segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Capítulo 9 - Doce tentação (Parte IV)
























Afastou escassamente as cobertas que ainda lhe ocultavam um meio do semblante e intermitiu levemente os olhos, de maneira a que a imagem imensamente bela da figura masculina que permanecia bem na sua frente, se tornasse mais nítida, mais clara e por conseguinte mais real.
Foi derradeiro tentar controlar o pulsar latente do coração, aquando tão perto dele, perscrutava por cada adornado preciso e cuidado do seu rosto, deixando por fim padecer o olhar na curva daquele sorriso boémio e genuíno, pelo qual era tão bem reconhecido entre todos e que somente pertencia a Ruben… e enquanto, sereno, continuava a olhá-la e a mantê-la debaixo da sua alçada protectora, a metade de si, que Joana representava ser-lhe.

- O que é que estás aqui a fazer? – inquiriu, sendo esta a única pergunta que naquele momento intempestivo lhe havia surgido, na retaliação de uma voz fraca e olhar desalentado pela fadiga que ainda lhe corroía o corpo

- Vim cuidar de ti… - respondeu muito calmamente e sem se conseguir desfazer por um único instante daquele sorriso… capaz até de fazer barulho e brilhar no escuro, tal era energia que continha

- Cuidar… de mim? – a hesitação entre as palavras, acusou-lhe todo o nervosismo que se havia unificado no seu interior, mas nem isso foi capaz de a impedir de continuar a falar, embora que com algum esforço – Vieste cuidar de mim, porquê? Eu estou bem… - tentando dissimular o seu mal-estar evidenciado pela fraqueza em cada membro combalido, Joana fez um esforço para se sentar à cabeceira da cama, com o apoio dos membros superiores, mas estes mostravam-se demasiado debilitados para responderem às ordens da razão

- És uma tonta, sabias? – disse em tom de brincadeira, mas suficientemente convicto para que Joana percebe-se que ele sabia mais do seu estado do que era suposto… mansamente, Ruben aproximou-se do seu rosto, o que por momentos a levou a pensar que iria beijá-la, mas no mesmo instante essa dúvida desvaneceu-se logo que uma sensação estranhamente confortante junto da sua testa a fez estremecer em vulgar inocência – Estás a arder em febre… Como é que podes estar bem? – inquiriu logo que descolou os seus lábios da pele ligeiramente suada dela, de onde pôde verificar a temperatura exageradamente alta de que Joana era vitimada

- É só um bocadinho… Já passa! – asseverou seguramente, deixando-se contrariar depois pela falta de forças de que tomava ordem, e voltou a deslizar para baixo da pilha de cobertores, onde deixou se envolver na sua totalidade para assim resistir à vaga de frio que sentia do outro lado das cobertas

- Só vai passar se te cuidares devidamente, e como nesse estado não és capaz de o fazer sozinha, deixa que seja eu a fazê-lo… Deixa-me ficar aqui a cuidar de ti! – ditou numa exclamação profundamente sincera e que poderia muito bem ser entendida como um pedido, deixando que a sua mão pesada pousasse sobre a anca dela, dando depois um relance acima do ombro para confirmar a ausência de Salvador, que naquele momento já não partilhava mais do mesmo espaço que eles - … deixas?

- Deixo… - Joana ainda vacilou a um consentimento, mas este acabou por ser dado, da mesma maneira como também um sorriso lisonjeiro sobressaiu do seu rosto, pela extrema segurança que pôde sentir na voz e no olhar do homem por quem tinha a certeza que ira sempre satisfazer todas as vontades e caprichos, tal como acabara de fazer

- Então vá, trouxe-te uma sopa quente e quero que a comas toda! – Ruben ergueu-se apenas para pegar o tabuleiro de madeira que deixara no chão, sortido por um prato de sopa fumegante, bolachas de maçã e canela, chá de menta e uma jarrinha disposta a uma das extremidades com uma flor aromatizada

- Não… Não tenho fome! – caprichou que nem uma criança, vendo o tabuleiro surgir na sua direcção, e escondendo logo de seguida rosto debaixo das cobertas

- Vais comer sozinha ou preferes que te tape o nariz pra que abras a boca?

Quando Ruben começava com aqueles jogos de “ou fazes ou fazes”, ela sabia que não lhe valeria de nada usar qualquer argumento de contra-ataque, pois no final, de uma maneira ou de outra, ele iria sempre levar a melhor de si. Não que isso fosse uma coisa má, muito pelo contrário até… Aquela insistência, aqueles cuidados redobrados e a dedicação que o vi-a tomar para consigo, faziam-na sentir incrivelmente mais leve, tranquila e… amada.

- És um bruto! – acusou, fingindo-se ofendida com o comentário dele e escondendo por detrás do edredão, um sorriso trocista – Fica tu a saber que não é assim que se trata uma rapariga num estado debilitado como eu…

- Eu sei que não, desculpa… Mas os miminhos vêm depois! Fica tu a saber também que o melhor se guarda sempre para o fim! – revirou a conversa e manipulando-a a seu belo favor, numa habilidade que apenas Ruben possuía e acabando por colocar o tabuleiro de pezinhos suspenso sobre as pernas dela

- Pronto, eu como! – disse num argumento de desistência, camuflado pelo acto tentado e conseguido em escapulir ilesa ao comentário dele

Ainda que contrariada, Joana endireitou-se o melhor que conseguiu à cabeceira da sua cama de casal, com a ajuda não proclamada de Ruben, que se apressou a ajeitar-lhe a almofada atrás das costas de maneira a abonar-lhe o melhor conforto possível. Pegou na colher e logo que o viu tomar o lugar vago ao beiral do colchão a seu lado, encarando-a num frente a frente, deu início à sua refeição, que se mostrou mais custosa de ser levada até ao fim do que o expectável.

- Não comes mais? – inquiriu de rajada, vendo-a pousar a colher no prato e preparando-se para desviar o tabuleiro da sua frontaria

- Não consigo, já estou cheia…

- Oh, não me digas que não há aí um espacinho só pra este bocadinho…?

- Não… Já não há mais espaço! – disse, no mesmo instante que fechou os olhos para arrebitar o narizito no ar e fazê-lo acompanhar pelo oscilar da cabeça em sentido negativo

- Olha aqui, são só mais três colheres… - num esforço louvável em cuidar dela, Ruben voltou a insistir, retirando o prato do tabuleiro e colocando-o sobre a palma esquerda da mão, enquanto que a direita tomou total manobra sobre os cursos da colher

- Não quero… - recusou uma vez mais, brandindo levemente a cara para o lado  

- Joana, vá lá… Olha pra mim! – implorou dando uso a uma voz melosa e pedinchona, à qual sabia Joana não ser capaz de ficar indiferente… ela cedeu, olhou-o derrotada e aceitou  aborrecida, a colher abrangida por uma pequena porção da sopa de legumes, que carinhosamente ele lhe levou à boca – Vá, mais uma…

- Opá, sujaste-me… - acusou, num jeito de menina refilona – que sempre perfilhava de cada vez que estava mais vulnerável – e limpando o canto da boca a um guardanapo assim que o encontrou no tabuleiro ainda pousado na cama

- Se não estivesses numa de bebé teimosa e rabugenta, e se também não estivesses sempre a desviar a cara, talvez eu não te tivesse sujado.

- É… Desculpas a tua falta de jeito com a minha rabugice! Agora sou eu, mas um dia mais tarde quero ver como vais fazer quando tiveres que cuidar dos teus filhos quando eles estiverem doentes, sem vontade de comer e rabugentos…

- Então mas se é esse o problema, podemos fazer assim… - ele olhou-a directamente nos olhos com uma profundidade tão sincera e segura do que lhe ia dizer a seguir, que Joana pôde sentir todo o seu interior balancear intempestivamente, no receio do que poderia estar prestes a ouvir – Quando esse momento chegar, primeiro mostras-me tu como se faz e depois quando já souber o que fazer nessa situação, cuido eu deles… Pode ser?

- Pois, mas não é a mim que tens de perguntar isso… - apesar de lá bem no fundo ter percebido ao que Ruben disfarçadamente se queria referir – no seu ajuste de planos para o futuro, ali na sua frente – Joana preferiu contornar a indirecta que ele tinha lançado, do que ter de discuti-la - … vais ter que dizer isso é à futura mãe dos teus filhos.

- Sim, e foi isso que eu fiz!

Ruben não teve sequer de se dar ao trabalho de pensar numa contestação devidamente estruturada, pusera de parte os rodeios e fora directo e também, talvez, pouco cauteloso… Aquela resposta saíra-lhe de rompante, directamente da alma, tal como uma bala quando é disparada pelas forças irreversíveis de um canhão. O pior foram os destroços que esta causou… Joana baixou o olhar e deixou que este ficasse preso às suas mãos, agora irrequietas uma contra a outra, em consequência da maior declaração que poderia imaginar ouvir.
Apetecia-lhe chorar… Oh, como lhe apetecia chorar… E de alguma maneira, alguma coisa naquelas palavras lhe soava triste, naquele tanto querer que ele lhe havia mostrado e que há tanto tempo não era recordado entre o ex-casal, soava-lhe a fruto proibido… Um dia, outrora, apetecido, mas agora demasiado silenciado para que fosse relembrado daquela maneira… Agora em redor daquele assunto era tudo mais cinzento e menos azul, e Ruben sabia-o, tal como sabia que não deveria ter suscitado os desejos de um passado e por instantes chegou até a arrepender-se do que tinha dito, pois um aperto no peito destroçou-o por ver a reacção desconsoladora que tinha provocado nela, por ver o jeito do seu sem jeito.   

