domingo, 25 de setembro de 2011

Capítulo 5 - Não consigo seguir enfrente...


Estava a ser sem qualquer sombra de dúvida, um dia recheado de fortes emoções para a jovem, Joana. Tomando inicio com o tão ambicionado e ponderado regresso a casa, seguido pelo acolhimento caloroso dos familiares e amigos mais próximos, e o reencontro com Rúben… O reencontro mais desgostoso e amargurado que alguma vez teve!
É certo que não esperava nenhuma recepção emotivamente encorajadora com direito a abraços saudosos da parte dele… Não, de todo! Mas foi aquela indiferença, aquele desprezo que embutiu no fácies fechado, que deixou o seu pequeno coração resumido a uma ruptura em duas partes estilhaçadas e sofregamente vazias. Logo à primeira impressão, conseguiu sentir que a vivacidade cristalífera transportada sobre os olhos penetrantes de Rúben, havia desaparecido… A sua boa disposição e amabilidade, foram ocupadas pela frieza de todas as expressões corporais… E a implacabilidade da rudes, traduzia em uma dúzia de palavras ásperas. Agora ele estava transformado num homem diferente, portador de comportamentos estranhamente diferentes que não tinham nada em prol das suas meigas características, quiçá comportamentos de um homem de coração dorido e alma ferida, que outrora tivesse sido a própria Joana, a transformar. Apenas o facto de pensar nisso, um aperto trepidante actuava e suprimia-lhe o peito de tal maneira asfixiada, que por momentos o ar que lhe alimentava os pulmões, deixava simplesmente de existir. Mas evidentemente, essa era penas uma especulação que os seus pensamentos haviam formado, e que de maneira alguma, estava confirmada. Por isto tudo, restava-lhe somente uma coisa a fazer: conservar o seu passado no pequeno memorial do baú da sua mente e, pelo menos tentar, seguir enfrente…      

- Madrinha, tens a certeza que não precisas de ajuda? – inquiriu ela voluntariamente a Rute, esposa de Rui Costa, aquando esta confeccionava as saladas para o jantar e tal como Sofia, Joana apenas se limitava apenas a observar

- Tenho querida, não te preocupes com nada… As saladas estão quase prontas e a mesa já está posta, por isso deixa estar que eu resolvo! – mostrou-lhe um sorriso afável, deslocando-se de um lado para o outro na divisão, finalizando os últimos preparativos para a refeição   

- É verdade, e os miúdos onde andam? – a estranheza de não ver nem sentir a presença sempre assídua dos dois meninos da casa, a imperar em qualquer uma das divisões, surgiu em si de forma que a levou a procurar um esclarecimento da dúvida

- O Hugo está na festa de aniversário de um amigo de escola, e o Pipo foi ao cinema… Ele disse-me que ia com o grupo de amigos, mas eu acho que foi mesmo com a namorada nova! – noticiou num tom de fofoquice que gerou umas pequenas gargalhas nas figuras femininas

- Com que então anda namorada nova na costa… Hum, hum! – disse enquanto enrolava os cabelos naturalmente encaracolados da pequena Sofia, nos seus dedos, estando a menina na sua frente e em cima da bancada

- E onde é que andam os outros miúdos? – o sorriso trocista assim como o tom de voz brincalhão, fizeram Joana acreditar que se referia claramente a Rúben e David

- Hum… Quando vim lá de fora, eles ainda ficaram de volta dos grelhados!

- Sim, vamos é ver se não saem espetadas cremadas, em vez de espetadas grelhadas! – constatou ao supor a falta de aptidão que poderiam ter para a cozinha – Querido, se quiseres já podes ir sentar-te, o jantar está quase pronto! – disse logo assim que vislumbrou Rui a ingressar pela porta da cozinha, engravatado e com uma pequena pasta preta de cabedal debaixo do braço

- Desculpem, mas não vou poder jantar com vocês… - informou logo assim que capturou um pequeno cacho de uva roxa da fruteira e abocanhou um gomo – Ligaram-me para ainda ir ao estádio a tratar de umas burocracias que ainda não ficaram resolvidas, e parece que vai demorar um bocado!

- Mas é fim-de-semana, padrinho… E estamos na hora da refeição! - relembrou Joana, deixando que uma pequena lividez de desmoralização, lhe arrasta-se a voz

- Eu sei querida, mas ninguém pode fazer o meu trabalho,por mim, não é? – perguntou-lhe retoricamente, exibindo um breve sorriso conformista – Vou tentar ser o mais rápido possível, prometo! – despediu-se de Rute com um leve toque de lábios e de Sofia e Joana com um beijo no topo da cabeça, acabando por desaparecer pela mesma passagem que há instantes havia entrado

- Bem, e sendo assim minhas queridas… Vamos nós indo para a mesa! – informou um pouco entretecia, pela saída quase relâmpago e nada prévia, de Rui… tomando depois nas suas mãos, os poucos e restantes condimentos que completavam a convidativa mesa de jantar

- Eu já lá vou madrinha, enquanto eles se despacham como os grelhados e não, vou só dar um pulinho à garagem para ver como está a mota! – disse Joana sorridente e extremamente empolgada, por voltar a ver o seu estimado motociclo, deixado à guarda dos seus padrinhos

- Não te demores, Joana…

- É num instantinho! – prometeu-lhe num rápido e seguro piscar de olho – Meu anjo, a mami já vem, tá bom? – com todo o carinho fixou os olhos de da pequena, com ternura, assegurando-a num jeito meloso

- Shim, mami… Mas põe-me no chão, po’ favolhe! – pediu-lhe encarecidamente já no seu jeito engraçado de menina trapalhona, Joana soltou um pequena e leve gargalhada, pousando-a depois com toda a delicadeza no chão

Logo de seguida, a rapariga recém-chegada fustigou-se pela porta do fundo da cozinha e rumou até ao piso inferior, para “matar saudades” do seu meio de locomoção a longas distâncias. Enquanto isso, Rute e Sofia seguiram ladeadas até à sala de jantar, que Rúben acabou por transpor, instantes depois.

- Seja bem aparecido, Senhor Rúben! – introduziu Rute em espicaçaria, compondo os guardanapos de pano sobre os pratos ejaculados a pintura branca imaculada – Desde que chegas-te, que não te pus mais os olhos em cima… Estavas com o David lá fora?

- Estava. – respondeu-lhe simplesmente, sem querer dar muito fio à conversa, pois a outra presença feminina que vagueava pelos recantos da casa que lhe eram desconhecidos, reflectia-se nele de um modo estranhamente inquietante

- E esses grelhados nunca mais saem?

