sábado, 7 de abril de 2012

Capítulo 7 - Novos caminhos, novas esperanças... (Parte I)


- Menina Joana, o carro já está pronto… Partimos quando quiser! – o anuncio prontificado do motorista dos meus avós, fez-me soltar um suspiro de alento e esperança, logo que subiu as escadas do alpendre principal, mostrando-se irreversivelmente disposto a acatar com as minhas disposições

O tempo ajudara a deslustrar toda a mágoa que me pesava no coração, e a reestabelecer novas esperanças que ainda estariam para se cruzarem no meu caminho.
Desde a conversa intimista que partilhara na biblioteca de casa com a mãe de Ruben, já quase um mês e meio havia corrido diante dos meus olhos e, agora de malas e bagagens feitas, estava pronta para me afastar de Lisboa e fazer um retiro de duas semanas em terras californianas.
Se me perguntarem pelo Ruben, nada de concreto vos posso adiantar… Mal me cruzara com ele durante todo este tempo e evitara ao máximo encontrá-lo em jantares e festas de amigos. Se me perguntarem também se tenho saudades dele, digo-vos que sim, tenho muitas saudades dele, mas a vida é assim mesmo… Uma louca aventura com um destino impressível e que nem sempre está em conformidade com nossos desejos.

- Estou prontíssima, Zeca! – anunciei com um sorriso dispersado em meus lábios e preparando-me já para me despedir dos meus avós e de Leonardo, que estavam junto a mim para me verem seguir para o aeroporto

- Faz boa viagem, minha querida! – o meu avô precipitou-se até a mim, na eminência de me dar um abraço que depois de segundos ele mesmo quebrou, recompondo a sua postura senhoril que jamais deixava quebrar em momento ou circunstância alguma

- Quando chegares, diz qualquer coisa, está bem? – foi a vez da minha avó se despedir com dois beijos cedidos em cada face, que me embrenharam no aconchego de um lar – Aproveita para relaxares e te divertires também!

- Obrigada, avó… É o que pretendo fazer! – consenti amenamente, pressagiando já o reencontro com o meu irmão, por quem o meu coração sofria demais pela distância e a saudade – Leonardo… - o meu corpo direcionou-se ao do mordomo, e os meus lábios refletiram-se no conforto de um sorriso gracioso

- Que corra tudo bem, e dê um abraço meu, ao menino Salvador! – pediu-me depois de lhe dar um beijo no rosto, guarnecido por um leve e curto abraço

- Fica descansado, o teu abraço será entregue! – assegurei-o com fieldade e depois fiz sinal a Zeca, de que estava tudo apostos para tomar controlo sobre a viagem

Descemos até ao carro e depois de lhes acenar uma última vez, o motorista arrancou rumo ao aeroporto, onde o meu avião descolava dentro de consideráveis minutos.
Esperei pacientemente pela minha vez na fila para fazer o check-in, e dirigi-me à porta de embarque assim que reuni todas as condições necessárias para poder descolar.

“Boa noite, senhores passageiros, sejam bem-vindos a bordo. A partir deste momento os telemóveis e todos os aparelhos eletrónicos deverão permanecer desligados. Por favor coloquem o cinto de segurança, iremos dar início à descolagem dentro de minutos. Desejamos um excelente voo na nossa companhia.” – a voz mensageira do comissário, foi emitida em todas as classes do avião, dando-nos os alertas necessários para a descolagem

E era assim… Era esta a minha cina. Sozinha naquele avião a testar rumaria para o outro lado do oceano… Não somente para matar as saudades do meu piolhito, e tirar uns dias de férias, mas também para tentar fugir à circunstancial rotina que me entregava dia-após-dia, às garras de um destino que eu cismava em fugir. Estava cansada de ver todos os dias as mesmas caras, de ser massacrada sistematicamente com as mesmas preguntas que impunha a mim mesma, ser confrontada – ainda que não fisicamente – com aquele que eu mais queria ter por perto, mas que se resumia a milhares de quilómetros distanciado de mim: Ruben! Um dos principais motivos – se não o principal – pelo qual nem pensei duas vezes em sair por uns tempos de Lisboa… Na carência de respirar novos ares, conhecer e disfrutar de novos recantos do mundo, quem sabe conseguisse nas próximas semanas encontrar lá, o caminho para a minha própria felicidade.

- Aqui tem as revistas e a garrafa de água que pediu… Se precisar de mais alguma coisa, é só chamar! – disponibilizou-se a simpática camareira loira que me efetivou o pedido, que há apenas à instâncias lhe tinha promulgado

- Por agora não irei precisar de mais nada, abrigada! – agradeci cordialmente num gesticular de educação, para vê-la retirar-se com delicadeza e de sorriso afável nos lábios

Por entre revistas de moda e entretenimento, consegui distraí-me nos largos minutos seguintes de voo, mas foi somente aquando os meus dedos folheavam o interior de uma revista que disseminava fofocas, que me detive imediatamente para ler o que tinha na minha frente, num titular e fotografias que me despertaram imediatamente a atenção.

“Final feliz por um fio” – bem nas minhas mãos, li o honorário digitado em letras abastadas e apelativas, que alistavam a notícia-mestre de uma semanal revista cor-de-rosa

No entanto, não consegui ler a notícia por mais que me visse tentada a fazê-lo. Impusera a mim mesma, barreiras, que ainda que tentasse, era-me proibido transpor a passagem entre elas.
Prometera-me recusar saber alguma notícia que envolvesse ou deixasse o mínimo rasto de Ruben, mesmo que isso abrangesse a sua atmosfera profissional. Só assim seria mais fácil mantê-lo afastado o quanto pudesse e conseguisse, mas claro que mal me deparasse com um pequeno pormenor que lhe marcasse parecença, os meus pensamentos atraiçoavam-me e suscitavam o que de melhor havia existido entre nós… o nosso amor.
Tudo à minha volta tornou-se inerte, ilustrando a escuridade que acabou por se espargir… E depois? Depois veio o silêncio.

