sábado, 5 de maio de 2012

Capítulo 7 - Novos caminhos, novas esperanças... (Parte II)





















Poucos minutos passavam das cinco horas da madrugada, quando Joana deu novamente entrada no aeroporto da capital portuguesa.
Tinha embarcado no aeroporto Internacional de São Francisco a meio da tarde, e ao fim de sensivelmente uma dúzia de horas de voo, regressara novamente a terras lusas, que ilustravam um só e único ponto de passagem: trabalho. Era somente isso que a fazia estar ali… Um compromisso aceite em cima do joelho, mas que não tinha como recusar. E percebia assim, que quanto menos pessoas soubessem da sua curta estadia, melhor, e por isso mesmo não avisara ninguém para além da sua família, acerca do programa que tinha calendarizado na sua agenda, ficando assim a permanência apenas marcada para duas noites, que queria passar, imaginando ela, sem quaisquer percalços… Não sabendo claro está, o que ainda a esperava…

- Calma, Pedro, vim só pegar a minha mala… - de telemóvel junto ao ouvido e arrastando pelas rodinhas uma mala de bagagem ligeiramente atrás de si, Joana falava com o seu agente, que já a aguardava muito antes de o avião ter dado entrada na pista

- Estou calmíssimo, não vejo é a hora de apareceres… Já aqui estou há quase uma hora à tua espera! – rematou num tom jovial, mas já um quanto impaciente, de olhar fixo ao relógio negro que trazia religiosamente no seu pulso esquerdo

- Não tive culpa que o voo se tenha atrasado, sim? – um boémio e pequeno sorriso formou-se no seu rosto, tendo já alinhado os mais de trinta minutos de atraso que se tinha sucedido, incalculavelmente no seu voo

- Eu sei, jeitosa… Eu sei! – ele consentiu passivamente, para poucos instantes após, conseguir finalmente observá-la no cruzando pela porta de desembarque – Ora seja bem-vinda de volta! – ele terminou a chamada, e de  fala trocista e de rasgo enorme em seus lábios, ergueu-se da cadeira para ir ao encontro dela

- Ora viva, agente Pedro, como está? – Joana não se conteve e acompanhou-o na brincadeira compartilhada entre dois amigos já de longa data, que sortiu uma pequena atmosfera de gargalhadas mesmo antes de o beijar no rosto e de o presentear com um curto abraço

Pedro era um homem arrevesado em atitudes e pejado de valores. Na tenra idade dos 26 anos que lhe conferiam a maturidade de um adulto, mas também a rebeldia e traquinice que se poderia assemelhar à de um miúdo de dez anos, era um amante nato de camisas que contrastavam quase sempre na sua indumentária diária, os seus cabelos curtos e escuros avolumavam-se numa pequena polpa frontal, fincados com uma pequena porção de gel fixante, que lhe adornavam os olhos colossais e incrivelmente claros, com a barba permanentemente ausente, pormenor que lhe conferia uma pele facial límpida e preenchida apenas pelo suave odor do aftershave, caldeado com o bálsamo de homem salpicado estaticamente num pescoço despido e o que lhe dava um aspecto fiável de atracção e charmosidade.
Era este o agente e o amigo em quem Joana mais confiava… o seu braço direito e muitas vezes, o seu porto de abrigo. 

- Vamos embora, então? – inquiriu-lhe, fazendo a cortesia de lhe carregar a mala até ao seu Audi negro, estacionado perto das portas de ombreira do aeroporto

- Hum, hum… Vamos! - ela assentiu positivamente e ladeados um pelo outro, seguimos para o lado de fora, onde aos poucos já se rasgava levemente nos céus, um laranja cerúleo que retratava um novo amanhecer

- E como correu esse meio-dia de viagem? – perguntou-lhe ele, já quando seguiamos pela autoestrada livre de trânsito devido às horas matutinas, e a caminho da mansão dos avós de Joana

- Um suplício! Já não estava habituada a andar de um lado para o outro num avião, e em tão pouco tempo, conseguir fazer tantas horas de voo!

- Mas então é melhor ires-te já habituando… Para o próximo mês é nisso que se vai resumir a tua vida… Avião, moda e novas passagens pelo mundo! – relembrou-a amenamente num intento precativo ao que no entanto, Joana, não abonou grande apreensão

- Agora só quero chegar a casa e descansar… Não ando a dormir nada de jeito, e tenho o horário de sono todo trocado! – perquiriu na sensatez de já não conhecer nem testemunhar as exageradas mas necessárias 12 horas de sono, que em falta já tinha acumulado

- Não dormiste nada no avião? – Pedro descolou por momentos o seu olhar remontado há já uns minutos sobre a linha finita da estrada, para conseguir olhá-la nos olhos

- Quase nada… - respondeu simplesmente, de forma monocórdica que revelava a ostentação de indiferença que deixara transparecer, e que fez com que um laivo de estranheza e preocupação, se suscitasse no seu agente

- Cá pra mim, anda alguma coisa a atormentar essa cabecinha…

- Que disparate, Pedro, ando stressada… só isso! – ela riu-se levemente de forma a libertar-se de toda a tensão que o momento pudesse vir a proporcionar, e voltou a olhá-lo – Mas já agora, diz-me lá… Que coisa é que me anda a atormentar a cabecinha, hum?

- Sei lá, podem ser tantas coisas… Mas quase que podia apostar que a causa dessa anomalia toda e dessa carinha tristonha, é o Rub… - ele travou bruscamente o seu raciocínio, e por motivos que anteriormente já lhe tinham sido explícitos, Pedro sentiu-se no dever de não continuar com aquele assunto, que mesmo tendo sido mencionado quase sem querer, foi todo ele percecionado por ela na sua íntegra

- … a causa disto tudo é o Ruben… Era isso que ias dizer, não era? Podes dizer, não tem problema…!

- Ouve, Joana, desculpa… Eu sei que já deves estar cansada que eu toque neste assunto, mas por mais que queira, quando estou contigo não o consigo evitar… Desculpa!

- Pedro, está tudo bem… A sério! – ao máximo custo ela tentou trespassar uma afirmação neutral e desligada na voz, mas por mais que batalha-se contra aquilo que lhe custava ouvir, iria haver sempre uma batalha que nunca iria conseguir travar: a batalha contra si mesma – Li o artigo da revista sobre ele… - asseverou suavemente, depois de alguns minutos de silêncio imperativo

- Leste? – foi inevitável disfarçar a surpresa, e após ver um carro acelerado passar na via oposta, Pedro olhou sucintamente Joana, que se mantinha recolhida à pacificidade do seu lugar de pendura

- Sim…

- E então? – ele tentou saber um pouco mais, mesmo que isso obrigasse uma resposta de difícil prenuncia e compreensão

- E então o quê? Sei tanto quanto tu… O noivado foi suspenso, a Inês está em Milão, o Ruben vai em estágio para os Estados Unidos…

- E eles estão separados…! – acrescentou, de mãos agarradas ao volante e de olhar fixo às coordenadas sinaleiras da autoestrada, mas também com sentido a um assunto que lhe proporcionava um interesse acrescido em prol da felicidade dela

- Temporariamente, Pedro… Estão separados temporariamente! – assertivou, logo que afastou a cabeça do descaço da palmada da mão, que se mantinha erguida pelo cotovelo pousado junto à vidraça da janela – O noivado foi suspenso mas pode ser reajustado a qualquer altura… Pelo que percebi, eles só deram um tempo… não está nada terminado!

- Mas tu preferias que estivesse…? – mesmo sem pensar e sem tomar ordem nas suas próprias palavras, Pedro apercebeu-se que tinha sobejado o limite das marcas, que  já havia sido marcado

- Pedro! – numa entoação altiva e nada condescendente àquela insinuação, Joana repreendeu-o logo que lhe alcançou o olhar

- Ok, desculpa, agora excedi-me… Mas digo-te que aquela relação já esteve mais longe disso que agora!

- Eu não tenho nada a ver com isso! – advertiu, tentando manter-se imparcial a um assunto que a seu ver, não lhe dizia qualquer respeito

- Sabes bem que o Ruben também é um grande amigo meu, e as coisas entre eles não andavam muito bem ultimamente, eles passavam imenso tempo a discutir, e antes de a Inês ir pra Milão, ele esteve uns dias em casa da mãe…

- Já te disse que eu não tenho nada a ver com isso! É um problema deles e não meu… Não quero meter-me!