- Esta é a última… - incentivou pela última vez, não ousando voltar a tocar no assunto anterior, pelo desalento desconfortante que deslindou nela com um só olhar 

- Tenho que ir à casa de banho lavar os dentes… - referiu, já depois de, com muita insistência, ter conseguido terminar de comer e vagarosamente afastou os cobertores do seu corpo para assim se conseguir levantar

- Queres que eu te leve até lá? – ofereceu-se prontamente, para guia-la lado a lado numa marcha que se findaria até à porta da casa de banho, luxuosamente oferecida pelo fardete da suíte

- Não é preciso… Eu consigo ir sozinha! – recusou, evitando ao máximo ser desagradável para com aquele, que até à altura  se mostrara vigoroso em tratá-la das melhores maneiras possíveis para que ela se sentisse bem

Sem ter a indigência de olhar o seu rosto, Joana ergueu-se ainda assim com algum custo, traída pelas forças que a cada passo corrido lhe faltavam.
Porém, Ruben não fez nada que a contradissesse, não estava disposto a pisar a linha uma segunda vez naquela noite e sabia que o que apenas há momentos lhe havia dito, numa manobra precipitada de ingenuidade e sem segundas intenções, a tinha magoado… talvez até mais do que seria suposto, por tudo o que o tempo perdido levara.
Um beijo era um beijo, e apesar de ambos se terem entregue à doce tentação do momento mais íntimo que poderam então partilhar, ele sabia que esse passo poderia não significar nada… Poderia não alterar em nada nas suas vidas, nem mesmo assumir um para com o outro o sentimento que desde sempre os unira, e agora… agora era o titular de amigos (muitos íntimos) que ocupava o espaço vazio deixado entre ambos, o titular que os nomeava.
Suspirou profundamente e deixou-se permanecer em silêncio, à beira da lateral da cama direccionada para o anexo no qual há instantes ela havia enveredado e desaparecido, aguardando por um novo abrir da porta que lhe trouxesse a chegada da sua pequena e oculta mais-que-tudo.

- Precisas de alguma coisa? – perguntou, erguendo-se num único lance logo assim que a viu cruzar a porta de regresso ao quarto

Joana ainda estava fraca, tinha a cabeça tonta, de vez a vez as pernas falhavam-lhe e os arrepios incontrolados ainda não tinham cessado. Agarrou-se ao aro de madeira da porta perfeitamente polida, para não perder o equilíbrio e olhou fixamente o seu rosto em silêncio, com uma intensidade como ainda não arriscara fazer naquela noite.

- Ouve, Ruben, eu sei que estás a ser um querido em ficares aqui ao pé de mim, mas também sei que tiveste um longo dia de trabalho e deves estar cansado… Se quiseres ir embora, eu compreendo… Não te prendas por mim! – gracejou em meio tom de voz, aquando a passinhos breves, retomava o rumo para o conforto ameno debaixo dos lençóis       
 
- Mas eu não me quero ir embora! – desde cedo mostrou quais as suas intenções e vontades, e não seria de maneira fácil que ira abdicar delas – Quer dizer… A menos que tu me peças para o fazer. – com mesmo rompante em que dera a sua resposta, da mesma forma se apressou a corrigir-se, disfarçando o embaraço que perfidamente se apoderou da sua firmeza

- Eu não te vou pedir que o faças. – proferiu, deixando que no instante seguinte as poucas forças que a mantinham em pé se escapulissem dos membros inferiores sem mesmo ela se dar conta, e obrigando a uma precipitação ágil de Ruben que acabou por segurá-la nos braços

- Ainda bem… - murmurou, de rostos praticamente colados, olhando-a primeiramente nos olhos e fixando-lhe depois os lábios modelarmente ornados – Vamos então continuar a cuidar de ti?

- Hum, hum… - assentiu passivamente, sentindo-se vacilar perante a vontade irrevogável de se entregar ao homem que sempre amara – Deixa-me só trocar de roupa. – referiu no mesmo instante que descruzou ambos os olhares, procurando desfazer-se dos jeans justos e do top… que indumentara no corpo para o jantar a dois, o qual acabou por não ir

- Eu ajudo-te! – realmente era de louvar tanta dedicação e carinho com que ele fazia questão de a cuidar, como se de alguma maneira, também estivesse a cuidar de uma parte de si

- Não, não é precis… - tentando ainda assim trava-lo, Joana não conseguiu com que ele findasse com o tratamento de mimos e vendo-o precipitar-se até ao roupeiro colocado ao centro da parede lateral

- O que queres vestir? – perguntou-lhe, fazendo correr a porta transversal para dar início à procura do vestuário com que Joana se sentiria mais confortável para dormir e que ele tão bem conhecia – Um pijama ou camisola larga?

- Ah… Pode ser uma camisola larga, já não tenho tanto frio!

Ruben começou então uma busca que se mostrou bem mais breve do que o esperado… Na prateleira do cimo encontrava-se todos os conjuntos de roupa que ela trouxera nas malas para dormir e intercalada no pequeno montinho de camisolas de manga curta largueironas, ele reconheceu aquela que em tempos havia sido um pequeno presente seu para a sua ex-namorada. Retirou-a com cuidado no meio de outras tantas e ao segura-la por entre as mãos, uma enxurrada de recordações evocaram a felicidade de um passado, apenas na simplicidade de um pormenor como era aquele.
Regressou até ela e Joana limitou-se a sorrir discretamente ao ver, pousada sobre a cama, a preferência que ele tivera por aquela camisola em particular, sem ter a necessidade de interroga-la para uma escolha, pois muito provavelmente, também ela iria optar por aquela peça de dormir.

- Posso? – promulgou baixinho por um consentimento dela, aquando as suas mãos se guiaram instintivamente até ao botão dos jeans de modo a ser ele a despir-lhas   

Joana apenas lhe deu a aprovação com um breve oscilar de cabeça, que a ele lhe deu carta-branca para avançar. Ao sentir os dedos grosseiros tocarem muito levemente na sua barriga enquanto ele desapertava o botão e fazia correr o fecho, fê-la arrepiar instantaneamente ao sentir de novo o toque pele contra pele, o que o levou erguer a cabeça por segundos e olhá-la, apenas para verificar se estava tudo bem.
Devagarinho, Ruben vez deslizar as calças, contornando-lhe as nádegas com as mãos e deixando-as divergirem pelas pernas dela muito lentamente, até se colocar de cóqueras.

- Não precisavas de ter este trabalho todo comigo… - referiu, vendo-se obrigada a apoiar as mãos nos ombros dele para manter o equilíbrio

- Eu disse que ia cuidar de ti, e é isso que vou continuar a fazer! – respondeu muito seguro, voltando a erguer-se e repondo em vista a altura desproporcional que tinham um ao outro – Levanta os braços, por favor… - pediu-lhe, de maneira a conseguir retira-lhe o cai-cai que lhe assentava as curvas das ancas e assim que ela acatou com o seu pedido, foi um questão de segundos até se conseguir livrar da peça de roupa

- Ruben, eu não…

- Tu não dormes com o soutien, eu sei… - asseverou com a maior das naturalidades, não precisando sequer de um relembrando formulado da parte dela para se recordar dos seus hábitos mais íntimos - … não me esqueci.

Ela baixou o olhar envergonhado e silenciou-se. Era evidente que Joana se mostrasse desconfortável com aquela aproximação e intimidade de que só um casal deveria partilhar, e o facto de ele a ver seminua, ali, na tranquilidade de um quarto quase adormecido, deixava-a ansiosa e de certa maneira desconcertada, pelo tanto tempo que estiveram longe um do outro sem sentirem qualquer toque ou carícia.

- Não precisas de ficar envergonhadinha… Sempre tivemos muito à-vontade um com o outro nestas situações, não tivemos?

- Sim, mas… As circunstâncias são outras e já nada é como era dantes, muitas coisas mudaram desde então… - declarou, sem ter a mínima coragem de o encarar e aperaltando no rosto um sorriso dolorosamente desconcertante

- Tens razão, muitas coisas mudaram, mas os sentimentos não… Os sentimentos continuam tão vivos quanto tu e eu, quanto nós! – confessou num murmúrio venturoso, quando lhe procurou o consentimento de um olhar – Está tudo bem, relaxa…

Os seus braços contornaram-lhe o tronco gentilmente e impondo os rostos a um distanciamento quase nulo, Ruben olho-a nos olhos com uma intensidade tal, que Joana não se atrevera a procurar outro ponto de refúgio que não fosse também os olhos dele… tão grandes, tão profundos, tão sinceros.
Os seus dedos ágeis desapertaram-lhe o soutien de colorado negro e num gesto quase sumido fez deslizar em cada ombro uma alça de cada vez, sem nunca, mas nunca parar de lhe contemplar os olhos mais bonitos que alguma vez vira e que pertenciam unicamente a Joana, e fê-lo com tanta delicadeza que inevitavelmente cada recanto dela estremeceu. Aí a peça de lingerie caiu ao chão e ele viu-se irredutivelmente obrigado a quebrar o olhar durante breves segundos ao dela no instante em que o seu corpo seminu surgiu na sua frente, e um sorriso lindo lhe acalentou os lábios... pois naquele momento – apesar de saber que o tempo fizera da memória sua escrava – não poderia estar mais certo de que nunca vira mulher tão perfeita como a sua.
Joana corou, muito subtilmente, vendo-se exposta para o homem que sempre amou e a quem se entregara em muitas das noites sem fim, mas foi impossível conter-se em emoções por poder voltar a partilhar com ele um momento de que somente ambos poderiam partilhar, e esboçando no rosto um sorriso discreto mas igualmente lindo.

