E
a única coisa que fiz, foi a de me despedir dele rapidamente e antes que
dissesse alguma coisa capaz de me fazer mudar de ideias, desliguei o
telefonema.
Um
suspiro vindo directamente do mais profundo do meu âmago, foi solto, e enfim
voltei a respirar, a chorar desafogadamente e sem mais restrições… Meu Deus,
como eu chorei! Não me importei minimamente com quem pudesse passar e ver-me,
simplesmente não estava a conseguir lidar mais com todas aquelas situações,
estava tudo a acontecer-me ao mesmo tempo e o peso que me sofreava os ombros e
oprimia o meu coração, era demasiado grande para me conseguir desfazer dele sem
mais não.
Depois
de terminar a chamada, Ruben ainda tentou ligar-me mais duas vezes, e por muito
que me tivesse custado, não me senti forte nem capaz o suficiente para voltar a
falar com ele, e rejeitei ambas as vezes sem pensar mais no assunto.
-
Mamã, aquela menina está a chorar… - sem mesmo ter a necessidade de olhar, pois
o meu rosto permanecia coberto pelas mãos que escondiam as lágrimas,
apercebi-me da presença de um menino que passava ali perto – Porque é que ela
está tão triste?
-
Não sei, filho, com certeza que alguma coisa lhe aconteceu… - a voz da sua
progenitora acompanhava-o, e muito lentamente fui erguendo a cabeça e
espreitando entre os meus dedos que se abriam, enquanto tentava acalmar aquele
leito choroso
-
Posso ir ao pé dela?
-
É melhor não, deixa estar a menina.
-
Mas, mamã…
-
Ru…
-
Eu vou rápido… Deixa-me levar-lhe uma flor, se calhar ela gosta de flores e se
eu lhe der uma ela vai para de chorar… - não ouvi mais nenhuma contestação de
qualquer parte e deixei-me estar no meu cantinho, à espera que ninguém me
abordasse, que ninguém me perguntasse por nada nem mostrasse a sua piedade por
mim, porém um toque leve no meu ombro desfez todos esses meus quereres
-
Para ti… - quando voltei a abrir os olhos, doridos pelo ardor que as lágrimas
lhes causavam, vi o menino posicionado na minha frente
-
Para mim? – inquiri-lhe ao olhar a bonita flor amarela que ele segurava
orgulhosamente, com o braço esticado na minha direcção
-
Hum, hum. – ele afirmou com um meigo e engraçado aceno de cabeça, agitando
levemente a flor no seu caule verde viçoso
-
Obrigada. – agradeci meio sem jeito, e procurei por perto a senhora sua mãe,
que junto ao peito segurava um lindo e elaborado ramo de margaridas – as minhas
flores preferidas -, de onde o pequeno havia roubado uma para mim
-
De nada. Gostas? É para não ficares triste…
-
Gosto muito, é muito bonita. – afirmei lisonjeada com a atenção de um miúdo que
não deveria ter mais dos seus sete ou oito anos de idade, e estampado no meu
rosto que limpei, substituí as lágrimas por um sorriso meigo, por tal gesto seu
-
Posso saber como te chamas?
-
Ruben, filho… Vem, não incomodes mais a menina… - a sua mãe chamou-o e ele
olhou-a acima do ombro, mas continuou comigo por mais um instante
-
Chamo-me Joana… E tu és Ruben, não és?
-
Sou. – ele mostrou-me um sorriso meigo e traquinas, que lhe traçou logo o seu
jeito de ser, no total rasgo de lábios que lhe expôs a ausência dos seus dois
dentitos da frente, outrora de leite
-
Bem, Ruben, és muito querido… Obrigada pela flor. Vou guardá-la comigo.
-
Vais mesmo?
-
Juro que vou. – prometi, beijando os dois dedos que formaram uma cruz nos meus
lábios, de maneira a provar-lhe que falava nada mais que a verdade
-
Anda, filho… Temos de ir. – a sua mãe voltou a apressá-lo, olhando desta vez
para mim e pedir-me desculpa pelo filho silenciosamente, apenas com trejeito
simpático do olhar
-
A minha mãe está a chamar-me… Tenho de ir embora.
-
Vai… Anda vai com a tua mamã… - incentivei-o, brincando com os meus dedos na
sua barriga, ao qual ele reagiu com mais um sorriso
-
Xau, Joana… E não fiques mais triste.
-
Não fico. – disse – Xau, Ruben, e obrigada.
Ele
deu uma corridinha rápida e voltou para junto das saias da sua mãe, que me
sorriu carinhosamente ao dar a mão ao seu filho Ruben. Ruben(!) Até o nome e
figura de uma criança me recordava dele… Do Ruben mais crescido, o que em
tempos havia sido o meu. Até aquele
simples gesto de uma criança associei aos gestos dele, quando não resistia em
surpreender-me com miminhos de presentes simples do seu romantismo mais
genuíno.
Pus-me
a pensar e por momentos caí na patetice de julgar que aquilo pudesse ser um sinal,
mas sinal de quê e para quê? Não me soube justificar, e logo desisti dessa
ideia.
Continuei
a mirá-los enquanto se afastavam, e reparei que o pequenote ficara a olhar para
trás aquando caminhava, e ao notar que também eu o olhava, acenou-me pela última
vez com a sua pequena mão que se agitou no ar energeticamente, e eu não resisti
em retribuir-lhe o mesmo gesto com um sorriso puro e verdadeiro a contemplar-me
a fachada dos lábios.
-
Tão querido… - murmurei ao olhar a flor que me tinha sido oferecida, e só pelo
momento anteriormente vivido tive uma pequena razão para continuar a sorrir
Com
o olhar varri todo o areal completamente vazio, e naquela solidão procurei por
uma paz de espírito que não consegui encontrar… não ali. Queria estar com
alguém, queria falar com alguém que me soubesse escutar, com quem eu pudesse
desabafar e partilhar as minhas lágrimas, alguém que eu sabia que jamais me
julgaria e que estaria sempre lá para mim, e foi numa busca rápida que divaguei
pela minha lista de contactos do telemóvel, que a encontrei.
Para:
Adriana Côrte-Real
Olá, princesa! Sei que combinámos um lanchinho
para esta tarde, mas será que podemos antecipar o encontro? Assim que puderes,
diz-me algo.
Um beijinho.
De: Adriana
Côrte-Real
Hey, gatita! :)
Queres encontrar-te mais cedo? Hum, eu por agora
estou despachada das aulas, só volto a ter à noite... Vim ao Starbucks do
Chiado tomar um cafezinho com as minhas colegas da facul, se quiseres vem cá
ter… - demorou
somente dois minutos até ler a sua resposta
Para:
Adriana Côrte-Real
Oh, se estás com as tuas amigas deixa estar…
Marcamos para depois, sem problema! :)
De: Adriana
Côrte-Real
Então, amor? Até parece! Vem e depois almoçamos
juntas, pode ser?
Para:
Adriana Côrte-Real
Pronto, a mim parece-me bem… Dá-me uma horita e
já vou ter contigo! :) Beijinho grande, boneca. ♥
De: Adriana
Côrte-Real
Okapa! Cá te espero, então! Até logo,
beijinhooos ♥
Um almoço seria um bom momento para falar com
ela, e já que eu não iria regressar à faculdade naquele dia e Adriana não teria
aulas durante um par de horas, tinhamos a tarde toda por nossa conta, o mais
que não fosse para desabafar e colocá-la a par de tudo o que estava a
acontecer.
Voltei a arrecadar o telemóvel na minha mala e
regressei ao carro, pronta para abandonar aquela paisagem que me acolheu por
largos minutos, e agora, mais calma e com a cabeça mais leve, arranquei pela
autoestrada com destino à baixa de Lisboa.
***
Ao chegar aos
Armazéns do Chiado, fui direitinha ao local onde tínhamos combinado
encontrarmo-nos, e foi a um canto reservado e convidativo da cafetaria, que a
encontrei, sozinha, à minha espera.
