leve nos lábios de modo a tranquilizá-lo o melhor que podia – Então e tu? Tens alguma coisa programada para além do trabalho?

- Ah… Tenho andado a pensar em voltar a arrancar com o “Sorrisos Perfeitos”, estou com umas ideias novas e gostava de avançar com elas!

- “Sorrisos Perfeitos”? – apesar de já ter lido qualquer coisa sobre a fundação em revistas, não estava totalmente dentro do assunto, visto que esta tinha sido criada nos tempos em que eu estivera fora

- Sim, amor… É um projecto que eu iniciei algum tempo depois de… Depois de teres ido embora! Destina-se a crianças que não têm possibilidade de cumprir alguns dos seus sonhos, e acredita que muitos deles são tão básicos que nós, erradamente, pensamos que estão ao alcance de qualquer um, e eu apenas me limito a dar uma mãozinha a essas crianças, de maneira a tornar esses sonhos possíveis e reais!

Um tom claramente entusiástico arrastou-se na sua voz ao pôr-me a par daquele seu projecto, e um novo brilho no olhar tornou-se inconfundível para mim. Sabia que tal como eu, Ruben adorava crianças, e dar o seu nome e contribuir para causa tão nobre como era aquela, deixaram os meus lábios a sorrir e encheram o meu peito de orgulho, pelo coração e generosidade enorme, do homem maravilhoso que tinha novamente do meu lado e que voltara a chamar de meu.

- Tenho muito orgulho em ti, sabias? – rodei o meu corpo entre os seus braços e coloquei-me ligeiramente sobre si, de maneira a voltar a perscrutar-lhe o rosto pigmentado por uma charmosidade e encantadorismo que continuavam a fazer-me suspirar

- Tens? – os seus lábios reproduziram um sorriso lindo, que eu poderia gabar-me de ser dedicado unica e exclusivamente a mim

- Tenho… Tenho mesmo! – respondi-lhe sinceramente, reconhecendo todos os valores e o bom carácter que desde cedo ele aprendera a formar na sua personalidade já totalmente formada

A força que eu já lhe conhecia dos seus braços, forçaram os nossos corpos a ficaram mais juntinhos, num aperto que nos aconchegou – És minha!

- Hum… Só tua?

- Só minha, só minha! – nem a mais vaga incerteza predominou no intervalo das suas palavras e se ainda restava em mim alguma dúvida de que o meu coração estava sujeito à falta de um porto de abrigo, naquele instante todas elas se dissiparam, pois tive a certeza absoluta de que era Ruben quem o guardava no berço das suas mãos, disposto a cuidar dele como cuidava da própria vida – E então… - a pontinha do seu nariz arrastou-se no meu, e um sorriso travesso foi desenhado pela lacuna dos seus lábios, que me expressaram uma única vontade – …onde é que nós íamos mesmo?

Ri-me da sua interjeição e fui apanhada de surpresa quando os seus dentes se cravaram ternamente nas minhas clavículas, que ele mordeu e beijou logo após. Rendidos a uma nova troca de mimos e contemplados pela água morna do nosso banho, voltámos a fazer amor. Fizemos amor com a maior calma do mundo, sem nos preocuparmos minimamente em nos apressarmos para os compromissos que tínhamos agendados e aos quais não poderíamos faltar, e preocupámo-nos apenas e somente em nós, em nós e no nosso amor que conseguíamos sentir a ser fortalecido, a cada minuto que passávamos juntos.
E era apenas isso que nós queríamos e precisávamos acima de tudo: amar e sermos amados, sem interrupções nem limites.



***



- Parece que é agora, não é? Chegou a altura de nos despedirmos…

Depois de tentarmos aproveitar ao máximo o pouco tempo que nos restava, o Ruben fez questão de me acompanhar até à porta, na antecipação de uma separação que nós rezávamos para que fosse tão breve quanto possível.

- O quê? Não, não, não, isto não é nenhuma despedida! Isto é só um… Até já! – um sorriso meigo aprimorou-lhe os lábios carnudos, tentando afugentar a mágoa de uma despedida – porque aquilo era, de facto, uma despedida – mas conseguia sentir ele estar tão apreensivo perante a situação quanto eu – Vai ser difícil ir ter contigo no avião se não mesmo impossível, e se não nos virmos mais entretanto, encontramo-nos em Lisboa!

- Sim… - concordei com um sorriso inexpressivo, pois sabia que vermo-nos no aeroporto ou mesmo no avião seria praticamente impossível, e aquando chegados a Lisboa, Ruben seguiria para um lado ainda ao serviço da equipa, e eu teria que seguir para outro… e com tudo isto surgia a minha derradeira incerteza de quando voltaria a vê-lo

- Não vou conseguir evitar as saudades… Vou contar todos os minutos para voltarmos a estar juntos!

- Vai passar num instantinho, amor, vais ver! – a minha intenção foi sempre a de tranquilizá-lo, mas se por um lado os seus desassossegos se dissipavam, os meus eram alimentados por um presságio que podia adivinhar vir a ser tudo menos bom, mas optei secretamente por não lhe dizer nada, não iria preocupá-lo com os meus pressentimentos infundados – Amo-te muito!

