A manhã seguinte foi descerrada passivamente na sua
maioria. Aproveitei para prolongar mais uma vez o meu horário de sono, que se
encontrava já quase todo ele compensado, e também para arrumar a mala, pois no
fim da mesma tarde tinha voo marcado para regressar a terras californianas.
Não vou dizer que não pensei bastante no que havia
acontecido na noite anterior, pois estaria sobretudo a enganar-me a mim mesma.
Pensei demasiado, até… e inevitavelmente as esperanças e todos os sonhos que
tinham ficado findados numa outra vida passada, parecia que queriam voltar a
raiar, a mostrar que ainda se encontravam impetuosamente presentes… mais
presentes do que alguma vez haviam estado e que se achavam ali para serem ouvidos
e quem sabe, realizados.
E a imagem pertinaz e jamais olvidada de Ruben, é certo, que estava em mim mais viva do que nunca.
E a imagem pertinaz e jamais olvidada de Ruben, é certo, que estava em mim mais viva do que nunca.
- Menina Joana, posso entrar? – distingui rapidamente
a voz da empregada, que se fez deferir detrás da porta do meu quarto, onde
acabou por plantar dois leves batuques com os vínculos das mãos
- Sim, Paula, entre… - concedi-lhe cordialmente a
permissão necessária, para depois vê-la cruzar a porta e invadir um mundo só
meu
- Com licença… - pediu com toda a educação que desde
sempre formara na sua personalidade, mostrando-me nos braços delineadamente
estendidos à sua frente, encobertos com algumas peças de roupa devidamente
lavadas e engomadas – Desculpe, não sabia que ainda se estava a arranjar…
- Oh, não tem problema! Já estou quase pronta… -
assenti positivamente de olhos fixos no espelho, enquanto dava os últimos
retoques de maquilhagem no meu rosto, com um pouco de rímel e um rosa muito
leve nos lábios, para me prontificar assim para sair
- Pode deixar aí sobre a cama, mais logo quando vier
já arrumo tudo!
- Ora essa, nem pensar, menina… Esta é uma das
tarefas que a mim me compete, por isso mesmo deixe estar! – sabia que não iria
tomar vantagem sobre a imposição dela, e por essa razão não contradisse a sua
vontade
- Bem, então é melhor eu ir buscar a Sofia… Ainda
quero lá chegar antes que a aulinha dela termine! – com um sorriso patente e
simultaneamente babado no meu rosto de madrinha orgulhosa, acabei por dar duas
borrifadelas do meu perfume predilecto na pele desnudada e nutrida do meu
pescoço
- E posso dizer à Rosa que pode contar consigo para
o jantar?
- Não, Paula… Venho cá só mesmo para deixar o carro
e recolher a mala, depois disso vou directa para o aeroporto! – anunciei quando
compus a minha mala sobre a dobra do antebraço, prontificando-me para sair do quarto
– Ah, é verdade… Eu sei que já lhe perguntei isto uma data de vezes, mas ainda
não encontrou aquela pulseira que lhe falei, pois não?
- Não, menina… Já alertei também a Maria sobre isso
e ela não encontrou nada! De todas as vezes que fiz limpeza ao seu quarto e ao
resto da casa, não dei por nenhum sinal dessa pulseira!
- Hum… está bem então, obrigada! – nos meus lábios
selados, um rasgo de decepção aboliu todas as esperanças de reaver o objecto
que me volteara o pulso direito, possuidor de um forte e indestrutível valor
sentimental que me acompanhara durante demasiado tempo para que, há quase dois
meses, o ter perdido não sei onde nem como
- Mas… Menina Joana? – mais uma vez a minha saída
foi interdita por uma nova invocação, e fui obrigada a olhar à minha retaguarda
- Diga, Paula…
- Se gosta tanto dela, porque não arranja outra
igual? O que não deve faltar por aí são pulseiras bonitas…
- Infelizmente como aquela, nunca mais terei
nenhuma, Paula! Não é apenas a questão de ser uma pulseira bonita… É o valor
que ela tem pra mim, é a história que carrega que a diferencia das outras. E ao
que parece, agora, ela não está mais nas minhas mãos...
Depois de mais uma breve troca de olhares compilados
por um sorriso lamentoso e simultaneamente complacente, aquela conversa ficou-se por ali mesmo.
Atravessei o corredor, desci as escadas colossais
que me levaram ao rés-do-chão e apressei-me a sair de casa. Declinei também as
escadas de pedra do alpendre e foi quando calquei a fachada de terra batida que
aparava toda a entrada e rodeava o chafariz, que observei Zeca, o motorista.
- Menina, o seu carro já está pronto! – informou-me
com toda a polidez logo que me mirou no seu radar capcioso e que a uma passada
cortesa, se abeirou a mim
- Óptimo! Puseste a… - mesmo sem antes de me deixar
completar a interrogação, ele completou os meus pensamentos estrategicamente
delineados e que eu unicamente procurava esclarecer
- … Pus a cadeirinha para a sua afilhada, no banco
de trás, tal como me pediu! – ele retirou a boina formal que lhe complementava
a farda para segurá-la entre as duas mãos, e foi inevitável não partilharmos
uma suave gargalhada que se despoletou dos nossos âmagos unissonamente
- Obrigada, Zequinha! – agradeci exibindo-lhe um
sorriso de gratidão no rosto, e ao mesmo tempo que lhe aceitei as chaves do meu
BMW X1 branco, que havia chegado do Stand naquela manhã – Até logo!
Caminhei tão avidamente quanto os saltos altos que
envergava nos pés me consentiam, até conceptuar uma distância considerável, para estender as chaves à minha frente e efectuar o destranque
automático do meu jipe.
Saí da vivenda logo assim que atravessei o adjacente
portão de censores automáticos e fiz-me à estrada com cerca de quarenta e cinco
minutos de condução, que tiveram um único destino estigmatizado.
Um típico sol resplendoroso de Verão, brindou mais
uma vez uma das tardes lisboetas, obrigando-me a proteger a visão com os meus
óculos de sol que me auxiliaram numa condução um quanto morosa por intermeio do
já habitual trânsito, que marcava hora de ponta sobre a ligação do Tejo. Foi no
momento em que me deixei levar por uma onda latrina de descontração, saída pela
rádio que envolvia toda a minha viatura com músicas comerciais e que eu tão bem
sabia de cor, que no suporte junto do tablier, o meu telemóvel acendeu uma
chamada que eu já esperava… Por uma fracção de segundos o meu olhar desgarrou o
asfalto linear da autoestrada e o meu indicador voou até ao botão do atendedor
de chamadas, onde pude assim, atender em altifalante.
- Olá, Brenda! – saudei a querida mãe da minha
afilhada, num tom definhador e portador de um sorriso sincero no semblante
- Oi, meu anjo! – o seu astral perfeitamente
rejuvenescente foi transmitido pela linha telefónica e na fatalidade de uma
transigência, o meu sorriso dilatou-se ainda mais – Liguei pra saber se você
deu certinho com a academia…
- Hum, hum… Parece-me que sim… Estou mesmo a chegar,
por sinal!
- Óptimo, a aulinha de ballet deve ‘tar a terminar,
mas se cê já tá chegando, é capaz de conseguir topar o final…
- Espero que sim… Gostava de ver a minha bailarina
dar uns passinhos de dança! – falei descontraidamente, accionando o pisca para
fazer o último cruzamento
- Não brinca… A Sofia ficou que nem um bichinho
saltitante quando lhe falei que você ia pegar ela na aula… Tá morrendo de
saudades suas! – o sabor deleitante daquelas palavras, afirmando a falta bem
como as saudades que a minha pequenina compunha vista em mim, durou muito
pouco, pois subitamente esse sabor deu lugar a um forte e culposo aperto no
peito por constatar o facto de ultimamente não ter passado com ela, todo o
tempo devido
- Eu também tenho muitas saudades, Brenda, e só Deus
sabe o que me custa ficar longe dela tanto tempo!
- Eu sei, meu anjo… Não se martiriza não! Ainda é só
uma criança, mas sabe o quanto você gosta dela! E… O Ruben ajudou muito esses
últimos tempos… - claro, o Ruben(!) o segundo pai da Sofia, aquele que esteve
constantemente ao lado dela, aquele que a acolheu, que a acarinhou, que a amou
incondicionalmente… quando me verguei a uma guerra que não era minha,
acobardando-me a voltar costas e abandonar todos aqueles por quem daria até a
minha própria vida
- Sim, eu sei… - a culpa por um erro que somente eu
tinha cometido, calcetou-me imperdoavelmente o coração e esse factor foi
transposto na minha voz fatigada e esmorecedora – A Sofia tem muita sorte em
ter um padrinho como o Ruben, capaz de fazer tudo por ela!
- E muita sorte também de ter uma madrinha que nem
você, ué! Não se menospreza desse jeito, garota… Não tem razão nenhuma pra
isso!
- Talvez até tenha, Brenda… Mas creio que sejam já
águas passadas!
- Exactamente! E como se costuma dizer por aí…
“águas passadas não movem moinhos”, né? Não se preocupa.
Suspirei profundamente e deixei que
simplesmente o meu silêncio destemperado fosse a chave para terminar com aquela
conversa, que mascada mais a fundo, decerto que me arrastaria para as margens
de uma sombra onde eu não queria voltar viver.
Mais à frente virei à minha esquerda para que uns
metros adiante conseguir estacionar o carro no parque pertencente à
Academia Dançarte.
- Já cheguei! – anunciei ao mesmo tempo que rodei a
chave entre o meu polegar e indicador, repuxando também o travão-de-mão –
Depois se não houver problema para ti, gostava de ainda ir dar um passeiozinho
com ela, antes de a ir pôr a casa…
- Tem problema não! Se também não der mais trabalho
pra você… sei que tá de voo logo à noite e não quero que se ande empatando por
causa daquela mulequinha!