- Olá, amor! – cumprimentei-a com um pequeno sorriso assim que
cheguei junto dela para a beijar no rosto
- Olá, pequenina, que bom que já chegaste! – Adriana ficou
contente por me ver, tal como eu, não estávamos juntas já lá ia para duas
semanas
- Demorei-me mais um bocadinho por causa do trânsito à entrada, mas
já cá estou! – justifiquei, despindo o meu casaco e colocando-o nas costas da
cadeira que me pertencia, e onde acabei por tomar lugar na frente dela – Pensei
que estivesses com as tuas amigas…
- Sim, estava, mas elas tiveram de ir embora… Saíram à coisa de
dez minutos. – ela encolheu levemente os ombros e sorriu-me com meiguice –
Queres que peça alguma coisa para ti?
- Não, por enquanto não quero nada, obrigada. – recusei
educadamente a sua amabilidade, pois não conseguia fazer com que nada me descesse
pela garganta, nem mesmo um simples café – E então, o que estavas a fazer? –
perguntei, ao vê-la entretida entre cadernos rasurados e um bloco de folhas
espalhadas sobre o canto da mesa que lhe pertencia
- Nada demais, só a rever alguns temas que estou a preparar para
minha tese, antes de tu chegares… Mas vou já arrumar tudo para podermos
conversar! – disse no seu tom terno habitual, para começar a arrumar os seus
matérias de estudo na pasta e preparar-se para uma conversa entre nós, que já
estávamos a precisar de ter, a mais que não fosse para sabermos uma da outra
- Olha, olha… Mas o que é isto? – meti-me com ela num insinuo de
brincadeira, indicando com o simples trejeito no olhar, o novo anel que lhe
embelezava a mão esquerda – Hum, hum… Estou a ver que o Senhor David se
esmerou!
- Esmerou-se, pois…! Gostas? – ela riu-se da minha intervenção e
depois esticou a mão, para que pousada entre as minhas, eu pudesse ver com mais
pormenor o acessório compromissivo com que qualquer mulher sonha, oferecido
pelo homem da sua vida
- É lindo, Adriana… Fico muito feliz por vocês! – expressei com
extrema sinceridade, vendo que dois dos meus melhores amigos estavam dispostos
a assumir o compromisso mais sério do seu relacionamento: o casamento, prontos
a unir não só as suas vidas, como também as suas almas… para sempre
- Eu sei que ficas, princesa… Obrigada!
- Ora essa! – ripostei no mesmo segundo, e creio que fora a minha
expressão que a levara a gargalhar, nos levara a gargalhar no fim, muito
levemente… no entanto não foi aquela descontracção que me fez esquecer dos meus
problemas, por muito que o tivesse desejado
- Então e tu,
de onde é que vens? Da faculdade?
- Não… Hoje não fui às aulas…
- Não foste às aulas? Então? – imediatamente a sua testa ganhou
novas formas quando duas finas linhas a desenharam, provavelmente de
estranheza, pois ela sabia muito bem que eu era uma estudante aplicada, e a
imagem de “baldas” que faltava às aulas sem razão nenhuma aparente, não
condizia em nada comigo
- Tive outros assuntos para tratar…
- Hum… Outros assuntos mais importantes que a faculdade?
- Sim, e depois fui dar uma volta à praia.
- Foste dar uma volta à praia com este tempo? Tu não mudas, realmente…
- ela voltou a rir-se, desta vez mais discretamente, mas sem nunca se aperceber
do que eu escondia
- E o Ruben
ligou-me há umas horas…
- O Ruben, o quê? Ligou-te? – a sua descontração anterior depressa
sofreu uma ligeira mudança, levando os seus olhos a arregalarem-se assim que
assibilou a minha afirmação, que eu expus dentro da maior calma do mundo… ou
assim fiz parecer
- Ouviste bem, sim… Ligou-me quando cheguei à praia…
- O que é que ele queria?
- Ele soube que eu estive doente, e ligou-me para saber se eu já
estava bem.
- Eu comentei com o David, foi ele que lhe deve ter dito… -
calculou rapidamente sem o mínimo esforço - Se o Ruben sabe, a culpa foi minha,
desculpa, amor!
- Ei, então?! Claro que a culpa não foi tua, não tinhas como saber
que o David lhe ia contar… Aliás, nem sabemos se foi mesmo ele.
- Oh, claro que foi ele… E eu devia ter previsto que isso pudesse
acontecer, ambas sabemos
que o David e o Ruben são unha com carne, portanto…
- Esquece isso… Agora também já não adianta de nada, está feito,
está feito. – a verdade era essa, as acções estavam feitas e agora não havia
como voltar atrás na situação, Adriana sabia que eu estava a tentar manter-me o
mais afastada possível dos olhos e dos ouvidos de Ruben, pelo menos até à
semana do casamento onde na qual nos iríamos reencontrar, e por isso ela se
tenha martirizado tanto
- Ah, e é verdade! Já te ligaram da clínica quanto ao resultado
dos teus exames? – fugindo só um pouco ao assunto, ela tocou no ponto que eu
não queria discutir ali, não num lugar público que rapidamente me poderia expor
- Sim, ligaram-me esta manhã para ir buscá-los…
- E tu foste?
– a partir daquele instante ela concentrou-se muito em mim e no que eu dizia,
pensando ingenuamente que já tudo tinha sido resolvido
- Fui… Aliás,
foi esse mesmo assunto de que falei há pouco, que eu fui tratar…
- E então? O que é que os resultados diziam? Está
tudo bem contigo, não está? – Adriana esperava impacientemente por ouvir uma
resposta da minha parte, ela que estivera a par daquela situação desde o
início, e entendia que esclarecê-la iria deixá-la mais descansa, só não sabia
se estava preparada para ouvir o que eu tinha para lhe dizer
- Eu preferia não falar aqui, se não te importas… -
indaguei, arrojando um olhar espaçado por todo o espaço onde nos encontrávamos,
de maneira a expressar-lhe o pouco à vontade que eu tinha pela nossa falta de
privacidade
- Mas não era para almoçarmos por cá?
- Almoçamos em minha casa e conto-te tudo lá. –
propus, prevendo que ela não me diria que não
- Estás a deixar-me nervosa, Joana… Passasse alguma
coisa?
- Eu conto-te tudo… Mas aqui não. – era a minha
única condição, não queria expor de maneira nenhuma a minha intimidade, e então
logo quando ela se encontrava tão propícia ao descalabro, visto que dentro de
alguns meses deixaria de ser unicamente pessoal para passar a ser pública
- Tudo bem, mas eu não estou de carro, vim na boleia
de uma das minhas colegas…
- Não te preocupes com isso, vens comigo…
Saímos do Starbucks juntas e como começara novamente
a chover, vimo-nos obrigadas a dar uma corrida rápida até alcançarmos o meu
carro e entrar. Apesar de Adriana ter insistido comigo para lhe contar a
conversa que travara com a minha médica naquela manhã, eu fiz boca de siri e
fui fitando o assunto da melhor maneira que pude, até chegarmos enfim a minha casa.
***
- Então, é agora que me vais contar o que se passa,
ou vais fechar-te novamente a sete chaves como fizeste durante todo o caminho
para cá? – no hall, logo que entrou na minha frente, Adriana expressou
claramente a sua falta de paciência e ansiedade, num cruzamento desafiante dos
seus braços, que exprimiu enquanto eu fechava a porta
- Eu vou contar-te, claro que vou… - assegurei-a sem
pressas nem precipitações, livrei-me do casaco que pendurei no bengaleiro,
deixei a mala junto do móvel de entrada e cruzei o caminho do seu lado para lhe
tomar a dianteira e dirigir-me à sala de estar – Queres tomar alguma coisa
antes de começar a fazer o almoço?