- Já está, pequenina… - concluiu num leve rasgo de lábios, logo que lhe vestiu a camisola, fazendo com que esta lhe assentasse apenas um pouco acima do meio das coxas – Agora vais descansar, está bem?

- Hum, hum… - afirmou positivamente numa fala contida para dentro, apesar de não mexer um único músculo para atender a sugestão dada por ele

A sua mão direita elevou-se voluntariamente até se prender nos cabelos dele, combatentes contra a força da gravidade por uma porção avultada de gel fixante, deixando que os seus dedos lhe bailassem por entre os caracóis discretos.
Ao contrário dela, Ruben continuava a olhá-la nos olhos tornando a forma com que o fazia, mais penetrante e docemente acolhedora, na eloquência de respostas que não possuía e a imaginar no que Joana poderia estar a pensar… em tudo o que naquele momento lhe poderia ocorrer ao pensamento mais profundo e distante.
Ela fez descer a mão muito lentamente, permitindo-a deslizar pelo rosto amadurecido pelos quase vinte e cinco anos dele, e deixando que a barba mal aparada lhe provocasse uma sensação de cócegas sob a polpa dos dedos finos e delicados. Por fim estes encontraram a sua última parada e acabaram por pousar sob os lábios dele, sentindo-lhe o rasgo de fervor imposto pela respiração cálida e desregulada, assim como cada alinhamento e a vurmosidade de uns lábios carnudos que precisava voltar a sentir nos seus.
E foi nesse instante que Ruben percebeu exactamente no que ela estava a pensar… Beijou-lhe os dois dedos e mordiscou-lhe o indicador com suavidade, sem, claro, quebrar por um segundo a intensidade dos dois olhares expostos um ao outro… Ela riu-se de um jeito delicioso e ele aproveitou esse facto para reduzir perigosamente a distância entre os dois narizes.

- Queres que eu te beije, não queres? – inquiriu num sussurro arrepiantemente apaixonado, reconhecedor do desejo que a deflagrava, no fundo os deflagrava

- Quero muito… - bafejou num suspiro exasperado contra os lábios dele, quando o sentiu colar totalmente os corpos, num encosto e aperto aconchegante    

Ele nada mais pôde fazer do que sorrir com aquela resposta, era tudo o que queria e precisava de ouvir.
Foi Joana, porém, que deu o primeiro passo. Balançou imponderadamente os pés descalços e em consequência do intervalo praticamente reduzido a nada entre as duas bocas, os seus lábios tocaram os dele, num toque que não deu tempo de ser correspondido.   
Ruben sorriu perante aquele impulso involuntário e deu prosseguimento às tangências provocatórias, bocanhando e repuxando-lhe carinhosamente o lábio inferior somente entre os seus, formando depois uma pequena brincadeira com ela do toca e foge, até se ver qual dos dois era o mais ágil.
Joana acabou por soltar breves gargalhadas pela brincadeira da qual saíra derrotada e ele acompanhou-a, mais discreto, decorando-lhe todos os traços adornados de um rosto feliz… E sem se quererem aperceber, com aquele momento de paixão pura, eles provaram mais uma vez possuir todos os antecedentes a um casal de namorados que negavam, mas que no entanto secretamente desejavam ser.
Ele reaproximou-se disposto a retomar a brincadeira anterior, embora que agora um pouco diferente. Os seus lábios entreabriram-se assim como os dela e voltou a unir as bocas apenas num encosto tangente. Nenhum tomou a iniciativa de fechar os olhos, pois queriam estar cientes daquilo que faziam, e nada melhor do que se olharem fixamente antes de se deixarem levar pelos corações palpitantes, aquando das duas respirações quentes se encontravam fugidas e revoltas uma na outra.
Finalmente Joana rendeu-se ao prazer de se entregar e cerrou as pálpebras logo que sentiu os lábios dele roçarem ininterruptamente os seus, como que lhe pedindo um indício para poder avançar. Ruben recebeu o sinal desde logo e não sem antes poder evitar, colou um sorriso à boca dela, fechou os olhos e deu-lhe assim o primeiro beijo, provocando um burburinho repenicado como fundo. Com apenas um braço contornou-lhe as costas e fê-la recuar, comandando ele uma curta caminhada cambaleante até à cama… Com o máximo cuidado, enquanto continuava a beijar-lhe os lábios, segurou-a fortemente no contorno do seu braço deitou-a na cama e deitou-se sobre o corpo dela, mantendo em si a preocupação de nunca a magoar, pois sabia da fragilidade que ainda a viandava. As bocas, essas, não se haviam descolado por um segundo e quando Joana sentiu a necessidade em si de terminar com aquele momento que poderia não ter um retorno, Ruben aproveitou para prolongar ainda mais aquele beijo, algo que ela não teve como negar.
Ambas as línguas se procuraram e assim que sentiram o toque enfeitiçante uma na outra, deram então vida a um bailado louco, violento e muito, muito apaixonado.
Eles eram apenas dois personagens que experimentavam o sentido do amor. Um amor sem nome ou forma, somente alimentado de uma magia doce e quente que abrasava dois corações enamorados.    

- Estou a magoar-te? – vendo-se forçado a repetir aquela consequência de beijos, Ruben ergueu escassamente a cabeça para olhá-la, pois recordara-se do estado frágil do qual ela era ainda vitimada

- Pois, agora que falas nisso… - na verdade Joana estava bastante confortável, e pela força de um braço que ele fazia contra o colchão, quase que não o sentia sobre si, mas decidira iniciar uma brincadeirinha inconsciente da qual esperaria vir a ser beneficiada com uma doze de gargalhadas extra – Estás a fazer um pouquinho de peso a mais…

Ruben inclinou-se ligeiramente para o lado, mas ainda cobrindo a maior parte do corpo dela e lançou-lhe um olhar enigmático que Joana rapidamente descodificou – Espera, deixa ver se eu percebi… Estás a chamar-me gordo?

- Não, não foi bem isso! Eu apenas disse que…

- Foi sim! – interrompeu-a de imediato, expressando em si a ofensa que na verdade não sentia – Chama-me lá isso agora com todas as letras… Vá, chama! – incentivou em tom de ameaça, enquanto os seus dedos caminhavam vagarosamente até à barriga dela, prontos para iniciarem um ataque de cócegas furioso

- Ruben, pára! Cócegas não! – repreendeu-o, tentando formar uma atitude séria, mas esta foi-lhe quebrada pelas gargalhadas incontroláveis que eclodiam na sua boca

- Vá, não és capaz? Chama-me lá gordo, sua minorca… Chama!

- Por favor, pára… Por favor!

- Então pede desculpa… Ou eu não vou parar! – alterando a sua táctica, ao bailado persistente dos seus dedos na barriga e no torso de Joana, Ruben começou pôr abocanhar-lhe o seu pescoço em suaves mas perigosas investidas 
   
- Desculpa, desculpa!

- Fala mais alto, não te percebi… - referiu numa entoação clara de gozo, cessando finalmente com o assalto mortífero de cócegas, para desviar suavemente a camisola dos ombros dela, de maneira a conseguir beijar-lhe a pele

- Desculpa… - pediu por fim logo que fechou os olhos, libertando um suspiro de rendição que foi solto por entre a escuridão quase total do quarto, pelo carinho mais do que desejado que Ruben firmava em si a cada beijo e carícia

- E agora dá-me um beijo! – ele ergueu a cabeça apenas para conseguir olhá-la e fazê-la entender que o pedido que solicitou havia sido feito com toda a seriedade de um coração enamorado

Ela respirou fundo numa tentativa infundada de serenar o coração, que na altura palpitava que nem um louco desmesurado dentro do peito, olhou-o e sorriu muito levemente. Cerrou as pálpebras e deixou que fosse o instinto a guiar os seus lábios até aos de Ruben, ansiosos por voltar a sentir o toque dela.
O início do beijo foi muito calmo, como se não tivessem pressas de o fazer levar até ao seu fim – porque de facto não tinham –, mas isso mudou quando ambos sentiram em fim uma entrega mútua que até então ainda não tinham conseguido testemunhar, uma entrega pela certeza de um sentimento que existia e que estava lá bem presente… Pena que aquele momento estava destinado a ser interrompido pela vulgaridade de um contratempo.

- O teu… O teu telemóvel está a… tocar… - elucidou-o ela, com alguma dificuldade, pois Ruben, brincalhão, interrompia com leves toques de lábios

- Eu sei… Deixa-o tocar… - afirmou num sorriso melindroso, não disposto a ser obrigado a parar com aquilo que desejava ser a última coisa que visse chegar a um fim

- Mas pode ser importante…

- E nós não somos importantes? – inquiriu numa lividez de traquinice e trincando-lhe carinhosamente a pontinha do nariz – …hum?