- Não devem demorar… - encaixou as mãos nos bolsos, direccionando o foco das pupilas, contra o mosaico negro - O David está pra lá armado em bom samaritano da arte dos barbecues, mas mal sabe pegar no garfo de churrasco para virar as espetadas! – mesmo sem querer, um sorriso contundente assim como uma gargalhada abafada, abandonou-lhe os limiares da boca

- Tens cá uma discernia para falares… - referiu num tom natural de falso prejudico – Ele ainda se ofereceu para ajudar! E tu…

- … E eu estou a supervisionar o seu trabalho, para o caso de acontecer algum deslize ao jantar, por culpa dele! – sobrepôs numa resposta despachada, que não deu possibilidades a mais nenhuma pergunta

- Fica sabendo, que é muito feio falar sacanagem do seu melhor amigo, nas costas… oh babacudo! – David surgiu inesperadamente pela abertura inexorável da sala, acompanhado pela tão badalada e refastelada, travessa de grelhados

- E fica tu sabendo que também é muito feio, insultares o teu melhor amigo… Principalmente com esses nomes à zuca melado! – ripostou, sentando a pequenina numa cadeira altiva, para que esta pudesse permanecer à altura da mesa

- Vá lá, vocês parecem umas autênticas crianças… Ao menos dêem o exemplo à Sofia, é bem mais nova mas comporta-se muito melhor que vocês juntos! – findou repreensivamente, mas ainda assim a deixar conotar-se por uma quase discreta lividez de ironia, tomando lugar numa cadeira lateral da mesa

- Ué, onde ‘tá o Rui? – David estranhou a falta de assiduidade do director desportivo na sua mesa de jantar, sentando-se na frente de Rute

- Ligaram-lhe e ele teve que ir ao estádio, parece que não vai chegar a tempo do jantar!

- Alguma coisa de grave, Rute?

- Não… Penso que não! Apenas umas burocracias! – disse, passando a mensagem que Rui lhe havia dado

- Então, e a… - iniciou Rúben depois de puxar uma cadeira, junto de Sofia e expelindo uma leve tossidela de modo aclarar a voz, de punho cerrado frente à boca - … a Joana, não janta connosco? – acabou por inquirir num tom de voz praticamente desvanecido, não lhes querendo mostrar e dar a entender, o seu interesse a prol do assunto

- Foi à galhagem a velhe a mota… Eu vou chama-lha!- prontificou-se de imediato a pequerrucha que se apressou a esticar os bracitos na direcção de Rúben, de modo a que este a ajudasse a descer

- Deixa-te aí estar Sofia, eu posso ir lá!

- Não papi!... Hoje, a mami é só minha! Po’ isho eu é que lá vou! – disse no seu jeito menina-mulher, arrebitando o pequeno nariz

- E eu já te trago a mami, está bem? Prometo! – assim que lhe deu um leve beijo na testa, Rúben voltou a sair da sala que nem uma bala disparada do cano de uma pistola, tomando a única direcção até à garagem, onde se prostrava Joana

Abriu vagarosamente a porta do interior e enveredou de mansinho, implantando passos silenciosos no prostre frontal dela, voltada costas para ele, enquanto visionava todos os detalhes da mota na posição de crócaras. Foi apenas um descuido traiçoeiro que denunciou a presença até ao momento, fantasmagórica de Rúben que havia chocado com o pé, num patim em linha espalhado no chão cimentado. De jeito reflectido e automático, Joana ergueu-se de fasquia rodando os calcanhares na direcção do epicentro do ruído que a tinha arrancado abruptamente de uma calmaria e sobressaltou-se, ainda que involuntariamente.

- Desculpa, não te queria assustar… - perdoou-se timidamente, assim que teve coragem de lhe falar “directamente” pela primeira vez

No meio daquele aparato momentâneo, Joana ficou sem saber o que dizer ou como reagir. Ele mantinha-se bem adiante da periferia clarificada do seu olhar e num instante enfático, conseguiu sentir um nó cego a formar-se no estômago e o coração a romper-se das artérias e todos os vasos sanguíneos, disposto a saltar-lhe da boca. Ao primeiro pensamento monólito, ainda pôs a hipótese de o abordar mas depois as imagens flashes daquela tarde e daquele reencontro, lhe assomarem à memória, pôs essa ideia completamente de parte… Não iria correr novamente o risco, de voltar a ser humilhada por ele.      

- Joana, espera… Não vás! – a voz tenuemente pedinchona de Rúben, impôs uma travagem repentina ao corpo de Joana, que já trespassava a porta de saída da garagem

- Desculpa, mas falas-te comigo? – numa volta rápida aos calcanhares, ela observou-o junto à bancada, exibindo uma expressão inquisidora e abscindida, face ao comportamento que esta tarde Rúben, havia tomado consigo

- Que eu saiba és a única Joana que aqui está!

- Ah, que engraçado… Parece que a tua amnésia, afinal, foi coisa passageira… Já te lembras de mim! – um toque incongruente de ironia, traçou cada palavra que ditara, colmatando com um sorriso suportado pelo mesmo factor   

- Eu nunca me esqueci de ti, está bem? Apenas não consegui reagir de outra maneira quanto te vi esta tarde, que não fosse aquela… Desculpa!

- Ouve Rúben, eu sei que neste momento não deves estar propriamente a adorar-me… - molestou aquando caminhava a passos vagarosos na direcção dele, de olhar vincado no chão e com os dedos das mãos já a brincarem ao enlaça-desenlaça, revelando o nervoso miudinho que já se tinha formado no corpo – Mas peço-te para não me odiares, até porque…

- Joana, por favor… – antes que ela continuasse a discursar e a fazê-los relembrar o passado que nenhum dos dois conseguia esquecer, Rúben apressou-se a cortar-lhe as palavras - … não vamos falar sobre isso! O que passou, passou… Ponto final!

- Mas então, é assim? Não há rancor… ressentimento, mágoa? – os olhos azulados dela, arregalaram-se de surpresa, pois nunca esperara ouvir tais palavras sossegadas saírem da boca de Rúben depois de tudo o que, contra a sua vontade, lhe fez

- Para quê perdermos o nosso tempo a alimentar sentimentos tão maus e destrutivos? A vida é demasiado curta para a desperdiçarmos dessa maneira! – disse num sorriso reconfortante, focando Joana com aquele olhar penetrante que possuía… e apenas aqueles gestos simplórios, conseguiram aconchegar o coração desinquieto dela – Aliás, o que tivemos não foi nada de relevante… Aconteceu e acabou, como todas as coisas na vida… Não é?