- Não, Joana, eu não quero tomar nada… O que eu
quero é que tu me digas o que se está passar! Caramba, estás a deixar-me
seriamente preocupada! – ela seguiu logo atrás de mim, não me dando lugar para
mais esquivas nem rodeios que prolongassem o secretismo do meu maior
segredo
- É melhor sentares-te…
- Eu estou bem assim de pé, obrigada. – ela começava
a ficar inquieta e eu não a censurava, afinal estava só preocupada comigo e
tudo o que de menos bom me tocasse, tocava-lhe também a ela
- Adriana, senta-te… Por favor! – pedi-lhe pela
última vez, mostrando-lhe o sofá central da sala totalmente disponível para nos
receber, e sem mais questionar, ela compactuou com o meu pedido e sentou-se
finalmente
- Que carinha é essa, amor? Hum? – ao fim de deixar
a sua mala sob a mesinha de apoio e numa sobreposição rápida de uma perna à
outra, ela mostrou-se totalmente pronta a ouvir-me, abordando-me no seu tom
carinhoso habitual e agora mais compreensível, enquanto ao fim de algum tempo
me olhou a tomar lugar a seu lado – Eu nunca te vi assim antes… Fala comigo, tu
sabes que podes falar comigo…
- Sim, eu sei, mas… É tão difícil… - murmurei
sofregamente, pois não sabia por onde devia começar a falar, e sem ter o fôlego
necessário para encará-la, deixei que o meu olhar vagante se refugiasse sobre
as minhas mãos trémulas e geladas de nervosismo, que tinha pousadas no colo
- É difícil porquê? O que é que te está a deixar
nesse estado? O que é que te está a prender nesse sofrimento todo?
- Ai, Adriana… - um suspiro eupático de desânimo
total, fugiu-me no limite sucinto dos
lábios, aquando os meus olhos voltavam a provar do sabor a sal que as
lágrimas lhes iam oferecendo – Eu não sei se aguento, se vou conseguir
aguentar… Está tudo a fugir do meu controlo, tudo!
E era assim… Cada vez me sentia mais desorientada,
mais perdida, mais sem rumo, e nada de maior que pudesse vir, mudaria essa
sensação. O meu mundo começava a desabar-se a meus pés e agora nada do que eu
pudesse fazer serviria para o impedir. Tudo fugia do meu controlo, tudo se
virava do avesso, e aquela gravidez não esperada, não planeada, foi o ponto assente
que me fez desmoronar ainda mais, arrasou-me de tal forma que numa fracção de
momentos me deixou sem saber o que fazer à minha triste vida que era colocada à
prova a cada instante.
- Ei, então, pequenina? Tem calma… - vendo-me ficar
sem chão, Adriana anulou todo o pequeno espaço que nos separava, e para me
confortar um pouco, chegou o seu corpo ao meu acolhendo as minhas mãos nas suas
como sinal de força e segurança – Tem calma…
- O que é que eu vou fazer? O que é que eu vou
fazer? – perguntei, ainda assim sabendo que ninguém teria uma resposta para me
dar, e no segundo seguinte senti-a puxar-me delicadamente para o seu ombro para
aí desafogar todas as minhas afrontas que me assombravam
- Shiu, tem calma… Eu estou aqui… - ela foi-me
embalando devagarinho, como se uma criança pequena tivesse tomado o meu corpo,
uma criança assustada e chorosa – Diz-me o que se passa, Joana, por favor… De
outra maneira, e por muito que queira, se não falares comigo eu não vou
conseguir ajudar-te…
- Está tudo a desmoronar-se em cima de mim, Adriana,
e logo agora que me sinto tão isolada, tão sozinha…
- Oh, amor, que conversa é essa? Tu não estás
sozinha nem nunca vais estar! – ela afagou o meus cabelos num gesto de carinho
que me fez sentir amparada, sabia que enquanto a tivesse do meu lado, por muitos
tombos que desse, Adriana estaria sempre lá para me ajudar a alçar do chão –
Tens a tua família que te ama, os teus amigos que te adoram! Tens-me a mim… Tu
sabes que podes contar comigo para tudo, que nunca te vou largar a mão…
-
E o que é que acontece quando eu começar a ficar diferente…? Quando eu começar
a mudar nos próximos tempos?
-
Como assim, quando começares a mudar? – ela forçou um novo encontro dos nossos
olhares, o que me permitiu voltar a altear a cabeça que repousava no seu ombro
amigo, para encará-la e levantar-lhe a ponta do véu que cobria a verdade
-
O que é que vai acontecer quando o meu corpo se começar a desenvolver de uma
maneira totalmente diferente à esperada, à que é normal? – empecei por
perguntar-lhe, com um sorriso de puro desalento a adornar-me cada traço do
rosto – O que é que vai acontecer quando o meu peito aumentar, quando a minha
barriga crescer? Será que nessa altura, a minha família e os meus amigos
continuarão a meu lado, a amar-me… a apoiar-me?
-
Espera, espera… O que é que disseste? – a sua mão comecei ergueu-se no ar,
dando-me a indicação breve para fazer recuar as minhas palavras que lhe foram
projectadas sem um raciocínio coerente para o seu pensamento ainda não
estruturado – Quando o teu corpo mudar… a tua barriga… estás a querer dizer que
tu… tu estás…? – sem me dar sequer a oportunidade de me explicar melhor, ela
mesmo foi juntando as pecinhas do puzzle e chegou a uma conclusão que só eu
poderia confirmar
-
Sim, Adriana… estou. – e afirmei, ainda que receosa de lhe ver a reacção que
tomaria logo assim que estivesse posta a par
-
Mas… Como? Como é possível tu… tu estares… grávida(!)? – soletrando palavras
soltas, os seus traços faciais desenharam-lhe toda a confusão e surpresa que o
seu interior expressava
-
Tanto é possível, que estou! Os exames confirmaram…
-
Mas… - não conseguindo voltar a fechar a boca que se dominara pelo espanto
daquela notícia, talvez a mais assombrosa e inesperada de todas, Adriana soltou-se
do sofá num laivo de incredulidade enquanto a falta de expressão a deixava sem
um discurso lógico – Tens a certeza disso? Quer dizer, tu não…
-
Eu sim…! Tu sabes…
-
O Ruben! Aquela noite em que ele veio cá… - não foi preciso dizer-lhe absolutamente
mais nada, ela chegou lá por ela mesma – Meus Deus! – sussurrou com os olhos
esbugalhados, constatando as reviravoltas que a vida poderia dar, e deu
-
Não imaginas sequer como eu fiquei quando a médica me deu a notícia… Acho que
queria morrer! Só não percebo como é que…
-
Vocês não…?
-
Não, mas… Mas eu tomo a pílula e…
-
Sim, mas a pílula não é cem por cento eficaz e segura, como tal não era
impossível uma coisa dessas acontecer…
-
Não era impossível, mas era totalmente improvável! Acontece em quê? Num caso em
mil? – questionei, numa palpitação acelerada do coração que constatou a
evidência de eu ter sido apanhada por uma surpresa do destino
-
E tu és esse caso… - reconheceu, num olhar de compaixão que trocou comigo
-
E o que é que eu faço agora, Adriana? O que é que eu faço à minha vida? – o
desespero e terror que se assomou em mim há horas atrás, reapareceu, mais
cadente que nunca
-
Amor, tem calma… O que tu precisas agora é de ter calma! Eu estou aqui e não te
vou deixar sozinha. – assegurou-me rapidamente, agachando-se junto a mim,
esperando conseguir transmitir-me pela ternura da sua amizade, a força
necessária que não me deixasse desistir – Vais contar-lhe? – aquela nova
inquirição que eu sabia que me iria ser feita, chegou bem mais cedo do que o
esperado, o que não me permitiu formular uma resposta que já poderia ter
ensaiado antes
-
Ao Ruben?
-
Sim… - afirmou num meio sorriso expectante, que aguardava somente um
consentimento meu
-
Vou, claro… - a minha voz tremeu no seu ponto mais alto, e automaticamente duas
lágrimas gordas rasgaram a linhagem das minhas faces – Só não sei quando, mas
vou contar-lhe.