- Não sejas assim… É melhor atenderes! – sem que ele desso por isso, Joana desceu a mão até ao bolso traseiro dos calções dele e retirou o telemóvel para lho entregar em mãos, sem ter a ousadia de ver o destinatário do telefonema – Se quiseres estar mais à-vontade podes ir falar para a sala…

Aborrecido com a insistência dela, Ruben pegou o seu telemóvel, que continuava a tocar insistentemente e levantou-se, mas não sem antes lhe roubar um beijo repenicado nos lábios, ao qual Joana nem tivera tempo de reagir.

- Diz, mano… - indagou, logo que atendeu a chamada feita por David, a um canto do enorme quarto

- Manz, onde cê ‘tá? ‘Tá quase dando a hora da recolha…! – inquiriu ele imediatamente, fazendo trespassar pela linha telefónica um tom alarmista e simultaneamente preocupado

- Eu… Eu tive que sair. Estou com a Joana… 

- Com a Joana, ué… Mas você não falou que ela…? Que rolou?

- É uma longa história, depois conto-te! - falou calmamente, abrigando a mão livre no interior do bolso dianteiro, para olhar Joana discretamente acima do seu ombro

- Mas ‘tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

- Não, não é nada que não passe… Adoeceu e eu estou a cuidar dela, só isso!

- Adoeceu? – pediu uma reafirmação, deixando que num curto espaço de tempo onde não proferiu mais nada, desse para que Ruben adivinhasse o que ainda lhe iria dizer – Eu falei, Ruben! Eu falei pra você que havia uma razão forte pra ela não ter ido ao encontro!

- Sim, David… Tu avisaste-me, tinhas razão e estás de parabéns! Contente? – espicaçou numa clara expressão de gozo, que ainda serviu de rastreio a amistosas e breves gargalhadas da parte de ambos

- E agora cê ‘tá dando aí em cima da muleca, quê… Fazendo de mocinho enfermeiro, é?

- É, é isso mesmo! Ela agora está a precisar de mim e eu não vou deixá-la aqui sozinha enquanto não achar que está minimamente recuperada!

- Ah, precisa falar mais nada não, manz… Se por alguma razão alguém quiser saber de você, não se preocupa, eu te cubro! – assibilou ele, adivinhando o pedido que Ruben certamente lhe iria fazer, fazendo sobrevalorizar a cumplicidade que desde cedo formaram na sua relação de irmãos não de sangue mas de coração

Deixada por um telefonema tardio de Ruben, Joana aproveitou-se da ausência precoce dele para tomar o seu lugar já arrefecido, debaixo dos lençóis.
Sentou-se á cabeceira da cama e aconchegou absortamente as cobertas ao seu corpo da maneira mais confortável possível, para assim tentar abstrair-se o máximo da conversa a qual não lhe dizia qualquer respeito.
Procurando pelo quarto uma nova distracção, o seu olhar embateu acidentalmente na jarra que, na sua própria retirada, Ruben colocou sobre a mesinha de cabeceira do seu lado direito, guarnecida por uma flor de caule comprido e pétalas fartas e amarelas… que sabia ser das suas flores preferidas. Deu um jeitinho esforçado ao braço alcançando-a entre os dedos, retirou-a da jarra onde era banhada com meia dose de água e aproximou-a ao nariz para lhe sentir o cheiro aromatizado, enquanto os seus lábios a deixaram esboçar a divindade de um sorriso belo.

- É bonita, não é? – perguntou-lhe meigamente, regressando para junto dela logo após ter desligado a chamada 

- É… Sempre tive preferência por flores amarelas! – relembrou, mostrando-lhe um sorriso enquanto o vi-a caminhar levemente até si

- Eu sei! – afirmou, retribuindo-lhe o mesmo sorriso de igual forma, voltou a tomar o seu lugar bem ao lado dela e sentiu em si a necessidade de lhe dar uma explicação – Foi o David que me ligou… São quase horas da recolha e como não me viu no quarto…

- A recolha é à meia-noite, não é?

- Yap! Tu estás minimamente por dentro disto e sabes como é que funciona… Nas nossas horas livres temos total liberdade para irmos onde quisermos e com quem quisermos, mas temos um limite e se não voltarmos para o quarto até à hora estabelecida…

- Podem ser castigados… Eu sei!

O rosto de Joana esmoreceu superficialmente, assim como a sua voz que naquele instante havia perdido a intensidade. Nem mesmo ela conseguia explicar o facto de se sentir assim… meio triste por, talvez, já adivinhar perto o momento de Ruben ter que regressar e deixá-la novamente sozinha.
Sabia que ele estava às ordens e ao comando do clube, tinha regras para cumprir, mas já se habituara a tê-lo ali, a cuidar de si com todo o carinho do mundo e apenas queria continuar a disfrutar dessa sensação, queria continuar a disfrutar da doce companhia do homem que voltara a resgatar do seu amor, por mais tempo… Queria continuar a tê-lo ali, bem pertinho de si.
Ruben conheci-a bem demais para que lhe escapasse até ao mais ínfimo pormenor em relação ao seu frágil temperamento… E ele soube ler-lhe aquele silêncio que acabara por assaltar a conversa e, talvez por secretamente lhe conhecer a vontade do seu coração, que procurou sossegá-la.

- Mas isso não quer dizer que me tenha de ir embora, Joana… Eu não vou deixar-te sozinha! Se acontecer alguma coisa o David cobre-me… Já fizemos isso imensas vezes, quando nos excedíamos um pouco nas horas.

- Mas isso não é demasiado arriscado?

- É um pouco… Mas é um risco que eu estou disposto a correr.

Ela voltou a procurar-lhe a atenção – Ruben?

- Diz, pequenina…

- Achas que estou a ser egoísta se te pedir para passares a noite comigo?

Ele sorriu notavelmente feliz e beijou-lhe levemente a testa – Claro que não estás… Se é isso que queres, eu passo a noite contigo!

- É… é isso que eu quero!

- Então, vá, vamos só tirar-te a febre e vais dormir está bem? – ele alcançou o termómetro deixado sobre a mesinha de cabeceira do seu lado e colocou-lhe entre a dobra do braço

- Está frio! – queixou-se, referindo-se ao termómetro, com um sorriso modestamente doloroso

Ruben descalçou-se e deitou-se ao lado dela na cama, apoiando o cabeça com o cotovelo. Enquanto esperavam pelos minutos necessários para se verificar a temperatura, conversaram… Conversaram principalmente sobre os seus sucessos profissionais… o Benfica e a nova época, sobre o curso de Direito e a carreira de manequim… Falaram um pouco de tudo e um tudo de nada, apenas não se atreveram a tocar no passado e o quanto isso os fez sofrer. Cada um sabia que não podia fazê-lo pois estaria a abrir novas feridas e a causar novos transtornos, por isso saltaram o que mais os fizera felizes mas também as mágoas de uma felicidade que conheceu desde muito cedo o seu fim. Riram-se, olharam-se e nos momentos em que nenhum sabia o que dizer, ficavam simplesmente a apreciar o silêncio de todas as coisas que não era preciso serem ditas, apenas sentidas.

- Trinta e oito e meio… - disse ele logo que espreitou o termómetro – Baixou pouco…

- Com uma boa noite de sono, já passa…

- Sim, e é isso mesmo que Senhora vai fazer agora… Dormir! – disse aconchegando-lhe os lençóis

- Então e tu?

- Eu também… - garantiu, levantando-se e começando a despir o pólo e os calções para dormir somente em boxers – como sempre dormia. – Vais-me deixar dormir na cama, não vais? É que o sofá faz-me dor de costas e então…

- És um fingido, é o que é! E sim, vais dormir na cama, mas só porque eu estou com muito frio…

- Ai estás? Há pouco disseste que não…

- Mas agora estou… - rematou com perspicácia, fazendo uma carinha de amuo que ele advertiu com uma gargalhada calorosa

- Arranja então um espacinho para mim… - ela abriu-lhe a cama e chegou-se para um cantinho, oferecendo-lhe o outro lado livre

Ruben regulou a intensidade da luz dos candeeiros que pendiam sob as duas mesinhas de cabeceira, deixando-a exactamente ela como ela gostava… muito suave mas luzente o suficiente para que deixasse ver tudo que era envolvido naquele lamear de luz. Deitou-se e aconchegou-se no lado da cama que lhe pertencia.
Ficara então um espaço vazio entre os dois… Um espaço demasiado grande e que Joana não tinha coragem de ocupar para anuir com aquela distância que incomodava o âmago de cada um. Queria, queria muito fazê-lo mas sabia que não era certo, aquele jogo de sentimentos e sedução já tinha ido muito aquém do que era considerável e se não fosse travado poderia levá-los de novo a percorrer caminhos que não tinham um retorno. E deixaram-se ficar assim… a contemplar-se um ao outro sem uma palavra dizer, mas com muito a sentir.

- Boa noite, Ruben… - desejou ela calmamente, depois de acomodar a cabeça na sua almofada

Ele permaneceu sereno a olhá-la, à espera de lhe vislumbrar uma atitude, nem que apenas um mero sinal… Um sinal que lhe desse a indicação precisa e irreversível para embrenha-la no calor do seu corpo e poderem assim descansar nos braços um do outro, mas nada do que intimamente esperava acabou de facto por acontecer.