- Fica descansada, vamos dar uma volta pelo Colombo
e ao fim da tarde já está entregue… Quero aproveitar para matar as saudades
todas! – retirei a minha mala do banco de trás e assim que uni o telemóvel ao
meu ouvido, saí do carro e tranquei-o, dirigindo-me até à entrada da academia
de dança
- Sendo assim, faça como achar melhor, meu anjo… Também
tenho certeza que ela vai gostar de passar uma tarde inteirinha com a madrinha!
- Sim… Acho que nos vai fazer bem às duas! –
afirmei, certa de que a companhia bem como todo o carinho que Sofia tinha para
me oferecer, seria o meu melhor remédio de força e fé, capaz de me restituir
todas as energias necessárias que com o desgaste emocional, se iam esbatendo de
mim – Vou entrar agora, depois falamos, sim?
- Vai, meu bem… A gente se vê depois! Um beijo! –
desejou-me docemente, com um sorriso sereno que somente pude facultar pela a minha
presunção precisada, por já conhecê-la tão bem
- Outro pra ti, Brenda… Até logo! – despedi-me
também com um sorriso nos lábios, e logo que voltei a arrumar o telemóvel na
mala, empurrei a porta da entrada principal da academia
- Boa tarde, posso ajudá-la? – enquanto tentava
encontrar um ponto de orientação num espaço que estava a conhecer pela primeira
vez, uma voz feminil provinda do posto de recepção, captou todos os meus
sentidos numa só chefia
- Ah… Boa tarde, pode dizer-me onde fica a sala onde
está a decorrer a aula de ballet das crianças, por favor? – inquiriu
educadamente, assim que me acerquei do balcão e arrastei os óculos de sol até
ao topo da cabeça
- A aula de ballet já deve estar a terminar, não sei
se prefere…
- A minha afilhada é aluna cá, vim buscá-la…! –
esclareci rapidamente, tentando aclarar algum inconveniente que se pudesse
sobrepor ao meu pedido
- Peço imensa desculpa, não fazia ideia… – a menina
da recepção apressou-se a apresentar as suas desculpas de imediato, com um sorriso
nervoso e denunciante de uma ligeira atrapalhação nos lábios, que rapidamente
lhe consegui desvendar – Siga esse corredor e é a segunda porta à sua esquerda
a contar do fundo! – coordenou com o braço disposto numa recta firme no ar,
fazendo com que o meu olhar seguisse a direcção por ele indicada
- Obrigada, com licença…
Numa posse cordialmente delicada afastei-me e cursei
a indicação que simpaticamente me tinha sido dada. Enveredei pelo vastado
corredor, que remontava a mais um par de salas polivalentes a outras práticas,
decorado pela arte actual e modelar, pincelada em alguns quadros espalhados um
pouco por toda a parte, dando um ambiente carregado mas simultaneamente
inspirador.
Mais à frente conseguia já ouvir a música clássica
que fazia executar um novo movimento bailante, a cada acorde escutado.
Singelamente aproximei-me da porta totalmente aberta e abrandei a passada, de
modo a que o atrupido dos meus saltos não se sobrepusesse à ambiência
calmante que se vivia dentro da enorme sala, revestida a uma só parede de
espelhos colocados inteiramente de cima a baixo.
- Demi-plié, mais uma vez em baixo… 1,2,3…
Demi-plié… - numa filinha perfeitamente predisposta junto a uma das barras, a
professora dava os últimos exercícios de coordenação, que pelos meus doze anos
de prática, já sabia conhecer – Clarinha, mantém o tronco direito… Sofia, é
isso mesmo, continua!
Entrei da forma mais calma e passiva que consegui,
de modo a não captar atenções e por conseguinte perturbar a concentração
unicamente centralizada em cada movimento somático, que cada menina se
esforçava por conseguir corporizar.
Aproximei-me da fila de bancos que era ocupada pelas
mães e avós das meninas que acompanharam a aula na sua íntegra, mas não me
sentei, encaixei a minha mala no fechamento da palma das minhas duas mãos e
ligeiramente encostada à parede, iniciei somente com o olhar uma busca
incessante pela minha pequenina, que só findou na instância a que os meus olhos
se vergaram num encontro que tanto desejavam.
Ela olhou-me, inocentemente, e pela abertura dos
seus lábios delgados e expressividade facial, distingui-lhe o bem-querer assim
como a ansiedade que continha em correr e entregar-se nos meus braços aclamados
pela saudade. Contudo não o fez, reteve-se no seu espacinho e continuou, tão
atenta quanto possível, à aula que caminhava celeremente para o seu final.
- Muito bem, meninas, podem parar… Boa aula! – foi a
professora que finalizou o compasso de movimentos, logo que pausou a música
dispersada pela aparelhagem, permitindo que todas as meninas corressem para os
braços das suas progenitoras, compartilhando a alegria de mais uma tarde que
dispensaram a fazer algo que as mantinha felizes
- Mami, mami! – a minha pequenita não tardou em iniciar
uma corrida desenfreada remontada numa só direcção até mim, que apenas foi travada
pelo meu corpo que agachado, circundou o dela, compartilhando um abraço forte e
apertado como que já há muito esperávamos
- Oh, minha biscoitinha linda… Hum, que coisa tão
boa! – deleitei-me com a sua essência de bebé que lhe aprumava toda a pele
morena do pescoço, enquanto ainda a albergava num pequeno ninho de amor, apenas
com ela compartido
- Senti a tua falta, mami… - confessou-me num
beicinho caracterizado pela penúria de um carinho que só eu lhe sabia dar, e no
instante em que aquelas duas pérolas dos seus olhos meninis foram ao encontro dos meus, senti o meu coração estilhaçar-se em duas partes fragmentadas
- Oh meu amor, eu também senti muito a tua falta! – os
meus lábios ocorreram as suas bochechas rechonchudas e nelas chocalharam uma
amálgama de beijinhos mimados que fez surtir uma risada deliciosa liberta da
aura leviana da minha menina – Mas agora a mami já está aqui contigo, não está?
- Shim… e ainda bem!
- E então a tua vidinha, pequerrucha, como vai?
- Oh, vai bem, mami… - os seus pequenos ombros
encolheram-se e o rosto descaiu levemente, escondendo a doçura de que era
portador
- Amor, então… – naturalmente o cargo de que eu era
portadora e que recaía em sua salvaguarda, despertou-me os pontos vincados de
pura preocupação, reconhecendo que por detrás daquela figura pequena e
inofensiva, havia algo que não estava bem – … que carinha é essa? Passasse
alguma coisa?
- Não, mami… Não se pasha nada.
- De certeza, biscoita? – o meu indicador tocou-lhe
o queixinho de raspão, fazendo com que somente os seus olhos falassem com os
meus
- Shim. – não quis redobrar insistência sobre o
assunto, pois conhecendo como conhecia, se algo andava a perturbar aquele seu
coraçãozinho, era acabaria por procurar-me e contar, mais tarde ou mais cedo
- Hum… está bem! – a polpa do meu indicador ocorreu a
pontinha do narizinho naturalmente arrebitado da pequena, dando-lhe um breve
toque de modo a que a levasse descomprimir – E o que me dizes em ir trocar essa
roupinha e irmos dar uma passeio só nós as duas?
- Um pasheio… Só nós… as duas? – a sua veemência ao
de leve, foi sobressaindo numa folia e excitação que naturalmente ela ainda
não tinha capacidade de disfarçar ou esconder
- Sim, amor… Só nós as duas! – afirmei pausadamente,
fazendo com que os meus lábios que haviam no instante deixado o encosto
acalentado da sua pequena testa, converteram-se num rasgo similar de ternura
Não foi preciso um consentimento categórico seu,
para que lhe conseguisse adivinhar a sua vontade.
Com um rasgo enorme de divino entusiasmo – muito
natural de uma menina de quase quatro anos –, Sofia tomou a minha mão na sua e
de modo a que acompanhasse os seus sucintos passos – conhecedores de todos os
enredos daquele espaço, deveras acolhedor para um jovem artista – guiou-me até
ao balneário onde a ajudei a tomar um banhinho e onde trocou o maillot rosa
assim como as collants, por um vestidinho fresco de Verão, que rapidamente a
fazia assemelhar-se a uma pequena princesa.
- Upa, estica os bracitos! – pedi-lhe, de modo a
facilitar a minha tarefa de lhe embeber o vestido naquele corpinho adelgaçado
de medidas e adornados perfeitos
- Mami… - já quando ligeiramente agachada na sua
frente, de modo a encaixar-lhe as sandálias rasteiras nos pés, ela solicitou
toda a minha atenção para proletarizar uma pergunta que se tivesse antevisto,
tê-la-ia contornado com toda a certeza – Posho faze’-te uma pe’gunta?
- Claro, piolha… Pergunta lá!
- Vais deixa’-me ot’a vez?
- O quê? – sem mais não, quase que pude sentir o meu
corpo a ser projectado contra uma parede, por impulsão de um valente soco nos
estômago, numa acusação conspirada sem aparentemente deixar um torço condutor
que me levasse a ditar um discurso ensaiado
- Shim, mami… Já te foste embolha uma vez e durante
muito tempo… Quelhia saber se o vais fazer ot’a vez! – ainda por mais pequena
que fosse, nunca poderia subestimar a sua perspicácia, nem pelo pequeno tamanho
nem pela tenra idade, pois Sofia acabara de me reavivar os dissabores das encruzilhadas
de um destino só meu
- Oh piolha, é claro que não te vou deixar… Nunca
mais me vou embora e fico longe de ti… Nunca! – embora as lágrimas que se
começavam a assomar, teimassem em embaciar-me a visão, não temi em olhá-la bem
fundo dos olhos, de modo a que ela conseguisse ler as intensões que me
transbordavam na alma, sabendo também que ela era uma das pessoas – se não
mesmo a única – para quem o meu coração era incapaz de pregar uma mentirinha
- Nem nunca mais vais deixalhe o papi?