-
Não sabes quando? E que tal agora…? Já?
-
Não, Adriana… Para já ainda não. – recusei-me sem qualquer dúvida em adiar, e
depressa também eu me ergui do sofá para hirta me expor no centro da sala –
Ainda é tudo muito recente, eu ainda não me sinto preparada…
-
Mas mais tarde ou mais cedo ele vai ter de saber, e tu sabes que adiar o
inevitável pode piorar a situação…
-
Pior do que ela já está? – percuti com um aperto claustrofóbico a comburir-me o
peito, da angustia que guardava lá dentro – Adriana, eu estou grávida de um
homem que está a menos de dois meses de se casar com outra mulher… Um homem que
tem uma carreira para vingar no mundo do futebol… Um bebé agora só lhe trará
complicações…
-
Joana, tu estás muito acima da carreira dele! – Adriana comentou assim… de
rajada para o ar, que supus eu, ter-me sido lançada impensadamente e sem me
querer iludir – Seja como for, ele é o pai, tem todo o direito de saber que
estás à espera de um filho dele… O Ruben merece saber!
-
Eu sei, eu sei disso, mas… A última coisa que eu quero e preciso, é ter alguém
a acusar-me de lhe arruinar a vida, de querer prendê-lo a mim por causa desta
criança… Principalmente a Inês, eu nem quero imaginar o que vai ser quando ela
souber disto!
-
É um assunto teu e do Ruben… E se ela gosta mesmo dele como diz, só vai ter que
aceitar o que vocês decidirem quanto a esta notícia. É de um bebé que estamos
aqui a falar e que está em causa… O teu bebé com o Ruben, o vosso bebé! Não o
dela… - argumentou certeiramente, tentando aclarar-me as ideias, mas estas
infelizmente mostravam-se cada vez mais confusas na minha cabeça
-
Ai, Adriana… Eu não sei, eu não sei… - argui num sufoco exasperado, começando a
caminhar de um lado para o outro sob o soalho flutuante da sala, de um jeito
totalmente desconcertante que expressou bem o meu pobre estado de espírito – E
se ele não quiser? Se ele não estiver disposto a assumir este filho comigo?
-
Será que estamos a falar do mesmo Ruben?! – ela exprimiu um tom tão óbvio que
me fez parar para olhá-la – Joana, o Ru está doido por ser pai! Ele nunca
escondeu isso... E tu deves saber disso melhor do que ninguém!
E
sabia, de facto, mas agora tudo era triste demais para relembrar os tempos
felizes em que ambos ficávamos envoltos em conversas tardias ao telefone a
traçar os nossos planos para um futuro próximo a dois... As habituais conversas
de cama que surgiam meigamente depois de fazermos amor ou enquanto tomávamos o
pequeno-almoço, onde discutíamos a possibilidade de mais tarde vivermos juntos,
casar… embora ele nunca me tenha feito o pedido, dera-me a entender
perfeitamente e por inúmeras vezes, o seu querer em unir comigo laços
matrimoniais, como que começando a preparar o terreno. Agora o terreno estava
preparado mas não era para nós dois, os planos das nossas vidas haviam-se
queimado em labaredas furiosas e no lugar deles estava o casamento com Inês,
uma vida ao lado de Inês. Massacrei-me nesses pensamentos e conclusões, e
instantaneamente os meus olhos voltaram a rasar, como querendo libertar-me
aquele sufoco berrante.
-
Está doido por ser pai de um filho que não era suposto ser meu, ser nosso… Não
nestas circunstâncias! – concluí, não consegui aguentar mais e foi depois
daquela declaração que rebentei numa catapulta de choro… lágrimas atrás de
lágrimas que me correram as faces pálidas de frieza e apoquentação
-
Oh amor, não fiques assim, não chores… Vem cá… - vendo-me daquela maneira imensurável,
a minha amiga correu ao meu encontro, afastou as minhas mãos que me cobriam
rosto desfigurado pela dor, e puxou-me para um abraço demasiadamente apertado
mas urgentemente necessário naquele momento
-
Tenho tanto medo, amor… - desabafei entre os seus braços carregados de ternura
que me refugiavam de uma desilusão maior, e por entre soluços aflitivos de
alguém que vi-a os seus planos de vida um dia esboçados em papel, completamente desfigurados, e agora direccionados
a outras e novas realidades – Tanto medo…
***
(Adriana)
Reconfortei-a
o melhor que pude, apesar de saber que os meus braços eram demasiado pequenos
para tanta dor e sofrimento o seu. Beijei-lhe demoradamente o topo da cabeça e
ao fim de alguns instantes, quando conseguiu tomar controlo do choro e eu a
senti acalmar, levei-a novamente para o sofá e foi lá que a deixei repousar
enquanto lhe fui preparar um chazinho de camomila, esperançosa que lhe
serenasse a alma e acalentasse o coração.
-
Bebe, pequenina, vai fazer-te bem… - logo que regressei à passividade da sala
de estar, voltei para junto dela, passando-lhe cuidadosamente para as mãos a
chávena fumegante – Cuidado que está quente…
-
Obrigada… - agradeceu num silvar disperso e quase imperceptível, pela ausência
da voz que um choro impetuoso e muito ressente, lhe enfraquecera, e o qual
estava demarcado ainda no seu rosto desanimante
Mantive-me
em total silêncio enquanto a vi-a sorver calmamente a bebida, sem me atrever a
afrontá-la com mais perguntas que a pudessem deixar de novo desconfortável e
arrastá-la ao desânimo anterior que a muito custo ela ia conseguindo afastar.
Confesso
que aquela notícia que Joana plantara no ar que nem uma bomba, sobre a sua –
tudo menos esperada – gravidez, me tenha deixado tão assustada quanto a ela ao
início, mas não agora… Agora a ideia dela e de Ruben virem a ser pais, do mesmo
filho, não soava mal de todo, e quem sabe se aquele bebé não fizesse chegar
muitas alegrias, trazer muita felicidade… aos dois, aquela que eles nem
poderiam imaginar, mas que com certeza desejavam mais do que tudo.
-
Mais calminha? – perguntei carinhosamente, passando os meus dedos pela sua face
que continuava a ser humedecida pelas lágrimas que continuavam a cair, só que
desta vez de uma maneira mais controlada e silenciosa, e da sua parte apenas
absorvi um curto consentimento de cabeça
-
Adriana? – depois do silêncio, foi ela a dar o passo para restituir a conversa,
num jeito quebradiço e machucado que me a fez olhar piedosamente
-
Diz, pequenina…
-
O que é que eu vou fazer se o Ruben não quiser este filho? – com certeza que aquele deveria ser o medo que
mais a inquietava… ver-se sozinha com um bebé nos braços de um homem que ainda
amava tanto, mas que não era mais seu – Se ele não estiver preparado para esta
mudança?
-
Amor, não penses nisso agora…
-
Mas eu tenho que pensar! – contra-argumentou, expondo-me o rasgo perturbante de
vermelhidão que raiava os seus grandes olhos claros – E se ele ficar a
odiar-me por isto? Eu não sei se vou aguentar…
-
Oh Joana, é claro que ele não te vai odiar por nada… Que disparate é esse? Além
do mais, tu não fizeste este filho sozinha… Lembra-te disso!
-
Tenho medo da reacção dele, só isso…
-
Pois eu cá não vejo razão nenhuma para teres medo… - comecei por falar,
correndo suavemente os dedos nos fios do cabelo dela que acariciei num gesto de
conforto e carinho – Tu conheces o Ruben, sabes que a partir do momento em que
ele souber dessa gravidez, ele vai querer estar a teu lado, assumir todas as
responsabilidades, e isso independentemente de já não estar mais contigo. –
assegurei-a firmemente, sem deixar que a mínima incerteza quanto àquilo que
dizia, me boicotasse o discurso, pois
conhecia demasiado bem o profundo e sério carácter do meu melhor amigo,
e esse certamente que o levaria a tomar as decisões mais correctas
-
Mas eu não sei se ele está preparado para ser pai… Está muita coisa em jogo
aqui! E eu só não quero que isto seja motivo que o leve a afastar-se da Inês, a
abdicar dos seus sonhos… É isso que eu não quero nem vou permitir que aconteça.