- Boa noite… Joana. – disse por fim, num rasgo de dolência, queimando os últimos cartuxos às palavras que já pareciam ser escassas, e derradeiro a passar mais uma noite sem receber do toque dela

Foi ele o primeiro a fechar os olhos e a mostrar-se minimamente disposto a adormecer. Joana ainda ficou acordada e não levou muito até o conseguir ver calmar, o corpo relaxar gradualmente e sentir-lhe a metamorfose de uma respiração profunda mas branda.  
Não pensou, não refletiu… Quando se apercebeu que era seguro avançar, abeirou-se – ainda assim um quanto a medo e embora escassamente –, rezando para que não fosse ela própria a denunciar aquela aproximação que tomava para com Ruben. Com o cotovelo apoiado, elevou a mão esquerda no ar e preparou-se para desenhar com os dedos, o rosto sereno dele. Contornou-lhe as faces, demarcou o meio da testa e deslizou com o indicador sob a cana do nariz… Preparava-se então para lhe tocar os lábios, mas a voz que julgava adormecida, fê-la recuar.

- És linda… - no silêncio daquele toque em segredo, ele surpreendeu-a, mantendo os olhos fechados mas abrindo os lábios num sorriso muito leve que no entanto bastou para lhe deixar o coração num alvoroço

Joana sobressaltou-se ligeiramente, mas não conseguiu evitar acolher um rasgo de lábios nervoso e intimidado, como se estivesse na pele de uma criança que fora apanhada a comer bolachas de chocolate mesmo antes do almoço.

- Como é que sabes? Nem estás a olhar para mim…

- Não preciso… Conheço cada contorno do teu rosto, cada traço da tua boca, cada sorriso do teu olhar, cada curva do teu corpo… - abriu finalmente os olhos e encarou-a, auxiliou-se também pelo apoio do cotovelo sobre o colchão e aproximou os rostos para lhe falar num leve sussurrar – Não preciso de te olhar, Joana, porque eu conheço-te e sei-te de cor.

Ela sorriu sem saber o que realmente havia de lhe dizer, sem saber algo que ele merecesse ouvir e que fizesse jus ao encantamento daquela confissão que nem pelo tempo desgastado, deixara de manter a sua tese.
Sobrepôs delicadamente a palma da sua mão à face dele, encostou ambos os lábios e deixou que estes roçassem brevemente nos dele, numa brincadeira que já era conhecida entre os dois e Joana acabou por beijá-lo, com um único toque apenas, que soube ser retribuído. Ela deixou-se permanecer de olhos fechados e voltou a tomar o lado da cama que lhe pertencia.
Foi a vez de Ruben avançar… Primeiro observou-a, mantendo-a focada no seu ponto de visão fulcral para depois, numa questão de segundos, arrastar o seu corpo por baixo das cobertas até ao centro da cama.
Ela continuava no seu cantinho, esperando que um sono prestes a leva-se, mas foi aí que um pasmo inocente lhe percorreu a espinha em ascendência, levando-a a arrepiar-se num rápido tremor que para além do corpo, lhe comburiu a alma deturpada. Sentiu uma mão acalentada, viandar junto das suas costas, encontrando rapidamente o caminho debaixo da camisola. Sabia que era ele, mas deixou-se ficar quietinha sem mexer um único membro… De facto também não foi preciso, pois foi Ruben que o fez por ela ao contornar-lhe a cintura com o braço que a puxou e a levou de volta para o lugar onde pertencia: bem junto a ele.
Ele manteve os olhos fechados, como se nada fosse consigo e Joana aproveitou esse conveniente para curvar a boca numa pequena amostra de felicidade. Roubou-lhe um pequeno espacinho na almofada e deixou-se ficar no acomodo que ele a havia colocado. Tocou-lhe novamente o rosto e Ruben envolveu-a num abraço forte e inquebrável, que anuía com qualquer distância que podia haver entre os dois, acabando por elevar a sua face à dela.

- Desculpa… - pediu-lhe num murmúrio assentido pela culpa e soltado junto ao ouvido de Joana

- Desculpa pelo quê?

- Por tudo… - ditou num suspiro, voltando a pousar a cabeça sobre a almofada e deixando assim que ambos os rostos se encarassem e quase se tocassem – … Por te ter tratado daquela maneira vergonhosa quando voltastes… Por te ter feito pensar, erradamente, que o meu ressentimento e a minha mágoa eram superiores ao meu amor… Por hoje ter duvidado de ti ao pensar que me tinhas mentido quando disseste ias jantar comigo e não apareceste…

- Oh Ruben… - a sua voz amoleceu drasticamente ao ouvi-lo e como forma de o confortar, Joana aninhou-se ainda mais ao corpo dele, como se precisasse de uma aproximação como aquela para conseguir respirar

- … Mas tu sabes como é que eu sou… Impulsivo, e orgulhoso, e parvo, e idiota e morro de medo de te voltar a magoar! Eu prometi-te que nunca o iria fazer e fiz… – ele continuou com as explicações, deixando que a cada sussurro o seu coração espelhasse o sentimento que não parecia mais caber-lhe no peito e Joana conseguiu ver-lhe a sinceridade, mostrada apenas num olhar honesto fixado ao seu, e nas palavras de um homem novamente apaixonado… por si – Mas não quero que isso volte a acontecer, nunca mais!

- Eu magoei-te primeiro, Ru! Eu magoei-te primeiro…

- Mas então diz que me desculpas, diz… – ele interrompeu-a… os seus olhos imploravam por um pedido de desculpas aceites, a sua boca ansiava por mais um beijo que selasse aquele acordo de paz, e o seu corpo pedia para senti-la mais e mais, e quanto ao último desejo, este chegou por sua própria vontade logo que o seu braço que continuava a contornar-lhe as ancas, deu mais força àquele aperto no qual ambos os corpos estavam colados… tanto que nem se conseguia decifrar o fim de um e o começo do outro

Para Joana foi a eclosão de emoções e o sufoco de sentimentos que já haviam sido resguardados tempo demais, para continuar a nega-los. Sentia que tinha que abrir o coração e expô-los para si, mas principalmente para Ruben… Era ele a resposta para todos os porquês e era ele o impulsionador a uma felicidade que merecia ser vivida.

- Como não te hei-de desculpar seja… Seja por aquilo que for? – ela voltou a procurar-lhe o olhar sincero e complacente, o suficiente que a levasse a desprender do segredo guardado no lado esquerdo do peito – Estou tão apaixonada por ti…

No espaço de imprecisos instantes, ele mostrou-se deslocado… Imaginou-se dolente por julgar ouvir tal declaração que não testemunhava da boca de Joana há demasiado tempo para crer que fosse verdade.
Contudo, não conseguiu disfarçar a alegria do momento e o fascínio que lhe causava… Que ela lhe causava. Optou por não lhe dizer nada, não perguntar nada, elevou a sua mão direita e fez com que os seus dedos lhe prendessem no cabelo, acariciando-o lentamente enquanto, ao olhá-la, na sua cabeça um quadro perfeito era esboçado na centralidade do retrato mais perfeito da sua vida, exposto bem na sua frente.

- Em que é que estás a pensar? – foi ela a quebrar o silêncio num murmúrio fugidio, interpondo a sua mão entre a face e a almofada

- Coisas minhas… Nada demais!

- Claro, coisas tuas… Desculpa! – proferiu culposamente, fazendo um trejeito com a cabeça que lhe deixou decair facilmente a franja sobre o rosto, tapando-lhe o olhar

- Como é possível amarmos tanto uma pessoa ao ponto de já não conseguirmos viver sem ela? – num gesto meigo, ele desviou-lhe a franja que lhe comburia a visão e afagou-lhe o rosto ternamente, para continuar a dar asno  o dilema que lhe corroía o pensamento – Como é possível amarmos tanto uma pessoa ao ponto de ‘mais’ um beijo nunca ser o ‘mais’ suficiente, de nos preocuparmos mais com o bem estar dela do que com o nosso próprio… Como é possível estar-se longe um do outro durante tanto tempo e ainda assim sabermos que continua a ser o amor da nossa vida? Porque de facto, nunca o deixou de ser…

- “Nós”. – respondeu, com uma tranquilidade e certeza que não era esperada, e ainda que Ruben percebe-se à primeira o que ela queria dizer, procurou por se clarificar um pouco mais

- Desculpa?

- “Tu e eu”, “Nós”. – acrescentou num leve sorriso – É essa a resposta a todas as perguntas que fizeste!

- Eu sei… - ditou calmamente, delineando-lhe o lábio inferior com o indicador

- Sabes?

- Sei… Sempre soube a resposta a essas perguntas, apenas queria ouvi-la da tua boca!
    