- O qu… Sofia, porquê essa pergunta?
- Po’que desde que te foste embolha, que elhe nunca
mais foi o mesmo… Ainda me lemb’o muito bem de como elhe ficava de todas as
vezes que eu lhe pe’guntava po’ ti!
- E… Como é que ele ficava? – uma pequena pontada
atingiu-me impiedosamente o coração, ferido pelas marcas do tempo, e por
mais que devesse manter-me afastada de todas as implicações que envolvessem o
Ruben, parecia-me que havia sempre uma força maior que me levava a um querer
saber mais, a um querer ser mais
- Elhe ‘tava semp’e a inventar desculpas p’a fugilhe
ao ashunto, mas nunca me conseguia esconder a ca’inha t’iste com que ficava...
Eu shei que ao pé de mim se fazia de fo’te, mas às vezes via-o a cholhalhe e
quando pe’guntava à mamã, elha dizia-me que o papi ficava ashim po’que gostava
muito de ti, e tu foste embolha…
Como poderia eu renunciar as palavras seguramente
ditadas, vindas do serzinho mais puro e verdadeiro que alguma vez conhecera?
Sofia poderia ser ainda uma criança, refinada com toques de ingenuidade, de
personalidade influenciável e traços de uma inocência genuína, mas de
temperamento suficientemente maduro para compreender o que as suas duas janelas
para este mundo captavam, bem como os sentimentos que lhe eram expostos da
maneira mais sincera e natural possível. E de uma coisa eu estava certa: não
havia pessoa mais fiável para quem eu pudesse abrir o meu coração e revelar
todos os segredos, nele escondidos.
Aos poucos, e quase sem me aperceber, as lágrimas
começavam a tomar vantagem sobre o ânimo e vigor que eu impusera a mim mesma
continuar a manter na frente dela e de maneira a contrariar isso mesmo,
ergui-me levemente à sua vanguarda e distanciei-me a somente curtos passos para
conseguir controlar todo o reboliço de emoções que me fluíam dentro do peito.
- Era isso que a mamã te dizia, piolha? – perguntei-lhe
quase num sussurro, vislumbrando-a brevemente acima do meu ombro
- Shim… - afirmou numa resposta muito abreviada,
sabendo eu que me continuava a observar – Mas po’quê… É mentira?
- Não, amor… Não é mentira! – fiz um esforço
tremendo para não ceder à fadiga de comoções, mas assim que num curto
pestanejar os meus olhos se cerraram, as pálpebras soltaram duas lágrimas que
não demoraram em deslindar o meu rosto
- Mami? – a sua vozinha meninil voltou a ser sustida
num eco auspicioso dentro daquelas quatro paredes, e mesmo sem olhá-la senti a
sua sorrateira aproximação até mim, num intento precativo de desvendar as
razões que me faziam estar assim, naquele instante ao pé dela… tão perto e ao
mesmo tempo tão distante – ‘Tás t’iste?
- Não, pequenina… Está tudo bem! – assegurei, depois
de discretamente enxugar o meu rosto até então pelas lágrimas humedecido – Isto
já passa, sim?
- Fui eu num fui? É po’ minha causa que tu ‘tás
ashim… Foi po’ causa do que eu dishe? – proferiu num enuncio de auto culpa, que
enquanto olhava a sua pequena figura encostada às minhas pernas esguias, me
fazia sentir a pior pessoa do mundo pela simples razão de ter provocado um
pequeno tormento àquela criança – Desculpa, mami… Eu num quelhia que ficashes
t’iste… Desculpa!
- Não, não… Nada disso, meu amor! – no dever e
obrigação de sossegar aquele coraçãozinho indefeso, peguei-a ao colo
cuidadosamente como se pegasse no meu próprio mundo, fazendo com que os nossos
corpos ficassem coladinhos firme e seguramente – A madrinha não está assim por
tua causa…
- Então ‘tás ashim po’quê?
- São coisas, piolhita… Coisas da vida!
- Que coisas, mami?
- Coisas que ainda não consegues compreender,
princesa…
- Se nunca as contalhes p’a mim, também nunca as vou
compreendelhe! – rematou com toda a astúcia que eu ainda não lhe conhecia, mas
que era a suficiente para me erradicar respostas que nunca pensara em dar-lhe,
não tão cedo como era agora
Segurando-a ainda no domínio afetuoso dos meus
braços, alumiei-nos até ao banco corrido onde há instantes a vestira, desviei
escassamente a sua toalha de banho e sentei-me, fazendo-a sentar-se também
confortavelmente nas minhas coxas, de modo a que os nossos rostos detivessem a
mesma frontaria.
- Foi po’ causa do meu papi que ficaste ashim… E num
digas que não, po’que eu shei que é ve’dade! Eu bem vi que os teus olhos ficalham
t’istinhos quando falei nele. – foi o timbre perfeitamente adocicado da minha
pequena que nos roubou o silêncio, olhando-me veneravelmente, enquanto os seus
dedinhos percorriam cada pedaço da pele do meu rosto
- Foi, amor… Foi por causa dele que fiquei assim! –
acabei por dizer, sabendo que mais rodeios não nos levariam a lado nenhum
- Então conta a mim o que aconteceu! Eu julho que
não digo a ninguém… Palav’a de Sofiazinha! – no fim de ditar o juramento, os
seus dedinhos formaram uma pequena cruz na frente dos nossos rostos e foram
beijados pelos seus lábios, como remate de uma promessa inquebrável
Pela primeira vez no meio daquela conversa intimista,
os meus lábios rasgaram-se numa amostra infindável de ternura, que embora tenha
sido muito breve, não passou indiferente aos olhos de Sofia que ansiava
sofregamente por uma explicação minha, e que depois de respirar profundamente de
modo a ganhar algum alento para prosseguir, não tardou em ser-lhe dada.
- Sabes, quando eras ainda uma bebé de colo eu e o
teu padrinho já nos conhecíamos, gostávamos muito um do outro e acabámos por
nos apaixonar…
- Vocês… Vocês namolhavam? – a surpresa atingiu-a de
imediato, e por entre uma pergunta exercida de rompante por ela, os seus
olhinhos crisparam-se como que pedindo uma confirmação verdadeira
- Sim, meu anjo… Namorámos ainda algum tempo!
- Quanto tempo?
- O suficiente para nos amarmos muito! – proferi por
entre um nó cego vincado na garganta, pois o que é certo é que ainda me custava
falar no assunto, e o logo ano da minha vida que dediquei a um amor e a uma
relação que eu julgara ser eterna, não se findara da minha memória nem do meu
coração por muitas tentativas que tivesse feito – Mas depois…
- Depois tu foste embolha… - melhor do que eu
julgara ser possível, Sofia completou a linha dos meus pensamentos sem
quaisquer hesitações, e no seu rosto pude ver o sentimento de desilusão –
Po’quê, mami… Po’que é que acabou?
- Porque teve que ser assim… Teve de acabar!
- Mas tu disheste que o amavas, então po’que razão o
deixaste?
- Às vezes temos que fazer sacrifícios pelas pessoas
que amamos, às vezes temos que libertá-las, temos que as deixar ser felizes
longe de nós…
- Tenho a ce’teza que o Ruben elha mais feliz
contigo do que sem ti! – rematou de primeira, fazendo-me querer por momentos
que estava a falar com uma criança portadora de uma mentalidade de um ser
praticamente adulto
- É como te falei, Sofia… Agora ainda és muito
novinha para perceberes as minhas razões, mas um dia compreenderás que há
momentos na nossa vida em que temos de abdicar de certas coisas… Não porque não
as amemos, mas porque a felicidade e o bem-estar delas é mais importante para
nós, do que o nosso orgulho ou amor-próprio.
- Mas agolha já estás de volta… Podem tentar o’ta
vez…
- Não, piolha… Já passou muito tempo desde então, as
nossas vidas tomaram rumos diferentes, o Ruben tem outra pessoa e está feliz! –
relembrei, tentando persuadir-me a mim mesma e a aceitar uma realidade que
ainda me custava a crer
- A Inês num está cá, foi viajalhe e pelo que ouvi,
elhes não ‘tão mais juntos… Agolha tu e o papi podem tentar o’ta vez… - ditou,
numa insistência passiva que lhe desvendou um rasgo de esperança traçava num
olhar trepidamente confiante, por ter presente uma possível reconciliação
- As coisas não são assim tão simples, amor…
- São shim! Vocês os c’escidos é que têm a mania de estar
semp’e a complicalhe tudo! – arguiu decididamente, desvendando toda a inocência
e ingenuidade de que era portadora – Agolha vocês podem tentar ser felizes… os
dois, mami… juntos!
Um temor acutilante fez tremelear a minha alma,
numa fracção traçada por segundos, ao escutar a afirmação que Sofia tomou como
certa na sua teoria próspera, que sozinha tinha conseguido formar em respeito a
uma relação e a um amor há muito terminado.
Custou, custou-me muito ouvir tais palavras
provindas de um ser tão novato e inexperiente, como era a minha pequena… Mas
custou ainda mais partilhar da certeza que por muito que ela quisesse, por
muito que eu quisesse que tudo voltasse a ser como era dantes, voltasse a ser
como nos velhos tempos, agora nada poderia fazer para recuperar o que tive e
partilhei com o Ruben, recuperar o que sempre foi nosso… até ao dia em que o
deixei.
***
- Onde queres ir agora, princesa? – promulguei-lhe
carinhosamente, voltando a dar-lhe a mão, no instante em que saímos de sua
lojinha de roupa preferida, aquando já nos encontrávamos na zona de lojas do
Colombo
- Podemos ir comelhe um crepe? ‘Tá-me a apetecer um
daquelhes com muito chocolate… - solicitou naquele seu jeitinho trapalhão que
tão bem a caracterizava, soltando depois um risinho delicioso, facultado pela
gulosice que perfeitamente lhe conhecia
- Claro que sim, amor! – por momentos perdi-me nos
seus olhos refulgentemente expressivos, enquanto permeávamos o alargado
corredor, e talvez por essa pequena distracção em que me deixei suadir, que um
embate surpreendentemente bruto de um corpo pesado contra o meu, me fez travar
a caminhada e quase ceder ao desequilíbrio – Ai!