- Será que não queres mesmo? – murmurou por fim, num timbrante praticamente imperceptível, que não deu mais manobra ao assunto proibido

Aquele relembrar, aquelas palavras jogadas num pranto sem clemência, deixara Joana muito mais débil do que poderia imaginar. Pensava que se não tocasse constantemente no “tema Ruben”, aquele aperto no peito e aquele nó na garganta deixassem de lhe causar o desconforto que nos últimos tempos tomara conta de si, mas agora tinha a certeza que isso não seria assim tão simples como previra… Aquela tese, de uma maneira ou de outra, iria continuar a persegui-la por muito mais que tenta-se fugir e com pessoas à sua volta a atearem-lhe esse fantasma do passado – agora mais presente que nunca – as suas esperanças de que a sua vida poderia voltar ao normal, como de há uns meses para cá, tornava-se a cada dia que passava, tão mais longe e tão mais intocável como uma pérfida miragem num derrapante deserto.
Silenciosamente, rasgos desliados de lágrimas começaram a traçar-lhe a pele do rosto, transfigurando aquela mágoa em dor líquida esbatida em seu peito, que teimava perdurar e fatigá-la até mais não.
Com o carro progredindo a uma velocidade constante, ela fez com que os seus dedos accionassem as colunas da viatura, com a música selecionada minuciosamente por Pedro, que ele trazia já inserida no leitor por uma pen drive que o costumava acompanhar devotadamente, nas viagens mais longas de carro.

- When I’m far from home and I just don’t want to be found, I run into your arms and they bring me feet back to the ground/ ‘Cause to love you means so much more, ‘cause to love you means so much more, where I need to cry you make me try, I want to die and ask me why, ‘cause I can’t fight no more… - em tom pianinho, Joana deixava-se envolver pela balada que tão bem conhecia e que por “coincidência do acaso” a arrastava para memórias já mais olvidadas, cantando cada letra enquanto os seus olhos fixavam a paisagem do Tejo que corria abaixo dos seus pés   

Pedro limitava-se a ouvi-la, simplesmente. Conseguia ouvir também um choro miudinho misturado no canto e que, irrevogavelmente, lhe conferia um timbre mais sucinto, impelido e fragilizado.
Não queria perturbar-lhe de novo a paz nem retrazer novos dissabores… Decidira dar-lhe algum espaço, impondo o mutismo de diálogo entre ambos, e esperando que fosse somente ela a quebrá-lo, quando se sentisse preparada e suficientemente capaz para fazê-lo.

- Pedro? – no fim de a música ter findado e de as recordações se suspenderem apenas por instantes, ela recompôs discretamente o seu semblante cálido e enlutado, procurando por um sinal do seu agente que permanecia pacífico, alumiando a condução

- Sim… - a voz incentivante acompanhada por um sorriso cúmplice e entregue olhos nos olhos, reforçaram-lhe o alento que pretendia para partilhar com ele, o segredo mais intimista que guardara apenas para si nos últimos tempos

- Tu achas que é… que é possível apaixonarmo-nos pela mesma pessoa duas vezes? – questionou ainda com o receio a traçar-lhe a candura de uma voz suave, procurando-lhe um olhar honesto e uma resposta sincera
 
- Eu sabia… - afirmou para si mesmo, triunfante, deixando que uma lacuna dos seus lábios se erguesse, e provando assim a cedência de Joana a um discurso que já lhe conseguia adivinhar – Hum… Claro que é possível! Olha só pra mim e para a Ana… Já namoramos há quase quatro anos e eu continuo a apaixonar-me por ela todos os dias!

- Não é bem aí que eu quero chegar… Quer dizer… - ela vacilou por momentos, não queria ser demasiado explícita mas para que ele compreendesse o seu ponto de vista, teria de ser mais precisa e directa em redor do assunto

- Joana, desculpa, mas agora não estou mesmo a perceber! – esclareceu, resoluto a não tocar no ponto que ela desejava, pois pretendia-lhe um esclarecimento mais esmiuçado que a fizesse falar 

– Oh, tu sabes… Achas que nos podemos apaixonar pela mesma pessoa, ao fim de tanto tempo de uma separação?

- Eu não queria, mas visto que me estás a obrigar a fazê-lo… É do Ruben que estás a falar, não é?

- Parece assim tão óbvio? – perguntou-lhe num sorriso conotado pela ironia e desprovido de tranquilidade, mirando pela janela o recinto que envolvia a mansão dos seus avós, já depois do carro atravessar a larga calçada, fazendo a rotunda no envolto do altivo e imperante chafariz colossal, centrado à entrada principal junto da fachada

- Não só parece, como é mesmo óbvio! – ele acabou por abrandar e estacionar a viatura junto à escadaria de pedra, que ascendia até ao alpendre de entrada – O que é que se passa contigo, Joana? Nunca tivemos segredos… sabes que me podes contar tudo!

- Eu sei, e não é isso que está agora em causa, mas… - as palavras faltaram-lhe e a vontade de falar também… bafejou pesadamente, retirou o cinto de segurança que lhe amarrava o tronco e ajeitou-se no seu lugar

- Mas…

- Ai, Pedro, eu sei lá… - praguejou, deixando que a sua cabeça embatesse levemente no assento, e clarificando a sua frustração pela unificação da mescla de sentimentos, que não era capaz de precisar – Está tudo tão confuso na minha cabeça, que eu nem sei bem como explicar!

- Tenta… Talvez eu assim te consiga ajudar naquilo que precisas!

- Infelizmente, acho que ninguém me pode ajudar... Aquilo que eu preciso está tão longe, que já se tornou inalcançável!

- Olha para mim… Olha, por favor! – insistiu meigamente, e depois de ela lhe ter feito a vontade, prosseguiu com a sua narrativa – Agora vamos esquecer o agente Pedro, que estabelece contigo apenas uma relação meramente profissional… Agora sou apenas o Pedro, o teu amigo de longa data em quem podes confiar e contar para tudo o que for preciso!

- Eu sei disso, e neste momento essa é uma das poucas certezas que ainda me restam…

- Então do que é que estás à espera para começares a desabafar… Para começares a contar o que vai nesse coraçãozinho? – um tom mais relaxado e guarnecido por um suave toque do seu indicador no lado esquerdo do peito, fê-la sossegar por um bocadinho - … hum?

- É difícil de explicar…

- Queres que seja eu a tornar as coisas mais claras e evidentes? – também Pedro retirou o seu cinto de segurança, e rodou ligeiramente o corpo na direção do dela sobrepondo a perna direita no assento e procurando fôlego para  confrontá-la com uma pergunta difícil, mas directa e constrange – Tu voltaste a apaixonar-te pelo Ruben, é isso?

- Eu não queria, Pedro… Eu juro por tudo que eu não queria que isso acontecesse… - numa proletarização sujeita a pequenas quebras, Joana começou a lacrimejar, empeçando a mostrar-lhe os primeiros sinais para a eclosão de sentires desprovidos e indomáveis, que se haviam instalado clandestinamente no laço sentimental do seu fragilizado coração de mulher

- Mas pelos vistos aconteceu, e eu já podia adivinhar… Ficavas nervosa sempre que eu te falava nele, deixas-te de ir aos jogos com a mesma frequência, evitavas encontra-lo nas nossas saídas de grupo, e agora com tudo isto, todas estas tuas atitudes fazem sentido! – clarificou num tom e numa atitude que demostravam condescendência e brandura, em consentimento de todo o apoio que ela pudesse vir a precisar – E agora, Joana?

- E agora eu não sei… – indagou, num intento esforçado de travar as lágrimas que lhe humedeciam e esfriavam as faces, fazendo deslizar com os dedos, as mexas aneladas do seu cabelo caídas à frente do rosto e que lhe encobriam a visão, para o topo da cabeça - Acho que preciso de ter certezas, primeiro!

- E como é que pensas fazer isso?