- Ai sim? E… e queres mais alguma coisa da minha boca? – inquiriu, encolhendo-se discretamente ao ver os lábios dele traçarem caminho na direcção dos seus, conseguindo adivinhar o beijo que não tardaria em chegar

- Hum, deixa cá ver… - ele agitou a cabeça para um lado e para o outro, num modo engraçadamente desajeitado, enquanto fixava e precipitava a sua boca na direcção da dela, no anseio de as unir apaixonadamente

Joana não evitou em rir-se daquele jeito cómico que ele nunca iria perder, assim como não evitou ceder a mais uma entrega de amor, isenta de segundos pensamentos.
Ao sentir o doce sabor daqueles lábios húmidos e exageradamente quentes nos seus, ela rendeu-se instintivamente e deixou que fosse o sentimento a fazer daquele momento, o primeiro de muitos que desejava mais do que tudo, partilhar com ele. Como não era de estranhar, Ruben mostrou-se incrivelmente meigo enquanto a beijava com o maior carinho e amor do mundo…
Ela afagou-lhe a nuca com a mão e puxou-o ainda mais para si, eliminando qualquer possibilidade que aquela mansidão deleitante fosse quebrada e, por entre o arrombo daquele beijo longo, ritmado e muito… muito calmo, poderia ter jurado ouvir um “não me deixes”, proferido por Ruben num murmúrio puramente desassossegado.
Terminaram o selamento com beijinhos pequenos e repenicados, apenas de lábios, que não pareciam querer conhecer o fim, por muita insistência dele. Aninharam-se nos corpos acalentados um do outro, entrelaçando as pernas e os braços, e prepararam-se para se entregar à primeira noite de real descanso e puro preenchimento, ao fim daquelas corridas em três anos demasiadamente longos.

- Onde é que estás a mexer? – perguntou, esforçando-se por conter um pequeno riso, sentindo a mão dele acarinhar num toque apenas, os seus glúteos, numa maneira de aconchegar mais a si

- Em nada que não seja meu! – proferiu de olhos fechados, ocultando nos lábios um sorriso discreto

- Parvinho… - Joana fez do peito dele a sua almofada e beijou-lhe a pele suavemente

- Shiu, dorme.

- Se estiveres com calor podes destapar-te…

- Não, eu gosto deste calor… - proferiu num sussurro inabalado pelo silêncio da noite e do quarto quase adormecido, dando-lhe um beijo despoletado no topo da cabeça e abraçando-a fortemente contra si antes de se entregar às malhas de um sono por fim apaziguo



***


As horas seguintes foram corridas vagarosamente, como se o dia não tivesse pressa em amanhecer.
Ruben acordou a meio da noite, enquanto ainda abraçada a si, a sentiu estremecer nos seus braços. Os corpos podiam ter mudado ligeiramente de posição mas nunca se haviam desligado daquela proximidade tão grande. Olhou-a instintivamente de sentinela e foi impossível não sorrir… A sua pequena Joana ainda dormia, de rosto encaixado entre o seu ombro e pescoço de respiração profunda porém serena, a ser embatida contra a sua pele, os lábios naturalmente rosados encontravam-se selados e por momentos também podia jurar vê-la a sorrir… para si. Não pôde resistir e ficou a olhá-la, ali bem aconchegada a si, o arquétipo da mais nobre perfeição.

- Meus Deus… - ciciou para si mesmo, completamente deslumbrado com a efígie mais bela que alguma vez vira esboçada na sua frente, adormecida, sentindo em si o alvoroço do coração e a parafernália de borboletas a corromper-lhe o estômago sempre que a tinha perto de si

Com o polegar grosseiro delineou a boca que mais desejava tocar no sabor de um beijo e sorriu com o seu próprio gesto. Aquele misto de sensações e atitudes faziam-no parecer um miúdo adolescente, a descobrir os caminhos do amor pela primeira vez. Esquecera-se que, apesar de ter sofrido muito à conta, era já veterano nesse campo e tudo graças a Joana, que o induzira a uma paixão sem igual e a uma felicidade que ele voltou a ter vontade de viver… até ao fim.
Sorriu mais uma vez pelo vagueio dos seus pensamentos e com muito cuidado para não a acordar, desentrelaçou os corpos e preparou-se para se levantar da cama. Apesar de se sentir confortável naquele aconchego, estava calor… muito calor e a janela airosa do quarto de certa forma que o convidou a respirar um pouco do ar que circulava lá fora. Alcançou o seu telemóvel da mesinha de cabeceira e verificou as horas “quatro e meia… tão cedo”, equacionou para dentro e olhou-a de relance uma última vez, apenas para se garantir que ela continuava bem, e sem fazer barulho precipitou-se até à janela de portas corridas, desviou os enormes cortinados e enveredou pelo avantajado terraço que a varanda da suíte oferecia.
Lá fora o calor continuava e como chovera a maior parte do dia, na atmosfera pairava um clima semelhante ao tropical, relativo também à proximidade costeira. Eram assim a maioria das noites de Verão em São Francisco: quentes, mas muito agradáveis.
Aproximou-se ao beirado e deixou-se ficar a apreciar a vista noturnal que se estendia a vertiginosos metros abaixo de si. Aquela noite parecia-lhe ter outra beleza, um novo encanto e não foi preciso esforçar-se para perceber a razão, e sentia-se tão feliz que achegava até a ter receio do que pudesse vir a acontecer.

- É ela… Sempre foi ela… - sussurrou numa convicção iminente que sempre foi e sempre seria Joana a única mulher e amor da sua vida

Inevitavelmente, e já alguns minutos depois, Joana acabou também por acordar. Tentava encontrar de novo o conforto de um corpo quente amarrado ao seu, mas ao rebolar para o outro lado da cama sentiu o espaço vazio e por consequente frio, que Ruben havia deixado.
Sentiu-se estranhamente desconfortável por voltar a estar sozinha e um espasmo percorreu-lhe todo o corpo quando olhou e teve a certeza que ele não estava mais ali. De olhos ainda semicerrados, percorreu num só lance todos os recantos do quarto mas não o viu, ocorreu-lhe no primeiro pensamento que ele tivesse saído e regressado ao seu quarto, mas logo assim que no instante seguinte deslindou as roupas dele cessadas sobre a poltrona, tal como  as tinha deixado antes de se deitar, fê-la descartar essa possibilidade. Viu a cortina da janela a esvoaçar com a brisa tempestiva de vento que passara, e apercebeu-se então que esta tinha sido aberta.
Levantou-se e de pés descalços a cambalear levemente pelo soalho, guiou-se até onde julgava ele poder estar.

- Ruben? – chamou por ele quando o viu ligeiramente debruçado sobre o beiral – Estás aqui… - disse por fim num sorriso só seu, sentindo o seu coração amenizar

- Ei! – ele rodou sobre as plantas dos pés e sorriu logo que a viu… Joana ainda estava meio ensonada e aquela figura simplesmente enterneci-o, por poder voltar a vê-la ao fim de tanto tempo – Precisas de alguma coisa?

- Não… - acenou numa leve negação coordenada pela cabeça, deu um ligeiro impulso aos pés e aproximou-se dele mansamente – Não te senti na cama, pensava que tivesses ido embora mas como vi as tuas roupas…

- Desculpa, não te queria acordar! – declarou no seu habitual estado de meiguice, prendendo-lhe uma mecha solta de cabelo para trás da orelha e procurou o encontro dos olhos dela aos seus de modo a garantir-se que estava tudo bem – Como te sentes?

- Melhor… Já não sinto tonturas e acho que os calafrios desapareceram!

- Vês? Vês o que fazem os meus miminhos? – ele puxou-a contra si, abraçando-a e roubou-lhe um beijo na orelha - … milagres!

- Eu ia dizer que tinha sido da sopa, mas está bem! – numa brincadeira inocente, ela encolheu os ombros num jeito desprendido mas que ainda assim deu ênfase a uma picardia passiva que Ruben soube revirar a seu favor

- Ai sim? E eu a pensar que os meus beijinhos eram curandeiros… - ele voltou a tomar domino da total aproximação de ambos, enlaçou-a pela cintura e começou a beijar-lhe a bochecha, descendo pelo pescoço e dando continuação pelo delinear do ombro, numa amostra de cuidado e carinho que a deliciou, mas não o suficiente para que conseguisse afastar alguns mal-entendidos que a seu ver haviam ficado por ser devidamente esclarecidos

- Ruben… - fazendo um esforço para lhe centralizar a atenção ao que tinha em ideia dizer-lhe, ela retribuiu-lhe o carinho com um beijo também solto na face dele, ganhando folgo para prosseguir com uma conversa que não o agradava em nada – Não te chateies comigo mas… E a Inês?

- A Inês? Outra vez a Inês? – nesse momento ele afastou-se, aborrecido por voltar a ser confrontado com um assunto que para si, estava mais do que esquecido e ultrapassado, menos para Joana

- Eu estive a pensar e… e ela não merece que lhe façamos isto, ela ainda deve estar muito ligada a ti! – procurando esclarecer-se com a melhor maneira que encontrou, ela falou-lhe com calma, evitando elevar os ânimos

- Eu não acredito que vou voltar a discutir este assunto contigo… - era evidente que ele estava desiludido… passara as melhores últimas horas que poderia imaginar e agora lá estava outra vez, a vedar a um confronto que o magoava… não pelo tema do mesmo em si, mas sim por ter que debatê-lo com Joana 

- A Inês não merece, Ruben…

- A Inês não merece, a Inês não merece… Então e nós? Achas que merecemos continuar separados? – notava-se uma ligeira irritação na voz e o seu olhar fulminava um pequeno cariz de revolta ao ver tanta insegurança da parte de Joana e nem por momentos reconsiderou a hipótese em voltar a aproximar-se dela – Para ti não bastaram os anos que estivemos longe um do outro… Queres continuar magoada, continuar a sofrer?