- Muito? – as suas mãos quentes acolheram o meu rosto e os seus olhos fixaram os meus como dois imensos faróis

- Muito, muito, muito!

- Eu amo-te mais!

- Oh, não comeces! – forcei uma leve gargalhada para evitar ceder à catapulta de um breve choramingar, que já ameaçava emergir à linha de água das meus olhos

Ele aproximou-se para me beijar e eu deixei que o fizesse quando os meus braços lhe rodearam o pescoço. Beijámo-nos então, mas ao contrário do que queríamos e esperávamos anteceder, aquele não foi um beijo transbordante de uma paixão extrema, como já nos havíamos habituado a partilhar… Era sim um beijo demorado, triste entre lábios, que quase podiam adivinhar a separação inconstante que não lhes dava a certeza de se voltarem a encontrar tão cedo. Agarrei-me a ele com força e apertei-o fortemente contra mim, desejando nunca mais voltar a largá-lo. Abraçando-me com igual intensidade, senti os meus pulmões diluírem o ar que os alimentava quando a cabeça dele se enterrou na dobra do meu ombro, e o meu pescoço foi polvilhado de beijinhos molengões que me deixaram mais desconcertada do que reconfortada pela sensação de carinho.
Voltei a procurar-lhe o rosto para lhe beijar novamente os lábios e acabei por fazê-lo muito calmamente, saboreando cada segundo, absorvendo tudo aquilo que havia para ser vivido.

- Eu encontro-te… - foram as últimas palavras que ele me pronunciou num sussurro deambulado ao meu ouvido, já no meu trespassar pela ombreira da porta, uma promessa que certamente tão cedo eu não iria esquecer



***



Sabia pelo meu irmão que o meu pai tinha regressado à cidade, mas ele não me voltara a procurar e como tal, eu fizera de tudo para não nos cruzarmos naqueles últimos dias. Mais tarde voltei a debuxar o caminho que já conhecia de cor, de regresso à suíte que naquela semana me pertencera... Queria fazer os últimos ajustes nas malas antes de mandá-las descer para a recepção, de maneira a conseguir despachar-me atempadamente, pois faltavam aproximadamente três horas para o meu voo e se queria chegar ao aeroporto sem pressas nem correrias, sabia que ainda teria de fugir ao trânsito das avenidas principais.
Foi quando cruzava à minha esquerda para alcançar a porta do meu quarto, que me vi obrigada a deter no meio do corredor, pelos queixumes prenhados num tom doloroso que não me foram de todo indiferentes.
Rodei sobre os meus calcanhares e observei, junto à porta de um outro quatro, uma pobre mulher grávida que abraçada à sua barriga, se contraía em dores que chegaram até a afligir-me. Num impulso solidário, deixei tudo para trás e corri levemente até ela, disposta a auxiliá-la tanto o quanto pudesse precisar.       

- I’m sorry, are you feeling well? – inquiri logo que cheguei junto dela, e agora mais de perto, pude confirmar  a mim  mesma a enorme barriga que lhe aformoseava o corpo de mulher, e anunciava claramente o final prestes da sua gravidez – Do you need something?

- No, no, thank you, I’m fine… It’s just… - uma nova contracção impediu-a de terminar o discurso, e no mesmo instante senti a sua mão agarrar a minha e apertá-la ligeiramente

- Are you sure? Maybe we should call someone… - pelo seu estado cada vez mais debilitado, sentia que ela estava a precisar de cuidados, e pela minha pouquíssima experiência naquele campo, não tinha os recursos necessários para além dos básicos, para poder ajudá-la sozinha

- No, it’s not necessary… I just need to lie down in the bed and rest awhile!

- Okay, but then I’ll walk you to your room… – era o mínimo que eu poderia fazer para a ajudar, não era muito mas assim podia certificar-me também que ela ficaria bem, e antes que recusasse a minha boa vontade, eu sobrepus-lhe a minha determinação – …I insist!

Desta feita e para meu maior alívio, ela não me contradisse e consentiu o meio apoio com um breve vergar da cabeça, agradecendo-me somente com um sorriso honesto. Pelos traços leves do seu rosto, pela brandura e jovialidade que lhe denotei num simples relance, apercebi-me de que não deveria ser muito mais velha do que eu, talvez por somente uns quatro ou cinco anos, e inesperadamente esse facto ajudou a que uma cumplicidade espontânea fruísse e crescesse entre nós.
Contornando-lhe os ombros com o braço enquanto se apoiava também na minha mão, caminhámos calmamente até ao seu quarto que felizmente não ficava afastado da zona onde a tinha encontrado. Entrámos e ajudei-a a sentar-se na cama, aconchegando-a com almofadas que acomodaram as suas costas, provavelmente doridas pelo esforço cada vez mais intensivo dos últimos meses da gestação.

- Thank you for your care! – agradeceu-me num meio tom de voz meigo, enquanto eu me esforçava por consegui-la acomodar na posição mais confortável possível – Can you tell me your name?

- Joana… I’m Joana! – respondi educadamente e com um sorriso, vendo que as contrações tinham dado algumas tréguas e abandonado o seu corpo naqueles instantes

- Thank you so much for you concern and help, Joana, and my apologizes if I took much of your time.

- No, it’s okay, I wanted to make sure that you would be alright.