- Desculpe… Eu, eu não a vi… Peço imensa desculpa! –
disse o rapaz que por mero caso
veio contra mim, perdoando-se num jeito de visível atrapalhação, ao mesmo tempo
que se apressava a reunir e ordenar a parafernália de livros que trazia nas
mãos
- Espere, deixe-me ajudá-lo… - afirmei, disposta a
remediar um pequeno estrago que afinal de contas, também tinha sido causado por
mim
- Você está bem? Magoei-a?
- Eu estou bem, não se preocupe! – na verdade tinha
ficado com o ombro modestamente dorido, devido ao choque de um corpo
exageradamente mais alto e forte que o meu, mas nada que não passasse,
certamente – Tome… – assim que me voltei a erguer, devolvi-lhe algumas folhas
que haviam ficado espalhadas no meio do chão
- Mais uma vez peço desculpa, vinha apressado para
conseguir apanhar uma pessoa, que nem deu tempo… - ele travou o seu próprio
esclarecimento e um sorriso conotado agora por uma mesclada de constrangimento,
por nos ter proporcionado aquele momento que por si só era desnecessário,
surgiu no seu rosto juvenil
- A sério, não se preocupe… Os acidentes acontecem!
– afirmei seguramente, disposta a esquecer aquele inesperado episódio, e
recorrendo à minha mala, que voltei a encaixar entre a dobra do braço esquerdo
- Pronto, então é… É melhor eu ir… - ainda sem
arrancar o sorriso dos lábios, nem se desfazer da expressão atrapalhada que demarcava todas as feições do rapaz que nunca vira antes, ele seguiu o seu
caminho, deixando-me novamente destinada a seguir o meu
- Vamos então comer o crepe, Sofi… – logo que
manobrei o meu corpo na direcção onde julgara que permanecesse a figura da
minha afilhada, deparei-me com um cenário que não estava de todo à espera –
Sofia…? – clamei-a, esperando uma resposta imediata sua, assim como a presença que de alguma maneira que me ultrapassava, já não se encontrava mais junto
a mim
Os meus olhos iniciaram então uma procura incessante
para conseguir mirá-la em qualquer lado, esperando exasperadamente pelo seu
aparecimento provindo de qualquer direcção, mas o panorama que se seguia
mostrou-se mais funesto e aflitivo do que eu poderia alguma vez imaginar.
Bastaram dois minutos… dois minutos que deram vida à
vulgaridade de um incidente, que me obrigou a soltar-lhe a mão… dois minutos!
Apenas dois minutos de distração, foi o suficiente para que a perdesse de vista
e sem nenhuma assistência de um sinal antecedente seu.
- Sofia? – depois de olhar em todas as direcção
possíveis, pela primeira vez os meus pés ganharam alento e perceptividade
suficiente para se moverem sobre o pavimento, abrindo caminho a uma busca que
eu rezava ser muito breve – Sofia? – voltei a chamar por ela, desta vez num tom
suficientemente mais alto e arrastado, fazendo com que os meus saltos altos se
movessem da maneira mais acelerada que me era possível
Fustigava-me por entre os muitos transeuntes, que
caminhavam tranquilos na direcção oposta, alheios a toda a angústia que aos
poucos começava a tomar conta de mim. Mentalmente comecei a culpar-me por
perder de vista a pequena pessoa que naquele dia estava ao meu total encargo e
à minha inteira responsabilidade, e como tal era meu dever cuidar dela,
protege-la, e nesses aspectos, infelizmente, tinha começado a falhar… E no meio
daquele rebuliço todo, que se conseguira instalar com um mero estalar de dedos,
apenas uma certeza predominava sobre a minha razão: se lhe acontecesse alguma
coisa, eu nunca me perdoaria.
- Desculpe… Desculpe, com licença! – ia
pedindo educadamente às pessoas que por vezes me barravam o trajeto totalmente
indefinido, mas que eu acreditava ser o certeiro para me levar até à minha
piolhita – Sofia? – voltei outra vez a proclamar o seu nome, já num visível
estado de preocupação e agonia, com uma dor aflitiva cravada em meu peito,
que quase me impedia de respirar - Meu Deus, mas onde raio foste tu meter-t…
Interrompi as minhas próprias divagações,
quando na minha frente se prostrou um cenário, talvez, dos mais improváveis que
podia antever.
No entanto, não tive autodomínio suficiente
para saber controlar e destingir a mescla de sentimentos e emoções que me
confundiam o pensamento… Não sabia o que era suposto sentir, ali… no meio de
tudo aquilo… Se uma grande lufada de ar fresco acompanhada por um profundo
suspiro de alívio ou um nervosismo inquietante que me oferecesse a vontade incontornável
de sair dali… o quanto antes.
***
(Ruben)
Até me custava a acreditar nas voltas que uma
vida pode dar, na fracção de um suspiro… Até à coisa de dois meses atrás, podia
afirmar com toda a certeza estar a viver a vida com que sempre sonhei, a
profissão que desde sempre pretendi, o apoio incondicional dos meus amigos e da
minha família e a estabilidade que conseguira encontrar ao lado da pessoa que
amava e que dentro de meses poderia chamar de minha mulher.
Mas de repente tudo mudou… Tudo deixou de
fazer o sentido que sempre teve, deixei de saber no que acreditava e o que
queria, visto que já nem nos meus próprios sentimentos podia confiar, e tudo
isto, tudo isto a partir do momento em que o passado mal resolvido voltara a
pregar mais uma das suas… Reavivando memórias e sentimentos que eu tinha até
medo, de estar novamente a sentir.
- Da próxima vez vou querer a desforra, puto! –
desafiei o David, enquanto ainda percorríamos o Funcenter onde jogámos uma
partidinha de bowling juntamente com o Gustavo, só mesmo para descontrair e
aproveitar a última tarde livre antes de irmos pra estágio
- Não se contenta com o segundo lugar na tabela,
manz? Que mau perder, ein… - ripostou rapidamente com um sorriso triunfal nos
lábios e com uma gargalhada trocista, pronta a rebentar na sua boca a qualquer
momento
- Qual quê? Tiveste foi sorte, oh… Se eu estivesse
num melhor dia, não te dava hipóteses!
- Típica desculpa, de um típico derrotado… - vangloriou-se
ele mais uma vez, no seu humor característico de brincadeira, que foi
acompanhado por leves gargalhadas minhas e do Gustavo – Ah, mas eu compreendo…
Fica difícil perder contra o melhor!
- Nada convencido, né, velho? – desta vez falou o
Gustavo em tom de picardia
- Cê tem a certeza que quer discutir isso? Quando se
fica em último, acho que não dá pra ter voto na matéria, Guga… - ele voltou a
provocar, dando-lhe um ligeiro empurrão com o ombro
- E mudando de assunto… Onde cês vão pra estágio,
mesmo?
- Estados Unidos… Vá, São Francisco… mais
concretamente! – respondeu David, agora num tom livre de mais brincadeiras e trocando
depois um olhar sinaleiro comigo, que rapidamente consegui descodificar
- É… São Francisco(!) – reafirmei logo assim que
ocorri as minhas mãos aos bolsos frontais dos meus calções de ganga, tentando
afastar quaisquer pensamentos que me compelissem para as incontáveis frases
terminadas com um enorme sinal de interrogação, que estavam ainda baralhadas na
minha cabeça
Satírico, não é? Parecia, hum… Ironia! Sim, uma
ironia do destino. Quanto mais eu tentava afastar-me e permanecer no meu canto,
mas a vida me arrastava para caminhos, dos quais tive afastado durante quase
três anos.
- E comé? Cê vem ‘bora agora com a gente, manz?
- Ah… Não! Ainda vou passar primeiro pela
restauração pra comprar alguma coisa pro jantar. Não estou com grande paciência
pra cozinhar hoje!
- A gente vai indo, então… Ainda tenho que ir deixar
o Guga em casa! – afirmou, visto que o Gustavo tinha vindo de boleia com ele, e
logo assim que saímos pelas portas do Funcenter – A gente se vê então amanhã,
manz!
- Amanhã bem cedinho! – completei com um sorriso
medrado um quanto pela ironia, relembrando mentalmente as horas matutinas que
nos tínhamos que apresentar no estádio antes de seguirmos de autocarro para o
aeroporto, e compartilhando com ele o nosso cumprimento habitual, num leve embate
de mãos
- Tchau aí, Ruben! – igualando o simbólico gesto,
despedi-me também de Gustavo que depois de uma última e rápida troca de
palavras, seguiu juntamente com David até às garagens, enquanto eu me delimitei
a seguir caminho até à zona de restauração… caminho esse que acabou por ser
intersectado, por quem eu menos esperava ter ali
- Papi! Papi! – voltei-me celeremente do modo a
mirar a detentora daquela voz que já há muito se tornara inconfundível aos meus
ouvidos, e ao ver a minha afilhada correr de uma maneira desaforada na minha
direcção, não tive outra reacção que não fosse a de a tomar nos meus
braços
- Oh minorquinha… - os meus lábios rapidamente
domaram um sorriso rasgado, logo que beijei uma das faces de Sofia
- Não shabia que ‘tavas cá, papi… - ela olhou-me nos
olhos, tomando as suas pequenas mãos como berço do meu rosto
- É… Estive com o David e com o Gustavo! –
informei-a fazendo-lhe um leve afago no cabelo solto – E tu, minorca, o que
andas aqui a fazer? Vieste com os papás?
- Nop! – asseverou muito segura, apoiando a sua
negação com um acentuado abanar da cabeça – Vim com a mad’inha!