“Senhores passageiros, pedimos que coloquem o cinto de segurança para procedermos à aterragem. Dentro de instantes estaremos a pousar na pista do Aeroporto Internacional… Sejam bem-vindos a São Francisco e obrigado por viajarem na nossa companhia.” – foi esta a voz que me fez despertar das últimas horas em me deixei arrastar num sono estafante

Pela pequena janela do meu lado, pude ver por entre as abertas dos sedimentos compactos de nuvens, a belíssima cidade localizada às margens do oceano Pacífico.
Alguns dos locais mais simbólicos e belezas arquitetónicas, faziam-se ressaltar imediatamente das alturas, como a magnificente Ponte Golden Gate, como principal componente do sistema de vias públicas da cidade; o magistral arranha-céus que a Pirâmide Transamérica representava; as baías que rodeiam a cidade, assim como a Ilha de Alcatraz que agora é um prestigioso fenómeno turístico.
Suspirei. Lá estava eu, recém-chegada a uma cidade lindíssima que também poderia chamar de minha nos próximos dias… E estava eu longe de imaginar, a peripécia de surpresas mais inesperadas que esses dias tinham já reservadas para mim…
Cheguei às portas do Hotel do meu pai, depois de sensivelmente uma hora e meia de viagem no carro que ele próprio fez questão de me ir buscar ao aeroporto, com um motorista que somente conhecia de vista da última vez que tinha ali estado.
E lá estava mais uma dor de cabeça… O meu pai! O senhor que também já me tinha feito transbordar imensas lágrimas, e que eu não conseguia perdoar depois de tudo a que me obrigou e de nem se dignar a aparecer no funeral da minha mãe, juntamente com o meu irmão. Sei que eventualmente poderia estar a ser injusta, mas a mágoa e a dor que eu senti depois da perda da minha mãe, e que ele não foi capaz de afagar junto dos seus braços, eram superiores a toda a coerência e fiança.

- Hi, Mr. Robinson… How are you? – cumprimentei numa prenuncia irrepreensível, o velhote perfeitamente enfardado da exímia receção, assim que a passo lustroso imposto pelos meus saltos altos, me aproximei

- Holy god! Miss Joana has arrived! – foi impossível esconder a surpresa por ao fim de tanto tempo me voltar a ver, e somente consegui retribuir a admiração com um sorriso tonizado no meu rosto… havia ali estado por diversas ocasiões e foram as suficientes, para conseguir criar laços de empatia entre muitos os do pessoal que ali trabalhava  - I’m fine, thanks… Glad to see you! And Miss?

- Oh, thank you… It’s a pleasure to see too! – agradeci num acesso cordial, deleitosa por estar ali novamente depois de tanto tempo – I’m fine too… within the possible!

- So, you came here to spend holidays? Be with your brother and your father?

- Only for two weeks! – adverti, suscitando o meu curto tempo de permanência  - Come to rest, go to the beach and spend as much time I can with my brother!

- Miss, where can I leave your bags? – perguntou-me o pobre motorista, que ainda continuava a proteger-me as costas, carregado com as minhas malas em cada mão

- Oh, I’m sorry… Mr. Robinson, can you get me a room, please? – solicitei, esperando que o Senhor me entregasse em mãos, o cartão magnético de um das centenas de quartos abrangidos no hotel

- You’ll be staying here? – inquiriu um quanto surpreso, talvez por esperar que eu ficasse em casa do meu pai, tal como das outras vezes

- Ah, yeah… - ia concluir a minha afirmação, mas a contradição de alguém, sobrepô-la

- No, she won’t be staying here! – uma voz gravemente masculina e que eu reconheci ao primeiro timbre, fez-me rodar levemente sobre os saltos, constatando também uma figura que apesar de tudo, eu guardava bastantes saudades – Olá, filha! – saudou-me depois de segundos os seus lábios terem soltado a minha testa, onde plantaram um beijo fraternal

- Olá, pai! – cumprimentei também, não pudendo evitar o corrompimento do meu coração em mil batimentos desfragmentados, por poder estar novamente perto do perfil, que apesar de tudo, era pertencente a um dos homens da minha vida

- Then, Sir…? She’ll be staying here or not? – voltou a perguntar o rececionista, esperando saber o que fazer a seguir

- No, Mrs. Robinson… My daughter will stay at home! – ordenou num tom chefiado pelo seu cargo principal naquele hotel

- Pai… - adverti-o, tentando mudar a sua ordem

- Porque é que queres ficar hospedada aqui no hotel, Joana? Vais para casa, onde sempre ficaste de todas as vezes que cá estiveste!

- Mas desta vez eu quero ficar aqui… - deliberei num tom temoroso, que não pretendia confessar-lhe a mágoa que ainda guardava e que contudo, não me deixava partilhar da relação pai-filha que desde sempre disfrutámos

- Mas porquê, filha? Há algum problema em ires para casa?

- Não, não há problema nenhum… Mas há algum problema para si, que eu fique aqui? – numa questão de segundos consegui virar o jogo a meu favor, mas estava longe de imaginar os fundamentos que iria ter contra mim

- Não, mas preferia que ficasses em casa… É lá o teu lugar, não num quarto de hotel! – ripostou, ciente de que manter-me bem mais perto de si, seria estar a proteger-me de todos os impróprios que estariam furtivos naquelas férias

- É o seu hotel pai… Não estou a ver a razão de tanta implicância! Deixe-me ficar aqui desta vez!

- Tudo bem… Eu deixo, mas com uma condição!

- Uma condição? – o meu sobrolho corcovou-se automaticamente, esperando ouvir uma negociação nada fácil e da qual com certeza, o meu pai iria sair a ganhar

- Vais ter um segurança disponível 24 sobre 24 horas! – informou num tom muito sério e incapaz de ser quebrado

- O quê, um segurança? – a minha indignação ressaiu imediatamente à vista de todos, que embora não conseguissem compreender a nossa conversa, mostravam-se bastante atentos – Vou andar a ser vigiada, é isso?

- Não é nada disso… É apenas por uma questão de segurança, querida!

- Por favor, pai… Eu vim passar uns dias de férias! E pelo que sei, não vim passá-los a uma prisão! – ironizei assim que fiz girar as orbitas dos meus olhos, e enquanto de braço pousado no balcão, batia discreta e impacientemente a sola do sapato no pavimento perfeitamente polido

- Joana, não sejas assim… É só nestes primeiros dias, fico mais descansado! – retorquiu num tom suave e tolerante, mostrando-se assegurado com a proposta que tinha colocado sobre a mesa

- E porquê? Porque sou sua filha, e pode haver algum incidente?