Este foi definitivamente, o fim. O encerramento de uma história que até à altura se havia colmatado a permanecer em reticências, mas que à primeira oportunidade, Rúben finalizou… Escreveu um ponto final sem parágrafo e, estava mais que feito! Joana por momentos sentiu-se a vacilar… A cair sobre o auspício de um precipício… A quedar-se no asfalto armadilhado. A princípio foi difícil aceitar aquelas palavras, e perguntava-se interiormente se foram mesmo aquelas que tinha ouvido, mas o silêncio que Rúben tomou, certificou a afirmação da sua pergunta e isso… isso magoou-a bastante! Tinha passado realmente muito tempo, mas os melhores momentos que havia passado e com a pessoa que os havia passado… esses, já mais os desvalorizaria ou desprezava, tal como Rúben fez há instantes.

- Ah… Sim, nada de relevante! – respondeu num tom desapontado e sem nunca ter coragem de olhá-lo nos olhos, pois se o fizesse, decerto que uma lágrima traiçoeira, iria precipitar-se do cantinho do olho 

- Mas agora, fala-me de ti… Ouvi dizer que estudas advocacia, lá em Nova Iorque… - iniciou uma nova conversa quase a medo, após poucos momentos de silêncio

- Estudava!... Pedi transferência aqui para a faculdade de Lisboa… - num curto passo enfrente, juntamente com o rápido girar sobre o próprio corpo, Joana recostou-se na bancada ao lado esquerdo de Rúben - Mas sim, ando em Direito… Acho que tomei o gosto da minha mãe, pela profissão!

- Já soube o que lhe aconteceu, lamento imenso!

- Pois, eu também… - cabisbaixamente, descaiu o olhar na direcção da biqueira do salto alto, que se remexia freneticamente, talvez… devido ao rebulício intransigente que se desmantelava no seu peito dorido - E tu, casaste…? – inquiriu ainda duvidosa, vislumbrando pela primeira vez, a aliança que revestia o dedo anelar dele, exposta pela mão descoberta no cruzamento dos braços  

- Ahm… Não! – olhou a aliança por instantes e depois fê-la girar no anelar, por acção polegar e indicador -  Estou noivo… Vou casar no final do Verão! – o peso daquelas palavras, impediram Rúben de encará-la, apesar da história deles estar mais que encerrada e de parte a parte “esquecida”, era-lhe inquietamente pesaroso bradar este assunto com ela

- Eu conheço-a? – limitou-se a fazer a primeira pergunta que lhe surgiu na cabeça e num fáceis mais fechado e desmesurado que nunca, cruzou os braços à dianteira do peito

Um período de tempo desconfortante, tomou barreira entre ambos… Rúben sabia que de qualquer das maneiras, Joana viria acabar por descobrir… mesmo que optasse pela mentira – É a Inês… - acabou por dizer, para que no instante seguinte sentisse uma amalgama de alfinetes a cravarem-se nos pulmões fazendo-os esvaziar o ar

- A Inês… Inês?! – uma fina protelação aflitiva e igualmente incrédula, tomou rédeas tanto da voz como de todas as expressões faciais dela, assim que facultou a hipótese de a namorada e noiva de Rúben, ser Inês… a sua ex-melhor amiga e amiga de Rúben, no pretérito perfeito

- Sim! – afirmou assim que um suspiro entrecortado, entretelou a sua respiração regularizada e mais uma vez, optou por direccionar o olhar noutra imagem que não fosse o corpo dela 

- Hum… - uma forte dor acutilante que lhe assaltou o coração, fê-la soltar um grito interior que apenas não lhe escapou por entre a abertura dos lábios devido ao facto de ter desde sempre, aprendido a lidar com a dor e a saber esconde-la, mesmo que o momento apelasse a que reagisse de modo contraditório a esse comportamento - E onde é que ela está, agora?

- Em Londres, a terminar o curso de moda e estilismo!

- Fico contente por vocês! – pela primeira vez, e assim que o orgulho a permitiu, Joana soltou o sorriso mais fingido e sofreado a que os seus lábios já mais haviam contraplacado

“Não fiques...!” – ditou ele sob pensamentos um tanto agrestes, mas acabou por lhe responder com o mesmo sorriso encenado

- E… - iniciou um quanto reticente e incerta quanto à pergunta que lhe queria fazer, mas ao respirar fundo discretamente, conseguiu sentir o alento que tanto necessitava para prosseguir, de modo a perscruta-lo nos olhos – … ela faz-te feliz?

- Não me faz infeliz, e isso chega-me! – esclareceu de rajada e num só sopro, nem dando a si próprio um instante em que pudesse reflectir a resposta, pois essa, estava-lhe definitivamente esclarecida   

Depois dos pontos acrescentados aos “is”, Ruben e Joana seguiram de imediato até à sala de jantar, alvos de um silêncio constrangido durante todo o trajecto, até voltarem a irromper pela sala.

- Mami, shenta aqui ao pé de mim! – chamou-a rapidamente Sofia, assim que os seus sentidos denunciaram a chegada dos padrinhos que ela tanto vangloriava

- A mami já se senta contigo, meu amor! – assegurou-a com um sorriso meigo, enquanto procurava o telemóvel para ler uma mensagem que havia recebido de Sarah

- A Adriana já devia ter chegado… Será que aconteceu alguma coisa? – inquiriu Rute enquanto constatava o invulgar atraso da habitualmente pontual, Adriana, pelo relógio de pulso

- Quem é a Adriana? – perguntou Joana, com a ingenuidade de quem era alheia a todos os acontecimentos contraplacados no pretérito, voltando a arrumar o pequeno aparelho no bolsinho da mala

- Pois, tu não deves conhecer…! É a…

- É a namolhada do Caracole, mami! – respondeu Sofia prontamente e de sorriso arisca desenhado nos lábios finos e naturalmente ténues e avermelhados, referindo-se à mulher que mantinha o coração de David cativo,  constelado ao namoro estável e duradouro de ambos, iniciado há quase dois anos

- E por falar nela… - foi nesse exacto instante, que a campainha imperial da mansão ecoou até às quatro faustosas paredes da sala, denuncia da chegada de mais um elemento querido de todos

- Deixa-te estar, David… Eu vou abrir! – prontificou-se voluntariamente, disposta a receber a visita e convidada para o jantar, já assim que David se preparava para fazê-lo 

Num passou cordial e ritmadamente colimado, Joana dirigiu-se à entrada principal e ao abrir finalmente a porta pedonal, pôde vislumbrar pela primeira vez, a figura que já tanto era esperada e que mesmo não fazendo uma pequena ideia se iria tornar para si, mais do que uma simples amiga… Uma irmã.