- Vieste com a… madrinha? – embora tivesse ouvido o
suficiente para compreende-la, ainda sem bem perceber o porquê, precisava de
receber uma confirmação segura
- Shim… Ela foi-me buscalhe ao ballet e t’ouxe-me às
comp’as!
- E onde é que ela está?
- Ah… - a sua cabeça rodou levemente buscando em
todas as direcções um sinal da presença maternal que a levasse a distinguir
Joana por entre todas as pessoas que se encontravam naquele espaço, para depois
vê-la erguer o pequeno indicador numa linha recta e inquebrável no ar – … alhi!
O meu mundo parou. Parou de girar sobre si mesmo
para começar a girar em torno dela, evidenciando-a, tornando-a no meu ponto
fulcral… no meu centro.
Apercebi-me então que mesmo antes de a olharmos ela
já nos observava, talvez apreensiva, um quanto hesitante, diria também. Quis
esboçar um sorriso por tê-la ali novamente tão perto e num espaço quase
redutível de tempo, mas este apressou-se a desvanecer-se por si mesmo, quando a
vi tomar uma atitude e rumar até nós, numa expressão no rosto difícil de
decifrar.
- Oh Sofia, o que é que te passou pela cabeça para
desapareceres daquela maneira? – inquiriu-a assim que chegou junto a nós,
deixando denotar em si, um visível estado de preocupação – Desculpa, Ruben…
Olá! – finalmente vi o seu olhar assentar-se no meu, cumprimentando-me numa
muito breve troca de palavras, que eu lhe adivinhei saírem forçadas
- Olá… – tentando ser o mais agradável possível, ainda
arrisquei esboçar-lhe um sorriso, mas a situação por si só, não mo permitiu
- Não devias ter saído de ao pé de mim…
- Sais-te de ao pé da madrinha sem lhe dizeres nada?
– desta vez as minhas palavras foram dirigidas ao pequeno ser que ainda
ocupava os meus braços, numa maneira de conseguir perceber o que se havia
passado
- Shim… Eu vi-te aqui sozinho e pensei que não havia
problema… - revelou numa voz esmorecedora de fatídico arrependimento, quando o
seu olhar descaiu sobre os seus pequenos dedos que tinham começado então uma
dança frenética de um nervoso miudinho
- Pregaste-me um grande susto… Imagina que te
tivesse acontecido alguma coisa? – o tom de voz de Joana tornou-se mais
benevolente bem como o desassossego que começou levemente a libertar-se das suas
expressões até à altura contraídas
- Sofia, sabes que o que fizeste foi muito feio, não
sabes?
- Shei, e julho que estou muito arrependida…
- Então como uma menina crescidinha que és, pede
desculpa à mami…
- Desculpa, mami! – no jeito ainda desajeitado de
uma criança, Sofia copiou-me imediatamente as palavras, portadoras da
sinceridade mais verdadeira do mundo
- Vem cá, piolha… - com toda a delicadeza que eu
sabia desde sempre ela portar, Joana tirou-a dos meus braços e remontou-a no
seu colo de forma a selar aquele tumulto – Nunca mais voltes a fazer uma coisa
dessas, está bem? Fiquei muito preocupada contigo.
- Desculpa, mami… Não volta a acontecelhe.
Vi a Sofia abraçá-la fortemente, de braços voltados
no pescoço e esse abraço foi retribuído exactamente da mesma forma, acompanhado
por uma pequena brincadeira de narizes a chocalharem um no outro, com discretas
mas deliciosas gargalhadas à mistura.
Tornei-me um mero espectador do cenário
incrivelmente encantador que se prostrava bem na frente dos meus olhos, e foi
num curto intervalo de tempo, que pude redescobrir todas as razões que um dia
me levaram a ter certezas, de que a Joana seria a melhor mãe para os meus
filhos.
- Vamos então embora?
- Papi, nós vamos comer um crepe… Não queles vir
connosco?
- Sofia, o teu padrinho já deve ter compromissos… - senti um
certo afastamento naquelas palavras, um afastamento que não consegui entender
face à noite anterior, mas ainda assim resolvi impor-lhe a minha presença,
queria saber até onde tudo aquilo nos poderia levar
- Não, por acaso não tenho nada de importante para
fazer… Posso ir com vocês se não se importarem…
- Claro que não nos importamos, pois não, mami?
- Não… É claro que não! – ela olhou-me nos olhos
pela primeira vez desde que chegou, no entanto com um mero impasse entre as
palavras que notei de imediato
***
- Ora aqui estão… – anunciei com um sorriso na cara,
assim que cheguei com um tabuleiro abastecido por três crepes e bebidas, junto
da mesa redonda onde elas me esperavam
- Obrigada! – agradeceu-me Joana, logo que me sentei
à sua frente e ao lado de Sofia, que aguardava impacientemente pela sua
guloseima do dia
- Quelho p’ovar do teu, papi… - pedinchou, enquanto
olhava o crepe de menta que havia solicitado pra mim
- Mas tu não gosta de mentol, filhota…
- Isho era dantes… Agolha já gosto! Dá-me só um
bocadinho… - cedi perante tanta insistência, cortei-lhe um pedacinho e levei-lho
à boca, que no mesmo instante em que o degustou, provou de um pequeno dissabor
- Então, é bom? – contive-me para não gargalhar na
sua frente, vendo-a fazer uma careta engraçadamente desaprovadora, face ao
desagrado que havia sentido
- Queres deitar fora, amor? – Joana apressou-se a
oferecer-lhe um lenço de papel, que Sofia soube usar como um recurso necessário
- Penshei que fosse melhor… - disse ela com o seu
narizinho empinado, tentando não se desfazer das suas próprias palavras para
não perder assim a razão
- Pensaste, pensaste, sua espertinha… Ninguém te
manda seres uma gulosa! – a minha mão foi ao encontro da sua barriga onde
não ofereceu resistência a suaves cócegas que serviram para a fazer gargalhar
num jeito delicioso de se ouvir, e para logo de seguida os meus lábios lhe
beijarem a face com todo o carinho que suportava por ela – Deixa ver, que eu
corto o teu…
Comemos calmamente, sem grandes conversas, é
verdade, mas também não nos deixámos cair no silêncio total. O facto é que me soube
bem, soube-me muito bem ter aquele cenário a marcar o final de uma tarde de
Verão. Já tinha saudades de estar assim… só com elas, e inevitavelmente aquele
momento fez-me recordar dos bons tempos que tinham ficado lá atrás, no passado.
- Então e… Pra que cidade vais estagiar? – gelei ao
ouvir aquela pergunta logo vinda dela, não sabia ao certo o que lhe responder,
mas as hipóteses não eram muitas
- São Francisco… - respondi com a maior normalidade
que consegui, não abonando grande importância ao assunto e cravando o olhar no
prato, onde continuei a dar uso à faca para cortar mais um pedaço do meu
crepe
- São… Francisco…? – pela entoação surpresa e
simultaneamente compassada, apercebi-me que talvez estivesse com receio que num
destes próximos dias até nos pudéssemos vir a cruzar, mas São Francisco era uma cidade guarnecida por
dezenas de hotéis e centros de estágio, e depararmo-nos durante esse tempo um
com outro por uma mera eventualidade, era algo que com toda a certeza não ira
acontecer – Em que zona?
- Ah… Isso já não sei bem…
Aquele assunto findou-se por ali mesmo, sem nenhum
de nós ter coragem de voltar a pegar-lhe.
Olhares retrucados seguiram-se. Joana acabou por me
apanhar umas quantas vezes a olha-la e o mesmo acontecia comigo, que
discretamente de quando a quando, altiva o queixo e rodava ligeiramente a
cabeça apenas para varrer o espaço que nos envolvia com um curto mirar, e apanhava-a de realce a olhar-me… a olhar-me num jeito de ser que só ela sabe,
que só ela tem.
E mesmo tentando afastar esse facto, começava a
tornar-se desproporcional a maneira como, de certa forma, me voltava a sentir
atraído por ela.
- O que foi? – perguntou-me com um pequeno sorriso
tímido que lhe alumiou o olhar claro, assim que deu comigo a olhá-la fixamente
- Nada, não foi nada… - desmenti, tentando reter a
nascente de gargalhadas
- Estás a rir-te na minha cara e dizes que não é
nada?
- É que tens aí, ah… - fiz-lhe um comedido sinal que
lhe passou despercebido e não sei como nem porquê, não consegui conter-me por
mais tempo, estiquei o braço e fiz com que a minha mão voasse até ao seu rosto
onde o polegar acabou por assentar nos seus lábios
Senti-a estremecer por instinto ao delinear-lhe os
lábios pausadamente com o polegar. Há muito que não tomava partido de um toque
tão próximo, tão ousado da minha parte e isso acabou por se reflectir num
êxtase que se começou a despoletar em mim, fazendo com que o meu coração
batesse mais forte.
Continuei, lentamente… Passei primeiro sobre o lábio
superior, fiz o contorno e acabei retido no inferior. Ela olhava-me sem saber o
que dizer nem o que fazer tão pouco, sabia que a tinha nas minhas mãos e que não
iria conseguir tomar uma reacção por vontade própria.
Sorri-lhe, tentando provar-lhe de alguma maneira que
a minha atitude não era adjacente a segundas intensões, e no fundo acho que ela
percebeu.
Os seus lábios continuavam macios, cálidos como tão
bem os conhecera e sobretudo apetecíveis, talvez mais apetecíveis do que nunca…
- Tinhas aí um pouco de canela… – desculpei-me ao
cessar com aquele contacto, que de uma maneira estranha, começava a tomar outra
forma sobre mim
Joana não disse nada, limitou-se a baixar a guarda
do olhar, provavelmente para esconder a vergonha e o constrangimento que mesmo
sem intensão, eu tinha causado entre nós.