Por mais que lhe apetecesse chorar, gritar, dizer-lhe tudo o que lhe ia na alma, ela continuou disposta a manter-se tão calma quanto julgava ser capaz. Vi-a Ruben a caminhar de um lado para o outro, tendo sido ele a tomar conta da distância que os separava para, talvez, conseguir acalmar-se. Joana pôde sentir um novo clima no ar, mais pesado, mais tenso e a atitude que ela mesmo tinha gerado em Ruben por voltar a tocar no assunto proibido, destroçava-a.

- Se não formos nós a sair magoados desta história, serão outras pessoas…

- Então que sejam, bolas! – libertou-se num grito disperso em surdina, mas que em nada o deixou abalar-se – Porque eu estou cansado de deixar fugir a minha felicidade… Acho que chegou a altura de pensar menos no que os outros querem ou sentem e preocupar-me mais com o que eu quero, dar mais atenção aos meus sentimentos e tu, tu devias fazer o mesmo…

- Mas tenta ser um pouco coerente, por favor! Ela foi tua namorada, estiveram para casar… Acho que devias tê-la em melhor consideração!  

- E achas que eu não a tenho em boa consideração? Ouve, eu gosto muito da Inês, ela é uma óptima pessoa, uma óptima amiga… Mas e daí? É suposto fazer alguma coisa?

- Não sei bem… O melhor era que falasses com ela antes de…

- Não há nada que eu tenha que falar com ela! – ele apressou-se a interrompe-la, queria acabar com aquelas ideias tontas que Joana tinha na cabeça, mas principalmente queria mostrar-lhe que era só ela a única mulher na sua vida e que estava mais do que disposto a lutar por ela… custasse o que tivesse que custar – A nossa relação está mais do que terminada e eu não tenho que lhe dar justificações seja do que for!

- Mesmo assim, Ruben… - a voz começara a fraquejar-lhe, o seu corpo tornou-se novamente mais débil e daí até começar a sentir leves picadas nos olhos por estar a conter as lágrimas com tanta força, foi apenas uma questão de segundos

- Então e o que sugeres que eu faça? … Que lhe envie um ramo de flores com um bilhete a dizer: “Inês, desculpa, mas não vai voltar a haver mais nada entre nós… Não é nada pessoal, mas eu amo a minha ex-namorada, sabes? A Joana! Lembras-te dela, não lembras? Aliás, agora que penso bem, nunca deixei realmente de a amar durante este tempo que estive contigo, mas espero que não me leves a mal”. – muito naturalmente e à medida que se ia expressando, ele remontou meio caminho na direcção dela, enquanto que Joana se limitava simplesmente a olhá-lo sem saber o que dizer

O seu pequenino e amedrontado coração estacou violentamente com tamanho impacto das palavras que acabara de ouvir.
Tinha sido a primeira vez que ouvira Ruben a falar de amor daquela maneira… A dizer-lhe com todas as letrinhas que a amava, que sempre a amou, embora que o tivesse feito alusivamente e sem a declaração em si. Queria muito reagir mas simplesmente não conseguia… Tinha um nó formado no cume da garganta e as lágrimas que até então retivera por detrás das pálpebras, deslaçaram-se numa fina linha em precipício das suas faces. O coração voltara de novo a bater na libertação de um sopro pesado e o soluçar implicante revelava-lhe as ligeiras dificuldades em conseguir respirar.

- Acabou, Joana… Não existe mais ‘Ruben e Inês’, ela agora é passado para mim.

- E eu? O que é que eu sou para ti? – inquiriu num esforço desumano em conseguir falar, entre o opressão das lágrimas

- Tu… Tu és o meu passado, voltas-te a tornar-te no meu presente e quero muito que sejas o meu futuro, só tens que deixar acontecer… - ele voltou a ceder àquela força maior que os atraia e colou novamente os corpos, segurando-lhe o rosto humedecido entre o berço das suas mãos e olhou-a com uma intensidade que ela nunca lhe vira – Mas não te vou forçar a nada… Se não te sentires preparada, se não quiseres isto, eu vou-me já embora e prometo que saio da tua vida… de vez!

Nesse instante Joana vacilou. Sentiu o chão a escapulir-lhe por baixo dos seus pés e roubar-lhe o porto seguro que voltara a encontrar. Sentiu-se como se tivesse levado um valente soco no estômago, mas a vontade que tinha de o abraçar foi muito superior a essa dor. Agarrou-se ao tronco dele com muita força, como se abraçasse a própria vida e de rosto deturpado contra o peito ela não conseguiu conter o soluçar inquietante comandado pelo choro.

- Eu… eu não vou aguentar outra vez… Se te voltar a perder, eu não vou aguentar…

Vê-la daquela maneira desolante, partia-lhe o coração mas em contra partida foi perante aquele cenário que conseguiu aperceber-se plenamente o quanto Joana ainda o amava e o medo que tinha só de colocar a hipótese de voltar a perdê-lo.
Beijou-a no topo da cabeça e logo assim que encostou a sua à dela, percorreu-lhe os longos fios de cabelo com os dedos da mão, numa terapia só sua, que sabia tão bem fazê-la acalmar.

A sua respiração tornou-se mais espaçada e com isso o soluçar foi abrandando, ela elevou a cabeça e olhou-o nos olhos com uma profundidade tal, capaz de lhe ler a alma – Não te vou perder, pois não?   

Ruben discerniu-lhe um breve tremelicar no lábio inferior e foi aí que teve a certeza da melhor resposta que lhe poderia dar… mais convicta, mais real e sem dúvida mais íntima.
Beijou-a intensamente. Primeiro num muito suave toque de lábios, que depois se deixou levar por algo mais sério. Contornou-lhe o interior da boca com um bailar calmo da língua e esperou que Joana fizesse o mesmo. Ela acabou por lhe segurar o rosto entre as mãos e deixou-se guiar pelo ritmo quente do beijo que mesmo ele tinha imposto. Beijaram-se como se o fizessem desde sempre e nunca tivesse parado e tiveram dificuldade em terminá-lo, como a emoção daquela entrega de cada parte que ambos sentiram, foi o suficiente para lhes aquecer a alma e reacender a chama de um amor, soprada pelo destino que os havia separado.

- Nunca mais ficaremos longe um do outro, eu não vou deixar… – com toda a preocupação e delicadeza que lhe era característica sempre no que dizia respeito à sua menina, Ruben enxugou-lhe as lágrimas que ainda dessecavam o seu rosto e beijou-lhe a pontinha do nariz - … Prometo!

Joana sorriu feliz. O nó que a princípio estava formado na sua gargalha tinha desaparecido, e pode então voltar a respirar de alívio por sentir o seu mundo voltar a rodar sobre o eixo. Aproximou-se do beiral e sobrepô-lo com as suas mãos enquanto fitava o céu que naquela noite, lhe parecia mais estrelado do que alguma vez antes e deixando-se embalar pelo burbúrio do mar que se fazia chegar e ouvir lá ao alto.
Ruben colocou-se atrás dela instantaneamente, rodeou-lhe a cintura com os braços fortes e extremamente protetores e depois lhe fazer pender o cabelo sobre a frente do ombro esquerdo, começou a dar-lhe beijos nas costas deixados ao acaso. O corpo de Joana descaiu e aninhou-se naquela alçada de conforto e protecção que sentia cada vez mais ele fazer recair sobre si.

- Com um céu lindo como este, ninguém diria que passou a maior parte do dia a chover… - reflectiu num jeito muito sereno, enquanto de cabeça elevada ao céu procurava por algumas constelações dispersas pelos quatro cantos do manto estrelado

Ele beijou-lhe o pescoço carinhosamente, encostou os lábios húmidos ao ouvido dela e sussurrou-lhe - Dizem por aí que depois da tempestade vem a bonança… - ditou, esperando conseguir atribuir um segundo sentido às suas palavras, um sentido que só ela poderia compreender e acabou por pousar o queixo sobre o ombro, reforçando o aperto daquele abraço

- Olha ali… - o indicador de Joana seguiu o encalço deixado pelo rasto de luz que cruzou o véu de estrelas… o rasgo de luz deixado por uma estrela cadente
   
Ruben sorriu maravilhado pela magia daquele momento. Ali, abraçado ao maior tesouro da sua vida e contemplado pelos mais belos fenómenos da natureza, a sua certeza era cada vez mais clarificada sobre o forte enlace daquela união.

- Viste? – ela olhou-o acima do seu ombro e ele aproveito essa oportunidade para lhe roubar um selinho nos lábios

- Sim, vi… - olhou-a e fez com que os narizes chocalhassem, despertando a uma pequena guerra que só foi vencida pelos risos pueris de ambos

Joana rodou levemente entre os braços dele e encarou-o de frente – Então pede um desejo…

- Ah… - torceu os lábios ligeiramente para o lado e durante segundos mostrou-se pensativo, enquanto no seu foco centralizava o rosto dela – Desejo que…

- Não, amor, não podes dizer em voz alta… - ela riu-se do jeito dele e apressou-se a tapar-lhe a boca com a mão - … assim não se concretiza!

A euforia passiva daquele momento tinha sido de tal ordem que Joana acabara por nem medir nem dar conta do enorme passo que havia dado em diante. Mas Ruben apercebeu-se, apercebeu-se muito bem de como ela o tinha apelidado e deu conta que Joana o fizera de uma maneira tão natural, tão genuína, que deixou o seu coração, imensurável apaixonado por aquela mulher, pulsar num arrombo mais forte e enfeitiçado.
Fechou os olhos e com uma força interior que pôde encontrar nela, pediu o que lhe sussurrava a alma e o coração.