- Yeah, there were only a few contractions, it’s quite normal for this time of pregnancy… I’m alright now! – as suas mãos acariciaram o seu ventre totalmente formado e um olhar terno foi compartilhado comigo – I’m Olivia, by the way! – apresentou-se enfim, com um sorriso simpático a conotar-lhe os lábios rosados e depois o vácuo entre nós foi ocupado pelo silêncio, o qual eu não evitei preencher ao contemplar-lhe embevecida, a barriguinha perfeita que protegia uma nova vida prestes a nascer

- So, Olivia, I have to go now, do you need anything else?

- No, you can go. Thanks again!

- I hope everything goes well with the baby, and wish you the best! – desejei sentidamente, na certeza de que em breve se iria deliciar com os prazeres da maternidade… muito mais cedo até, do que eu e mesmo ela, esperávamos

Consciente de que aquela era a primeira e muito provavelmente seria a última vez que a veria, despedi-me na simplicidade de um curto aceno e caminhei por fim até à porta do seu quarto e preparei-me para sair, mas um grito impetras que ecoou em todas as paredes, bloqueou-me toda a capacidade de movimento e exigiu que eu ficasse por mais um tempo.
Voltei a percorrer a pequena sala que antecedia ao quarto, desta vez atravessando-a em passadas amplas e mais rápidas, e juntei-me novamente a ela, que uma vez mais se contorcia em dores fatigantes.

- Olivia, what happened?

- Contractions… Contractions came back and are stronger… – anunciou, fazendo um esforço desumano para conseguir falar, e diante de mim vi-a fechar os olhos com força e morder o lábio inferior, num intento vão de serenar as cólicas cada vez mais fortes e constantes

- It’s better to call someone! – enunciei totalmente disposta a pedir ajuda, e precipitei-me rapidamente até ao telefone que preenchia a mesinha de cabeceira ao lado da cama

- Oh my god…

- What? – com o auscultador junto ao ouvido para marcar o número, olhei-a num só relancear, ao escutar o seu declamo intemperado de aflição pelo pronuncio de (boas) novas

- My waters… My waters are breaking! – uma lividez de pânico demarcou-lhe o rosto canonicamente preocupado, pelo que deveria fazer a seguir

Aproximei-me e olhei o fluxo incolor que se defluía entre as pernas desnudadas pelo vestido que ela usava, e se propagava sobre a colcha da cama… Era o sinal claro de que o bebé estava pronto para nascer. Sabia que não havia motivos para alarme, e por muito nervosa que eu estivesse por me ver confrontada com uma situação nova e totalmente inesperada na minha vida, tentei tranquilizar Oliva ao máximo. Preparei rapidamente umas toalhas que recolhi na casa de banho e ajudei-a a colocá-las de modo a embeberem o fluido precipitado das águas, e só depois liguei ao serviço de urgências.

- 911 emergency? – ouvi uma voz feminina e educada do outro lado da linha, pronta a ouvir o meu pedido de socorrismo e imediatamente um suspiro de alívio abandonou a minha alma

Expliquei-lhe calmamente a situação, e como resposta recebi algumas indicações do que deveria fazer, incluindo a de tentar serenar as emoções e a ansiedade da futura mamã, que eu poderia testemunhar estarem à flor da pele. Disse-me que viria uma ambulância ao hotel, e depois de lhe indicar o número do quarto onde nos encontrávamos, a chamada foi desligada assim que me prometeu que a chegada de assistência médica iria ser tão breve quanto possível. 

- I didn’t expect that my baby could born on this days, there’s still missing a few weeks to make the time! – sentei-me ao lado dela e uni as nossas mãos, na intenção precativa de lhe conseguir transmitir toda a força e fazê-la acalmar perante a certeza de que não estava sozinha

- Try to relax, okay? Everything will be fine, I’m here with you! – promulguei entre palavras de bonança e depois, tal como me indicaram ao telefone, comecei a cronometrar-lhe as contracções, que a apesar de já não serem tão fortes, tornaram-se mais constantes e consequentemente reguladas

- Can you please call my husband? My cell phone is there… inside my bag!

- What’s his name? – perguntei-lhe aquando detive o iphone nas minhas mãos

- Search for John Levesque…  

Procurei o nome dele na lista de contactos e fiz a ligação assim que o encontrei. Ouvi chamar vezes indetermináveis do outro lado, mas as duas chamadas que fiz acabaram por ir parar ao voice-mail, e desta maneira a possibilidade de contacto foi-me negada.

- There’s no answer, Olivia… He doesn’t pick up the phone! – comuniquei, premindo o botão para que nenhuma mensagem voz fosse enviada ao receptor da chamada 

- It’s normal… He should still be in the press at the meeting, that’s why we came here! – um sorriso triste foi directamente transmitido aos meus olhos, pela ausência do marido numa ocasião tão importante como aquela, que tal como ela me disse, deveria ainda estar numa reunião de negócios… daí não poder atender qualquer chamada

Sensivelmente vinte minutos depois já estavam dois paramédicos a bater-nos à porta do quarto. Mandei-os entrar e guiei-os até à cama, onde Olivia permanecia envolta em contracções que voltavam – agora não de cinco em cinco, como há instantes, mas sim – de três em três minutos, e toalhas cada vez mais ensopadas pelas águas que até então ainda corriam. Eu limitei-me a pegar no malote e uma pequena mochila com as coisinhas do bebé, para levar para o hospital, as quais o casal tinha trazido para prevenção.
Prepararam a Olivia numa cadeira de rodas e foi no elevador que nos deslocámos até ao rés-do-chão. Segui-os até à ambulância onde permaneciam à nossa espera mais dois bombeiros, que seguiam à frente no veículo, e aí transferiram-na para uma maca e sempre cuidadosos em cada movimento, colocaram-na dentro da viatura.