- Olá, boa noite! – saudou ela, numa voz doce e sorriso delicado fazendo prostrar de imediato, a figura de uma mulher bonita e elegante

- Oh, olá! – clamou retribuindo-lhe o mesmo sorriso – Deves ser a Adriana... Entra! – num rápido desviou, abriu-lhe o corredor suspendendo o braço em extensão para o interior

- Eu mesma! – afirmou num galantear de entrada educado e dispondo-se defronte a Joana - Conhecemo-nos?

- Não, receio que ainda não… - revelou negativamente, fazendo um pequeno trejeito com o olhar – Eu sou a Joana, familiar dos anfitriões da casa!... E pelo que já me contaram, tu és aquela que mantém um relacionamento amoroso, com o moço que julga saber cozinhar! – brincou, fazendo-se acompanhar pelas suas leves gargalhadas e de Adriana, que tinha achado engraçadamente pelicular, a forma habilidosamente perspicaz e sinóptica, com que Joana a havia abordado

- Espera… Joana, afilhada do Rui e da Rute? A Joana de Nova Iorque?

- Ah… Sim, acho que essa sou eu…

- Oh, desculpa… - desculpou de imediato a maneira indecifrável com que inquiriu Joana, deixando-se acompanhar por um sorriso sereno e honesto que denunciava a sua meiga, mas firme personalidade – O David e os teus padrinhos, costumam falar-me bastante de ti… Por aquilo que me contaram a teu respeito, confesso que gostava de te vir conhecer um dia!

- Bem, então acho que esse dia chegou! – vociferou tenuemente, permitindo que um rasgo gratificante lhe arqueasse as lacunas dos lábios – Mas agora vamos jantar, estávamos à tua espera!



*** 


- Já todos acabaram? – inquiriu Rute em geral, certificando-se que já todos eles, tinham terminado o prato principal – Vou buscar as sobremesas…

- Posho i’ contigo? – interveio a pequena, sempre pronta a ajudar com o que fosse preciso

- Claro que podes, Sofiazinha! – consentiu sorridente, retirando-a depois da cadeira e levando-a consigo até à cozinha

- Pensei que chegasse mais cedo, amô… Aconteceu alguma coisa? – David abordou a sua Adriana, sentada a seu lado e mantendo um tom de voz audível, a Joana e Rúben

- Não… Apenas tive que ficar até mais tarde na faculdade, a apresentação do trabalho demorou mais do que pensávamos e não consegui sair mais cedo! – justificou-se mantendo o mesmo tom que David, e depois de dar um pequeno gole no copo de água

- Fiquei preocupado com cê, como não atendia os meus telefonemas… - revelou no seu tom protector, lançando-lhe um olhar terno e simultaneamente apaixonado

- Desculpa, amor… Não era mesmo a minha intenção deixar-te preocupado! – de jeito lamentoso contraiu as sobrancelhas, sentindo ter deixado o coração do homem que amava, desassossegado, apenas por um dever de trabalho

- O que importa é que você veio! – um sorriso deslumbrante, cicatrizou-se em seus lábios e de olhos vincados no rosto dócil de Adriana, para logo de seguida ser ele a arrastar a ponta do nariz no dela, o que deu inicio a uma brincadeira retórica de um casal de namorados

- É… Há sempre quem venha, e quem vá e não volte! – espingardou Rúben das bocas do silêncio e ainda de olhar amarrado ao prato no qual mal tinha tocado, o que sem dúvida alguma era de estranhar, visto que ele era um amante afirmado de boa cozinha – Ou volte no dia em que já é tarde demais… - aqueles comentários mandados para o ar, eram notórias indirectas que tinham um destinatário e Joana, sabia-o

- Essa boca foi para mim?! – inquiriu completamente apanhada de surpresa, no arqueamento perfeito do sobrolho

- Se tu achas que foi, quem sou eu para te desmentir… - uma pitada de um misto de escárnio com ironia, reflectiu-se na insensatez das suas palavras

- Sinceramente… Das duas, uma: Tens problemáticas mudanças de humor ou então finges muito bem! - Joana ficou ligeiramente confusa face a este novo comportamento e posição que Rúben havia assumido de um momento para o outro… nada em comparação com aquele que tomara na garagem

- Mas tu pensavas o quê? Ãh? – finalmente ergueu a cabeça e enterrou um olhar inquebrável no dela, de modo desafiador – Que te ias embora sem prestar cavaco a ninguém, ficavas fora uns anos sem dares notícias e depois voltavas como se nada fosse… Como se tudo estivesse bem?! – abanou a cabeça em trejeito repreensivo – És uma ingénua, Joana… Sempre o foste!  

- Pelo menos não sou hipócrita! Tu é que me levaste a pensar que estava tudo bem! Ainda há pouco mo disseste… Nada de rancores, lembras-te?!

- Lembro, mas isso não invalida o facto de me ter esquecido… Porque isso nunca irá acontecer, percebes? Nunca vou esquecer o que me fizeste! – vociferou visivelmente perturbado, tinha finalmente ganho aptidão, para expulsar tudo o que tinha guardado no peito, durante todo aquele tempo da ausência dela – Aliás, se tivesses um pingo de vergonha que fosse, nunca terias voltado!

- Eu não voltei por tua causa, Ruben! – fungou já visivelmente irritada e batendo com a palma da mão sob a mesa

Adriana e David assistiam abismados à discussão convulsionada hipoteticamente, de um momento para o outro, facultados obrigatoriamente a se limitarem a encarnar o papéis de meros espectadores, e sem nenhum dos dois tomar a ousadia de intervir. As suas cabeças rodavam de um lado para o outro tal como se tivessem a assistir a um jogo de ping-pong… Aquando as ripostas de parte a parte, atingiam tanto Rúben como Joana…

- Ainda tens o descabimento de o negar? – gargalhou ironicamente enquanto se recostava na cadeira –  Não te esqueças que eu te conheço melhor que ninguém… Ou pelo menos conhecia!

- Eu não te admito, ouvis-te bem?!

- Eu é que não te admito, Joana! Eu! – agora os ânimos estavam mais que exaltados e o tom de voz elevado de ambos, carregava toda a raiva e frustração que espingardavam um para o outro – Não sou nenhum fantoche com quem brincaste e deitaste fora! Para além de ingénua e mentirosa, também és uma grande cobarde!

- Se queres saber, julgava-te bem mais inteligente… Agora que ficaste sem argumentos, partiste para os insultos?