- Papi, quelo colhinho… - foi a vozinha ensonada
Sofia que quebrou o clima regelado que aos poucos se começara a formar entre
nós, vi-a esticar os bracitos na minha direcção e não pensei sequer duas vezes
em tomá-la novamente no conforto que os meus braços tinham para lhe oferecer
- Estás com soninho, não estás?
- Um bocadinho… – revelou num tom mais afadigado
aquando acomodava o seu corpo numa postura mais aconchegada entre o meu colo, e
procurando o meu peito para tomar como pousio de almofada
- Ela ainda não dormiu nada esta tarde, pois não?
- Não. Depois de a ter ido buscar ao ballet, viemos
logo pra’qui…
- Está quase a pegar no sono… - denotei, com um
sorriso cravado nos lábios que não conseguia tirar de maneira nenhuma enquanto
olhava a figura passiva embalada nos meus braços, e suavemente para não a
perturbar, desviei-lhe a franja que lhe decaía sobre as pálpebras fechadas
- Está cansadinha… - disse com um sorriso
perfeitamente belo nos lábios, ao pousar os braços cruzados sobre a mesa, de
forma a observar melhor a sossega que se havia apoderado do corpo adormentado
da nossa afilhada – Tão pequenina e… tão frágil…
Depois disto, as palavras tornaram-se fenecíeis. Eu
já não sabia o que mais havia para ser dito, e a Joana também não voltou a
tomar posição para se pronunciar. Deixamo-nos então cair mais num
silêncio tenebroso que nos roubou a coragem de nos continuarmos a olhar nos
olhos, e por isso mesmo optamos por continuar a fitar Sofia, que já envolta
numa respiração penetrante e aura levitada, se deixara embrenhar nas tramas de
um sono puramente profundo e apaziguo.
- Sabes, ela sentiu a tua falta enquanto estiveste
este tempo todo fora… – desabafei contundentemente, continuando a focar a
pequena adormecida nos meus braços – … precisou muito de ti.
- Eu não acredito que estás novamente a fazer isto… -
ciciou num sussurro decepcionado, desviando e mantendo o rosto bem longe do meu
alcance – Voltamos ao mesmo, Ruben?
- Voltamos ao mesmo…? O que é que eu fiz? –
perguntei com estranheza, procurando por uma explicação que eu não estava a
conseguir atingir
- Já estás a arranjar fundamentos para começarmos a
discutir, como de todas as outras vezes!
- O quê? Não, não é nada disso, Joana… -
respondi-lhe calmamente, tomando o cuidado, tanto eu como ela, de mantermos um
tom pacífico e controlado de modo a não acordar Sofia nem chamar a atenção de
todos aqueles que nos rodeavam
- Eu não quero discutir, Ruben… Não quero voltar a
discutir contigo, muito menos quando o assunto é o mesmo de sempre! Não quero…
- Ei, eu também não quero discutir… - falei-lhe com
toda a sinceridade e o mais serenamente que consegui, tentando acalmar-lhe o
coração desassossegado, por tê-la feito crer que estava a fazer ressurgir de
novo, o conflito que entre nós nunca chegara a ser esclarecido
- Não queres? – aquela sua expressão de desalento
que também se transferiu para a voz, entristeceu-me, no momento em que me
voltou a olhar
- Não, não quero… Não quero continuar a alimentar
uma guerra que não nos levará a lado nenhum! Nem continuar a alimentar o rancor
e a mágoa que restou… Acabaram-se as discussões entre nós, acabou… – num acto
meramente simplista mas necessário, a minha mão procurou a dela e foi sobre a
mesa que, ao encontrá-la, tive a coragem de a enlaçar na minha, dando-lhe um
ligeiro aperto – Acabou, Joana…
Assim ficámos nós… Sem mais justificações para dar,
nem mais nada para temermos… As nossas mãos, unidas, falaram por si. A verdade
é que eu não a queria soltar, não a queria deixar ir, pois se isso acontecesse
não voltaria a ter certezas de a poder voltar a tocar.
Não sei dizer ao certo quanto tempo as nossas mãos
estiveram unidas, acometendo-nos àquele toque tão abrasado mas suave ao mesmo
tempo, mantendo-nos completamente perdidos no olhar um do outro, talvez da
mesma maneira como se nos tivéssemos acabado de conhecer…
- Ah… Acho, acho que é melhor irmos andando… -
mansamente, senti a sua mão escapulir-se da minha, acabando por deslizar sobre
a mesa – Já se está a fazer tarde e ainda tenho que ir levar a Sofia a casa…
- Então eu vou com vocês! – impus-me de rompante,
esperando poder acompanha-las até onde pudesse – Estás de carro?
- Sim, estou, mas não precisas… Se ainda quiseres
ficar, não te condiciones por nossa causa!
- Não, também já não tenho mais nada pra fazer aqui…
Desço com vocês às garagens e deixo logo a Sofia no teu carro… Assim escusamos
de a acordar. – disse calmamente, sabendo que seria o argumento mais coerente
que poderia dar, para passarmos mais tempo juntos
Felizmente que ela cedeu. Levantámo-nos e depois de
amanhar ainda melhor Sofia nos meus braços, tendo sempre o cuidado de não a
acordar, caminhámos passivamente ao lado um do outro, até ao elevador nos levar
ao piso pretendido.
***
- É este… - disse, logo que chegámos junto do carro,
indicando-mo
- Podes destrancá-lo, então?
- Ah, claro… desculpa!
Vi-a a erguer as chaves de modo a destrancar o
carro, e ainda com Sofia entregue a um sono passivo no meu colo, dirigi-me às
portas traseiras, abrindo aquela que se mantinha mais próxima à sua cadeirinha.
Sentei-a com todo o cuidado e fui quando já lhe
laçava o corpo com o cinto de segurança da cadeira, que fui surpreendido por
ela.
- Ru…? – a sua vozinha sonolenta quebrou a quietude
que nos rodeava, elevando a sua pequena mão em punho cerrado, de maneira
esfregar os olhos semicerrados, para poder assim aclarar a sua visão sob o mundo real do qual voltara
a fazer parte
- Oi, filhota… – proferi num tom sussurrante,
desatando um lugar suficientemente espaçoso nos meus lábios, para lhe sorrir
abertamente – Pensava que estavas a dormir…
- Já acordei… A mad’inha? – perguntou, procurando em
alguma direcção por um sinal dela
- A madrinha está ali fora… Já te vai levar a casa,
está bem?
- Oh, já? – foi perfeitamente notável o tom
desvanecido que lhe condutou a voz ainda ensonada
- Tem que ser, piolhita… - a polpa do meu indicador
embateu levemente contra a pontinha do seu nariz, e uma pequena gargalhada
despoletou-se automaticamente da sua boca
- Gostei muito, papi… - via desabafar num suspiro
saciado e totalmente preenchido pela satisfação
- Do quê, minorca?
- Da nossa tarde… De ‘tar contigo e com a mami!
- Eu também gostei…
- E shabes do que gostei mais? – avançou logo com a
resposta, depois de lhe ter feito um breve sinal com a cabeça – De ver que
vocês já num ralham mai’ um com o ot’o… Gostei da maneira como se olharam o
tempo todo e dos sorrisos que trocaram, quando ficavam enve’gonhados…
- Andas a aprender muito depressa, tu… - insinuei,
fazendo os meus dedos rodopiarem na sua barriga
- Só tô a dizelhe o que qualquer peshoa achava, se
vos tivesse visto! – garantiu numa certeza puramente engraçada
Inclinei ligeiramente a cabeça e sorri num franco
sinal de cedência ao seu discurso… Parecia inacreditável como uma miudinha como
ela, que tinha idade até para ser minha filha, tinha a tão rápida capacidade de
me deixar sem palavras, mas o que é certo e que todos ouvimos por aí, é que as
crianças dizem sempre a verdade, e talvez este caso, não fosse excepção.
- Ela é linda… – foi ela que mais uma vez tomou
ordem do diálogo, olhando Joana pelo vidro do para-brisas, e eu segui-lhe a
trajectória do olhar
- Eu sei… – certifiquei, partilhando com ela a
certeza de toda a beleza que uniformizavam o corpo e pose daquela mulher que eu
voltara a conhecer
- Posho fazer-te uma pe’gunta?
- Podes, minorca…
- Tu gostas da mami, num gostas? – ela foi clara e muito
expressiva em cada palavra, o que me deu viso prévio de que a minha resposta
nada mais teria do que ser-lhe dada com toda a sinceridade que tinha
- Gosto, Sofia… Gosto muito dela! – declarei por
fim, olhando-a bem no fundo dos olhos de maneira a que a fizesse entender que
lhe estava a desvendar o segredo do meu coração… ainda hesitei por momentos, mas
também acabei por lhe fazer uma pergunta sem resposta, que já há muito trazia
comigo – E… Achas que ela também gosta de mim?
- Eu num acho… Eu tenho a ce’teza! – sorriu-me no
seu jeito característico de menina meiga que aprendera ser, enquanto segurava o meu
rosto entre as suas mãozinhas e não resisti em afagar-lhe a bochecha numa suave
carícia
- Vá, agora a ver se voltas a dormir, está bem?
- Shim, mas dá-me um beijinho p’imeiro… Antes de
ires embolha… – os meus lábios repenicaram o seu rosto num só instante e o
mesmo gesto foi repetido por ela – Adoro-te, papi! – anunciou num múrmuro
esvoaçante, enquanto mantinha o meu pescoço amarrado fortemente pelos seus braços
- Eu também te adoro, minorca… Eu também! – dei-lhe
um último beijo, desta vez na testa, e depois de confirmar que estava bem e que
não precisava de mais nada, voltei a fechar a porta do carro e aproximei-me de
Joana, que se mantivera ligeiramente afastada, durante o tempo que eu estivera
com Sofia
***
(Joana)
Assim que o Ruben abriu a porta do meu carro para
colocar Sofia na cadeirinha, deixei-me permanecer um quanto irradiada deles. Apercebi-me
então que ela deveria ter acordado e ele nada mais fizera do que partilhar com
ela uma troca de palavras que julgara meigas, e quando eu, aprisionada nos meus
mais remotos pensamentos, fui obrigada a despertar-me no momento em que ouvi o
fechar da porta, e de mãos recolhidas nos bolsos traseiros dos seus calções o vi
aproximar-se a mim com o sorriso perfeito nos lábios que durante toda a tarde
se impusera a manter.