- Please, come with me… I feel I’ll need you on my side… - se a mais breve intensão em deixá-la me ocorreu ao pensamento debilitado, rapidamente essa hipótese foi descarda ao ouvir o seu pedido suplicante… não podia nem iria deixá-la sozinha agora, não depois de tudo, e foi com essa certeza iminente que também subi para a ambulância e me sentei ao seu lado, vendo-a ser assistida

O hospital mais próximo ficava entre vinte a trinta minutos de distância do hotel, e com uma dilatação progressiva de Olivia bem como as contrações firmemente constantes e reguladas num intervalo de tempo cada vez menor, a probabilidade de entrar em trabalho de parto ali mesmo, era posta em causa a cada minuto ardido pelos contadores do relógio. 
Dentro da mala dela, que também eu tinha trazido, o seu telemóvel tocou, despertando sinais de uma pessoa muito esperada.

- John? – inquiri logo que atendi a chamada, certificando a mim mesma que falava com o próprio

- Babe? – uma voz masculina surgiu no segundo seguinte aos meus tímpanos, e a maneira como falou, deu-me as garantias precisas de estar em contacto com o marido de Olivia

- No, it isn’t Olivia, I’m Joana and I am with your wife! – esclareci, preparando-me para lhe dar então a notícia, evitando que ele me começasse a bombardear com perguntas ao primeiro instante – Listen, John, I’m with your wife in the ambulance and we are going to the hospital, Saint Francis Hospital, she’ll have the baby!

- Wh… What? Our baby will be born? But… Today? I mean, now… Right now?

- Yes, but you must to be calm… Everything will be okay! – tranquilizei-o também a ele, pois era-me claramente perceptível apenas pelo telefone, o seu nervosismo e ansiedade pelo nascimento daquele que seria provavelmente o seu primeiro rebento

- How she is? – aquela pergunta fez-me olhar instintivamente para Olivia, e pelas feições catapultadas sob véus de dor, desvendei-lhe o enorme sacrifício em não transmutar os gemidos em gritos libertadores     

- She’s fine… with many contractions, but fine, she’s strong!

- Okay, I go to the hospital right now… Thank you! – sem me dar a oportunidade de dizer o que quer que fosse, ele mesmo desligou a chamada, denunciada pelo sinal intermitente a que a linha se cingiu

As minhas atenções voltaram então a recair novamente sob Olivia, onde vi limparem a sua testa e rosto com toalhas, que lhe iam secando cada gotícula de suor que lhe transpunha a pele. Mantive-me ao seu lado acariciando-lhe o cabelo, pedi-lhe que tivesse calma e que continuasse a ser forte, numa promessa de que tudo iria correr bem.
A minha surpresa deu-se quando ouvi os paramédicos conversarem entre si, e recorrendo ao dever de fazerem uma segunda observação, afirmaram que não haveria tempo suficiente de chegarmos ao hospital antes do parto… O bebé teria que nascer ali. A ambulância teria obrigatoriamente de interromper o seu percurso e felizmente, como não seguíamos pela autoestrada, não tivemos grandes dificuldades em conseguir estacionar.
Apercebi-me que Olivia estava assustada, naturalmente mais do que eu, mas esforcei-me para lhe transmitir todo o apoio que ela precisasse.

- It’s okay… I’m here! – assegurei-a, num afogo de encorajamento que eu esperei ela conseguir sentir como uma força de alento inquebrável

Vi os paramédicos que seguiam na parte da frente do veículo juntarem-se a nós e aprontarem os materiais trazidos em kits, especialmente preparados para uma eventual ocorrência de parto.
Prepararam Olivia com todos cuidados necessários como se estivesse numa sala de parto, e os instantes seguintes, decerto, eu nunca os iria esquecer por muitos anos que passassem.
Num recurso de apoio ela segurou a minha mão com força e foi apertando-a quando as suas energias a obrigavam a erguer escassamente o tronco, para assim fazer força e empurrar o bebé. Fiz todas as respirações com ela, gritei juntamente com ela e sofri com ela, como se também eu estivesse no seu lugar. Depois, ao fim de alguns minutos que deixaram os nossos corações a bater mais rápido, como se tivéssemos sido abençoados pelo maior milagre, o silêncio tenebroso que se tinha instalado entre nós fora por fim rasgado por um choro berrante e igualmente libertador de um bebé-recém nascido.
Os meus olhos encheram-se de lágrimas ao ver o cordão umbilical ser cortado, e o bebé ser cuidadosamente limpo pelas mãos que o pegavam… Olivia voltou a tombar sobre a maca, exausta por todo o esforço que fizera, mas com um sorriso de extrema felicidade que lhe preencheu o rosto, agora relaxo. Sem eu estar à espera, a paramédica que estava junto a mim, colocou a criança no colo apaziguo dos meus braços, e ao olhar aquele ser perfeitinho, e devido à emoção que estava no auge, não consegui controlar as lágrimas, que cederam e rolaram em linha pelos já desenhados caminhos do meu rosto. Ela era uma bebé rechonchudinha e chorona, perfeitamente saudável.