- O que para ti são insultos, para mim é a verdade pura e dura! – balbuciou uma resposta rápida e directa, sisando o rosto

- Para mim chega!… Não vou ficar aqui a ouvir a boca da ignorância! – já cansada daquela discussão, que por razões óbvias, não os levariam a lado nenhum, Joana ergueu-se de rompante da cadeira e sumiu-se pelo encosto da porta

- Isso mesmo… Tu foges e continuarás sempre a fugir! – gritou-lhe Rúben uma última vez, na esperança que ela ainda pudesse ouvir

A passadas trôpegas e enfurecidas, Joana foi directa ao jardim exterior, mas não sem antes passar primeiro pela sala de estar, roubar um cigarro e levar apenas de empréstimo um isqueiro da carteira de Rute, que já sabia ser uma fumadora habitual. Sentou-se no banco da mesa junto aos canteiros, rapidamente prendeu o filtro do cigarro entre os lábios e acendendo-o posteriormente. Fazia imenso tempo que não tocava naquela substância, mas naquele momento foi a única coisa que lhe ocorreu, de modo a descarregar tanta raiva e frustração que aos poucos, a consumia…


*   


- Nem ‘tou reconhecendo você, Rúben… Não havia necessidade nenhuma de armar barraca dessa maneira! – repreendeu-o David, instantes depois da saída de Joana  

- Sabes muito bem que o que tenho a dizer, digo e pronto! Não era capaz continuar a fingir que estava tudo bem e dar-lhe palmadinhas nas costas, como se nada tivesse acontecido… - bradou ainda domado por um laivo inoportuno de mágoa, a contornar-lhe cada palavra – Mas se ela pensa que ficámos por aqui, está muito enganada! – num pulo habilidoso, repeliu-se da cadeira, disposto a terminar a “conversa” que tinha deixado a meio

- Rúben, onde é tu que vais? – Adriana que na altura já se encontrava de pé e junto à porta, barrou-lhe a saída na agilidade de um passo longo, abordando-o numa voz calma e pacífica, como já era tão natural nela

- Deixa-me passar, Adriana… Preciso de ir apanhar ar!

- Tu vais procurá-la, não vais?!

- E se for? Só quero conversar e arrumar de uma vez por todas, este assunto… - proferiu calmamente, tentando persuadi-la com o seu discurso, o que não foi de todo, capaz

- Não piore ainda mais as coisas, manz!... Vai acabar por magoar ela, ainda mais! – advertiu David, surgindo nas costas dele

- Magoa-la? Então e eu?... Eu não fui magoado?! Sinceramente, até parece que vocês não sabem de tudo o que aconteceu…

- Sabemos! E é exactamente por sabermos, que não vamos deixar que piores ainda mais a situação! – acentuou ela firmemente, já há muito a par de tudo o que se tinha passado entre Joana e Rúben e sem dar sinais de cedência 

- Adriana, eu já disse que não vou piorar nada! Apenas quero conversar com ela e esclarecer o que ficou por ser esclarecido! Agora que se dás licença… - sem mais impedimentos, Rúben conseguiu fustigar-se num rápido movimento, e pelo intuito do momento, guiou-se até ao jardim onde acabou por vislumbrá-la ao fundo dos canteiros e ainda no mesma posição

- Com que então, agora também tens maus hábitos…! – disse ele com uma ironia contundente a traçar-lhe um sorriso falseado, aquando as suas passadas vagarosas que impunha sobre o solo verdejante e de mãos escondidas nos bolsos de ganga das calças escuras que envergava, acabando por se aproximar de Joana que continuava a fumar o seu cigarro sentada sob o banco comprido da mesa de madeira, localizada junto ao barbecue e enfrente dos canteiros

- Não são hábitos! É apenas o último recurso a uma necessidade do momento! – corrigiu-o, dando o quarto trago no cigarro

- Hum, hum! – abanou a cabeça afirmativamente com um certo desdém e finalmente pisou o pátio cimentado – Posso sentar-me? – pediu-lhe calmamente, esperando tomar lugar ao lado dela

- Não! – respondeu-lhe de rajada, sem nunca o fitar e depois de ter expelido uma camada magnificente de fumo, por entre os lábios

Rúben fez-se completamente alheio à negação e acabou por se sentar no banco de frente para o corpo dela, encaixando cada perna para cada extremo do poisio expelido a madeira de carvalho.

- Precisamos de falar…

- Ai precisamos? – pela primeira vez desde que ele chegara até junto dela, Joana olhou-o, arqueando a sobrancelha num acto reflectido sobre a sua surpresa – Acho que já tinhas deixado tudo bem claro! 

- Não comeces com os teus perjúrios!

- Mas afinal o que é que queres, hum? – bateu levemente com a ponta do indicador no filtro do cigarro, deixando tombar as cinzas no pequeno cinzeiro disposto na mesa – Vieste espezinhar-me ainda mais? Acabar o bate-boca que começas-te lá dentro?... É que se foi isso que vieste fazer, aconselho-te a dares meia volta… Não estou com cabeça para continuar a discutir, muito menos contigo!

- Quero saber porquê… Quero saber a razão! – disparou num só sopro pesado, sem lhe dar um fio condutor, que indicasse o titular daquele discurso

- Desculpa? – voltou a mira-lo, ainda sustendo um trago de fumo na garganta

- Não, não desculpo! Não desculpo aquilo que me fizeste, e quero saber o porquê! – referiu num tom frívolo e intimista, procurando nela o verdadeiro motivo que a levara a conduzir aquela fuga

Foi naquele instante que agora mais e que nunca, Joana se à sentido confrontada com o verdadeiro peso da realidade… Realidade que continuava e insistia em fugir, desse por onde desse!

- Não quero falar sobre isso… Não é o momento! – declarou no indicio de uma voz fraquejada e cruzando as pernas, uma sobre a outra 

- Não, não, não… - repetiu-se num sorriso sarcástico, tentando não acreditar no que acabara de ouvir – Só podes mais uma vez, estar a gozar com a minha cara! Vou voltar a redizer: Estou aqui porque mais do que ninguém, mereço uma explicação! E quero-a agora! Esperei por ela durante três anos… Não vou esperar nem mais um dia!

- Porque é que insistes nisso, Rúben? – deu o último trago e depois de expelir a avolumada lufada de fumo, acabou por apagar o cigarro, com o rápido decalcar, na base do cinzeiro – Estás no auge da tua carreira, tens uma família e amigos que te amam, e ainda estás noivo da mulher que escolhes-te para passar o resto da tua vida! – levantou-se, e assim que se repeliu do banco, afastou-se escassamente – Segue enfrente e esquece o passado! 

- Não! – vociferou rispidamente, fazendo colidir o seu punho cerrado sob a mesa, com tanta força que o barulho pelo embate facturado, reflectiu-se num pequeno sobressalto de Joana e logo a seguir, ele ergueu-se também – Só posso seguir enfrente quando o nosso passado estiver morto e enterrado! Coisa que tu, não deixas!

- Eu não deixo? Tu é que não queres sair dele, razão pela qual persistes tanto no assunto!