- Tenho que voltar a estar com ele… Mas, sei lá… Ao mesmo tempo também não quero que isso aconteça, percebes? Porque no momento em que ele estiver à minha frente, quase que posso apostar que as minhas pernas vão perder as forças, o formigueiro vai percorrer-me todo o corpo, as minhas bochechas vão corar e a temperatura corporal vai subir… a minha boca fica seca, o meu coração vai começar a bater a mil à hora, e vou ter vontade de o beijar… tal como aconteceu da última vez que estivemos juntos! – ainda sem realmente se aperceber, acabara por enumerar todos os sintomas responsáveis àquilo que sentia por uma pessoa que nunca conseguira tirar da cabeça, nem mesmo do coração – E eu não quero sentir-me assim, que nem uma miúda…

- …apaixonada! É exatamente assim que tu estás! Ainda precisas de mais certezas e clarividências do que essas que acabaste de referir?! – ainda que não valesse de nada, Pedro procurou por uma garantia que bem no fundo, Joana já tinha dado como certa

- Eu… eu só não quero pensar mais nisto! Este assunto já anda há tempo demais na minha cabeça e morre aqui… Amanhã tenho o desfile e preciso de descansar! – disposta a pôr de parte todo o sentimento que a massacrava mas também que a mantinha viva, Joana agitou rebuscadamente a cabeça em sentido negativo, de modo a afastar os pensamentos e as más vibrações que a corroíam por dentro

- Tens mesmo a certeza que é isso que queres fazer?

- Não, não é isto que quero fazer, mas é o que tem de ser feito! – afirmou, mostrando-lhe num olhar magoado, um radiar de envolto vermelho dolente, que lhe coloria toda a esclera dos olhos… um vermelho que doía – Vemo-nos depois, então…

- Sim, vemo-nos depois… - consentiu afirmativamente, não deixando passar em branco, um doloroso pesar pela dor de Joana que por mais que fosse essa a sua vontade, não dependia dele ser apagada – Posso passar por cá e apanhar-te, almoçamos juntos e vamos para a rua da baixa, onde vai ser feito o desfile…

- Sim, o meu carro também só deve chegar amanhã de manhã do Stand, por isso… parece-me bem! – de sorriso que tinha tanto de conformado como de escurecido, ela abriu a porta e prontificou-se a abandonar o carro

- Espera, vou tirar a tua mala! – Pedro também saiu da viatura, e assim que destrancou o porta-bagagens, retirou a mala onde ela trouxera somente o indispensável para dois de estadia – Precisas que a deixe lá em cima?

- Não, obrigada… Eu levo-a! – ela aproximou-se do seu agente, que mais uma vez se mostrara um bom amigo que sempre representara e brindou-o com um beijo de despedida, na face, que foi igualmente retribuído – Até mais logo! – retorquiu meigamente, escondendo-lhe um sorriso retraído assim que rodou o corpo na direção dos ascendentes degraus, mas a invocação inesperada de Pedro, fê-la travar o percurso e olhá-lo junto ao carro e ao fundo da escadaria

- Sim? – o seu clamor soou mais desalentado e indefeso, do que alguma vez soara naquela madrugada

- Estás a pensar em contar-lhe?

Como já seria de esperar, ela não lhe respondeu. Talvez porque não tinha mais nada para dizer, talvez porque não tivesse nenhuma resposta previamente formulada na sua cabeça para lhe dar, ou então porque simplesmente sabia que contar a Ruben sobre uma paixão que voltara a nascer ou fora despertada apenas da sua parte, seria um erro e uma fatalidade que nunca iria tomar o risco de correr.
Num movimento atemorizado e já muito característico seu, Joana contraiu-se no seu próprio corpo assim que oscilou levemente os ombros em voto de cândida fatiga, o seu olhar voltou a tomar o chão como o único ponto de abrigo e com a alma em torpedo e de coração cheio de nada, ela acabara por regressar aos aposentos que lhe conferiam todo o acómodo e confortabilidade que precisava, para encarar as longas horas diurnas seguintes, que iria ainda ter pela frente.



***



Uma nova e descerrada manhã solarenga, preenchia o céu limpo dando vida a um novo dia de horas já bastante avançadas, abençoado por uma áurea tonante que residia no lado de fora da mansão e que era trespassado pela janela airosa do quarto, no piso superior.
Embora lhe custasse a pegar no sono, Joana deixara-se envolver pela fragrância e confortabilidade dos seus lençóis de Verão, e agora mais tranquila e serena, ainda descansava, tentando recuperar todas as horas de sono perdidas nas inúmeras noites passadas em claro.

- Menino Pedro, como está? – cumprimentou de bom grado, Leonardo, logo que abriu a porta ao agente de Joana, compartilhando com ele um afável aperto de mão – Faça o favor de entrar…

- Obrigado, Leonardo, com licença! – ele seguiu a permissão do mordomo da casa com toda a educação, e desceu os dois degraus de entrada, que o conduziram ao hall principal – Então e onde é que anda a madame?

- Ainda não vi a menina Joana, hoje… - referiu de mãos entrelaçadas atrás das costas e em tom cordial, conjecturando o deslinde da figura tão querida, que Joana representava para si

- Mas nós combinámos ir almoçar juntos, por volta desta hora…– um pique de estranheza, unificou-se na expressão fácil de Pedro, que já conhecia bem demais os hábitos da jovem manequim para quem trabalhava, não só por necessidade mas também por gosto, e sabia que a matutinidade bem como a pontualidade eram pontos fortes que a descreviam – Ela ainda não desceu?

- Ainda não, menino Pedro… Esta manhã a Paula foi chamá-la ao quarto para vir tomar o pequeno-almoço, mas ela continuou a dormir.

- Hum… E será que posso lá ir em cima ter com ela?

- Claro… Esteja à vontade! Já conhece os recantos à casa, portanto… - um sorriso condescendente e outorgado, foram a permissão suficiente que levasse Pedro ao piso superior, em passadas largas e rápidas que o guiaram até ao quarto onde ainda adormecia, Joana descansava

- Jeitosa… - clamou ele com um sorriso nos lábios, assim que alcançou com o olhar, a figura dela repousada sobre a cama, de cabeça esgueirada para dentro do quarto ainda adormecido e depois de se auxiliar da nodosidade dos dedos para dar leves batuques ritmados na porta – Oh jeitosa… - ele prolongou a voz, dirigiu-se até à imponente janela e num só movimento brusco de braços, afastou os cortinados de linho dourado permitindo que o quarto ganhasse uma nova vida

- Hum… - ela resmungou, num jeito engraçado de menina que nunca perdera, e rodou preguiçosamente o seu corpo sobre a colcha, protegendo o seu olhar da luz incidente e efusiva de um sol fulgente
 
- Isto é que são horas de ainda estares na cama? – inquiriu-lhe numa notória disposição alegórica, que lhe refletiu um estado de espírito rejuvenescido

- Ainda é de manhã… - respondeu numa exclamação sumida e rouca, voltando a remontar exatamente a mesma posição que havia despertado

- É de manhã? Já são quase duas da tarde, moça… – ele precipitou-se na direção dela e destapou-a, empurrando os lençóis para o fundo da cama – É melhor despachares-te!

- Deixa-me ficar só mais um pouquinho… - pedinchou de voz abafada pela esponja volumosa da sua almofada de cabeceira, deixando à mostra as pernas adelgaçadas e nádegas, descobertas pela t-shirt de uma banda nova-iorquina que se servira para dormir

- Vá lá, Joana, levanta-te… Temos pouco mais de duas horas para almoçar e estar na Galé!