- Hey, sweety… - os meus dedos roliços alcançaram delicadamente a pele do seu rosto, puristicamente intocável e sã, e os seus olhos grandes e escurinhos abriram-se num único pestanejar, abrindo as janelas para um novo mundo ao qual ela já pertencia 

Partilhando da ansiedade que Olivia sentia por abraçar finalmente a filha por quem tanto esperara, entreguei-lha em seus braços, inegavelmente prontos para receberem com toda a esperança, amor e carinho que tinha para lhe oferecer… O miminho mais lindo do coração de mãe, que havia nascido.




***



- Ah… John? – surgi nas costas de um homem que vi chegar apressado junto à recepção e pedir informações, e sem ainda ter certezas a quem me dirigia, arrisquei no meu palpite

Tínhamos chegado à maternidade juntamente com a equipa médica que tinha sido chamada ao local, assistindo também a mãe e filha, para que não houvesse quaisquer complicações após o parto.
Eu permaneci na sala de espera, praticamente vazia, quando elas foram levadas para continuarem a ser assistidas, e sentada numa das cadeiras, aguardei pela advento de novas notícias, mas a chegada súbita de um outro alguém fez-me erguer imediatamente. Apanhei-o desprevenido ao intersectá-lo pelas costas, e ouvindo a minha invocação, ele rodou o corpo no sentido do meu, e aí fiquei certa de que era ele quem eu procurava.
John era um homem jovem extremamente bem-parecido, alto, e trajava um fato que o nomeava como sendo um típico homem de negócios.

- I spoke with you at the phone… - voltei a falar, na esperança que ele me reconhecesse

- Oh, yeah… You are, ah… Joana, right?

- Yes, it’s me! I was with your wife at the hotel when she started having contractions…

- I’m sorry, I thought that you were a medical or something like that… But tell me, how is my wife? Is everything okay with her and the baby?

- Yes, don’t worry, everything is great. – afirmei passivamente, testemunha de que o momento mais doloroso tinha já passado, e que agora somente eram esperadas alegrias e novos momentos em família mais felizes e preenchidos – Olivia is fine, and congratulations… You have a beautiful baby girl!

Ao ouvir a notícia que eu mesma lhe tinha dado em primeira mão, um sorriso delirantemente belo fez o encaixe derradeiro à tona dos seus lábios.
Num impulso totalmente inesperado aos meus sentidos, ele abraçou-me fortemente, reconfortado com a emoção do momento e certamente grato não só pela boa-nova que eu lhe tinha transmitido, como também pela ajuda que eu havia prestado. Sorri no meio daquela situação, era impossível não o ter feito, e acabei mesmo por corresponder àquele abraço, quase conseguindo tocar a felicidade imensa que ele sentia.

- I leave you my contact, so that you can give me news about Olivia and the baby… - disse, passando-lhe para a mão um pequeno papel onde há segundos atrás havia rabiscado o meu e-mail, pois continuava sem telemóvel – I liked to stay, but I have to go… I still have a plane to catch, so…

- It’s okay, you can go… I promise that we send you news! – despedimo-nos com um simples olhar retrocado e um sorriso cúmplice, mas quando já ia atravessar as portas de acesso à saída, a sua voz fez-me olhá-lo de novo – Joana… Thank you! – foram as últimas palavras que eu ouvi da sua boca, antes de seguir o meu caminho

Saí disparada da maternidade e apanhei um táxi na praça. O tempo estava a apertar e fui direita ao hotel para fazer o check-out e assegurar-me do despacho das minhas malas para o aeroporto, como eu havia solicitado aquando estava ainda na maternidade. Pela informação que me apressei a recolher na recepção, foi a de que, tal como eu já contava, a comitiva encarnada tinha abandonado o hotel há pouco mais de duas horas, o que só me deixou ainda mais ansiosa por conseguir também sair o quanto antes. Como tal não tive tempo de tomar um duche nem trocar de roupa e no mesmo táxi que me esperava, segui então para o aeroporto, rezando para que novas adversidades não me interceptassem o caminho.

- Excuse-me, Sr., but can you go faster? – perguntei educadamente ao taxista, alarmada pelas horas apertadas que me denunciou o meu relógio de pulso, sabendo que ainda teria de atravessar praticamente toda a cidade, e o trânsito concentrado nos viadutos dificultava em muito essa tarefa

- I can’t go any faster than I’m already go, Miss… All accesses are prevent by traffic! – com um olhar de lamentação por nada poder fazer, ele enxergou-me pelo retrovisor vendo-me tombar o corpo pesadamente no banco detrás, tentando conformar-me com a sina que me fora destinada

Quando cheguei ao aeroporto, com as minhas sabrinas a soquearem a tijoleira, antecipei-me ao balcão de atendimento para confirmar o embarque das minhas bagagens, tentando a custo esgueirar-me por entre a multidão de pessoas que viandava de um lado para o outro entre partidas e chegadas. Por entre tantas correrias e contratempos, pude dar graças a Deus por ter feito o check-in online do meu voo, no dia anterior.