- Porque és minha filha e porque és conhecida internacionalmente devido ao teu trabalho enquanto modelo, por isso se queres ficar aqui no hotel, vais ter que te sujeitar aos inconvenientes de seres uma celebridade! – jogou rapidamente mas mantendo sempre uma calma extrema e tom complacente, sem me dar qualquer hipótese de contra-atacar com qualquer argumento – Mr. Robison, please, get me the card of the one of the best suites, and do the check-in in my name!

- Yes, Sir! – sempre simpático, o Senhor Robinson depressa acatou com as instruções claras e precisas do meu pai, e eu mais nada pude fazer para justapor a minha vontade

- Taylor, you’ll take my daughter to the suite and takes her bags, please! – impetrou ele ao jovem hospedeiro que se encontrava por perto, para que este me mostrasse o caminho inexorável, até à suite onde ia ficar o resto das noites – Vai descansar um pouco, quando voltares a descer já cá estará o teu segurança!

Recomendou-me, amável, dando-me mais um beijo no rosto e mostrando-me um sorriso cúmplice, que há tanto tempo eu não via.
Afastei-me escassamente, acompanhando as passadas ligeiras de um dos empregados do hotel, mas a lembrança de algo, fez-me voltar a olhar para trás.

- Pai, onde está o Salvador?

- Ele ficou em casa, mais daqui a pouco já mando alguém ir buscá-lo, para te vir ver! – prometeu-me, num consentimento fiel

Seguimos então rumo ao décimo primeiro andar, fazendo uso, claramente, do elevador colossal. Os corredores ainda tinham o mesmo cheiro… Conseguia senti-lo, e com tudo isto veio as recordações que um dia ali ficaram… Neste mesmo hotel, num destes quartos e entre uns dos vários corredores que já não consigo precisar.
Já estive ali por diversas vezes, é certo, mas a última certamente que não se borrará tão cedo da minha memória.

- Where can I leave the bags? – questionou-me o gentil hospedeiro que ainda suportava o peso compactado das minhas malas, e logo que rompemos pela porta da suite

- Leave them there, please! – coordenei, fazendo sinal com o meu indicador erguido numa reta no ar, para um cantinho junto das descomunais portas do guarda roupa

- Need anything else, Miss?

- No, thanks… I’m fine! – concedi num suspiro genuíno e retirando a carteira da mala, para lhe dar uma nota generosa como gorjeta e agradecimento pelo serviço prestado

- No, no… don’t have to! – para minha grande admiração, ele recusou na minha frente, mas não cedi de imediato

- Are you sure?

- Yes, I’m pretty sure! – gracejou com um sorriso ameninado, preparando-se para me deixar sozinha – If Miss doesn’t need me anymore, I’m going… Excuse me! – com toda a educação que lhe assoberbava o cargo, o rapaz retirou-se com a máxima nobreza, deixando-me naquele quarto debelada novamente a memórias que meramente iriam ser partilhadas entre mim e eu

Senti-me rapidamente atraída por todo um conjunto de beleza exterior. As minhas mãos prenderam-se à maçaneta das portas corrediças que resguardavam uma paisagem arrastada sobre a linha intocável do horizonte, e assim que trespassei e pisei o chão da varanda, uma brisa acalentada pela época, queimou-me as maças do rosto e permitiu que um pequeno calafrio se dissipasse com efervescência por todos os limites do meu corpo, até me desgrenhar a pele.
Uma densa e grandiosa paisagem compelia-se por debaixo dos meus pés. Cá do alto poderia localizar rapidamente na reta vertical, as praças que rodeavam o hotel e mais em frente as baías e ilhas que rodeavam a cidade.
Mais uma vez suspirei. Sabia que não estava ali sozinha, mas bem no fundo, bem dentro de mim, algo me fazia sentir que nem uma partícula de pó… pequena, insignificante e desgarrada… Esvoaçada com a aura da manhã, e perdida num recanto qualquer.
Não queria continuar assim… Não podia continuar a sentir-me assim, ridícula, impotente… Apaixonada!
Apaixonada? Mas será que… Seria possível isso estar a acontecer de novo comigo? Logo comigo e logo agora? Não, não! Passou tanto tempo, tantas coisas mudaram, tantos sonhos, tantos projetos planeados para um futuro… Um futuro que eu me lembro de ter idealizado com ele.
Eu não podia estar de novo à mercê do destino… Agora que tinha uma vida estabilizada, ou… pelo menos desta forma gostava de acreditar. Dizem que “quem nada deve, nada teme” e se calhar, por eu temer tanto um encontro, uma troca de olhares, uma troca de palavras, que podia estar a enganar-me a mim mesma, escondendo o que não queria ver!
Talvez o vosso amor não tenha tido tempo nem de olhar para desaparecer… Ele pode estar apenas… adormecido!” Também estas palavras de Leonardo ditadas no silêncio de uma noite tenebrosa, circundavam em redor dos meus mais incansáveis entendimentos, numa tentativa teórica em conseguir definhar o que ele queria dizer com aquilo, ou pelo menos, tentar descobrir se a sua reflexão estava certa.

- Ai, Ruben… Porque é que sinto tanto a tua falta? Porquê? – perquiri em voz alta e de olhos fechados, na espera de ouvir uma resposta sua por intervenção de telepatia, mas esta – como eu podia prever – acabou por não chegar até mim

Voltei para dentro… Estava cansada depois de uma longa viagem de cerca de doze horas, e logo que tomei um duche energético, rendi-me à apelativa e enorme cama, que me prometia mais algumas horas de sono que eu presava por ser tranquilo e sereno.
Foi por tantos pensamentos e recordações deixadas no outro lado do oceano, que me embrenhei na certeza de um dia, mais tarde ou mais cedo, tudo iria bater certo… Talvez, quem sabe, até bem mais cedo do eu poderia julgar…




***


      
Levantei-me depois de umas horinhas que cessei a dormir… Não posso afirmar que tivesse sido um sono todo ele apaziguo, mas pelo menos foi o suficiente para que carregasse e reestabelecesse energias para o final da tarde.
Saí do quarto com uma roupinha fresca e consertada para um passeio pela praça e um mergulho na praia.
Desci até ao átrio principal e logo que saí do elevador os meus olhos trilharam instintivamente caminho até à receção, onde de postura meninil e despreocupada, encontrava-se à minha espera o serzinho que reconheceria em qualquer lugar e por quem todo este tempo eu mais ansiara ver.