- Bah, que melga! – um pouco a custo, acabou por ceder ao pedido dele, sentou-se ao beiral da cama tentando desprender-se do estado de sonolência embriagante, a que se entregara nas horas antecedentes

- Ei, ei… O meu beijo? – Pedro fê-la travar o percurso que se seguia numa curvilínea até à casa de banho, e sarapintou a sua bochecha com o indicador, em sinal de um pedido saudosista

- Ainda hoje me pergunto porque raio arranjei eu, um agente tão chato como tu! – em biquinhos de pés, os seus lábios foram ao encontro da pele barbeada de Pedro, surtindo um burburinho característico de um beijo rechonchudo e repenicado

- Já tinha saudades dessa tua boa-disposição matinal! – calcetou num espicaçado piscar de olho, ouvindo-a gargalhar numa feição de pertinácia enquanto retomara o seu caminho em direção à casa de banho anexada, onde pretendia vir a disfrutar de um banho célere mas suficientemente relaxante

Pedro gostava dela e isso era evidente. Joana conseguira tomar um lugar muito especial no seu coração – que muito poucos conseguiam alcançar -, e apresentados um ao outro pela relação próxima de ambas as famílias, o laço de afecto e cumplicidade fora simplesmente uma questão de tempo e fiança, para que se tornasse num ponto forte e inquebravelmente ressalteado daquela amizade… Agora, ele vi-a e tratava-a com uma irmã mais nova, mas como óbvio, fora do horário patente de trabalho que domavam ambos com todo o formalismo e rigor, prestado num encargo extremamente necessário. E de alguma forma, Joana deliciava-se com essa segurança e proteção que ele, virtuosamente, lhe oferecia. 
Desde que partira para um outro continente e uma outra cidade, remetendo-se à distância que a afastada do conforto e penhor dos braços do “seu” para sempre, Ruben, que perdera a estabilidade de um pilar que necessitava para continuar a seguir o seu caminho, para continuar firme e decidida a seguir enfrente. E durante todo esse tempo, Pedro mostrara-se, irrepreensivelmente, esse alicerce que a ajudou a manter-se em pé, restituindo-lhe todas as forças necessárias para combater contra qualquer derrocada de maior, que se poderia ainda deparar na sua vida como um grande epicentro de fatalidade.  



***



- Então, nervosa? – perguntou-lhe sorridente, caminhando marginados um pelo outro no Pátio da Galé, onde iria ser realizado dentro de poucas horas, o terceiro dia da ModaLisboa

- Isto já passa! – afirmou depois de um leve suspiro de ânimo, - pois o nervoso miudinho que se tornara desde cedo um ritual antes de pisar a passerelle, já se havia instalado no seu corpo de manequim – e tentando convencer-se a si mesma, que nada lhe iria fazer chegar um mau presságio

Tinham ido almoçar a um restaurante daquela mesma zona, no Terreiro do Paço, preocupando-se ambos com as horas impostas a que teriam que se apresentar e que de maneira alguma, poderiam ser excedidas.
O Pátio da Galé não poderia ter sido a melhor escolha para, naquela noite, servir de palco aos desfiles das novas coleções, perfeito para encerrar a fornalha de três dias que prometeram e fizeram agitar as ruas lisboetas, no evento de moda mais procurado em todo o país.
Ao se aproximar do centro, Joana pôde olhar à sua volta, maravilhando-se com cada pedaço de beleza e requinte que enfeitavam cada calçada, cada corredor dilatado de arcos perfeitamente arquitetónicos que emolduravam toda a sede do evento.
As fitas isoladoras para espectadores residentes e turísticos, tinham acabado de ser colocadas em semicírculo perfeito; as cadeiras para convidados eram coordenadas e montadas estrategicamente em redor do palco; o material de som para a banda que iria tocar ao vivo e as luzes multicolores de holofotes suspensos no ar, eram testados pelo pessoal da equipa técnica, que não deixaria passar um erro ou uma pequena falha que fosse. Estava tudo a ser preparado milimetricamente para que nada escapasse, para que nenhum pormenor se desse em falta, para que tudo corresse às mil e uma maravilhas, tal como seria de esperar.
Um pouco mais à sua frente, conseguiu observar Nuno Baltazar, um dos estilista que faria brilhar a sua coleção, fazendo realçar a arte clássica e contemporânea, e respondendo às primeiras perguntas de quatro ou cinco jornalistas que já tinham chegado.

- Desculpem, dêem-se só um momento… - pediu ele, logo que mirou em seu radar a sua modelo predileta, e indo ter com ela deixando algumas perguntas pendentes, que acabaram por não ser respondidas – Joana!! - chamou-a, extremamente sorridente e tomando-lhe a mão, fazendo-a dar uma voltinha sobre o seu próprio eixo – Sempre deslumbrante!

- Fala o estilista mais exagerado de Portugal e arredores… - contra-argumentou ela numa brincadeira informal, mesmo antes de trocar com ele dois beijinhos plantados nas faces de cada um

- Embora tenha sido feito um pouco em cima da hora, obrigado por teres aceite o meu convite!

- Eu é que tenho de te agradecer… Estou muito contente por poder fazer parte deste evento! - referiu com modéstia, apresentando um grande sorriso de indeclinável vaidade e gratidão, que também foi partilhado com Pedro

- Como vêm, isto já está praticamente montado… Só falta fazerem alguns testes e pouco mais! Os seguranças também já chegaram e os jornalistas já se começaram a instalar! – nomeou vinculadamente, mostrando as últimas certificações que faltavam ser testadas, bem como o planeamento de cada secção, que tinha sofrido todas as restritos pertencentes ao protocolo

- Então e quando é que o desfile começa? – perguntou ela numa lividez retrospetiva de curiosidade e ânsia, esperando conseguir ainda um tempo bastante considerável e avultado, para se poder preparar devidamente

- Ao cerrar da noite… Lá para as 21 horas os convidados começam a chegar e por volta das 21 horas e 30, a banda inaugura oficialmente o desfile, e claro, como eu já tinha pensado, tu farás as honras da casa! – num jeito muito natural e num à-vontade que ela já tão bem lhe conhecia, Nuno acabara por lhe revelar o seu desejo que já tinha precedentemente engendrado, e no qual Joana se inseria como sendo a sua personagem principal

- Eu? Eu vou fazer a abertura e o encerramento do desfile? – os seus olhos crisparam-se irreflectidamente ao conjecturar a afirmação contextuada e saída directamente pelos lábios do estilista, apresentada numa reacção normalista a que fora apanhada completamente de surpresa, e foi-lhe inevitável  não fitar de realce, a figura do seu agente que se encontrava tão pacifica quanto possível àquela conversa – Tens a certeza?

- Joana, eu conheço perfeitamente o teu trabalho, já desfilaste para mim uma data de vezes… Não faria qualquer sentido que fosse outra manequim a fazê-lo no teu lugar! – assertivou, muito ciente das capacidades artísticas e inquestionáveis da belíssima mulher que tinha diante dos seus olhos, e que já se afirmara de uma maneira altamente invejável no mundo da moda

- Sendo assim, acho que não tenho como dizer que não! – um sorriso sincero despoletou-se dos seus lábios tingidos levemente por um bege nude, ao mesmo tempo que arremessou para trás dos ombros algumas mechas de seu cabelo castanho, contrastado com a luminosidade de graciosos filamentos de um aloirado muito ténue, e de comprimento já para além do meio das costas

- Nem eu te deixava fazer uma coisa dessas! – ripostou de alvejada e em tom notório de uma passiva brincadeira, fazendo com que uma espontânea nascente de gargalhadas preenchesse o ar que os envolvia – Mónica? Chegue aqui, por favor! – pediu depois num chamamento altivo, certeiro à sua assistente que se encontrava a uma distância considerável de cinco metros, - certificando-se juntamente com os seus apontamentos que segurava junto do peito que estaria tudo a decorrer sobre o planeado -, e esta apressou-se a tomar a direcção deles, por acção dos seus saltos altos que colidiam apressadamente contra o pavimento cálido

- Diga, Sr. Nuno, precisa de alguma coisa? – inquiriu assim que chegou, numa cortesia atenta e prestável, pronta para acatar com qualquer pedido do seu superior

- Sim, Mónica, de facto preciso… - iniciou, compondo primeiramente a polpa do cabelo escuro num brando arrastar de dedos da mão, dirigindo-se seguidamente para Joana – A minha assistente vai acompanhar-te até ao backstage onde te vão preparar; leva-te aos provadores onde estão as tuas peças, e ao camarim privado que poderás usar depois do desfile para tomares um banho e enfim, arranjares-te para sair! Já sabes, o Pedro vai andar por aí, se tiveres alguma dúvida ou precisares de alguma coisa, falas com a Mónica ou vens procurar-nos…

Entre pequenos ajustes e provas de peças, cabelos, maquilhagem, arranjos decorativos que fariam daquele lugar um sítio mais cómodo, autêntico e pessoal, as horas voaram dando lugar à contagem decrescente para a abertura de mais uma exposição e amostra da arte moderna.
Joana encontrava-se já no backstage, juntamente com outros modelos que dariam vida àquele desfile, sendo preparada profissionalmente enfrente ao espelho, por uma maquilhadora e dois cabeleireiros que revolteavam e adornavam os seus cabelos no caixilho das suas mãos. Enquanto isso, também Pedro, - no seu dever precante de agente – abordava-a, dando-lhe as dicas minuciosamente estudadas e repetidas já uma data de vezes, mas que continuava a ser extremamente necessário serem relembradas, para que nada fosse deixado ao acaso… Pena realmente, era que nenhuma dessas dicas e pequenos rememorados servissem de contra placagem em prol dos imprevistos mais surpreendentes, que nem mesmo Joana, poderia presumir por meros pensamentos, mas que mais tarde lhe iriam fazer toda a diferença… trazer os sabores mais deleitosos e as tentações mais apetecidas. 