- Oh, sorry, but this plane is no longer on track… - informou-me a funcionária de atendimento, depois de olhar os meus documentos e a passagem

- I’m sorry… What? – inquiri com um sorriso tolo nos lábios, esperando ter ouvido um mero engano

- The plane to Lisbon has already taken off… Five minutes ago! – o seu indicador ergueu-se no ar formando uma linha recta, e o meu olhar acompanhou-o, estacando apenas no painel de partidas que afirmava a descolagem bastante precoce para mim, do avião o qual eu deveria ter embarcado

- Eu não acredito… Que merda de sorte! – reprovei num sussurro por um sopro de desesperança que abandonou a minha alma, aquando de um bafejo de maré de azar precipitada se atracou em mim naquele instante – And there’s nothing that can be done?

- If you want I can do the markup of your passage to the next flight…  

- Yes, yes… That would be great! What time? – perquiri, chegando até a ter esperança de que ainda havia solução, mas no momento seguinte nem uma mera réstia sobrou

- Let me see here… Lisbon, Lisbon… - murmurejou, dando uma vista de olhos pela lista de registos do seu computador – Here is! The next flight is tomorrow at the end of the night.

- Tomorrow night? No, it can’t be, I can’t… I can’t wait that long… - afirmei, tomando em mim a certeza de não poder contactar Ruben durante um período de tempo tão grande, e consequentemente não poder deixá-lo a par da minha retenção por mais um longo e demorado par de horas em São Francisco – There isn’t another flight to Lisbon earlier?

- No, this is the only one on there. I’m so sorry, but this is all I can do for you…

- Okay, thank you anyway! – voltei a pegar nos meus documentos, guardei-os na mala  e caminhei, ainda sem saber ao certo o que fazer e para onde ir

- Joana…! – pude ouvir ao longe, como uma reprodução de voz demarcada como fundo, e por me ter fiado em supostas alucinações que poderiam estar a enfatizar-me, optei por  agitar  a cabeça e ignorar

E era isto. Tinha perdido o voo. De tudo o que de pior me poderia acontecer, tinha logo que ter perdido o voo, e ainda para mais por um atraso ínfimo que só me deixou mais revoltosa comigo mesma.
Confesso, tinha algum receio da retrospectiva de Ruben quando se apercebesse que eu não tinha viajo com ele no mesmo avião, e não tanto pelas razões que ele pudesse pensar que me levaram a ficar por mais um tempo em São Francisco, mas decerto pela preocupação que eu sabia ele vir a sentir a partir do momento em que não me encontrar Lisboa depois do “nosso” regresso. Queria falar com ele, precisa fazê-lo, mas não tinha como… Não trocáramos de número porque até então não fora uma necessidade para nós, pois conseguíramos sempre arranjar forma de nos encontrarmos, e mesmo que tivéssemos trocado, agora não me serviria de muito pois continuava ausente de um novo telemóvel. Dos nossos amigos mais íntimos, tinha o de David e de Adriana, mas não os sabia de cor para também contactá-los, e então um sufoco pela minha impotência em fazer algo, apertou-me o peito de uma maneira impiedosa, suficientemente angustiante para suprir os batimentos desacertados do meu coração.

- Joana! – de novo aquela voz grave, inegavelmente de homem, surgiu nas minhas costas e senti-a cada vez mais perto a cada segundo findado… rodei sem pressas e sob a minha retaguarda vi o meu agente, Pedro, que numa correria desenfreada fez um esforço descomunal para conseguir chegar até a mim sem embater acidentalmente em ninguém – Joana…

Logo assim que me alcançou não me deu tempo para lhe dizer o que fosse, e abraçou-me rapidamente, contente por me encontrar depois de toda àquela pressa em que se esforçou por chegar até à minha beira, e deixando-me sem uma reacção decentemente correcta para retribuir aquele abraço, que se mostrou curto mas incrivelmente robusto.

- Pedro? O que é que estás aqui a fazer? – inquiri mal tive oportunidade de fazê-lo, naturalmente intrigada em tê-lo ali

- Se não te importas gostava de começar eu a fazer as perguntas… - aguardava por lhe descobrir o seu sorriso habitualmente jovial nos lábios, mas a preocupação denunciada pelos seus olhos castanhos foi clara para mim – Por onde tens andado, miúda? Tenho tentado falar contigo nestes últimos dias e tu nada, mando-te montes de mensagens, farto-me de te telefonar e nada, não me tens dito absolutamente nada… O que se passa?

- Desculpa, desculpa! – perdoei-me rapidamente, consciente de que ele iria compreender os meus motivos logo que esclarecidos – Tenho estado desligada da internet e há coisa de uns dias perdi o meu telemóvel, não tinha maneira de conseguir falar contigo, desculpa…

- Deixaste-me preocupado, pensava que te tinha acontecido alguma coisa…

- Não, está tudo bem, foi só mesmo isso! – um sorriso alentado abriu caminho entre os meus lábios somente por dois segundos, e pude senti-lo tranquilizar coma  minha resposta – Mas diz-me, o que estás aqui a fazer? Quiseste confirmar com os teus próprios olhos se estava realmente tudo bem comigo, foi? – soltei uma breve gargalhada, e ele acompanhou-me, embora que de  uma forma mais ligeira

- Também mas não só… Com não consegui entrar em contacto contigo para te pôr a par dos assuntos, não tive outra alternativa senão a de apanhar o primeiro avião para aqui pra te vir buscar! 