- Mana? – logo que deu meia volta sobre o seu eixo, o seu olhar interpôs o meu, e foi inevitável conter os batimentos desconcertados de um coração saudoso 

Ele marcou uma passada feroz e desassimilada até chegar a mim, e já a pouquíssimos metros de nos tocarmos, abri os meus braços, mais adubada do que nunca para o receber. 
Eram demasiadas emoções a fluírem dentro do meu peito, a um bulício incapaz de ser controlado… E remetida a estas circunstâncias, também eu não tive soberania suficiente para me auto-dominar. As lágrimas saudosas rapidamente se impuseram a rasgar caminho sobre o declive arredondado do meu rosto, e ao sabor de um abraço apertado e dilatado, já há muito pretendido, pudemos ambos sentir e desfrutar da presença reconfortante um do outro.      

- Meu pequeno Salvador! – balbuciei por entre um choro sereno e controlado, enquanto ligeiramente curvada, ainda abraçava o seu corpo de criança

- Tive tantas saudades tuas… Pensava que já não vinhas! – desabafou sentidamente, temendo o pesar da minha ausência, que felizmente acabou por não se verificar

- Eu nunca falto às minhas promessas, pois não? – a polpa do meu indicador voo, e embateu suavemente e apenas por um período de milésimas de segundo na pontinha do seu nariz, originando uma deliciosa gargalhada satisfatória, que já há algum tempo as minhas têmporas não testemunhavam

- E onde é que ias agora?

- Bem, agora ia à praia… Dar um mergulho e apanhar um pouquinho de sol!

- Eu já lá estive esta manhã, mas dá pra ir outra vez… Posso ir contigo?

- Oh, claro que podes, piolho… Escusas de perguntar! - rematei sorridente, levando-lhe uma mão ao cabelo ligeiramente mais comprido do que da última vez que o vi, e de caracóis perfeitamente definidos e curtidos pelo sol californiano, despenteando-o ao de leve

- Ei, não faças isso aqui à frente de todos… As miúdas podem não gostar! –rapidamente afastou a minha mão e com uns jeitinhos habilidosos com os seus dedos, recompusera o seu penteado inicial

- As miúdas podem não gostar? Então e a… Clare? – dei duas ou três gargalhadas soltadas com a máxima pujança, assim que o vi tomar uma postura mais altiva

- Sobre esse assunto discutimos depois! – garantiu numa resposta muito rápida, e posteriormente a posição que ele assumiu, de algum modo me fez enumerar as mais diversas características e parecenças que eu conseguia denotar bem em mim

- Mr. Robinson, if my dad asks, tell him please, that I went to the beach with my brother… We won’t be late! – com simpatia, deixei recado ao velhote rececionista, caso o meu pai procurasse por notícias nossas   

- Sure, Miss! – acenou em modo completivo da sua resposta – But, before you leave... – discretamente fez sinal com um simplório aluir da cabeça, que me fez olhar sorrateiramente para trás

- Oh, o segurança (!) Já nem me lembrava… - praguejei sumidamente, recordando o “presentinho” que o meu pai me tinha deixado na receção

- O que foi? – o meu irmão patenteou imediatamente com estranheza, o incómodo depreciativo que se tinha instaurado em mim, e não hesitou em requerer uma explicação

- Estás a ver aquele marmanjo que está ali sentado atrás de nós…? Parece que vai andar atrás dos meus passos, nos próximos dias!

- O Jorge? – inquiriu, logo depois de deu uma espreitadela acima do seu ombro

- Conhece-lo?

- Foi o segurança que esteve comigo durante os primeiros tempos cá!

- Bem, só espero é que não seja nenhum ditador mandão… Desses já estou eu cheia!

- Não te preocupes, ele não fala muito, mas até é um tipo porreiro! – assegurou-me com a máxima certidão, num piscar de olho confessor



***



A praia contava ainda com alguns turistas e residentes, e nada como um final de tarde como aquele, para aproveitar os últimos coriscos quentes do sol, que aos poucos se transladava no fundo infinito do horizonte.  
Logo que saímos do carro negro, reservado a motorista privado, caminhámos somente escassos metros até pisarmos o areal branco. Tinha já conversado com Jorge e pô-lo a par do essencial que convinha ele saber a meu respeito… Já que iriamos passar algumas horas na companhia um do outro, era necessário que ele conhecesse um pouco de mim, para que o ambiente entre nós fosse o mais ameno possível.

- Aposto que chego primeiro à água, que tu! – desafiou-me logo que despiu a t-shirt e a atirou para junto das duas toalhas que já tínhamos estendido

- Se fosse a ti não arriscava, Salvador… Olha que as miúdas que ainda andam por aqui, podem não gostar de te ver perder! – trocei-o com uma habilidade que com o tempo e cumplicidade, ajudara a desenvolver, e isso refletiu-se numa careta ironizada que ele me lançou

- Meninos, não se afastem muito, por favor! – pediu-nos o segurança, já quando nos via correr desalmadamente pelo fundo do areeiro  

- Não se preocupe, Jorge… Está tudo sob controlo! – gritei-lhe, aproveitando para o olhar num lance rápido e mergulhar nas águas frias e calmas, logo de seguida

Na verdade, estava tudo sob controlo menos eu. Menos eu e todas estas recordações que ficaram retidas em mim, e prometiam ainda acompanhar-me por muito e longo tempo.
Com o cheiro embriagante e arrastado da maresia, fui também eu arrastada para uma maré de felicidade contagiante, que eu mesma tinha vivido naquela praia com Ruben… Sim, o Ruben (!)
Quando completámos seis meses de namoro, refugiámo-nos uma semana em São Francisco, em segredo unicamente partilhado com os nossos amigos mais próximos e nunca revelado às nossas famílias, onde havíamos aproveitado a ausência do meu pai da cidade, numa viagem de negócios que ele fez pela Europa, deixando-nos disfrutar das nossas férias e dos nossos momentos de amor, que acabaram por ser mais que muitos.
Mergulhei em águas mais profundas de modo a conseguir libertar-me dos meus próprios pensamentos, mas estes teimavam em perseguir-me para onde quer que eu fosse. E esta era eu hoje, agora… Vivia e alimentava-me de memórias e lembranças que me corroíam por dentro, e eram elas que verdadeiramente me provavam toda a carência que eu ainda guardava dele.   
Quando voltei à superfície respirei fundo pausadamente, de olhos fechados, enquanto deixava o meu corpo ser deambulado entre as águas calmas. E quase sem querer, no ardor exasperante dos meus lábios, arrastou-se a saudade de um beijo…


*****

Lembrança:

Tínhamos acabado de chegar à praia nessa altura deserta, e de postura reta e hirta, observava inspiradamente o pôr-do-sol alaranjado que já se havia formado na alameda do finito. Os meus cabelos esvoaçavam com a brisa, mas lembro-me do ar ser quente e abafado, o que por vezes me dificultava uma respiração regular.