- Isto está a demorar imenso tempo… - assimilou Adriana, que já pronta para assistir ao evento de moda para o qual havia sido convidada, ansiava inquietamente para que este tomasse o seu início

- A culpa foi tua, tu é que quiseste vir pra’qui a acampar! – refutou imediatamente Ruben, que acompanhado também por David, mostrou o seu amuo e aborrecimento pelos minutos esvoaçantes que os ponteiros já haviam corrido, e olhando uma vez mais o seu relógio de pulso, para assim o confirmar

- Simples! Se não quisesses vir tinhas ficado em casa… - deslindou ela, num olhar denunciante e coberto pela razão, que imediatamente foi interpretado pelo seu opositor

- Eu bem queria, tu é que fizeste muita questão que eu viesse! – logo que recolheu as mãos nos bolsos dos seus jeans, Ruben apressou-se a lançar-lhe uma careta conotada pela ironia e prepotência, que já num momento de pura folgança e picardia por ambas as partes, foi engraçadamente retribuída por Adriana

- Ah pega leve, gentxi… Todo mundo sabe que essas coisas se atrasam! Vamo’ indo sentar… - imposto a quebrar os ânimos que molestadamente já se seguiam para a brincadeira, David sugeriu a recolha dos três, nos lugares previamente reservados na primeira fila da frente, bem junto ao corredor onde iria passar a desfilada – Amô, senta do meu lado… - pediu, puxando delicadamente a mão de Adriana, e Ruben acabou por se sentar do lado direito dela

- Esperem… Acho que já vai começar! – revelou com entusiasmo, a namorada de David, assim que ao microfone pediram silêncio geral e a luz ofuscante dos holofotes foi dirigia para o palco onde a banda contratada, começava por dar os primeiros acordes

- Finalmente… - desatou Ruben num timbre sorrateiro e num leve suspiro de ânimo, centralizando a sua atenção e focando o seu olhar na passagem onde, dentro de momentos, iria surgir a bela surpresa que a noite reservara única e especialmente para si


***


- Preparem-se todos! Assim que a banda acabar de tocar o primeiro tema, arrancamos com o desfile! – anunciou o técnico de som ao  esgueirar-se por entre as cortinas dos bastidores, onde os modelos davam os últimos aperfeiçoamentos na preparação para o grande encontro

- Joana, tens exatamente três minutos para entrar! – relembrou Pedro, depois de receber a confirmação através do auricular, aproximando-se da jovem manequim que já vestida com a primeira peça que ia passar no corredor, era retocada com maquilhagem

- É agora… - asseverou depois de inspirar e expirar profundamente, tentando reunir de qualquer forma, um retalho de alento que lhe desse forças para avançar

- Nada de costas arqueadas… Mantém o queixo erguido, olhar altivo e sorriso nesses lábios… - enumerou, enquanto tentava acompanhar as passadas um tanto aceleradas dela, que apontavam na direcção de uma das duas entradas do recinto hipoteticamente iluminista, onde uma enchente numerosa de público aguardava pela primeira aparição

A colecção de Nuno Baltazar era especialmente inspirada na delicadeza e fluidez da dança contemporânea. Os grandes decotes de bailarina, as mangas volumosas pregoadas, vestidos clássicos embaloados, bem como os tons nudes, botânicos, vermelhos e laranjas, tons terra ocre e o preto, que como dizia ele “refletem o universo clássico e também um carga dramática da arte contemporânea.”
Joana acabou por se fazer surgir, por auxílio dos saltos altos vertiginosos que seguiam numa linha recta intrespassável, que a fazia passar por entre uma multidão de observadores e manter um sorriso albergador de ventura, perante as dezenas de flashes que disparavam contra si em todas as direcções.
Mas bem, para grande contradição a sua, esse sorriso gradualmente se desvaneceu quando na preferia perfeita do seu olhar atenuante, surgiu aquele por quem o seu coração chamava. Os dois olhares cruzaram-se e desprenderam-se numa fracção de segundos, não dando tempo a que algo fosse dito, que algo fosse compreendido somente entre aqueles contemplares que a praticamente dois meses… quase dois longos meses, se mantiveram afastados e ocultos um do outro.
Ela foi incapaz de controlar o bater dissimulado do seu órgão vital, que assim que foi ao encontro do seu verdadeiro possuidor, não deixou de pulsar desconcertadamente dentro de um recanto infimamente apertado, onde vivera nos últimos três anos. Uma ligeira quebra dos sentidos provocou-lhe uma tontura momentânea que por momentos a fez acreditar num provável desequilíbrio em cima dos saltos, mas que felizmente se mostrou curta demais para ela conseguir disfarçar sem causar qualquer reação interveniente à sua volta, ou qualquer aparato de maior. 

- Oh meu Deus, nem acredito que é mesmo ela… – Adriana não foi capaz de esconder o seu forte espasmo em encontrar a amiga na passadeira principal, pois imaginava que estaria ela, no outro lado do atlântico

- Pelos vistos, é mesmo! – evidenciou David, continuando a mirar a manequim, sua muito bem conhecida, partilhando com a sua pequena a mesma surpresa, aquando mantinha as mãos um dou outro unidas

Já Ruben não se sentiu autossuficiente para fazer pungir uma reacção sua… Não porque não quisesse, mas sim porque o momento falava por si. Eram demasiadas as perguntas que surgiram num impulso instantâneo na sua cabeça… Os sentimentos assomaram-lhe novamente à flor da pele, o seu coração voltou a bater por uma razão, e o nervosismo dominava cada uma das suas acções. Já estava feito… Agora não havia nada que pudesse mudar o que tinha acabado de acontecer… Ele voltara a encontra-la, voltara a vê-la, voltara a senti-la.

- O que é que ele está ali a fazer? – de sapatos na mão, aquando de pés nus acalcava o pavimento cálido de regresso aos bastidores, Joana caminhava apressada e desorientadamente até junto de seu agente, na procura de explicações, que supusera ele poder dar-lhe

- Tem calma, Joana… Ele quem? – completamente apanhado desprevenido, Pedro preocupou-se em primeiro que tudo, deslindar o tormento que parecia estar a sufocá-la 

- Calma, Pedro?! Eu ia caindo ali redonda no chão, na frente de todos, na frente dele… E tu ainda me pedes para ter calma? – sem rumo assente, ela andava de um lado para o outro, com a adrenalina a torna-la impaciente e a fazer com que uma descarga de energia lhe percorresse de uma só vez, o corpo por inteiro

- Ei, vem cá… - com um só movimento projectado, Pedro obstruiu-lhe a marcha descoordenada, e por acção da sua mão fê-la sentar numa cadeira na frente do espelho, agachando-se de cóqueras perante ela logo de seguida – Vais acalmar-te sim, porque eu te estou a pedir e depois vais contar-me o que aconteceu… - pediu-lhe afavelmente, tentando atenuar-lhe os ânimos que naquele momento, ainda se encontravam demasiadamente eclodidos – Então miúda, o que é que se passa? – inquiriu, agora já num estado absoluto de preocupação ao vê-la manter o olhar bem longe do seu alcance, conseguindo decifrar nela o tremelico incessante do queixo que dava os primeiros sinais a uma corrente inolvidável de lágrimas

- O Ruben… O Ruben está lá fora com o David e a Adriana! – atestou por fim, não compactuando mais com a fadiga de emoções que a fizera jorrar uma lágrima, adivinhando-se esta, como sendo a primeira de muitas

- Tu tens… tens a certeza do que estás a dizer?