– expressou, muito certa do que dizia, e apesar de estar magoada, de ser aquela
quem mais estava a sofrer naquela história, mostrou querer preservar os
projectos e sonhos de Ruben, independentemente destes a incluírem ou não
-
Ele não tem que abdicar de nada… É verdade que esta criança trará inúmeras
mudanças às vossas vidas, como é natural, mas serão mudanças boas… Vais ver! –
tentei sossegá-la e encorajá-la ao máximo, não aguentava continuar a vê-la tão
triste, tão em baixo
-
Ai, isto vai ser tão difícil… já está a ser! Só não sei para onde me hei-de
virar, o que fazer agora…
-
Agora vais respirar fundo… Limpar esse rostinho lindo… - enumerei, levando as
minhas mãos às suas faces, para enxotar
delas carinhosamente, as lágrimas que continuavam a correr desalmada mas
solenemente - …e vens comigo, que eu vou providenciar o almoço. Aposto que
ainda não comeste nada de jeito hoje!
-
Não, prepara o almoço só para ti porque eu não tenho fome… - ela fez uma cara depreciativa,
mas eu não lhe iria dar qualquer hipótese, ainda para mais estando ela naquela
tão delicada condição… a condição de futura mamã
-
Ai não, Joana, é que nem tentes… Oh oh! Vais comer sim senhora, e agora sou eu
que mando! – o meu indicador furou o ar aquando eu num impulso, me desprendi do
sofá e tomei uma posição superior à dela, que não me deixaria induzir nas suas
pequenas manhas – Vá, amor, vem… - a minha mão esticou-se na direcção dela, a
qual só voltaria a soltar da sua quando chegássemos à cozinha
Durante
o tempo que ficámos a preparar o nosso almoço, Joana falou-me ainda de um
assunto que não havia sido abordado e que me deixara com os joelhos a tremer: a
sua ameaça de aborto. Felizmente que tudo não passou de um susto, mas que
segundo ela se poderia repetir podendo tornar-se num caso extremamente mais
grave se não fossem tomados os devidos cuidados e providências.
Como
sua amiga íntima que era, temi por ela, pela sua saúde e pela saúde do bebé que
esperava para nascer, e desde logo que me pus sob alerta e tomei o cuidado de
evitar alguns assuntos que podiam calhar em conversa e voltar a desinquietá-la
em emoções fortes, e evitar esforços desnecessários.
-
Não comeste quase nada… Não gostaste? – vendo-a arremessar os talheres somente
para um lado do prato, praticamente cheio pela comida que ela mal tinha tocado,
desanimei brevemente pela sua falta de apetite inconveniente
-
Não, não é nada disso… É claro que gostei! Eu é que estou um pouco enjoada… -
justificou-se rapidamente para me sossegar, com um sorriso ameno nos lábios mas
de olhos tristes
-
Hum, então se é esse o motivo, está mais que aceite! – proferi, tentando
animá-la um pouco, mas nada mais que o mesmo sorriso tristinho foi-me oferecido
por ela
-
Já terminaste? Eu vou arrumar a cozinha. – comunicou prontamente enquanto se
levantava da mesa, e levando consigo o seu prato e copo para o lava-loiças
-
Ei, ei! Nem pensar… Senta-te que eu arrumo tudo! – ordenei-lhe, e tal como ela
também eu me levantei, orientando o meu corpo na direcção do dela, para olhá-la
em todo o plano
-
Oh, mas isso não é justo! Praticamente fizeste tu o almoço, mal me deixaste
ajudar-te… Agora deixa-me ser eu a fazer alguma coisa.
-
Não é preciso que te relembre da tua condição, pois não?
-
Eu não estou invalida, Adriana… - relembrou num tom que tocou com facilidade a
ironia, a que deu ênfase com um revirar irrepreensível dos olhos
-
Eu também não disse isso. – esclareci, pois havia sido mal compreendida e
caminhei calmamente até chegar junto dela, que permanecia encostada à bancada
do lava-loiças vendo-me aproximar – Mas tu própria disseste o que a médica
recomendou… Recomendou, não… Exigiu! Tens de passar estes dois dias em total
repouso, sem o mínimo de esforços, não é?
-
Sim, mas… - Joana tentou refutar, mas não lhe dei hipótese de maior
contestação… ela agora precisava de ter todo o cuidado do mundo, e alguém teria
de travar aquela sua teimosia que eu já tão bem lhe conhecia da sua
personalidade
-
Hum, hum… Mas nada! Nada de respingar, Dona Joana. Deixa isto comigo, e tu
agora vais masé descansar… Mais daqui a pouco já ligo ao David para lhe dizer
que vou cá passar a noite contigo.
-
Oh Adriana, não, não é preciso… Eu cá me desenrasco sozinha, não quero causar
transtorno a ninguém! – ela mostrou bem a sua posição, mas eu não iria recuar
com a minha…
-
Mas desde quando é que me causas transtorno? Não sejas tontinha! Fico para o
caso de precisares de alguma coisa… Nem pensar que te vou deixar sozinha nestes
dias. – notei que as minhas palavras de alguma maneira a vulnerabilizaram e
por isso ela tenha deixado morrer o seu olhar no chão, onde o prendeu por
alguns momentos e o perpetuou juntamente com um silêncio inquietante que chegou
da sua parte
-
Não tenho palavras para te agradecer o que estás a fazer por mim… - quando a
voz remontou às suas cordas vocais, foi traída por novas lágrimas que voltaram
cruzar os caminhos exaustos do seu rosto, e eu mesma pude testemunhar isso
quando a vi altear o olhar para encarar o meu, e o seu pequeno queixo tremelicar
para travar um choro maior
Ela
abriu ligeiramente os braços como me pedindo um gesto de carinho, um aconchego
que a fizesse sentir amada e eu não hesitei em mostrar-lhe que teria sempre ali
um porto de abrigo, bastava procurar-me.
-
Não precisas, amor… Não precisas agradecer. – puxei-a para mim, beijei-lhe
ternurosamente na testa, e acolhi-a sem demoras num escudo de amor e protecção
onde a envolvi novamente, enquanto ela se deixava chorar no meu ombro de um
jeito fatalmente desinquietante, sem mais forças a susterem-lhe o corpo
fatigado
Era
mais do que evidente ao coração sensitivo e aos olhos de quem pudesse ver, que
Joana estava a tentar ser forte, estava a tentar parecer forte, mas ela
precisava muito de ter alguém a seu lado, mais do que aquilo que ela queria
admitir… Alguém que cuidasse dela, que a apoiasse e permanecesse do seu lado
independentemente de tudo aquilo que estivesse ainda para vir, e como uma
grande amiga que eu era e representava, eu estava lá para isso, poderia não ser
a pessoa que ela desejava ter ali, como facilmente se imaginava quem seria ela,
mas eu não a iria abandonar numa altura daquelas, por nada.
-
Pronto, pronto… - finalmente senti-a sossegar, aos poucos a sua respiração
foi-se regularizando por si e somente ficou o leve soluçar que restou dos
minutos de choro que passaram – Vá, vamos lá pôr-te na caminha a descansar…
Joana
já sabia que comigo não valia a pena contestar, mesmo que a minha decisão não
fosse do seu maior agrado, e deve ter sido por isso mesmo que da sua parte não
recebi qualquer resistência. Passei para o seu lado esquerdo, e sem me separar
dela contornei-lhe os ombros com o meu braço, e foi daquela maneira que
atravessámos o corredor, subimos as escadas e caminhámos no andar superior até
chegarmos ao seu quarto. Ela estava tão debilitada, tão quebradiça, que por
vezes tive de a puxar para mim e dar-lhe um suporte maior que a mantivesse
hirta… Continuava com as lágrimas nos olhos e partia-me o coração vê-la assim,
mas essas só iriam cessar no momento em que desse uma pausa ao mundo real e se
deixasse dormir, porque até lá aqueles tormentos todos não lhe dariam tréguas.