- Ainda estás chateadinha comigo? – a voz melosa de Ruben, surgiu nas minhas costas e de surpresa, os braços dele circundaram o meu corpo por trás

- Estou, ainda estou chateada contigo! – afirmei assumindo uma postura de falso arrufo, que rapidamente foi captada pela conspeção dele – Tu disseste que íamos ao parque Golden Gate, e afinal, acabaste por me trazer pra’qui!

- Eu sei, e eu juro que te levo lá à manhã… Mas não gostas de estar aqui numa praia linda, com um pôr-do-sol como este, e só nós os dois… sozinhos, a fazer o que quisermos? – ele desviou as madeixas que me cobriam o ombro, para me sussurrar ao ouvido as palavras finais e beijar pausadamente o meu pescoço desnudado… foi impossível não me arrepiar com o toque dele na minha pele

- Gosto, é claro que gosto… Mas isso não é desculpa para deixar de ficar chateada contigo! – o meu narizinho empinou-se levemente no ar, e afastei-me dele, em três ou quatro passos adiante
                                                                                            
- Ai é? És assim, não és? Acho melhor cortarmos relações, então… - acima do meu ombro vi-o a cruzar os braços junto do seu peito, fazendo uma carinha deliciosa de menino amuado, mas que eu sabia estar apenas a usar para me acompanhar na brincadeira

- É… se é isso que tu queres, vamos cortar relações! – aceitei o desafio sem mais não, e um curto período de silêncio imperou entre nós

- Mas isso significa então, que eu não te posso beijar, nem tocar, nem agarrar… certo? – a sua voz voltou a ser timbrada, enquanto eu permanecia de olhos fixos no mar

- Nem mais… Nada de demonstrações de afeto!

- Oh, mas assim eu não sei se quero…

- Não estejas com ideias… - repeli-o logo que o vi caminhar na minha direção, e um sorriso travesso formou-se no rosto - Não querias relações cortadas? Não te queixes!

- Mas é difícil estar no meio de uma paisagem como esta, e não te poder abraçar, amor…

- Pois, eu também conheço essa sensação, mas fazer o quê?

- Podemos fazer tudo o que tu quiseres… - ele não tirou aquele sorriso melindroso dos lábios e aproximou-se ainda mais de mim, na intensão de desfazer as suas próprias palavras

- Hum, hum… Não te esqueças que não me podes tocar! – recordei-o com o meu indicador a rodopiar no ar, voltando a afastar-me, agora a uma distância mais considerável entre nós

- Ai agora foges, é? Logo vês o que te acontece!

- Nem penses, Ruben… - repreendi-o enquanto o via a preparar-se para começar uma corrida desenfreada e em que eu era o seu único e derradeiro alvo

Quanto mais tentava fugir dele, mais ele insistia em vir atrás de mim. Corremos à beira-mar, descalços, de gargalhadas desatadas da alma e de felicidade estampada no brilho dos nossos olhares… Foi um momento inolvidável, totalmente impossível de ser esquecido.

- E agora, o que vais fazer, minha espertinha… Hum? – não demorou muito até me apanhar, e logo que me puxou pelo braço com toda a delicadeza do mundo, fez-me deitar na areia e a colocar o corpo por baixo do seu – Não tens como fugir mais…

- Olha que eu grito… - avisei, e mais uma nascente de gargalhadas soltou-se espontaneamente dos nossos lábios

- Grita à vontade… Mas primeiro olha à tua volta para veres a quantidade de gente que te pode ajudar! – aconselhou, partilhando da mesma certeza que estávamos sós – Sou só tu e eu, babe… só tu e eu!

- És tão, mas tão detestável!

- Tá caladinha e dá-me um beijo mas’é! – pediu já aproximando os nossos rostos para consumar a união dos nossos lábios, mas eu continuei sempre a escapulir-me – Vamos parar com a brincadeira, amor… Não estou a aguentar mais! – implorou num sussurrar esvoaçante, que me fez estremecer nos seus braços

- Mas eu gosto de te fazer sofrer… - ditei também num murmúrio, que foi perfeitamente compreendido por ele

- Ai gostas, é? E se eu te disser que adoro ver-te assim… a tremer e de pele completamente arrepiada, só pelo facto de eu te tocar? – a mão dele alcançou a pele do meu corpo, escondida debaixo do meu vestido, e as provocações começaram – Que neste preciso momento já conteste a respiração, e encontras-te na expectativa se te vou beijar ou não… como de todas as outras vezes? – ele olhou-me completamente babado, ao ver que esses fenómenos que tinha enumerado, estavam de facto a acontecer em mim

Beijei-o. Não havia como continuar a resistir… Logo a ele, que era um homem tão irresistível. Beijei-o louca e morosamente, como se o mundo acabasse no dia seguinte, como se não houvesse mais um novo amanhã.
Depois de uma troca incansável de mimos, ele levantou-se e despiu a t-shirt… Vi-o a fazer uma corrida curta e a mergulhar no mar sem quaisquer hesitações.

- Não vens? A água está ótima… - incentivou-me a juntar-me a ele, dando-lhe a água um pouco mais abaixo do peito e vendo-me a mira-lo, deliciada

Não respondi audivelmente, apenas me limitei a torcer o nariz e a agitar a cabeça em sentido negativo.