- É claro que eu tenho a certeza, Pedro! Caso contrário, eu não estaria neste estado! – alteou, num tom de voz mais desesperado que nunca, mostrando-lhe as mãos que estremeciam por vontade própria

- Shiu, isso já passa… - disse ele, tentando ao máximo serená-la, limpando-lhe delicadamente as lágrimas nos rebordos inferiores das pálpebras, e beijando-lhe morosamente a testa enquanto mantinha o seu rosto de menina bem protegido entre as duas mãos acalentadas – Tenta relaxar…

- E agora, o que é que eu faço? – o olhar expectante e igualmente assustado ao poder vir a enfrentar o homem que tanto a fazia vacilar, foi ao encontro do de Pedro, buscando uma resposta absoluta

- Agora, pequenina, por muito que isso ainda te custe, vais ter de enfrentá-lo mais uma vez… - consentiu com um breve pesar de cabeça, de quem nada poderia fazer para evitar um encontro inadiável

O desfile decorria com a admiração expectante e entusiasmo que já seria esperado entre todos. De quando a quando, Adriana, David e Ruben, trocavam palavras de apreciação e meras opiniões sobre o trabalho do estilista, ao mesmo tempo que a estudante do terceiro ano de Designer aproveitava para fotografar os modelos que indumentavam as peças de roupa que, no seu ver, se faziam sobressair e que eram as ideais para um projecto de faculdade que trouxera como trabalho de casa.
Mas Ruben… Oh, o Ruben… coberto de expectativas, ainda aguardava poder vê-la mais uma vez. De queixo pousado sobre a palma da mão, num apoio seguro pelo cotovelo assentado na coxa, olhava continuamente para uma das entradas do corredor, na esperança de mimar o coração. E foi quando já as suas esperanças guerreavam contra uma queda impotente na corda bamba, que Joana voltou a surgir… Desfilando com o último e principal vestido da noite, com uma mão vincada na anca e a outra descaída ao lado do corpo. 
Vinha mais firme, mais segura e mais leve também… Isso notava-se na sua postura robusta mas simultaneamente complacente, que abriam lugar a uma aura estranhamente amena e levitada.
Numa pose comedida, Adriana apercebeu-se de como Ruben a olhava, completamente atraído… atento também em não fazer trespassar esse pormenor demasiadamente para fora, é certo, mas Adriana era uma mulher, e como tal, ela conseguiu ver e sentir um “querer mais” que ele mostrava. Olhou-o pelo canto do olho e sorriu interiormente… sabia que naquela expressão embelecida de homem feito, havia ainda mais para dizer e descobrir.
Ainda antes de se cruzaram, já os olhos de ambos - embalados e obstinados por se pertencerem um ao outro – procuram-se e acabaram por se encontrar no meio de tantas luzes e caras novas… Como não quisessem saber de mais nada, como se não interessasse mais nada.
Um sorriso floresceu… de parte a parte. Tímidos, discretos… sim, mas eram dois sorrisos, dois sorrisos verdadeiros que serviram para abrandar o tempo numa espécie de slow motion, que fez ressaltar todos os pormenores. Ruben aplaudia-a, como outros tantos, e parecendo um mero acto simplista, ela apreciou essa acção… Ao passar por si, Joana vingou um sorriso mais rasgado e autêntico e esse facto deliciou-o, nunca lhe parecera tão bonita, tão mulher, tão encantadora, como naquela curta instância que pertencera só aos dois… recostou-se na cadeira e concluiu para o seu mais íntimo, “encantadora não… ela é perfeita”      



***

    
- Vamo’ lá falar com ela… Lhe dar os parabéns! – sugeriu David, vendo Joana já a afastar-se dos jornalistas, a quem simpaticamente disponibilizara os seus últimos cinco minutos a responder a umas quantas perguntas – respectivas apenas ao seu foro profissional – e a mais um número exagerado de fotografias, tiradas em rápidos e consecutivos flashes  

- Sim, sim! Vamos antes que ela volte para os bastidores, e já não a consigamos apanhar… – Adriana concordou rapidamente com a ideia do seu companheiro, entrelaçando o braço naquele que David lhe oferecera e marcando caminho ao encontro da amiga – Ruben… Não vens? – inquiriu, vendo que ele tinha ficado ligeiramente para atrás e que não fazia grandes intensões de os seguir

- Ah… Eu já lá vou ter… vou primeiro ao bar, pegar um cocktail! – não querendo criar um ambiente pesado junto dos amigos, como acontecera de todas as últimas vezes que os dois tinham estado juntos, ele determinou-se a facultar uma desculpa suficientemente aceitável para se manter afastado da pessoa que, em contra censo, mais queria por perto

Adriana conseguiu compreender de imediato o desvio que ele mesmo impusera entre ambos os caminhos. “Estás a ficar completamente agarrado, Ru… essa é que é essa”, reflectiu apenas para si. Acabou por chamar por Joana, que já se afastava, e seguiu juntamente com David até chegar ao pé dela, onde por entre sorrisos e suaves gargalhadas partilharam uma conversa agradável, que quase conseguiram disfrutar por completo.

- Adorei ver você desfilar… ‘teve espantosa! – elogiou ele, numa modéstia calma e num tom jovial que desde sempre o caracterizara

- Obrigada, David… Mas é melhor não dizeres essas coisas… A Adriana parece-me ser do tipo de rapariga, ah… ciosa, no que diz respeito a ti! – jogou em tom de brincadeira que foi lançada ao ar, dando um beijo delicado na testa da amiga

- E olha que ela é… Mas no final a gente acaba resolvendo sempre esse lance… né, meu amô? – inquiriu-a agarrando-a de surpresa por trás, presenteando-a depois com um beijo amimado no rosto

- Oh David, isso não era para dizer…

- Ué, que tem? Disse alguma mentira?

Tal como David e Adriana se tinham perdido numa conversa que se remetera somente aos dois, Joana acabara também por se perder… O seu olhar viajou, acidentalmente, até ao balcão do bar posicionado exactamente à sua extrema retaguarda e lá acabou se sojornar.
Ruben segurava a sua bebida na mão, e tinha o corpo ligeiramente inclinado sobre a bancada… Depressa encontrou o que por toda a noite procurara e tendo a hipótese de a poder contemplar daquela maneira, não deixou que essa lhe escapasse por entre os dedos.
Eles olhavam-se, como de uma conversa silenciosa se albergasse… Olhavam-se com uma intensidade desmedida, com um fulgor que já não conheciam um ao outro, e talvez com uma paixão, sim, uma paixão que ainda não tinha sido proclamada, mas que estava lá… bem no fundo, e por momentos eles quase que a conseguiram tocar.
Joana queria terminar com aquela troca excessiva de mirares, que não se desviavam por um milímetro que fosse… queria tanto quanto precisava, mas não era capaz de ser ela a quebrar aquela corrente. Provoca-lhe tanto incómodo, como lhe trazia uma paz inexplicável e só esse, era motivo suficiente para o querer olhar ainda mais e por ainda mais tempo.

- Desculpem, mas vou ter que ir! Ainda tenho algumas coisas para tratar com o meu agente, então… - vendo Ruben, que vagarosamente já se dirigia nas suas direcções, a rapariga apressou-se a despedir-se dos amigos com os habituais cumprimentos mas desta feita com uma rapidez avassaladora, que não os fizera compreender os seus motivos nem as suas razões, mas claro… só até a um certo momento

Com o pequenino coração seguro entre as mãos trémulas, ela caminhou em passo oscilante até às portas posteriores onde se predispunha o camarim, que apenas por aquela noite, iria ser só seu. Pegou num espelho de rosto que estava amalgamado por entre a abastada maquilhagem que cobria a bancada, e com um pequeno toalhete e por auxílio do desmaquilhante, retirou todos os rasgos de pinturas que desprovidamente lhe ornavam o rosto. 
Dirigiu-se ao anexo que o camarim oferecia, e sem a preocupação de guiar-se pelas horas, tomou um duche amornado e vestiu uma roupa simples e suficientemente cómoda.
Foi somente depois de regressar descontraidamente do compartimento onde devidamente se indumentara, na certeza de se sentar na frente do espelho tarjado a pequenos holofotes de luz, para retocar o rosto apenas com umas breves passagens de rímel nas pestanas naturalmente longas e bâton nude que lhe avultou os lábios carnudos, que ao olhar a imagem senhoril perfeitamente reflectida sobre o espelho, lhe  causou um inevitável sobressalto que acabou por recair sobre si…

- O que… O que é que estás aqui a fazer? – perquiriu de rajada, logo que se ergueu da cadeira e o enfrentou, deixando que um pequeno rasgo quebradiço de nervosismo lhe contornasse um timbre de mulher pujada de segurança e firmeza   

- Desculpa, eu não queria ter entrado assim… - perdoou-se imediatamente, receoso de ter provocado um abalo de maior, ao invadir de forma abrupta, a privacidade dela que até à altura se mostrava passiva demais para ser quebrada

- Ruben, se vieste para discutirmos, acho melhor saíres… - solicitou, com a mesma educação com que sempre o tratara, mas agora com a diferença de um pedido invocado, que nem por sombras imaginara poder vir a fazer

- Não, não, nada disso! Ah… Eu vim dar-te os parabéns pelo desfile e… pedir-te um… autógrafo (?) – a sua inicial afirmação deu lugar a uma pergunta meio tosca, que o fez mostrar um sorriso ligeiramente envergonhado por detrás de um olhar constrangido – Mas se preferires, eu posso-me ir embora…

- Não!! - assegurou numa resposta demasiado convicta para que fosse recusada, travando-o exactamente no momento em que ele já se preparava para deixá-la novamente sozinha – Fica… por favor…!