- Já acordou? – inquiri-o sumidamente, um pouco depois
de chegar junto a mim
- Sim, mas ainda está cansadita… Durante a viagem já
volta a pegar no sono!
- Ah… Obrigada por esta tarde! – senti-me na
obrigação de agradecer, pois desde que me lembre, nunca me voltara a sentir tão
bem… tão preenchida como naquela tarde
- Eu é que tenho que te agradecer… Já tinha saudades
de nós os três… Juntos!
- É… Talvez estivéssemos todos a precisar disto! –
um sorriso padeceu circunstancialmente em meus lábios, e por momentos quase que
pude sentir a vontade que os olhos dele demonstraram, em tocá-lo
- Sim, nem mais! – apercebi-me então que a conversa
se findara por ali, e antes que nos deixássemos cair novamente no
constrangimento que estranhamente se apoderava de nós de cada vez que não
tínhamos nada para dizer, impus-me a confrontá-lo com uma pergunta que já por
diversas vezes me tirara o sono
- Ruben… O que é isto? Afinal de contas, o que é que
nós somos? – perguntei num rasgo de insegurança imponderada, tentado de uma vez
por todas definhar, aquilo que ainda parecia manter-nos ligados
- O que é que nós somos? – o sorriso canonicamente
irónico que me lançou, fez-me adivinhar que iria levar aquele assunto para
caminhos menos sérios, e que de alguma maneira propositada ele insistiu em fugir
ao tema – Não sei… Talvez, duas pessoas a conversarem…?
- Vá lá, estou a falar a sério… No meio disto tudo e
depois de tudo, o que é que nós somos, aqui e agora, para além de duas pessoas
a conversar?
- Somos… dois amigos?
- Amigos? – não pude deixar de sentir uma acutilada
despedaçar todas as esperanças que em mim ainda restavam… “amigos”, também era
assim tão mau quanto isso, não é? Pelo menos já podemos dar nome próprio à
nossa relação que até à altura se encontrava indefinida – Era exactamente aí
que eu queria chegar… Amigos!
- Concordas comigo, certo? É que depois de tudo o
que passámos, acho que não faz qualquer sentido comportarmo-nos apenas como dois
conhecidos, quando já fomos muito mais do que isso… – um sorriso complacente
foi surgindo gradualmente no meio do seu esclarecimento, no qual se esforçou
por encontrar um meio-termo que nos levasse ao equilíbrio de uma conformidade
- Sim, claro… Além de que temos a Sofia, e mais do
que ninguém ela precisa que haja estabilidade entre nós e merece ver-nos
unidos! – tentei disfarçar ao máximo toda a inquietação vivida dentro do meu
peito, e mesmo sem darmos conta, lá estávamos nós mais uma vez… entregues às
malhas da mudez
- Bem, então eu vou andando… Faz boa viagem!
- Obrigada, tu também… – desejei, nunca uma despedida nossa
havia sido tão impessoal como aquela, mas depois daquela conversa nada podíamos
fazer para mudar isso mesmo
Cada uma de nós seguiu direcções opostas ainda que
muito escassamente. Sabia que o carro dele não estava muito longe do meu, pois
num olhar de realce já o tinha visto algures, mas foi um mero esquecimento que
nos ultrapassou por completo, que fez com que os nossos caminhos se voltassem a
cruzar… mais cedo do que era esperado.
- Ruben? Espera… Ruben! - a minha voz impulsivamente
altiva, ecoou em radar nas garagens, mas não movi mais um único músculo que
fosse… permaneci exatamente na posição com que imobilizara o meu corpo, e deixei
que fosse ele a vir ter comigo – O teu sushi… - ergui levemente o saco com a
sua encomenda, que eu me oferecera a trazer-lhe, quando ele transportou Sofia ao colo
- Esqueci-me completamente… – vi-o tomar o passo na
minha direcção, enquanto que acompanhado de um leve sorriso contrafeito, fazia
os seus dedos agitarem desajeitadamente os cabelos da nuca
- Pois, deu pra ver que sim… – gargalhei levemente,
tomando controlo da pequena brincadeira que eu mesma tinha começado – Mas se
quiseres, eu posso ficar com ele!
- Se quiseres, podes vir jantar comigo! – propôs,
logo que travou a passada bem junto do meu corpo, sem sequer ter tempo
suficiente para pensar duas vezes – Se os teus gostos não mudaram, sei que
adoras sushi, e há que chegue para os dois… - foi naquele momento que eu
passara de predador a presa, na minha própria brincadeira que estava agora nas
mãos dele
- Ruben, eu estava a brincar… – elucidei, fazendo desvanecer
o meu sorriso troçado
- Mas eu não! – disse, parecendo incrivelmente
convicto e não oferecendo qualquer resistência a um cedimento
- Se fazes assim tanta questão, o sushi pode ficar
pra outro dia… Não te esqueças que ainda tenho que ir levar a Sofia a casa e
apanhar o avião!
- Sim, eu sei… Mas olha que eu vou cobrar esse
jantar, e podes ter a certeza de que não me vou esquecer!
- Pronto, tudo bem! – sem mais ripostar, rendi-me às
fortes veracidades que Ruben persistia em manter, em prol da sua vontade – Quando voltarmos a Portugal, logo vê-mos
isso! – anunciei, entregando-lhe o saco do jantar de encomenda, deixando que um
sorriso nervoso me dominasse por completo
- Obrigado! – gracejou meigamente ao receber o saco
em mãos
Suspirei discretamente e dei ordem aos meus
calcanhares para rodaram levemente sobre os saltos. Comecei a implantar então
curtas passadas sobre o pavimento na direcção do meu carro, mas sentia que
alguma coisa as obstruía, que me impedia de continuar a avançar… talvez algo
que deixara para trás, algo que deixara por fazer…
“Sua cobarde, o que é que estás a fazer? Volta
atrás… Vai lá e despede-te dele… Vai!” – ordenava por pensamentos a mim mesma,
movimentos aos quais o meu corpo não queria obedecer
- Joana! – a sua voz… oh meu Deus, a voz dele fez-me fraquejar, fez-me sentir vencida,
mas felizmente que isso não foi o suficiente para me fazer parar – Joana,
espera… – ele voltou a insistir, e pela minha percepção fiquei com a certeza de
que vinha atrás de mim e isso acabou mesmo por se confirmar, quando senti o
toque dele na minha mão obrigando-me a cessar definitivamente o passo…
obrigando-me a deter na frente do seu corpo
- Ruben… - clamei o seu nome num sussurro oscilante,
sem ter descaro de o fixar… talvez por medo ou talvez por vergonha do meu acto
de cobardia
- Ias-te embora assim… sem te despedires de mim? –
ainda sem me soltar a mão, fez com que me despisse do temor e o olhasse… ali,
com os seus olhos bem em cima dos meus – Não tinha direito nem a um “tchauzinho”?
– o tom mimado que empregou, fez
referencia a uma feição cómica já muito própria de si e não pude evitar uma
pequenina gargalhada que se soltou da minha boca, quase sem eu dar conta
- Desculpa…
- Agora que até nos vamos deixar de ver por uns
tempos, podíamos despedir-nos em condições… Como amigos que somos, não achas?
- Sim, tens razão! – concordei, disposta a
compactuar com ele numa despedia agora modesta pela relação arredada que
mantínhamos, mas que ambos merecíamos
Não sei dizer o que me passou pela cabeça para o
fazer, e também não sei se posso dizer que foi algo impensado, porque o certo é
que já há muito o queria fazer, e a verdade é o que o fiz, contra toda a lógica
e razão. Deixei cair a mala, que até à altura segurava na mão, até tombar
juntos dos meus pés e sem qualquer pressa ou urgência anulei toda a escassa
distância que ainda nos separava. Ainda que fosse impossível, fiz um esforço
para que os meus braços contornassem na totalidade o seu tronco e encostei a
cabeça no seu peito. Queria muito voltar a ter o meu mundo novamente nos meus
braços e voltar a sentir o seu coração a bater… Não sei por quem, mas naquela
curta instância em que os nossos corpos se mantiveram em contacto, rezei muito
que fosse por mim. Sei também que ficou surpreendido pela atitude que eu
tomara, pois os seus músculos estavam tão tensos, que nem conseguiu tomar
posição para corresponder àquele abraço.
- O qu… O que foi isto? – perquiriu quando o
libertei da minha alçada, ameaçando mostrar-me um sorriso embelecido, que
acabou por surgir muito tenuemente
- Ah… Um abraço de amizade…? – articulei numa
resposta que também podia ser entendida como uma pergunta meio tonta, a qual
nem tivera tempo de reformular
- Ai sim? – vi o seu sobreolho arquear-se numa
prepotência falsamente desdenhosa, bem como todas as suas feições que se
contraíram num só movimento, que calculei que fossem antecedentes a um momento
de risota da sua parte, mas graças a Deus que ele me poupou a mais essa
vergonha – Então deves ter a noção que me deixaste em dívida para contigo… É a
minha vez de retribuir, e vou querer outro!
- Hum, é melhor não… Não quero que fiques demasiado
convencido! – ripostei, torcendo ligeiramente o nariz que foi acompanhado pela
boca, num gesto muito natural meu
- Oh, não sejas parvinha… Vem cá!
Bastou um puxão implantado na zona do antebraço para
me tomar como sua. Os nossos corpos embateram pela segunda vez num choque
estranhamente agradável, mas que rapidamente me cortou a linha de raciocínio.