- Não me faças ir aí buscar-te…!  - ao fim de algum tempo, acabei por ceder… retirei o vestidinho curto que me cobria o corpo e somente em bikini caminhei vagarosamente até ele – ‘Tava a ver que não… - confessou num burburinho vagabundo que embateu nos meus lábios entre abertos no momento em que me tomou nos seus braços, e entrelacei as pernas em redor do seu tronco

Ao ritmo de uma troca audaz de caricias prolongadas e de beijos demorados na boca um do outro, senti os dedos dele desfazerem os lacinhos que prendiam o top do bikini ao meu corpo, primeiro o laço do pescoço e depois o das costas, muito suavemente. Soube naquele instante que um momento só nosso estaria para vir, e não o impedi de continuar a fazer algo, que ambos queríamos tanto.
Acabámos a fazer amor ali mesmo… em águas calmas e numa imensidão que nos envolvia… com um pôr-do-sol radioso que nos alumiava os sorrisos, e uma paixão avassaladora que nos ensinava a viver.
     
*****


- Joana…? Joana, ouviste alguma coisa do que eu disse? – estendida sobre a toalha e a aproveitar os últimos raios de sol para me secar, o meu irmão que recentemente se tinha deitado a meu lado, fez desprender-me dos meus mais impetuosos pensamentos me subjugaram nos minutos antecedentes

- Ah… não, desculpa… O que é que estavas a dizer? – inquiri logo que me virei de barriga pra cima e arrastei os óculos de sol até ao topo da cabeça, acabando por pousar os cotovelos na toalha

- O que é que tens? Passa-se alguma coisa? – a sua expressão tornou-se nebulosa, ao observar pormenorizadamente o meu rosto

- Não, não se passa nada… Porque é que perguntas?

- Os teus olhos estão vermelhos… Estiveste a chorar?

- Que disparate, Salvador… É claro que não estive a chorar! – menti-lhe sem pudor, voltando a encaixar os óculos ao cimo da cana do nariz, para despistar assim o meu infortúnio de dor e fitar o mar, que naquele instante me pareceu mais vazio que nunca

- Menina Joana, não será melhor regressarmos? Já está a ficar tarde... – intersectou-me o segurança que ainda não se tinha afastado de nós por um segundo que fosse, dirigindo-se a mim num tom formal e educado, que eu bastante presava 

- Ficamos só mais um pouco, Jorge…

- Se não me queres contar, tudo bem… Não vou insistir! Mas quero que saibas que estou aqui para o que precisares! – a confissão sincera do meu irmão retomara novamente o assunto, e foi suficiente para me resguardar o coração mergulhado em melancolia, como também o necessário para um sorriso em meus lábios fazer-se sobressair

- Eu sei, pequenito… Obrigada! – os dedos da minha mão foram ao encontro do seu rosto ainda húmido pela água do mar, fazendo-lhe uma pequena carícia – Mas conta-me lá… O que é que me estavas a dizer?

- Estava a perguntar-te se vais mesmo ficar hospedada no hotel…

- Sim, vou… Desculpa, tu sabes que eu preferia ficar contigo em casa, mas é melhor ficar no hotel e evitar discussões.

- É por causa do pai, não é? Ainda estás magoada com ele… E isso deve ter a ver com aquilo que ele te fez há uns tempos atrás, antes de ires viver com a mãe para Nova Iorque!

De facto, já não fazia ideia de como funcionava a sua capacidade de memória a longo prazo, nem a sua forte perspicácia, unificadas no corpo de um rapaz de dez anos. Ele conseguiu ressuscitar em mim ainda mais desavenças que nunca mais me impusera a relembrar, e que me fizeram mudar o ritmo estável e felizardo, em que até uns tempos, a minha vida se resumira.

- Sim, é por causa do pai e de tudo mais, mas eu não quero falar sobre isso!

- Porquê? – infelizmente o Salvador voltou a insistir sobre o assunto, mas eu estava decidida a findar com ele… não estava mais disposta a responder a  “comos” nem a “porquês”, que me perseguiram até bem há pouco tempo

- Jorge, por favor avise o motorista que já pode preparar o carro… Vamos deixar primeiro o Salvador em casa e depois seguimos para o hotel!



***



A viagem de regresso de cerca de quinze minutos até ao hotel, depois de deixarmos o meu irmão em casa, foi feita num silêncio tenebroso imposto por mim, no banco de trás. Não queria falar, não queria ouvir… O mutismo era o bastante para que me fizesse ficar sossegada no meu canto, enquanto via as ruas bem como todos os pedestres a passarem por mim, a uma velocidade superior.
Assim que entrei pelas enormes portas envidraçadas, e sempre ladeada pelo meu segurança, o pobre rececionista intersetou-me rapidamente o percurso com a sua prenuncia de um inglês pioneiro.

- Miss Joana, wait a moment, please! - fui obrigada a mudar o rumo do meu percurso que se direcionava para o elevador, e aproximei-me a passo ligeiro da receção

- Yes, Mr. Robinson…

- A man called here a moment ago, he wanted talk to you… It was a call from Portugal!

- A man? Who was he? – estranhei sem dúvida aquela interjeição, não esperava nenhum telefonema de Portugal, e de repentina, não idealizada de quem poderia ser

- I don’t know… I just told him that Miss, wasn’t here!

- And he left some message? 

- No… Only said that he calls you later… - informou-me com a máxima precisão, todas as informações que lhe tinham facultado, embora que muito reduzidas

- Thank you Mr. Robinson… I go to my room now! – avisei, já numa ordem de despedida

- Miss isn’t going to dinner at the restaurant?

- No… I’ll call to rooms service and eat something up there! – consenti num sorriso leve, subindo depois no elevador até à minha suite

Fui acompanhada por Jorge até à porta e para lá dela permaneci tal como esta tarde: sozinha. Atirei a mala para cima da cama e dirigi-me à casa de banho, para tomar um novo banho e retirar toda a salinidade do mar, que residia em toda a epiderme do meu corpo. 
Estava estoirada, tinha sido um longo dia que não havia maneiras de acabar, e na banheira permaneci o tempo suficiente para fazer relaxar todos os músculos e pacificar todos os meus conflitos interiores ou… quase todos.
Mandei vir o jantar depois de vestir um pijaminha curto e bem fresquinho, e depois simplesmente deitei-me na cama sobre o edredão, a fazer zapping com o comando apontado ao enorme plasma, fixo à imaculada parede branca.