Mal
entrámos no seu quarto, ela soltou-se de mim num impulso repentino e correu até
à casa de banho, vitimada pelos sintomas da gravidez que a obrigavam a vomitar,
e pelo menos iria continuar a ser assim durante o seu primeiro trimestre.
-
Sentes-te melhor? – inquiri-lhe cautelosamente, quando a vi regressar já com
alguma corzinha no rosto
-
Sim… - assegurou simplesmente, sem mais se querer prolongar
Descalçou
apenas os ténis que trazia, e com a roupa que tinha vestida no corpo, deitou-se
na cama em posição de conchinha, como se tentando proteger de um sonho mau que
pudesse vir a ter, e ainda demasiado fragilizada a cada nova emoção que a invadia
e a fazia chorar um pouco mais.
Alcancei
a manta axadrezada que se sobrepunha ao colchão ao fundo da cama, e tapei-a,
desviando delicadamente os cabelos que lhe cobriam o rosto.
-
É um milagre, Joana, devias ficar feliz… - disse-lhe baixinho referindo-me ao
seu estado de esperanças e ao agachar-me junto dela, vendo-a começar a ser
levemente dominada pelo subcarregado cansaço físico e emocional que a
transtornara durante aquele dia
-
E eu estou feliz… Eu estou feliz… - com o rosto banhado de lágrimas e antes de
fechar os olhos para se entregar ao estado profundo de dormência, ainda me deu
tempo de lhe ver o embevecimento de um sorriso que apesar de discreto e
tenuemente assustado com tudo aquilo que pudesse vir acontecer, foi o mais puro
e verdadeiro que o seu coração permitiu expressar – Vou cuidar dele com todas
as minhas forças, é uma promessa.
"Uma
promessa para a vida", pensei sorrindo. Voltei a acariciar-lhe o
rosto e dei-lhe um beijinho demorado na têmpora. Preparei-me para sair e
deixá-la descansar naquele cantinho que inesperadamente foi invadido por uma
tranquilidade paciente, mas algo deixado sob a mesinha de cabeceira me chamou a
atenção e pediu-me que lhe pegasse… Uma fotografia, uma fotografia sem moldura
fazia pousio na cabeceira dela, ligeiramente manchada pelas lágrimas – assim
julguei –, e perguntei-me se Joana adormecia todas as noites a olhar para ela.
Era uma fotografia que tirara ao lado de Ruben, recentemente, diria, talvez
captada naquele Verão em São Francisco. Olhei alternadamente para ela e depois
para o pedaço de papel que eternizara uma felicidade já sentida, e quase que
consegui tocar a sua dor, a sua tristeza, e digo-vos que o aperto no peito que
senti, foi angustiante… Tive pena por ela, por eles, pena por nunca os ter
visto juntos sabendo que se continuavam a amar tanto, e no meio de toda aquela
complacência, não consegui permanecer indiferente e também um pequeno fio de
água acabou por surgir na linha dos meus olhos, sem que eu mesma me
apercebesse.
Voltei
a pousar a fotografia no mesmo sítio, fazendo-a parecer intocável, e ficando
mais sossegada por vê-la finalmente serena a dormir, saí do quarto sem fazer o
mínimo barulhinho e encostei a porta.
Depois
de arrumar a cozinha refiz o caminho até à sala de estar, e foi entre aquelas
quatro paredes que permaneci na passividade dos instantes seguintes.
-
O que chove… - murmurejei quando fui atraída pelo som da chuva que caía
furiosamente lá fora, que me levou a espreitar por entre as cortinas
rastejantes das portas corrediças de acesso ao jardim exterior
Liguei
ao David a informá-lo que passaria aquela noite com Joana, prometendo-lhe que
lhe explicaria melhor as razões quando estivéssemos juntos, e entretive-me a
ver televisão, mas somente por alguns minutos, pois a programação estava de tal
maneira assoberbada de desinteresse, que desisti de ficar a assistir.
Foi
então que buscando por uma nova distracção, alcancei da mesinha de apoio ao
centro da sala, um revista cor-de-rosa daquela semana, sobreposta ao jornal
desportivo onde a última goleada do Benfica fazia capa.
-
Ora vamos cá ver o que vem aqui… - assim que segurei a revista nas minhas mãos
e me recostei novamente ao sofá de coro negro, comecei a folhear
desprendidamente as notícias, mas foi uma página em especial, das intermédias,
que me chamou a atenção e me fez espreitar o artigo prescrito
"A manequim internacional portuguesa, Joana
Freitas de Andrade, que iniciou o seu quarto ano de faculdade há pouco mais de
um mês, deslocou-se no passado fim-de-semana à belíssima cidade de Paris, em
trabalho, tal como tem feito nos meses que têm corrido por alguns outros países da Europa. E o que a
princípio passava apenas por ser mais uma viagem calibrada pelo seu foro
profissional, acabou por trazer surpresas inesperadas à jovem e a todos os que
trabalhavam consigo, aquando nos estúdios de produção para o catálogo da nova
colecção assinada pelo estilista Jean-Paul Gaultier, terá perdido os sentidos e
desmaiado em plena sessão fotográfica, levando a preocupação a todos os
presentes. Ao que tudo indica, a produção foi forçada a ser adiada enquanto
Joana foi imediatamente levada para o seu quarto de hotel, onde terá sido vista
por um médico que foi chamado ao local.
Os seus colegas de profissão que a acompanharam
no projecto, a manequim também portuguesa Sara Sampaio, e o brasileiro
Francisco Lachowski, recusaram-se a falar sobre o sucedido para, referiram
eles, salvaguardar a intimidade da amiga, e o agente apenas afirmou a sua
cliente já estar bem e a recuperar.
Verdade é que ultimamente Joana tem sido vista
mais magra, e terá trocado também a vivacidade habitual e os sorrisos
constantes sempre que fotografada na rua, por expressões mais fechadas e taciturnas.
Há quem fale em mal de amores – apesar de até à presente data não ter sido
apresentado um namorado publicamente –, e também em distúrbios alimentares, que
dão a possibilidade de estarem a dificultar a todos os níveis a vida da jovem,
e daí terem levado fontes a afirmar que o excesso de trabalho e estudos estão a
levar a manequim de vinte anos, ao desgaste físico e emocional.
Para esclarecer a situação, Joana foi contactada
até ao fecho desta edição, mas em todas as vezes mostrou-se indisponível para
prestar qualquer esclarecimento."
Foi
terminar de ler o artigo e ouvir no mesmo segundo a campainha, que soou em dois
toques consecutivos e para mim inesperados, pois não contava com nenhuma visita
da Joana.
Voltei
a colocar a revista sob a mesinha, aberta nas páginas onde suspendera a minha
leitura ainda alusiva ao foro pessoal da minha doce menina, e fui abrir a
porta.
-
Já vai, já vai! - tranquilizei entre dentes enquanto atravessava o corredor,
tentando abrandar a impaciência de quem permanecia do lado de fora, que
continuava a tocar – Bolas, não era preciso tant… Ruben?! – quando me preparava
para dar um breve sermão a quem não sabia esperar, fiquei boquiaberta quando
escancarei a porta e observei o Ruben
-
Adriana?! O que é que estás aqui a fazer? - a sua expressão confusa
assemelhou-se à minha, pela gelha que duas linhas formaram nas nossas testas
-
Isso pergunto eu… O que é que tu vieste cá fazer? – sobrepus a minha questão à
sua, olhando-o de alto a baixo e reparando que ele não escapara à chuvada desde
o seu carro até à entrada principal da casa, o que comprovei pela água que
escorria do seu cabelo e roupas molhadas
-
Eu vim ver a Joana… - num lance rápido, Ruben avançou na minha direcção,
esperando conseguir entrar para poder levar à avante a intenção que o trouxera
ali, sem qualquer detenção, mas enganou-se redondamente
-
Oioioi… Calma, está bem? – vendo-o demasiado efusivo pela ânsia que tinha em
vê-la, vi-me obrigada a travá-lo, tocando-lhe levemente no peito
-
Adriana, deixa-me passar, se faz favor… - ele insistiu mais uma vez voltando a
forçar a sua entrada, mas por bem eu voltei a impedi-lo – Mas 'tás armada em
quê, agora? Deixa-me lá entrar…
-
Primeiro vais ter um pouco mais de calma, e depois vais explicar-me o que
vieste aqui fazer…
-
Eu já te disse… Vim ver a Joana, saber como ela está!