Ruben inclinou apenas um pouco a cabeça – de modo a que ela não lhe visse um breve rasgo momentâneo de felicidade –, e sorriu de pura satisfação, quando voltou a fechar a porta. 
Mostrou-se um quanto hesitante no espaço de um exíguo intervalo de tempo, mas movido a passos pequenos e receosos que se impusera a firmar no solo, aproximou-se o bastante da figura temerosa de Joana, pronto a iniciar com ela, uma troca amigável de palavras.

- Não esperava ver-te cá, nem tão pouco sabia que vinhas desfilar, mas… Parabéns, estives-te… fantástica!

- Obrigada… - agradeceu simplesmente, sem mais nada conseguir dizer, pois a proximidade da qual ele tomava vantagem, tornava-se demasiado adjacente para que conseguisse acalmar o forte e impertinente bater do coração

- Ah… E podes dar-me então, o autógrafo que te pedi?

- Oh Ruben, ok… Essa até foi engraçadinha da primeira vez que a disseste, mas agor…

- Estou a falar a sério… Juro! – disse tentando pungir seriedade, contendo uma pequena gargalhada que se reteve na garganta, e elevando as mãos à frente do corpo, no propósito de lhe mostrar os dedos descruzados

- Sim, sim, está bem… - proletarizou num timbre ironizado e nada convencido do que ouvira, afastando-se dele escassamente para começar a arrumar as suas coisas

- Mas porque será que ninguém acredita em mim, quando falo a verdade…? – inquiriu num ar de vencimento que lhe ergueu os cantinhos dos lábios, numa atitude comparada à de alguém que nunca era levado a sério

- Olha porque primeiro, eu conheço-te a ti e a essa expressividade de gozão que tens na cara, e segundo… - ela parou de dobrar o vestidinho que tinha trajado naquela tarde e olhou-o, pensativa - … em segundo porque o jogador de futebol aqui, és tu, e as coisas devem funcionar mais ao contrário, não achas?

- Não percebo porquê… És manequim, és conhecida! Logo, não vejo nenhuma anormalidade em te pedir um autógrafo… Já deves estar habituada a isso…

- Sim, tens razão, mas também nunca te deste muito bem com a ideia de eu ter seguido este caminho, nem mesmo quando… - de imediato ela calou-se, na salvaguarda de palavras que poderiam ser ditas, e que poderiam magoar mais do que imaginara – E recorrendo ao facto de nunca me teres pedido nenhum antes…

- Não… Isso de eu nunca me ter dado bem com a ideia de seres modelo, não é bem assim… - negou prontamente, movendo o seu corpo na direcção do dela, que se mantinha de costas, e obrigando-os quase a um toque circunstancial, quase…

- Ai não? – a sua pergunta foi repentinamente quebrada, no instante impiedoso em que ela se virou de rajada e o seu corpo foi projectado irrevogavelmente contra o corpo robusto e firme dele, num suave embate… que inevitavelmente a debelou – Vais negar as inúmeras vezes que fizeste fita e uma cena de ciúmes por me veres em cima de uma passerelle, ou em revistas? – inquiriu por fim, mais recomposta e não temendo olhá-lo bem fundo nos olhos

- Oh… Tu sabes perfeitamente porque é que eu fazia isso… - leccionou, num suspiro abandonado bem perto dos lábios dela, que eram amarrados pelos seu olhar controlador, voltando mais uma vez a ser ele a anelar a distância que os separava

- Porque eras um obstinado e possessivo? Sim, na verdade sei… - irredutível a suprimir o desejo que a sucumbia por dentro, Joana voltou a virar-lhe a cara, continuando a arrumar a sua mala, numa tarefa que agora se mostrava mais difícil de cumprir que nunca

- Eu… Eu ficava ciumento sim, quando via aqueles gajos a babarem-se pra cima de ti, e o facto de por vezes ires provocadora e de vestires aquelas roupas minizinhas, também ajudava!

- Ai agora a culpa é dos gajos e das roupas “minizinhas”… Hum, hum! – consentiu num leve mas troçado abanar de cabeça, fazendo deslizar o fecho da mala e impondo novamente a separação entre si e o seu ex-namorado… não que não quisesse estar perto dele, porque a verdade é que queria… queria muito até, mas o desejo e talvez um impulso que não tivesse mãos de segurar, poderia mostrar-se bastante superior à sua força de vontade

- Sim! Quer dizer… Também! Mas eu sempre fui um admirador do teu trabalho! – eles sorriram e Ruben sentiu a necessidade de voltar a tocar no assunto – E então… vais dar-me o autógrafo ou nem por isso?

- Tens uma caneta? – perguntou-lhe, pegou num pequeno bloco de post-it que encontrou em cima da bancada, enquanto que Ruben retirou a caneta do bolso de dentro do seu blazer e entregou-lha em mãos

Foi a oportunidade que veio ter com ela… Pela primeira vez pode confirmar com os seus próprios olhos, o que resumidamente tinha ouvido dizer e lido aqui, e ali… Ruben já não usava a aliança de noivado presa ao dedo anelar… Ambas as mãos estavam nuas, e isso só comprovou o que ela já sabia, mas não tinha bem como acreditar… posto isto, agora a principal prova estava ali… bem na sua frente, e só por esse pormenor os rumores daquela separação, poderiam ser mais sérios e verdadeiros do que julgara.
Ainda ponderou em confrontá-lo com o ponto da situação que agora ele mantinha com Inês, mas achou por bem não fazê-lo… Não era a altura nem o momento mais apropriado para tal e por isso, decidiu em não impor-se entre problemas e pequenos conflitos que não eram os seus.

- E então… Soube que estás de férias em São Francisco… - a algum custo, Ruben retomou a conversa suspensa, enquanto a via marcar o papel com a tinta permanente da esferográfica

- Sim… Decidi mudar de ares por uns dias, e aproveitar para estar com o meu irmão!

- O Salvador (!) Acho que a última vez que o vi, foi no baptizado da nossa menina… - incontornavelmente as palavras dele saíram-lhe mais doceis do que eram esperadas e esse pequeno descuido foi o suficiente para que no silêncio de um olhar, se arrastasse o sabor da saudade – … deve estar crescido!

- Sim, já está feito num homenzinho!

- E, hum… Estas instalada nas redondezas onde ficámos hospedados, quando fomos de férias naquele Verão?

- Hum, hum… Estou exactamente no hotel onde ficámos! – afirmou de certa forma recatada, na certeza de estar a fazer relembra-los memórias desvanecidas, mas jamais perdidas num outro tempo ou em qualquer espaço – Vais iniciar o estágio de pré-época nos Estados Unidos, não é?

- Sim… Parto dentro de dois dias! E tu, vais voltar pra lá ainda hoje?

- Não… Só tenho voo amanhã à noite! Esta tarde a Brenda ligou-me e pediu-me para ir amanhã buscar a Sofia à aula de ballet, por isso… – assertivou no mesmo instante em que o seu olhar remontara o dele, e entregando-lhe o papel que acabara por assinar – Toma…

- “Para o Ruben Amorim, com um beijo da Joana.” – ele leu em voz alta o que ela lhe tinha escrito – Ruben Amorim… Uau, que formal!