- Ai, que Deus me ajude… Que Deus me ajude! – clamei suplicemente, de rosto aterrado à almofada esponjosa que unicamente servia de decoração àquela enorme cama de casal, esperando que Ele desse uma mãozinha à minha jornada de vida, que a passo e passo se prostrava difícil de ser percorrida sozinha  

Creio que foi no instante em que as pálpebras já me pesavam sobre os olhos, que o meu telemóvel vibrou incessantemente sobre uma das mesinhas de cabeceira, arrancando-me abruptamente do estado repousante de tranquila dormência a que tão bem me apetecia entregar.

- Estou sim? – atendi sem ver o destinatário da chamada, num clamor um tanto sumido que revelava toda a sonolência a que estava fatalmente remetida

- Joana…? Arra caramba, que finalmente consigo apanhar-te! – no outro lado uma voz masculina fez-se sentir, acompanhada por uma pequena risada que lhe refletiu uma notória disposição leviana

- Pedro? – inquiri de rajada, desfazendo-me de imediato do meu estado de preguiça e olhando rapidamente o visor do meu telemóvel, podendo confirmar então que se tratava do meu querido agente

- Sim, sou eu… Desculpa estar a ligar-te a estas horas, mas tentei fazê-lo mais cedo e não consegui!  

- Eu é que te peço desculpa… Andei toda a tarde sem bateria no telemóvel, e só há pouco é que cheguei da praia e pude pô-lo a carregar! – de telemóvel preso entre a orelha e o ombro, impulsionei-me para trás, dando espaço a mim mesma para me sentar à cabeceira da cama – Deram-me o recado… Sei que ligas-te para o hotel…

- Sim, de facto liguei… Não tinha outro meio para te contactar, e precisava mesmo de falar contigo! – anunciou num tom agora mais sério, e que abriu um espacinho de ligeira preocupação no meu peito

- Mas há algum problema? Alguma coisa que eu deva saber?

- Tem calma, não é nada grave… Apenas, tens um desfile marcado para depois de amanhã cá em Lisboa! – anunciou numa proletarização um quanto reticente, provavelmente temendo uma reação menos benévola da minha parte

- Estás a brincar, certo? – arrostei logo que apenas uma lacuna dos meus lábios se arqueou, mostrando um sorriso contrafeito, que ansiava por receber uma resposta afirmativa – Tu sabes que eu estou de férias e que nem estou em Portugal, além disso, não me lembro de ter nenhum desfile marcado para esta altura na minha agenda! – afirmei, totalmente certa de todos os compromissos profissionais que tinha registado na minha agenda eletrónica, que depois  de recolhida da mala, tive oportunidade de confirmar isso mesmo

- Eu sei, eu sei… Mas foi um convite que me caiu em cima à relativamente poucas horas, e como já sabes, não te consegui pôr a par mais cedo!

- Tens razão, mas os desfiles e sessões fotográficas que tenho agendado, é só para o próximo mês, quando as festas de Verão eclodirem… – acertei, relembrando também o curtíssimo tempo que me restava, no embalo de mais uma dúzia de horas de viagem – E Pedro, a culpa não é tua, eu sei disso, mas caramba… É um prazo bastante apertado!

- Sim, é de facto um prazo bastante apertado, mas o Nuno Baltazar faz questão que sejas a modelo dele, para usares o vestido principal da nova coleção!

- Deves imaginar o quão lhe estou agradecida pelo convite e pela consideração que tem pelo meu trabalho, e também sabes perfeitamente o quanto gosto de trabalhar com ele, mas….

- Joana, por favor… - o seu tom fez ressoar a súplica, e consequentemente a necessidade que havia de eu estar presente no evento – Vem muita gente de fora, de várias marcas e campanhas… E são pontos que ganhas a teu favor, para te lançares ainda mais!

- É uma ótima oportunidade, estou a ver…

- É uma excelente oportunidade, Joana! E esse teu impasse todo, não me está agradar nada… Nunca recusaste uma única proposta de trabalho!

- Tenta compreender… Eu acabei de aterrar há umas horas, estou cá com o meu irmão e com o meu pai, o que é que lhes digo? 

- A verdade! O teu pai está e sempre esteve a par deste teu outro mundo que é a moda… Tenho a certeza que eles vão compreender! – assegurou-me extremamente confiante, querendo trespassar para mim toda a segurança – Também não irás cá estar durante  muito tempo…

- Então quando é que posso voltar?

- Logo que terminar o desfile… Se assim quiseres! – garantiu, e uma breve pausa de silêncio ditou a ausência de palavras entre nós, enquanto acercada ao beiral da varanda, tentava refletir uma melhor e mais ponderada decisão – Claro que primeiro terás de tirar algumas fotografias, responderes a umas quantas perguntas dos jornalistas, mas isso tu já sabes…

- Pronto, eu vou… Eu vou! – acedi com um sorriso conformista e revelador no meu rosto rosado, o que notoriamente provocou um estado mais aliviado e satisfeito do meu agente  

- Damn it! ‘Tava a ver não cedias, miúda! – ele falou no seu jeito engraçado de um homem extrovertido de 26 anos, com quem eu mantinha uma relação de amizade bastante próxima, para além dos nossos estatutos profissionais

- E como é… Arranjas tu as passagens?

- Sim, sim… Não te preocupes com nada! Arranjo-te a passagem para amanhã ao final da tarde e vou esperar-te ao aeroporto, pode ser?

- Pode sim senhor! – afirmei com o arrimo da minha cabeça a mover-se em prol da minha resposta, e curvei-me ligeiramente sobre o forte gradeamento de proteção da varanda, testemunhando o arraial de luzes e agitação noturna junto à estrada da praia, que se fazia sentir lá em baixo 

- Ótimo, vou fazer um telefonema a dizer que podem contar contigo!

- Pronto, então parece que estamos conversados…

- Sim, parece que… - ele ia dar início a um discurso curto de despedida, mas ao que me pareceu, uma pequena lembrança impediu-o de o fazer no instante – Espera! Ainda há uma coisa…

- Diz-me…

- Eu sei que me pediste para não tocar mais neste assunto, mas já leste a notícia?   