-
A Joana está bem… está óptima! – comuniquei, forçando um sorriso nos lábios que
reforçasse aquela minha mentira e o convencesse, infelizmente não tive sorte
-
Só acredito quando a vir com os meus olhos! – condicionou numa certeza
inquebrável, que eu sabia mais tarde ou mais cedo levar-me a ceder – Como é?
Olha que eu não me vou embora sem me assegurar primeiro de que ela está mesmo
bem e não precisa de nada, nem que tenha de ficar aqui plantado…!
-
Ruben, assim estás a dificultar a minha posição…
-
E tu não estás a facilitar a minha!
-
Facilitavas se te fosses embora…
-
Nem pensar! Eu já disse que enquanto não vir a Joana, não saio daqui! – os seus
braços teimosos cruzaram-se num único e incontestável movimento à frente do
peito, prometendo-me não vacilar perante a minha oposição
E
aquilo era o que mais me assustava nele: o seu jeito impulsivo e determinado de
ser. Quando se metia uma ideia naquela cabeça dura, por muito que tentássemos,
era difícil conseguir demover-lha… Diria mesmo impossível! Ele não estava
disposto a desistir com aquela facilidade toda, ainda para mais quando era
Joana que estava no centro da sua razão, mas eu também não podia permiti-lo de
invadir o espaço dela, o cantinho dela. Sabia que agora e mais do que nunca,
eles teriam muita coisa para conversar, ela tinha muita coisa para lhe dizer,
mas não seria naquela altura. Joana ainda se encontrava de rastos com toda a
situação que a apanhou numa rasteira da vida, e só devagar devagarinho é que
conseguiria voltar a si mesma e ter forças para seguir enfrente. Ver Ruben
naquele momento, ter de enfrentá-lo, acabaria por arrasar com as emoções dela,
e não seria bom colocá-las à prova quando numa situação complicada, existia um
bebé ainda em risco… Era nele que tínhamos de pensar agora, apenas nele.
-
É assim que vai ser, não é? Depois não digas que não tentei fazer as coisas a
bem… - ele colocou-me sobre aviso, e antes de poder antecipar o que queria dizer
com aquilo, as suas acções falaram por si – Joana…! Oh Joana! – sem mais não
ele começou a gritar para dentro da casa, tentando chamá-la para que viesse ao
seu encontro e matar-lhe a necessidade que tinha em vê-la, mas antes que a
pudesse acordar, forcei-o a calar-se rapidamente
-
Mas estás doido?! És pior que os putos, tu! – a palma da minha mão selou a sua
boca e impus-me a acabar com aquele seu devaneio naquele mesmo instante – Vá,
entra, mas ai de ti que voltes a abrir a boca para fazer barulho!
-
Mas não posso fazer barulho porquê? O que é que se está a passar? Onde é que
está a Joana?
-
Não podes fazer barulho porque primeiro, não estás em tua casa, e segundo,
porque a Joana está lá em cima a dormir! – enumerei pausadamente, retomando o caminho
para a sala, sentindo-o seguir os meus passos logo atrás de mim
-
Está a dormir? A estas horas, Adriana?!
-
E tu a estas horas não devias de estar no Seixal?
-
Não, ainda tenho tempo… E não tentes mudar de assunto!
-
Oh Ruben, o que queres que eu te diga? Ela estava cansada e foi-se deitar um
bocadinho… Qual é o problema?
-
O problema é que eu não estou a engolir esta história, o que é que não me estás
a contar? – ele estava irredutível a receber as suas respostas a todas as
questões que colocava, eu só não percebia porquê… porque é que estava tão
interessado, tão preocupado
-
Se estás a engolir ou não, o problema é teu… Não há nada para contar, aliás,
nem estou a perceber porque é que estás a fazer isto tudo… Podes-me explicar
qual foi a tua súbita consternação pela Joana? – com uma simples pergunta
consegui virar a ponta da espada na direcção dele, e foi fácil notar que a
falta de palavras o levou a um pequeno embaraço
-
Eu… Eu só queria sab… - enquanto tentava encontrar uma justificação que me
convencesse, o seu olhar que viandou pela sala que só nós dois ocupávamos, caiu
acidentalmente na revista que eu por descuido deixara aberta nas páginas onde
ele reconheceu facilmente das fotografias estampadas, Joana – O que…?
-
Ruben, espera… - sem conseguir impedi-lo de tomar em sua pose a revista, ele
pegou-a entre as mãos e pude ver claramente que os seus olhos procuraram
desesperadamente pela notícia onde viesse a ser falado o nome dela
-
O que é isto? – exigiu saber, elevando ligeiramente o tom de voz que se
ressentiu em mim no instante em que o vi atirar a revista contra a mesa, e
voltando a cruzar o olhar com o meu já depois dos dois minutos que lhe deram o
tempo suficiente de ler e reler o artigo, numa expressão de quem não gostou
nada do viu – Distúrbios alimentares? O que é isto, Adriana?
-
Mas qual quê? Não há distúrbios alimentares nenhuns… Até parece que não sabes
como são as revistas, adoram inventar!
-
Não me mintas, Adriana… Eu quero a verdade! – por alguma razão ele não
acreditou em mim, e o seu rosto contorcido de aflição e preocupação em relação
a Joana, só me veio a comprovar o quanto ele temia por ela
-
Achas mesmo que eu te estou mentir? Sinceramente… Não há absolutamente nada de
mal com a Joana!
-
Mas diz aí que ela desmaiou, que não tem parecido a mesma… Alguma coisa não
está bem, então!
-
Ruben, acalma-te, está bem? O que vem aí a dizer…
-
Tu não me peças para ter calma, desta maneira não! – vociferou em surdina,
espelhando bem o aperto que lhe vitimava o peito – A Joana…
-
A Joana anda cansada, stressada com as aulas e o trabalho… Ela tem viajado
muito, e sabes que vida de manequim também não é tão fácil como parece! – por
senti-lo demasiado nervoso com tudo aquilo, tentei tranquilizá-lo ao máximo,
pois nem eu conseguia imaginar o turbilhão de sentires e emoções que naquele
momento lhe fervilhavam nas veias, levando-o àquele estado intuitivo de
nervosismo e inquietação
-
De certeza que é só mesmo isso? – os seus olhos tristes revelaram-me o quanto
queriam que eu reafirmasse a minha anterior afirmação, e eu não pude ficar de
maneira alguma indiferente ao seu instinto protector que ainda guarnecia em
redor dela
-
É, Ru… É só mesmo isso, não tens de te preocupar. – voltei a sossegá-lo,
puxando as suas mãos para unir às minhas e apertá-las suavemente, esperando
transmitir-lhe algum conforto
A
verdade ali era só uma, e era a que dizia que ele estava a morrer de
preocupação pela Joana, pelo seu estado debilitado – e para ele ainda omisso –,
de saúde, e eu só não fiquei reticente em respeito à Inês porque sabia que não
era ela quem Ruben amava, e isso estava tanto para mim como para todos,
claríssimo como a água… Só que enfim, ele fez as suas escolhas, tomou a decisão
errada e agora teria de assumi-la, por muito que lhe doesse, por muito que o
magoasse viver longe da mulher que detinha verdadeiramente todo o seu coração,
e essa permanecia no quarto do andar superior, tranquila no seu estado
inebriante de paz enquanto pernoitava, e carregando no ventre um filho seu.