Domado por uma força bruta que lhe desconhecia totalmente, envolveu-me nos seus
braços fortes e torneados pelas horas intensivas de treino, apertando-me contra
si, sem me dar qualquer hipótese de fuga. Fuga? Para quê pensar nisso se o que
mais queria era estar ali com ele?
Rendi-me… era inevitável não o ter feito. Elevei os
braços e pousei-os nos seus trapézios modelados, enlaçando-os em
torno do pescoço. Pela primeira vez senti-o mais descontraído… Os seus músculos
dilataram-se e ele relaxou. Ainda assim sem deixar de se manter empenhado a apertar-me
contra si, como se novamente as inseguranças de o poder voltar a deixar, o
tivessem voltado a assombrar.
O seu rosto escondeu-se entre o meu ombro e pescoço
e num momento fracionário, fui impiedosamente atingida por um calafrio que me
arreganhou toda a pele, logo que um arrepio me ascendeu a espinha por acção da
respiração folgante dele, que tabelava contra a pele despida do meu peito.
Era o nosso momento de rendição que eu teria que
aproveitar de qualquer maneira, pois não sabia quanto mais iria durar… Fechei
tranquilamente os olhos e fiz com que a minha mão lhe despenteasse o cabelo,
assim que os meus dedos lhe deslizaram lentamente pela nuca.
Aquele abraço estava a tornar-se então num gesto
demasiadamente demorado e intimista, mas como era Ruben que o dominava por
completo e não tomava uma atitude para lhe colocar termo, também eu não me
senti em posição de o fazer.
Todo o meu corpo tremeu nos seus braços – e sei que
ele sentiu isso mesmo – quando tomou a ousadia de erguer o rosto e deslizar
com ele e com aquela sua barba de meramente dois duas, na minha face,
fazendo-me irremediavelmente estremecer de cima a baixo.
- Que saudades do teu cheiro… – segredou-me,
mantendo os lábios bastante próximos ao meu ouvido, tanto que pude senti-los a
gesticular cada palavra
Não lhe disse nada, apenas me limitei a guardar a
felicidade para mim mesma, exibindo um largo sorriso que me preocupei em manter
longe do seu alcance.
O rosto de Ruben voltou a descer e num ápice
incalculável, pude sentir um toque extremamente quente e húmido, repenicar a
pele gélida do meu pescoço. As minhas pernas perderam as forças e cambalearam
naquele momento, sorte a minha de ainda o ter a agarrar-me. Calculei de
imediato que tivessem sido os seus lábios os culpados por me roubarem um beijo
no corpo, e ainda pus a hipótese de me afastar para comprovar isso mesmo, mas
optei por não fazê-lo… Não queria desiludir-me caso aquela sensação tivesse
sido apenas um fruto criado pela minha traiçoeira imaginação.
- Sabias que este foi o abraço mais longo que dei em
toda a minha vida? – falei momentos depois de nos termos separado, muito
suavemente
- E o melhor também… Espero eu. - ripostou,
adornando o rosto com mais um dos seus sorrisos sacanas e simultaneamente
brincalhões
- Sem dúvida que foi!
- Bem, pelo menos por este factor, sei que vou ficar
marcado na tua vida!
- Já estás marcado na minha vida por tantos
factores, Ruben… - disse em desabafo, deixando pender ligeiramente a cabeça
para o lado enquanto o mirava, equacionando depois, os inconvenientes que
poderia vir a sofrer por fazer ressuscitar aquele assunto entre nós
- Quais? – inquiriu de repentina, talvez numa forma
de me pôr à prova
- Quais?! Vais obrigar-me a dizê-los?
- Se for preciso até vou… Mas vais dizer-me aqui,
bem no meu ouvido!
- Ainda por cima és exigente… - soltei uma
gargalhada breve apenas para o espicaçar – Está bem, está… - continuei, fazendo
uma pequena simulação de virar costas e ir-me embora, mas ele travou imediatamente
essa minha ideia quando me puxou de volta para si
- O que é que te custa? – num gesto quase a medo,
desviou uma madeixa vinculadamente comprida do meu cabelo que me pendia na
face, de maneira a desarmar o meu olhar
- Para que queres saber? Sabes perfeitamente o que
significaste para mim!
- Pois sei, mas nunca mo disseste por palavras…
Entretanto foste-te embora e sei lá, sinto que ficaram tantas coisas por dizer
entre nós… - os seus braços voltaram a rodear as minhas ancas e mais uma vez
ele tomou o controlo sobre a situação, não me deixando qualquer forma de escape
Fui eu que mansamente encostei os nossos corpos, ele
agachou-se superficialmente como fizera há pouco para me abraçar, e para que
assim eu pudesse tomar alcance do seu ouvido, quando os meus braços penderam
novamente sobre o seu pescoço.
- Foste o amor da minha vida, Ruben, o meu único
grande amor… - ao fim de controlar a respiração que se mostrava ofegante demais
junto dele, tomei o alento necessário para dar então início ao discurso mais
doloroso de pronunciar, principalmente ditá-lo para a pessoa que era e à qual
voltara a entregar o meu coração – Foi a ti que me entreguei de corpo e alma,
foi a ti quem eu amei sem reservas e foste tu o homem que fez de mim a mulher
que ainda sou hoje…
- Pelos visto não foi suficientemente homem para te
manter na minha vida… Em alguma coisa devo ter falhado! - declarou num
invólucro de culpa, arrastado pelo sussurro inebriantemente tenebroso aquando
os nossos rostos se voltaram a deparar
- Foste homem
suficiente para me amares e fazeres de mim a pessoa mais feliz e realizada do
mundo inteiro! Entende que apenas… Que apenas não estávamos destinados a
continuar a viver desse amor. – senti um véu turvo a embeber-me os olhos,
provavelmente seriam lágrimas a quererem ameaçar, mas impus-me em retê-las… não
poderia deixar ir-me abaixo, não na frente dele
- Foi bom enquanto durou, não foi? – o toque da sua
palma da mão na minha face esquerda foi o suficiente para me queimar a pele, e
as suas palavras o suficiente para me derreterem o coração
- Foi maravilhoso enquanto durou! – rectifiquei, na
certeza eminente e jamais olvidada, de ter partilhado com ele os melhores
momentos que poderia ter vivido, em redor de uma paixão e um amor avassalador,
que nos havia consumido
- Obrigado… Era o que eu precisava de saber! –
declarou num tom encovado, libertando-me cuidadosamente da supremacia dos seus
braços, que me abonavam um calor e
tranquilidade extremamente reconfortantes
- Bem, agora tenho mesmo de ir… – num suave
movimento sobrepus o meu queixo ao ombro e olhei a minha doce afilhada, que
pelo vidro da janela do carro, nos observava atentamente – A Sofia está à minha
espera!
- Achas que se dissermos outra vez “Vemo-nos por
aí”, nos voltamos a encontrar mais cedo do que esperamos?
- Não sei… Mas acho que isso já seria abusar da
sorte! – pela primeira vez depois do nosso ‘curto momento de sinceridade’, fiz
com que um sorriso ligeiro sobreluzisse na boca de ambos
- Já aconteceu uma vez… Quem nos garante que não
volta a acontecer? – a sua sobrancelha arqueou-se numa curvatura perfeita,
perscrutando uma nova reacção minha – Acho que vou arriscar! – garantiu, num
piscar de olho promissor
- Até depois, Ruben… - consegui despedir-me com a
maior simplicidade que consegui, mas fui altamente surpreendida por um beijo
seu na minha testa que se prolongou bem mais tempo do que eu pensava, enquanto
mantinha o meu rosto bem seguro pelas suas duas mãos grandes e
reconfortantemente cálidas
- Fica bem! – desejou, oferecendo-me mais um
daqueles seus sorrisos imensamente belos aos quais eu nunca conseguira ficar
indiferente… virei costas e comecei a caminhar na direcção contrária à dele
pronta a sair dali finalmente, mas a sua voz mais uma vez invocada, voltou
adiar esse feito – Quero dizer-te só mais uma coisa, Joana… - iniciou,
mostrando-me uma pose muito segura e olhar deslindado
- Sim, diz… – detive-me junto do meu carro e logo
que abri a porta, disposta a ouvi-lo
- Um dia a nossa história começou, para nunca mais
acabar!
Nunca uma conjugação de palavras me causara tanto
pranto entre um rebuliço de pensamentos dispersos, como aquela.
Ele não dissera rigorosamente mais nada, limitou-se
a resguardar as duas mãos nos bolsos, baixar o olhar e afastar-se em largas
passadas onde terá desaparecido da minha vista por entre os outros carros.
Permaneci estática por momentos, tentando dar uma ordem e significado ao que
acabara de ouvir, sem claro, me deixar induzir por ilusões que me poderiam
levar a nada. Acabei por entrar também no meu carro e logo que dei um jeitinho
no retrovisor, vi que a minha pequena se deixara levar novamente nas malhas do
seu cansaço ameninado. Encaixei os óculos de sol na cana do nariz e suspirei…
Tinha sido um dia longo e pelos meus pressentimentos, ainda se encontrava longe
de terminar. Ouvi um ruído que ecoou por toda a garagem, algo que me soou característico
à derrapagem de pneus naquele tipo de pavimento, para pouco depois ver Ruben
passar à minha frente com o seu carro, numa rápida fracção de segundos que
deixou o meu coração a bater mais forte… somente por ele e para ele.
Antes de mais quero pedir-vos desculpa
pela enorme demora na publicação de um novo capítulo, mas com a recta final das
aulas foi-me impossível fazê-lo mais cedo!
Contudo, e agora com as férias,
espero ter o tempo necessário para me entregar à escrita e postar com mais assiduidade,
mantendo este cantinho actualizado!
Deixo-vos então um novo capítulo, que espero que gostem e comentem :)
Beijinhos,
Joana ♥