- Para me vires buscar? Que conversa é essa? – o meu sobrolho crispou-se num só movimento e uma nova dúvida impetras colocou-se no meio de nós

- Lembraste de há tempos termos respondido ao anúncio da nova campanha da Dolce? Chegaste inclusive a fazer o casting, os testes de imagem…

- Sim, claro que me lembro… Nessa altura ainda estava em Nova Iorque! – concordei, relembrando sucintamente a “normalidade” de vida que levava em ordem dos meus estudos e carreira profissional, quando ainda não tinha trilhado entre caminhos passados deixados em Portugal – Ficámos à espera de uma resposta mas a concorrência era bastante forte, então…

- Pois, exactamente, e eu cheguei a pensar o mesmo, até receber um certo telefonema…

- Que telefonema?

- Parece que tu foste bastante mais forte que a concorrência e foste escolhida para seres a imagem de marca da nova publicidade do perfume! – referiu com um entusiasmo total a espicaçar-lhe a voz e eu permaneci anatómica àquela inesperada, porém maravilhosa notícia – A agência contactou-me e eles querem-te a ti, Joana… A ti!

- A Dolce Gabbana quer-me a mim? A mim?! Meu Deus, eu nem sei… Eu nem sei o que dizer! Não estava nada à espera… - as minhas mãos cobriram a minha boca que formaram um “o” perfeito, assim como o meu rosto que se contraiu numa expressão de absoluta admiração e alegria – Isso é fantástico!

- É, é fantástico, e é por isso que temos de ir já para Punta Cana… Eles querem começar a gravar o anúncio o quanto antes!

- O quê, mas agora, Pedro? Temos que viajar para Punta Cana, agora? – tão rapidamente como o forte entusiasmo me assaltou, da mesma maneira ele se apressou a desvanecer, pelos motivos óbvios e que entre nós dois, só eu sabia

- Sim, mas porquê? Há algum problema? De qualquer das maneiras ias voltar para Portugal, agora… É por isso que estás aqui, não é?

- Sim, é, mas… - o meu olhar vergou-se perante as circunstâncias e a minha voz esmoreceu drasticamente, impedindo-me de continuar a discursar

- Então anda, quero contar-te os pormenores… - ele puxou-me pela mão e numa fila corrida de cadeiras, ele forçou-me a sentar numa, para puder assim colocar-me a par de tudo

Conversámos sobre aquele novo projecto durante alguns minutos, ele falou-me das indicações que a agência lhe tinha transmitido para a publicidade a qual eu iria protagonizar, juntamente com outro modelo, que da mesma forma havia sido seleccionado em prol das características precisas e exigentes de quem comandava a campanha. Eu limitei-me a ouvi-lo atentamente, e senti, apesar de estar envolta num extremo orgulho e alegria pelo meu reconhecimento e evolução profissional, que Pedro à notado o meu esforço por lhe esconder a apreensão que também me dominava.

- Então se perdeste o avião e o próximo é só amanhã ao final da noite, não ias voltar a Portugal tão cedo! Não percebo porque razão estás assim por termos agora que viajar em trabalho… Pensava que era isto que querias…

- E é, é o que eu quero, mas aconteceu muita coisa por aqui nesta semana, e hoje era suposto eu regressar a Lisboa, mas não sozinha!

- Se me quiseres explicar o que aconteceu nesta semana e com quem era suposto regressares a Lisboa, para além de te ficar agradecido, eu seria todo ouvidos…

Por aquela sua insistência eu não vi outro ponto de fuga se não aquele de lhe contar tudo o que acontecera naquela semana, e referenciar os contratempos e coincidências que boicotaram aquele meu dia, alterando o seu roteiro drasticamente. Não era minha intenção falar-lhe para já do recomeço da minha relação com Ruben, pois era um assunto demasiado importante que eu queria partilhar tranquilamente com as pessoas que me eram mais próximas, mas apesar de aquele momento para mim ser tudo menos tranquilo em emoções, vi-me forçada a fazê-lo.

- Ouve, Joana, não precisas de ficar assim, tu conheces o Ruben tão bem ou até melhor do que eu, e garanto-te que ele vai compreender a tua posição quando lhe explicares o porquê de não teres conseguido ir com ele, e o que te levou a adiar o regresso só por mais uns dias… - certificou-me, seguro em cada palavra que proferia

- Sim, eu sei que o Ruben vai compreender, e não é isso que está aqui em causa… Mas sim quando e como lhe vou dizer, não te esqueças que não tenho forma de o contactar!