-
Então deixa-me ir vê-la, Adriana… Peço-te por tudo! – ele suplicou-me com os
olhos albergados num afogueamento intenso que os irradiavam e o prendiam numa
ânsia imensurável em poder chegar perto dela – Eu prometo que é rápido, por
favor! Deixa-me vê-la…
Por
ser meu melhor amigo, uma das pessoas por quem eu mais nutria carinho e
guardava um respeito enorme, naturalmente que me custava imenso vê-lo daquela
maneira, a sofrer silenciosamente e ao que parecia, eu ali ficava por ser o
ponto intermédio, o limiar que separava a sua angústia da diminuição daquela
sua dor… Ele precisava da minha permissão para avançar, precisava de vê-la, de
sentir que estava tudo bem com aquele que ainda era e nunca deixara de ser, o
grande amor da sua vida, caso contrário não iria sossegar.
Foi
então que, não totalmente consciencializada das consequências que aquela minha
benevolência poderia trazer, e dispondo-me a correr o risco de Joana não me
perdoar caso o meu pequeno favor a Ruben não corresse como o esperado, peguei
na mão dele e numa marcha lenta que ambos tomámos, guiei-o até à porta do
quarto onde o corpo dela permanecia totalmente adormecido e tranquilamente
repousado.
-
Obrigado… - agradeceu-me num sussurro pueril, enquanto pela brecha deixada da
porta encostada, ele a espreitava, guarnecendo diante dos seus olhos a silhueta
calmante e intocável de Joana
-
Queres ir ao pé dela, não queres? – evidentemente que ele queria ir ao pé dela,
chegar perto… todo o seu corpo pedia isso, gritava por isso, eu apenas lhe dei
o pequeno consentimento apenas e somente para o ver mais descansado
-
Posso? – os seus olhos implorantes esbugalharam-se ao tocarem os meus, e mais
uma vez pude ver, ainda que por entre a escuridão do corredor onde nos
encontrávamos, a presença de uma vermelhidão que permanecia lá e que continuava
a raiá-los, fazendo-o recordar da dor da sua maior perda
-
Vai lá… Mas por favor, não a acordes. – facultei com um sorriso singelo,
esperando no meu interior não me vir a arrepender por nada daquilo
Não
foi preciso dizer-lhe mais nada, e cuidadosamente Ruben entrou no quarto dela,
no seu pequeno mundo onde mantinha reservada só para si a tristeza profunda do
seu maior desgosto de amor. Pé ante pé ele aproximou-se da cama e na
simplicidade de um mero acto, ficou a olhá-la, a observá-la, a tentar memorizar
aquela imagem para levar consigo e mais tarde recordar.
Quanto
a mim fiquei a contemplar aquele cenário do lado de fora, encostada ao aro da
porta, sabendo ser eu a cúmplice principal daquela rusga proibida de amor,
porém em nada me julguei culpada, pois no fundo sabia, e em cônsul da minha
sensibilidade de mulher também apaixonada, que estava a praticar nada mais do
que o bem.
Ruben
permaneceu com a mesma postura durante algum tempo, mas inesperadamente acabei
por vê-lo tomar uma nova atitude. Com todo o cuidado do mundo, e como se
tivesse habituado a fazê-lo, puxou a pequena manta até cobrir o corpo dela na
totalidade, que se encontrava parcialmente destapado, e aconchegou-a meiga e
carinhosamente. A partir daquele instante senti-me ser tocada por uma energia
tão forte que os envolvia, que me arrepiei da cabeça aos pés… Ruben olhava para
ela como nunca o vira olhar uma outra mulher… Com um carinho, uma ternura, um
amor! Um amor que obviamente ainda lhe sentia e que não saía de maneira alguma
nem do seu peito nem do seu coração, que cada vez se mostrava mais triste e
desassossegado. E desassossegava-me a mim vê-lo assim, no fundo vê-los assim
aos dois… Tão perto de alcançarem a felicidade plena, quando ambos a desejavam
tanto, e mesmo assim não a poderem ter. E se o que ali presente, bem diante dos
meus olhos, não era amor… Então sinceramente eu não sabia o que era.
-
É melhor eu ir embora… - ao fim de alguns minutos, cruzando ao meu lado, ele
voltou a sair do quarto, desta vez num rompante, onde sem mais ter o que fazer
ali, preparou-se para se precipitar às escadas, mas daquela maneira eu não o
permiti e segurei o seu braço
-
Então, Ru? O que é que se passa? – inquiri baixinho, mas mais do que poderia
ouvir, vi… vi as lágrimas formadas nos seus olhos, prontas a jorrarem a
qualquer instante pelo espaldar do rosto
-
O que se passa, Adriana? – mordiscando os lábios, ele fez um esforço enorme
para não se mostrar destroçado ao ponto de chorar à minha frente, seguindo-se
uma breve pausa que fez para recuperar o alento e voltar a falar – O que se
passa é que eu nunca imaginei que fosse tão difícil querer tocar-lhe e não
poder fazê-lo mais… Nunca mais! É isso que se passa.
-
Oh, Ru… - instantaneamente abracei-o, percebi nele que precisava de ser
abraçado e então abracei-o com força, o que eu mais queria era levar-lhe a
tristeza para longe, e não havia melhor maneira de fazê-lo do que aquela de lhe
contar a verdade que ele ainda não sabia, surpreendê-lo com um alegre e efusivo
"Parabéns, papá!", e só Deus sabe o que eu me controlei para não cair
na tentação de fazê-lo
-
Tem sido tão difícil para mim, Adriana… Tão difícil… - ciciou enquanto me
apertava contra si, precisando de sentir o apoio e compreensão de alguém,
quando já nenhuma esperança havia a coabitar-lhe a alma
-
Tu fizeste a tua escolha, Ruben, e não foi a Joana quem escolheste…
-
Mas como é que eu vou conseguir viver longe dela? Sem ela… O que é que eu vou
fazer à minha vida? – num suspiro entrecortado, foi ele quem quebrou o abraço,
entorpecido por uma dúvida que certamente o assombrada a cada dia
-
Ainda tens dois meses para decidires o destino que queres dar à tua vida, por
isso pensa bem…
Ele
apenas soube consentir, e mais nada entre nós foi discutido quanto àquele assunto
ou a qualquer outro, pois nesse instante em que as palavras faltaram, Ruben
ficou pronto para ir embora. Despediu-se de mim com um "Vemo-nos depois!" e um beijo suave na bochecha, para
depois ao se voltar no sentido oposto, recolher as mãos nos bolsos do casaco e
começar a afastar-se na extensão delongada do corredor. Fiquei ali a mirá-lo
até vê-lo desaparecer, em que cabisbaixo, ele terá certamente resguardo somente
para si e para as paredes daquela casa pelas quais terá passado rumo à saída,
as lágrimas que lhe adivinhei correrem então livremente pelas faces trépidas,
exteriorizando-lhe a dor temperada por aquela tarde fria e dolorosa de Outono.
E
tudo aquilo foi só o início, o início de algo maior que estava para vir…
Minhas queridas, tenho de vos pedir desculpa por tanta demora em vos vir trazer
novidades, mas com as aulas e tudo o que é inerente aos estudos, não tenho tido
possibilidade de escrever com a frequência que gostaria.
Tenho também de vos agradecer os comentários que me têm deixado nos últimos
capítulos, é muito gratificante para mim receber todo o vosso apoio e carinho,
e definitivamente que me dá uma motivação extra para continuar a escrever.
Quanto ao novo capítulo, espero que gostem e por favor deixem-me as vossas opiniões, é muito importante!
Beijinhos, Joana :)
P.S.: A pedido da leitora Ana, que hoje faz anos, e me pediu que lhe dedicasse o capítulo, aqui está ele! Minha linda, muitos parabéns! Espero que tenhas um óptimo dia recheado de coisas boas e que sejas muito feliz.
Um beijinho grande ♥