*


A assistir incrédula àquilo que já se poderia considerar novamente de “discussão”, estava a pequena Sofia, bem junto da porta de vidro duplo espreitando atenta e ligeiramente amedrontada ao desenrolar da acção conflituosa, que naturalmente não estava a entender, facultada pelos seus segundos progenitores. E como tal, foi inevitável continuar a suster uma lagrimazinha fugitiva, que sorrateiramente se desprendeu da pálpebra inferior e lentamente, começou o seu trajecto na vertical assim que lhe começou a rolar pelo rosto naturalmente rosadinho. 

- Sofia? – a doce voz de Adriana preencheu o ar do interior, assim que vislumbrou a pequena já a dirigir-se para o descoberto do lado de fora

- Olha alhi, Ad’iana… Olha alhi! – o indicador da menina formou uma recta no ar, certeiro ao local onde Joana e Rúben ainda continuavam com uma troca de palavras acesa e Adriana caminhou até junto dela, tentando perceber o que lhe estava a querer mostrar

- Anda querida, vamos para dentro que está a ficar frio! – estendeu-lhe a mão para que a pequena a tomasse, numa tentativa de a levar para casa e conseguir impedir que ela continuasse a assistir ao conflito

- Mas Ad’iana, os papis tão a… Os papis tão a g’italhe um com o out’o… - presenciou baixinho, com o pequeno queixo a tremelicar indicando um choro prestes, já sujeita ao enlace da mão firme de Adriana na sua

- Vem cá! – delicadamente pegou em Sofia e aconchegou-a ao seu colo, na tentativa de acalmar o coraçãozinho assustado da criança – Os papis estão apenas a resolver os problemas deles, princesa…

- Atão po’que é que estão a g’italhe? Eles não se gostam? – inquiriu na sua pura inocência, exibindo um beicinho inconsolável que resultou no encaixe perfeito do lábio inferior à frente do superior

- É claro que eles se gostam… Mas sabes que a mami esteve fora muito tempo, e o papi teve muitas saudades dela! – esclareceu-a, num tranquilizante deslizar das polpas dos dedos pela face de Sofia

- Mas se ele teve saudades da mami, devia tar a ab’aça-la e a da’-lhe muitos beijinhos… E em vez disho, tá a ralha’-lhe!

- Sabes Sofia, às vezes os crescidos são mais complicados do que aquilo que parecem e agem de maneira totalmente contraditória, àquilo que sentem! – fez uma pausa e depois soltou uma leve gargalhada, ao perscrutar toda a estranheza e confusão que tomou conta das expressões da menina, face à sua explicação – Eles vão ficar bem, pequerrucha, eles vão ficar bem! – simplificou numa garantia, selando-a com um beijo caloroso e confortante na testa dela – Agora vamos para dentro, que o Davi quer mostrar-te uma coisa!

- Que coisa, Ad’iana? – uma lividez conotada pela curiosidade domou o seu empolgamento, arregalando ainda mais os olhos pestanudos e rodeando o pescoço de Adriana com os bracinhos

- Já vais ver! – piscou-lhe o olho ao sabor de um sorriso que tomou moradia nos seus lábios e num movimento rápido e meigo, premiu a ponta do nariz de Sofia com o indicador, o que originou uma risada contagiante da parte da pequena


*


- Um e-mail! Mas por quem raio tu me tomas, para te “despedires” não sei ao fim de quantos meses, com a porcaria de um e-mail?! Um e-mail, Joana!! – o ajuste de contas de um passado mal resolvido, continuou numa troca agreste de falas de parte a parte, que já se adivinhava nada agradável para ambos

- Mas será que só pensas em ti?! O mundo não gira à volta do teu umbigo! – voltou a gritar-lhe, notavelmente indignada pelo egoísmo que Rúben lhe continuava a mostrar – Entende de uma vez por todas que eu não tive outra alternativa! Ou eu ia para os Estados Unidos, ou eu ia para os Estados Unidos! Era uma escolha tão simples quanto esta!

- Se tu não tiveste escolha, então eu também não tive… Restou conformar-me com o facto de me teres deixado, e nada mais! – relembrou-a num tom de censura – Eu é que fui realmente muito estúpido, por me ter deixado levar por uma brincadeira do momento, que depois me veio a sair cara! Sim porque o nosso primeiro beijo, foi a origem de uma brincadeira palerma!

- Brincadeira palerma, que tu começaste!

- E tu gostaste tanto, que entraste nela sem reclamar… Não tentes livrar-te das culpas!

- Aqui ninguém se está a livrar de nada, muito menos eu!

- Pois, no entanto eu é que fiquei com as interrogações todas, eu é que fiquei com todos os porquês sem resposta… - indagou já com o orgulho ferido, memória do desgosto a que ela o remetera durante todo aquele tempo – Só eu é que sei o que me custava, quando a Sofia passava as noites na minha casa e quando eu a ia deitar, ela me perguntava pela madrinha, milhentas vezes!... Só eu sei no crápula e no perfeito idiota em que me sentia, de cada vez que a aconchegava nos lençóis da cama e me sentava junto dela para a adormecer e ela procurava em mim uma resposta eu nunca lhe conseguia dar, porque simplesmente não a tinha… E tudo isto porque tinha saudades da tuas, porque o teu lugar era ao lado dela, era ao meu lado e tu viraste-nos as costas com o elevado preço de nos deixares para trás, a pagar!

- E tu julgas que foi fácil para mim? Achas que não sofri com a minha partida forçada?! – uma voz tresandada de resignação, quase que lhe rasgou a fibra da garganta - Eu chorei noites a fio, Rúben! Chorei por ter sido obrigada a deixar uma vida para trás, as pessoas que mais amava para trás… E ter que esquecer tudo o que tinha construído e tudo aquilo em que acreditava!

- Pois, por isso é que não levas-te muito a esquecer-me! – voltou a contra-atacar sem demoras, assim que lhe virou o corpo e voltou a esconder as mãos nos bolsos

- Claro, tinha que vir a teoria do Senhor da Razão, não é?! – caminhou até Rúben e prostrou-se na frente dele, olhando-o com fulcro – Não sou eu que vou casar já no final do Verão, e como podes percepcionar, é nesse ponto que se vê quem esqueceu quem, primeiro!

- Querias o quê, Joana? Que esperasse até a este dia, o dia em que voltarias? Ou que fosse aos States e te implorasse de joelhos que não me deixasses? – quase sem dar conta, a sua voz grosseiramente masculina, começou a perder intensidade e a cada palavra acrescentada à prenunciação, ela fraquejava como se tivesse a ser sucumbida por cada partícula de ar – Não podia continuar amarrado a algo que perdi e que nem garantias tinha, de voltar a ter!