Os minutos seguintes foram entregues às amarras do silêncio. Joana não sabia que mais ainda havia para dizer, e Ruben, por muito que tivesse engendrado um tema comum para continuar a retê-la ali… a uns curtos centímetros perto de si, não conseguiu encontrar o que precisava.

- Ah… eu preciso de ir… O Pedro já deve estar no carro à minha espera para me levar a casa! – consentiu, colocando um termo à troca reciproca de olhares que já lhe causavam algum desconforto, somente pela impertinência de se terem tornado tão desenvergonhados e penetrantes

- Eu acompanho-te até lá fora… Deixei o carro lá atrás! – decidido a não terminar com aquele encontro improvisado, ali, ele tentou o que esteve ao seu alcance para prolongar um momento que não queria que chegasse a um fim – Isto é, se não te importares, claro…

Ela apenas lhe mostrou um sorriso provador de um concebimento aceite, e foi ladeada por Ruben que abandonou o recinto onde vigorosamente brilhara naquela noite.
Saíram tranquilamente pelas portas das traseiras, seguros de que os fotógrafos e jornalistas não estariam ali para, de alguma forma mais desagradável, os importunar e prepararam-se para uma despedida que nos seus âmagos, não se adivinhara tão soturna e custosa como então.

- Então… Até depois… - por momentos a voz fraquejou-lhe, e por consequência Joana não conseguiu somar aquela despedida, na entrega de um olhar, e por isso mesmo fixou o chão enquanto que de jeito nervoso, agitava o ténis na calçada do passeio pedonal

- Cuida de ti… - desejou passivamente, mais uma vez de mãos recolhidas nos bolsos dos seus jeans que perfeitamente lhe envergava as pernas esguias

Ambos vêm-se inevitavelmente tentados a despedirem-se de uma maneira mais… informal, se assim se pode chamar. Uma carícia, um afago, um beijo no rosto talvez, mas evidenciando a relação nada estável que eles partilhavam, nenhum tomou coragem e estofo suficiente para se chegar à frente e fazer quebrar todo o gelo que demorara quase três anos a formar-se e a separá-los.
Seguiram direcções opostas, caminhos diferentes… Caminhos que talvez não tivessem um ponto de cruzamento, ou que talvez estivem apenas destinados a seguir juntos, ladeados um pelo outro de mãos dadas…

- Ruben? – por uma razão e um impulso instantâneo que desconhecia em si, Joana travou subitamente a sua marcha e olhou para trás, num intento certeiro de requerer a atenção de Ruben, que se distanciava dela a algumas passadas longas, mas alcançáveis

- Diz... Precisas de alguma coisa? – inquiriu logo que se virou na chefia dela, num rasgo de esperança por mais alguma sentença que pudesse fazer suscitar uma reaproximação

- Hum… Vemo-nos por aí? – inquiriu com um nó formado no estômago, mas ainda assim com a força e audácia necessárias, que não a fizessem recuar numa pergunta, à qual temia ouvir a resposta

- Sim… Vemo-nos por aí! – embora tenha sido agradavelmente apanhado de surpresa, por aquela pertinência que ele julgara nunca mais ser ditada, deu-lhe a resposta que ela queria e precisava de ouvir… primeiramente o seu olhar fixou-se ao chão, como ponto de refugio que providenciou, mas acabou por pousar no dela, aquando um sorriso meigo e totalmente complacente lhe recaiu nos lábios em sinal de uma promessa que estaria para ser cumprida

Nunca aquele sorriso lhe parecera tão verdadeiro, tão doce, tão genuíno… Por momentos julgara até, estar a lidar com o velho Ruben, o Ruben de sempre, a quem se entregara numa paixão sem repressões nem limites. Um Ruben brincalhão, benevolente, espontâneo… Um Ruben que ela queria conhecer novamente e até… voltar a amar.
Tal como ele, Joana seguiu o seu caminho, um novo caminho que aprendera a construir, mas que não pretendia trilhar sozinha. Pedro levou-a a casa dos avós, e aquando já confortavelmente instalada no aninho da sua cama e rendida às horas que pretendia passar inerte, que apenas uma simples conjugação de palavras prometidas, não lhe saía da cabeça: “… Vemo-nos por aí!” 


14 comentários:

  1. fabuloso...

    quero mais... tou super cuirosa para ver o proximo...

    continua...

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  2. Que capítulo tãooo lindo *.*
    Não nos deixes tanto tempo sem novidades :$
    E mais uma vez digo que escreves de uma forma espantosa :')
    Beijinho*

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  3. aserio que tinhas de acabar assim?? tu qualquer dia deixas-me maluca com a forma como acabas os teus capitulos e depois falam da forma como acabo os meus!" lol

    isto está maravilhoso e lindo!! quero muito saber como vai correr este tempo enquanto ela permanecer em Lisboa porque eu tenho cá uma ideia que essa estadia vai ser longa, vai vai! :)

    quero muito ler o proximo, por isso minha querida nao demores muito, sim??

    fico à espera!

    beijinhos :)

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  4. Quando é que a história começa a desenvolver-se é que sinceramente a sensação que tenho ao ler mais um capítulo é que escreves de facto muito bem mas primeiro que consigas desenvolver algo levas muito tempo, talvez seja também por publicares de longe em longe.

    Com isto não estou a dizer que não gosto da história ou que tenho alguma coisa contra, estou sim como leitora a dizer o que sinto depois de ter esperado tanto por um capítulo novo, chego aqui e deparo-me que este como todos os outros estão escritos de forma divinal mas como pouco conteúdo, esperava mais!

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  5. Aiii estava tão ansiosa para este capitulo :D Eu sabia que se ela aceitasse este trabalho, e voltasse para Portugal que a Joana e o Rúben se iriam encontrar, ainda por cima encontraram-se logo assim que ela subi-o ao palco para desfilar, foi lindo :b
    E depois aquele encontro no camarim, dele a pedir-lhe um autógrafo foi tão, mas tão fofo *.*
    Continua, estou a gostar muito da tua história :D
    Beijinhos

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  6. Adorei adorei adorei continua.bjs

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  7. Que lindoo *.*
    Estes dois pertencem um ao outro, definitivamente! Esse "vemo-nos por aí", será mais cedo do que pensam? ^^ era bom...
    Beijinho e fico á espera doutro maravilhoso capitulo!

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  8. Minha princesa, o capítulo está lindo lindo lindo e a tua escrita está cada vez melhor!
    Estou completamente rendida à história e adorei a aproximação entre o casalinho... Agora quero é que isto dê frutos :b

    Um beijo grande, amor! Amo-te muito <3

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  9. Lindo, adorei, nem tudo é mau, ao menos desta vez não discutiram.
    Agora quero ler o próximo, rapidinho.
    Continua

    Bjs

    Fernanda

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  10. ai está tão lindo, tão real, tão magnifico !! a serio, estou completamente vidrada a esta historia e so quero mais e mais e mais...
    quando e que será o primeiro beijo?! e como e que isso acontecerá?? cheira-me que já estivemos mais longe de ler e viver esse momento ahah :)
    posta novamente assim que puderes... uma pessoa morre de curiusidade, nunca se canse de ler

    beijinhos

    Raquel

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  11. Tão lindo! Adorei!
    Acho que nunca me irritei tanto por me interromperem na leitura de um capítulo como desta vez. Três dias a interromperem! Bolas! E a única coisa em que pensava era: "o que será que vai acontecer? Será que eles vão ficar bem? Falta muito para ir para casa ler?" E finalmente consegui acabar de o ler! lol
    Adorei, a sério rapariga, tu és um poço de talento. Parabéns!
    Isto está cada vez mais interessante.
    Beijinhos!

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  12. Ola :) Era só para dizer que adorei este capítulo, aliás adoro esta fic,eu também tenho uma que é recente, quem quiser lêr fica aqui o link :)


    http://stopgobackandkissme.blogspot.pt/2012/05/capitulo-6-better-in-time.html

    Beijos e continua :)

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  13. Não, não desisti da fic... Apenas ando carregada de testes e trabalhos de final de ano, e é por essa razão que não tenho tido o tempo disponível que gostaria, para me dedicar a ela por inteiro.
    Contudo, já tenho o próximo capítulo bastante adiantado e espero conseguir postá-lo o quanto antes!

    Beijinhos :)

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