- Eu tenho o número dele, não te preocupes! De qualquer das maneiras as gravações vão durar apenas dois dias, depois quando voltarmos podes explicar-lhe tudo com mais calma e à vontade! – com a delicadeza que eu já ele conhecia, ele afastou dos meus olhos e segurou atrás da minha orelha, a pequena mecha dos meus cabelos amarrados pelos óculos de sol que tinha no topo da cabeça – Bem, mas então é melhor eu ir fazer o check-in que já não tarda muito para o voo, e as filas de atendimento estão enormes…

Levantando-se, segurando na mão as nossas passagens que já tinha reservado, um sorriso sereno preencheu-lhe os lábios na totalidade ao olhar-me, mas eu não me senti capaz de retribuir, não de igual forma. Vi-o afastar-se e depois tornou-se confundível aos meus olhos quando se encruzilhou entre as muitas pessoas que preenchiam com vida e agitação aquele aeroporto.
Vencida pela exaustão daquele dia que ainda não tinha terminado, deixei a minha cabeça tombar entre as mãos e os meus cotovelos apoiarem-se sob as coxas das minhas pernas, tentando, numa tentativa totalmente vã, encontrar uma melhor posição que amenizasse o forte pesar do meu coração, o aperto do meu peito e um mau pressentimento que não me deixava respirar. 
Ali estava eu, a poucas horas de embarcar no avião com destino às ilhas paradisíacas da República Dominicana, em vez de embarcar em direcção ao meu próprio destino… Naquele momento uma vaga imagem atravessou os meus pensamentos, e a voz de Ruben imperou na minha memória ao recordar o que ele me dissera naquela tarde nas garagens do Colombo: “Um dia a nossa história começou para nunca mais acabar!” Mas… E se não fosse assim?   




Minhas queridas leitoras, ofereço-vos um capítulo novinho, espero
 que gostem e não se esqueçam de deixar os vossos comentários.
 Aproveito para dizer que a história vai entrar numa nova fase,
que espero que venha a ser do vosso agrado! :)
Desejo-vos um óptimo fim-de-semana...
Beijinhos a todas,
Joana 


10 comentários:

  1. A vida destes dois é feita de encontros e de desencontros, mas parece que os desencontros estão em vantagem. Então logo agora que tava tudo tão bem ela tinha que se armar em parteira? e tinha que perder o avião? e ainda por cima vai para Punta Cana? e para ajudar perdeu o telemóvel e não tem os numeros de ninguem? como dizia o outro "não havia necessidade".
    Tou mesmo a ver que isto vai acabar mal.
    Adorei como sempre, é alicinate a maneira como escreves e descreves tudo. Eu quero muito que eles se entendam, não podem ser uns meros contratempos que os vão separar, porque o amor deles é grande o suficiente para ultrapassar qualquer problema, mas acho que o Ruben não vai ficar muito contente.
    Continua, tou curiosa com o desenrolar da história.

    Beijos

    Fernanda

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  2. Fantastico adorei adorei adorei.continua.bjs

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  3. humm o que será que vai acontecer...:s
    está perfeito como sempre! é muito bom chegar aqui e ver que há um capitulo novo *.*
    continua... e até breve

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  4. Minha linda desculpa a demora mas estes dias foram agitados :s no entanto aqui estou para reclamar contigo isto não se faz... e tu melhor que ninguém sabes ao que me refiro :P

    Lá vou eu desesperar para ler o próximo... ou melhor os próximos...

    Fico à espera :P

    Beijocas

    Mari

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  5. Adorei!!!!!!
    Bjokinhas
    Mariaa

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  6. Ai, eu vou chorar, posso? ahaha Esse gif, e essa música, que por sinal é linda, já diziam que não ia terminar lá muito bem... E sim, estou com uma vontade enorme de chorar, com um pressentimento também, nada bom. Mas o que dizer não é? Perfeito, cada detalhezinho, como sempre!!! Confesso que estou com medo do que possa vim, mas... curiosa. Então que venha, porque que vai estar igualmente maravilhoso, já sabemos!!! *-* Beijinhos.

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  7. Olá... desculpa está a incomodar, desculpa mesmo. Mas é que tentei acessar o seu outro blogger e não consegui. O que aconteceu? :(

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  8. Olá!
    Em primeiro lugar quero dizer-te que não estás a incomodar nada, como é óbvio, e respondendo à tua pergunta em relação ao outro blogue, este está privado. Há mais de um ano que não acrescento capítulos novos e durante esse tempo mantive-o aberto... Agora como a história ficou suspensa e como não tenho certezas em dar-lhe continuação, achei por bem privar o blogue visto que este por enquanto não vai ter qualquer uso. Caso algum dia volte a ter as condições necessárias para abri-lo a todos os leitores, deixarei um aviso.
    De qualquer das maneiras peço desculpa pelo incómodo que possa causar mas não tive outra opção... Se já é difícil tentar manter este blogue razoavelmente actualizado, torna-se praticamente impossível manter os dois que tenho, devido à minha falta de disponibilidade.
    Criei um carinho enorme pela história deste cantinho, tendo-a toda ela relativamente pensada e estruturada e por estas razões não irei abandoná-la. Se Deus quiser irei com ela até ao fim, pois também ganho um prazer pessoal ao escrevê-la e partilhá-la com vocês.
    Mais uma vez peço-te desculpa e se quiseres continuar a ler-me será unicamente à história deste blogue.

    Beijinhos

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    Respostas
    1. Mas é lógico que vou e quero continuar a te acompanhar, isso nem está em causa hihihi, beijinhos!

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