- Estás a pensar muito mal, se achas que foste o único que saiu a perder… Daquilo que nós tivemos!

- E o que é que nós tivemos?

- Nada de relevante!... – envolta às palavras amarguradas que Rúben lhe havia ditado, Joana jogou-as de maneira a atacá-lo e a fazê-lo degustar o amargo sabor da derrota

- É mesmo isso que pensas? – inquiriu desnudado pela insegurança de ouvir uma resposta segura e afirmativa dela

- Não… Isso: É o que tu pensas!

Rúben não conseguiu deixar de sorrir logo após ter deixado pender a cabeça para a frente, e abaná-la em jeito pejorativo.

- Tu costumavas conhecer-me... Sabias bem que não gosto de ser eu a dar o braço a torcer e muito menos, ser o primeiro a ter que ceder… seja no que for!

- Mas então, tu disseste que… - sem demoras, ele antecipou-se e contradisse o seu próprio depoimento de há momentos atrás

- O que eu disse relativamente a nós e ao que tivemos, é mentira! Talvez tenha sido o meu sentimento de perda a falar mais alto, não sei… - voltou a afastar-se dela, caminhando sobre o asfalto em passos pesarosos e extremamente angustiantes, e assim que encheu o peito de ar e tomou coragem para desabafar, retomou a aproximação vagarosamente e remontou o direito da palavra que ainda lhe pertencia – Eu sei que isto pode parecer um quanto estranho, e conversa de um puto apaixonado pela primeira vez… Mas a verdade é que de cada vez que eu me sento à cabeceira da minha cama, virado para a janela aberta, quando céu está limpo e revestido de pontos relutantes de luz, recordo-me de ti e da noite do meu aniversário… Lembraste?

- Como é que eu posso, não me lembrar? – referiu num tom de nítida evidência

Surpreendentemente, a calmaria começou a instalar-se levemente no teor da conversa, e os tons estridentemente elevados, deram lugar a uma mística de duas vozes inquebráveis e totalmente compatíveis, ditadas sobre a prosa da noite… Levando-os a recordar o que haviam partilhado.
Rúben aproximou-se ainda mais ao corpo dela, mas sem nunca deixar que se tocassem, sem nunca deixar que voltassem a tomar contacto físico, e num feito de precaução caso alguém conseguisse ouvir e resgatar uma cota da conversa, numa proferição suave e perfeitamente murmurada, ele fê-los voltar atrás no tempo…

- Nós fizemos amor, Joana!... Depois da festa, quando voltámos para minha casa, tu sussurraste-me ao ouvido alegando o quanto querias ser minha… - confidenciou, discreteando um sorriso saudosista – Foi uma sensação inexplicável, sermos nós os dois… Num só!

Era doloroso demais ter que olha-lo nos olhos depois do que ele lhe havia dito, e tendo em conta a distância que ambos assumiam um do outro. Mesmo que não quisesse, Joana teve que dirigir o olhar noutra direcção e tomar uma posição mais aristocrática e desta feita, foi ela a afasta-se de Rúben acentuadamente, para não se deixar envolver pelas emoções perniciosas do momento.
Rúben não conseguiu entender a finalidade daquela acção, e como seria de esperar, não a interpretou como deveria.

- Joana, por favor não me digas… - implorou-lhe precipitando o andamento até ela – …não me digas que estás arrependida do que aconteceu!

- É claro que não estou arrependida, Rúben! – afirmou com todas as certezas que nela poderiam habitar, mesmo sob o auspicio de um acorde vocal desafinado – Foste o homem a quem eu entreguei a minha inocência, foi contigo que eu fiz amor pela primeira vez… – por mais persistência que impusesse a si mesma em não se deixar vacilar na frente dele, foi impossível a Joana continuar a suster duas lágrimas gordas que se desprenderam dos cantos dos olhos, arrefecendo-lhe as faces no acto do declive e a desaparecerem na união dos lábios – Sim, foi maravilhoso… E sim, voltaria a fazer amor contigo, de novo!
  
- Então porque choras? – num acto consciente e natural, as polpas grosseiras dos dedos dele, quedaram-se nas bochechas humedecidas de Joana, num jeito quase a medo, e ela ao sentir de novo o aquele toque electrificante e escaldado a queimar-lhe a pele rosada, estremeceu que nem um criança pequena… Fechou os olhos e no instante em que os abriu, o choro miúdo e silencioso, intensificou-se  significativamente

- Choro por ter consciência de que esse foi o melhor momento da minha vida, e saber que jamais o irei conseguir recuperar! – subitamente, recuou dois passos e deu início a uma marcha morosa, de encontro à porta que dava acesso ao interior, mas antes que o fizesse e ainda a uma escassa distância que a separava dele, Joana tornou a voltar o corpo frontalmente para ele, e apenas deixou que a sua voz já submissa, esvoaçasse ao encontro de Rúben – E diz-me uma coisa… Depois de tudo o que aconteceu, odeias-me assim tanto?

- Não! – afirmou seguro e sem deixar que dúvida alguma na sua resposta, surgisse à tona de um passado, talvez por encerrar – Odeio-me a mim, pelo facto de não te conseguir odiar, e depois de tudo o que aconteceu… Ainda sentir saudades tuas!
    

   
Minhas queridas leitoras, peço desculpa pelo facto de apenas agora, ter 
conseguido publicar a continuação da história, mas com o regresso das aulas, 
o tempo livre encurtou e  consequentemente isso dificulta a regularidade dos posts
De qualquer das maneiras, deixo-vos  um novo capítulo, mais extensivo, 
espero que gostem e não se esqueçam de deixar os vossos comentários,
são muito importantes e uma mais valia para o incentivo da escrita! :)
Beijinhos
Joana  


30 comentários:

  1. Chorei, está lindo, quero mais.

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  2. Oh! meu Deus Joana, que coisa mais linda, adorei,estes dois adoram-se, mas são tão casmurros qua ainda vão sofrer muito por serem assim.
    Ainda por cima o Ruben tá noivo, o que é que se passou para ela ter ido para Nova Iorque assim derepente que nem deu tempo para despedidas?
    Tou super curiosa,e desejosa de ler o próximo, continua, tá fantástico.

    Beijos

    Fernanda

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  3. Valeu a pena a espera! Grande capítulo, muitos parabéns!
    A conversa/discussão deles está qualquer coisa de extraordinária.
    Fico atenciosamente à espera de um novo capítulo, que espero ser em breve :)
    Parabéns pela história e pela tu escrita que é fenomenal.