- Já está… - voltou a abrir os olhos e deparou-se com a mais bela imagem que a vida lhe poderia ter trazido de volta, Joana olhava-o, encantada, e perante ele não soube disfarçar a alegria do momento

Ela colocou-se em biquinhos de pés e roubou-lhe dois beijos repenicados nos lábios, enquanto lhe agarrava o rosto com as mãos – Vamos voltar para dentro…

Como seria esperado, Ruben respeitou-lhe o pedido e beijou-lhe cuidadosamente a testa, e apesar de fazerem uma caminhada curta, ele fez questão de seguir à sua frente e guiá-la de mãos dadas até ao resguardo do quarto e conforto da cama que mais uma vez iriam partilhar.

- Não tenho muito sono… Tu tens? – perguntou-lhe enquanto se deitavam, voltando a ocupar os mesmos lugares e posições

Joana respondeu com um simples e claro gesto, franzindo o nariz e acenando negativamente num trejeito acompanhado pela cabeça – Alguma sugestão?

- Não sei… Podemos ficar a conversar…

- E queres conversar sobre o quê? – ela acomodou-se naqueles braços que a cercavam num aperto aconchegante, e acariciou-lhe a face com a polpa dos dedos

- Hum… Podemos falar de amor…

- Sabes que a melhor maneira de falar de amor, é vivê-lo…

- Ai é? – ele assibilou um ar despercebido similar à afirmação de Joana e procurou-lhe uma resposta olhos nos olhos, à qual ela respondeu com breve aceno melindroso, pelo que adivinhara no olhar de Ruben vir acontecer a seguir

Começando uma dança desconcertante com os dedos, na barriga dela… indefesa pelas cócegas que rapidamente recebeu, e enquanto gargalhava sem conseguir parar, Joana ainda começou a afastar-se até ao outro lado da cama para tentar assim fugir a uma nova fúria de risos, mas ele não deixou.

- Se é essa a melhor maneira de falar de amor, vem cá… - parando com a brincadeira, Ruben travou-lhe a escapatória e sem nunca a magoar puxou-a de volta até si – … ainda temos muito para viver…

Joana sorriu mas não lhe respondeu… Ele tinha dito tudo. Limitou-se a encurtar a distância dos rostos até que esta se anuísse por completo e o intervalo deixado entre os lábios se tornasse redutível a nada. Foi ela que começou por beijá-lo mas Ruben não se deixou ficar para trás e acompanhou-a tão bem como sabia e o quanto ela precisava… Envolveu aquele serzinho que sentia como a outra metade de si e debruçou-se parcialmente sobre o corpo de Joana, voltando a provir ao entrelace das pernas, enquanto uma das suas mãos grandes e quentes encontrou um ponto de apoio na cintura dela.
O beijo foi elevado de patamar… A língua atrevida de Ruben assaltou a boca dela numa só emboscada violenta e provocante, que só a fez render-se um pouco mais. Há muito que não disfrutavam de uma entrega tão intensa como era aquela e com isso as respirações encontravam-se em muito fragilizadas.    
Com muito esforço, Ruben desuniu as bocas e afastou escassamente os rostos, apenas para se garantir que ela estava bem… E estava, na verdade Joana sentia-se melhor que nunca e isso provava-se no sorriso rasgado que os olhos dele puderam testemunhar, pela pouca luminosidade que os candeeiros ofereciam.
Como uma flecha ele voltou a precipitar o seu rosto e a unir de novo os lábios, sedentos pelo toque um do outro… Joana afagou-lhe a mão no cabelo da nuca e seguiu-se um novo beijo… um beijo menos tímido, mais profundo e selvático. Ambas as línguas se fundiam numa na outra, deixando que os corpos acompanhassem a dança e o ritmo daquele beijo, provando o sabor da saudade e isso, bem, isso deliciou-os… O facto de saberem que essa mesma saudade acabaria por ser findada com outros tantos beijos, afectos e carícias que prometeram ainda estarem reservadas.

- Ruben… - um sussurro fugidio foi solto pelos lábios de Joana junto ao ouvido dele, forçado por uma respiração ofegante e solto num intervalo de uma carícia




Finalmente aqui vos deixo o novo capítulo! Tentei acabá-lo mais cedo, mas
 infelizmente não consegui. Espero que gostem e não se esqueçam de deixar
os vossos comentários! :) E para as meninas que forem do caso, 
desejo-vos um óptimo arranque de ano-lectivo!
Muitos beijinhos,
Joana :)
  

27 comentários:

  1. Não tenho palavras!! Tá tao lindo, tao mágico...

    oh que romantico!!

    ai, adorei, adorei, adorei.
    capitulos como este eu lia e lia e lia!!

    Beijinhos*

    Lisandra

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  2. Ohhh já sabes a minha opinião pelo menos de metade do capítulo lol... mas reforço tudo o que já tinha dito... ADOREI!

    Todo este cuidado que o Ruben tem com a Joana é qualquer coisa que se veja... também quero um homem assim para mim LOL

    Agora já sabes o que quero a seguir... novidades tuas... estou curiosa para ler o desenvolvimento dos acontecimentos... uma coisa é saber outra é ler o que escreves maravilhosamente :P

    Continua e nunca desistas apesar do tempo nem sempre esticar...

    Beijocas e já sabes que vais ter-me sempre "à perna" a perguntar por novidades :D

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  3. Já tinha saudades! E primeiro respondendo ao teu comentário no meu blog, eu tenho andado a escrever, mas admito qe a preguiça tem levado o melhor de mim (a) mas em breve publicarei!
    Quanto ao capítulo está fenomenal!!! *.* e em muitas situações me comparei ao casal porque reconheço alguns desses momentos :p mas enfim... ADOREI! E que venham muitos mais, please!
    Beijinhoos

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  4. Adorei adorei adorei publica rapido.bjs

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  5. MEU DEUS, nem sei bem o que dizer... MUITOS PARABÉNS!!!
    AMEI O CAPITULO!! espero anciosa pelo proximo, espero que seja para breve :)

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  6. ADOREI, ADOREI E ADOREI!!! FANTASTICO!

    PUBLICA RAPIDO :)

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  7. Comecei a ler a tua fic à alguns dias e desde aí q nao consigo parar. Prendeste me a ela e espero mesmo que consigas acabar o próximo rapidinho :D

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  8. Mais uma vez fiquei sem reação e com a lágrima no canto do olho... simplesmente maravilhoso! sempre que venho cá e vejo um capitulo novo o meu coração fica logo acelerado, acredita!
    espero que escreves em breve :)

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  9. AMEI *.*

    PUBLICA RAPIDO :)

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  10. ai lindo! finalmente! esta maravilhoso publica depressa!

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  11. Olá! estou no computador da minha prima xD (a alexandra que comentou agora xD) parabens pelo capitulo, sou uma das seguidoras em anonimo, beijinhos, eu amo esta historia a serio!

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  12. Li toda a história e adorei (= continua! beijinho <3

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  13. Gostava apenas de te alertar para uma coisa: nas actualizações que aparecem no painel do blogue dá para ver um capítulo novo: "Novos caminhos, novas esperanças (Parte 2)" no entanto esses capítulos não aparecem aqui no blog...

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  14. Infelizmente não posso fazer nada quanto a isso, também já tinha reparado que os novos capítulos não aparecem nas actualizações, mas de facto não sei como resolver o problema. O que posso e continuarei a fazer é avisar nos chats habituais sempre voltar a publicar, para que vocês possam ficar informadas.

    Beijinhos

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  15. Desculpa se me expliquei mal, o que eu queria dizer é que não dá para ler o capítulo novo aqui no blog... O último capítulo que dá para ler é o "Doce Tentação (Parte IV)", não está a postar os outros.
    Espero desta vez ter-me feito entender, beijinhos (:

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  16. E foi mesmo esse o último capítulo que postei... Se estas a querer dizer que não consegues ver os outros anteriores, bem, eu não sei o porquê, porque eu consigo visualizá-los aqui no blogue.
    Espero que tenha conseguido seguir a tua ideia.

    Beijinhos :)

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  17. Sem palavras não é mesmo? Perfeito!!

    PS:. Tem dezesseis anos, apenas? Parabéns, muito talentosa!!

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  18. já temos muitas saudades *.*

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  19. para quando o proximo?

    bjs

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  20. eu também já tenho MUITAS saudades *.*

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  21. Quando pensas voltar a postar??

    Beijinhos*

    Lisandra

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  22. Quando voltas a publicar?bjs

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  23. O próximo capítulo está a ser trabalhado, contudo não vos posso dar uma previsão correcta de postagem pois não sei ao certo quando conseguirei concluí-lo... com os testes, trabalhos e outras responsabilidades, para mim torna-se um pouco difícil conseguir gerir o tempo. Posso dizer-vos apenas, e isto continuando sem ter certezas, que farei os possíveis para conseguir publicá-lo este fim de semana!
    Espero que compreendam, e aproveito também para agradecer o vosso carinho e apoio, apesar da ausência.

    Espero voltar muito em breve,
    Beijinhos :)

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