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  4. Oh meu DEUS !!!
    está maravilhoso, que capítulo cheio de emoção :)
    parabéns, muitos parabéns mesmo
    tens um talento inato p'ra escrita, cada palavra que li, voltei a ler e a reler e não me canso !!!

    o rumo que estás a dar à história é fascinante !! Continua :D

    beijinho

    Raquel

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  5. Eu estou com as lágrimas nos olhos ... adorei minha querida.
    É tão notório que eles ainda se amam, e casmurros e magoados como estão isto lhe está a custar tanto.
    Nós percebemos perfeitamente que não postes com tanta regularidade. Sempre que possível, não te esqueças de nos dar mais da tua maravilhosa escrita.
    Beijinhos

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  6. Oh minha querida Juca,
    começamos a ter aqui um problema muito grave, pois cada vez que leio um novo capítulo teu, acho que este supera a milhas o anterior e cada palavrinha me parece mais e mais perfeita e em total harmonia!
    Tudo o que consegui sentir ao ler mais este capítulo foi um misto de emoções totalmente incontrolável que me levou aos arrepios, aos sorrisinhos, até à lágrima no cantinho do olho!
    E depois vem a parte de comentar... não sei sinceramente o que se pode dizer a alguém portador de um tão grande talento e que lhe faça realmente justiça, pois ninguem domina melhor as palavras do que alguém com um dom tão grande como o teu!

    Aproveita-o ao máximo e continua a abismar-nos com esta tocante e cada vez mais emocionante escrita, pois eu nunca me irei cansar de lê-la, tal como leio com prazer um excelente livro! :)

    Beijo enorme, princesa! :)
    Love yaaaaa <3

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  7. oh adorei a conversa dos dois. *.*

    a mim cá parece-me que o ruben não chega a casar... quer dizer tenho a certeza xD

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  8. maravilhoso...

    quero mais...

    continua...

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  9. Minha linda isto não é forma de terminar um capítulo!

    Ah e vê se deixas essa tal inês onde está e mete o Ruben e a Joana juntinhos q já deu para ver que eles continuam a gostar um do outro!

    Quero mais minha linda, isto está cada vez melhor :)

    Beijinhos

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  10. Absolutamente perfeito! Parabéns! :)

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  11. SEM PALAVRAS PRA EXPRESSAR O QUE EU ESTOU SENTIDO , É UM MISTO DE SENSAÇÕES QUE EU DESCONHEÇO ... SÓ SEI QUE ESTÁ LINDO , LINDO E MUITO LINDO !
    E VOU AGUARDAR ANCIOSAMENTE PELO PROXIIMO MINHA QUERIDA <33

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  12. está lindo, nem consigo explicar a minha sensaçao a ler isto, esta profundo, tens uma excelente escolha de palavras... parabéns está PERFEITO

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  13. até agr, foi o capítulo que mais gostei :o
    contínua, sou completamente viciada nesta história !

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  14. escreves tão bem, estou a adorar a história!
    deixa uma pessoa com lágrimas nos olhos, espero em breve ver outro capitulo ;)

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  15. Ai qe saudades de ler um capitulo teu! Andas-me a deixar completamente boquiaberta, tá lindo, lindo, lindo e poderia continuar assim! Nem consigo escrever mais nada, deixaste-me sem palavras. Descreves os momentos tão bem que parece real, parece que estamos mesmo lá e nem todos conseguem isso,(coisa que adoraria fazer, tento, mas não chego onde queria.)
    Continua com esta escrita maravilhosa e espero ansiosamente por outro capitulo teu!
    Beijinhoos

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  16. não precisas de agradecer, o mérito é todo teu ;)
    tens tanto jeito, a sério estou a amar a história *.*

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  17. Nem sei o que dizer.
    Um simples "amei" é pouco para descrever o que senti ao ler este capítulo.
    Está tudo tão perfeito. Está a dar-me tanta vontade de chorar!
    Quero mais!
    Bjs

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  18. Mais uma vez amei, a capacidade que tens para em simples palavras tranmitires sentimentos tão profundos é inexplicável...
    Conseguis-te pôr-me com as lágrimas nos olhos o que não é muito normal acontecer, por isso quer dizer que este capítulo tal como os outros está fantástico... Mas com a diferença de ter muita emoção entre as palavras proferidas.
    Continua com este projecto que tão bem sabes fazer e que eu simplesmente amo ler :)
    Beijinhos minha querida.

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  19. isto nao é justo Joana Maria!!
    lá sao maneiras de acaabar um capitulo destes desta forma? "Odeio-me a mim, pelo facto de não te conseguir odiar, e depois de tudo o que aconteceu… Ainda sentir saudades tuas! " e o resto, acho que faltava mais texto !! :bb


    tá LINDO, LINDO LINDO!!! nao tenho palavras para descrever a tua escrita, o te talento e esta historia fantastica! fiquei em pulgas para saber a continuaçao, como estes dois vao ficar! nao demores muito a psotar o proximo, sim? quero muit ler, e vou ficar à espera!! :)

    beijinhos linda! :)

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  20. minha querida podes-me dizer o nome da música do blog?

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  21. Estou ansiosa pelo próximo capitulo, esta é sem duvida uma das minhas fic's favoritas.
    Continua!!

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  22. Para quando o proximo?? estou tao ansiosa por saber o resto... nao se acaba o capitulo assim, oh!

    E agora como vai reagir a joana com uma declaraçao daquelas do ruben.

    A historia do ruben e da joana ainda vai dar muito que falar mas uma certeza tenho eu, o ruben nao casa!!

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  23. a musica chama-se wild horses- natasha bedingfield

    bjs.

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  24. cada vez mais fico viciada na tua história. continua !
    e a música é LINDA ;o

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  25. Oh meu amor, desculpa andar desaparecida destes teus cantinhos, mas eu tenho seguido atentamente, sempre! Tu sabes que eu adoro :D
    A tua escrita leva-me a passear :b
    Também andas desaparecida dos meus lados, e logo a tua opinião que é tão importante :X
    Estou ansiosa sim? Posta o próximoo querida! :D
    Beijão, minha linda :)
    Love You ♥

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  26. Olá!
    Adoro a tua fic, por isso continuo a passar por cá todos os dias na esperança de encontrar um novo capitulo.
    Posta rápido
    Bjokinhas
    Mariaa

    http://mariaainwonderland.blogspot.com

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  27. ainda falta muito para postares um capitulo novo? tou a morrer de curiosidade, super ansiosa para ler o proximo...

    bjs

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  28. Estou em pulgas para um novo capitulo!
    Posta rapidinho por favor!!

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  29. olá , estou a seguir o teu blog !
    Gostei bastante , se quiseres faz o mesmo no meu *-*
    Vota na sondagem e vai dando opinião dos meus textos é importante para mim , obrigada (:

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