- Qual notícia? – as minhas sobrancelhas crisparam-se, e uma fina linha de ambiguidade foi traçada na minha testa

- A notícia que saiu esta manhã… Sobre o Ruben e a Inês! – ele sabia e tinha a plena consciência que estava a tocar no assunto proibido, mas ainda assim levou a sua avente, no entanto, não cheguei a perceber foi qual era a intensão

Fechei os olhos num suspiro de desistência. Seria possível que para onde quer que fosse, aquele grande ponto de interrogação me continuasse a perseguir? Ora eram os sítios bem como as paisagens, que me levavam para tempos anteriormente vividos ou as pessoas à minha volta que insistiam em reanimar o assunto sem quaisquer hesitações… Sinceramente, parece que tudo acontecia com um prepósito que ao que consta, só eu é que não conseguia entender.

- Eu tenho a revista, mas não li o artigo!

- E não o vais ler? – a sua entoação instantânea, fez ressaltar-lhe uma pontada excessiva de curiosidade, que mesmo que fosse esse o seu querer, não foi capaz de camuflar    

- Não me parece, Pedro… Sabes bem que o Ruben é um capítulo encerrado na minha vida… Quero evitar ao máximo ser confrontada com notícias, ou qualquer outra cena que o envolva!

- No entanto, acho que neste caso, devias por essa ideia um bocadinho de parte e leres o artigo…

- Tudo bem… Quando tiver com a cabeça desocupada, logo penso em fazê-lo! – antedisse, comprimindo os ombros despoeticamente, não querendo abonar grande importância a um assunto, que mesmo que não o admitisse, mexia um pouco comigo

- Mal, também julgo que não te irá fazer, portanto…!

- Sim, com certeza que não! – os meus lábios abriram-se num sorriso curto e muito breve – Obrigada, Pedro!

- Não tens de quê… Amanhã cá te espero, então!    

- Sim… Até amanhã, grandalhão! Um beijo grande! – despedi-me de forma meiga, que revelava toda a cumplicidade existente entre nós

- Outro também para ti, pequenina… Até depois! - pouco após, o ruído do outro lado da ligação reduziu, e a chamada foi terminada

Confesso: A referência insistente do meu agente relativamente ao artigo, deixou-me bastante mais intrigada do que eu pude primeiramente calcular.
Sabia que não o devia fazer, no entanto os meus impulsos foram bem mais fortes do que a minha força de vontade – que se mostrou mais impotente que nunca –, e os meus pés guiaram-se num sentido retilíneo até à poltrona swan onde tinha a mala pousada, que guardava a revista que esta manhã tinha comprado antes de sair do aeroporto.
Segurei-a nas minhas mãos e voltei a respirar o ar fresco da rua, logo que enveredei novamente pela varanda, através das portas corrediças.
Respirei fundo e comecei a folheá-la com a polpa do dedo médio húmida, até chegar às páginas intermédias 28-29, onde se encontrava o destacável.  

“Final feliz por um fio” – voltei a enxergar o titular da notícia por onde me tinha ficado no avião e sem mais incertezas, comecei a ler o que se seguia.

“A poucos meses de ‘darem o nó’, um dos casais mais badalados deste Verão, suspende o noivado que foi anunciado à comunicação social, há pouco mais de quatro meses. Ao que consta, o jogador médio do Benfica, Ruben Amorim e a sua namorada, Inês Monteiro, decidiram optar pelo afastamento precoce de uma relação de somente dois anos, mas suficientemente estável e feliz para ser ressaltada na troca das alianças. Foi esta a informação segura que recentemente nos chegou em mãos, declarada por fontes bastante próximas ao casal, adiantando então “estes últimos tempos trouxeram mudanças à vida do Ruben, e neste momento tudo o que ele precisa é de tempo e de ter o seu próprio espaço. Com todo o processo do casamento e também com a Inês sempre por perto, ele não está a conseguir encontrar a estabilidade que tanto precisa. Para que tudo volte ao normal, nada melhor do que darem algum tempo um ao outro.” Afirmou abertamente uma das nossas fontes, que quis adiantar e deixar bem claro que “eles amam-se e tenho a certeza que farão de tudo o que tiverem ao alcance para que dê certo.” Pois isso já nós não podemos afirmar, e o que é certo sim, é que esta notícia ainda não foi formalizada e logo que contactados, o casal recusou-se a prestar qualquer declaração.
Sabe-se que Ruben Amorim está já de malas feitas para iniciar dentro de dias, a pré-época longe das terras lusas, juntamente com o plantel encarnado. Já Inês, encontra-se em estágio na cidade de Milão.
Trará o regresso do casal, boas-novas ou será este apenas o início ao desfecho de um final, que tinha tudo para ser feliz?” 

Não sei descrever com precisa certidão, a mescla de sentires que me invadiram logo que fechei a revista. As minhas ideias estavam expostas num pranto e rebuliço tal, que nem eu mesma conseguia descrever… E por mais que o meu coração se impusesse a negar as evidências para, certamente, não voltar a sair magoado, estava tudo ali… transcrito naqueles parágrafos! E agora?



Queridas leitoras, aqui vos deixo mais um capítulo! :)
Sei que a regularidade das publicações não tem sido a melhor, mas a minha disponibilidade tem de facto, sido escassa! 
Espero que  o capítulo esteja do vosso agrado, e agradecia que me deixassem 
as vossas opiniões... gostava de saber se estão a gostar do rumo que dou à história, 
e como sabem são elas que também 
dão um grande incentivo para a escrita! :)
Beijinhos a todas,
Joana 


9 comentários:

  1. E agora digo eu! Onde é que está o resto??? E qd é q o Ruben e a Joana se voltam a reencontrar?? Ah e já agora qd é q finalmente nos revelas o verdadeiro motivo pelo qual a Joana deixou o Ruben...

    Quero o próximo rapidinho!

    Bjs

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  2. E agora? pergunto eu, para quando o próximo?
    Tou a adorar, mas este regresso a Lisboa... ´só espero que eles conversem e que a Joana conte ao Ruben a verdadeira razão porque o deixou.
    Continua

    Beijocas

    Fernanda

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  3. Está lindo! :D Estou a gostar muito do rumo da história! E agora o Ruben e a Inês separaram-se? :o será qe a Joana assim consegue entender-se com o Ru? ^^ Era bom!
    Beijinhos

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  4. Olá!
    Eu adoro a tua história e gostei bastante deste capítulo. Tenho pena que eles ainda não se tenham acertado. Gostava imenso que isso acontecesse...
    Espero ansiosamente pelo próximo capítulo. Tenho a certeza que irá ser fantástico. Estou muito curiosa para saber como irá correr esse desfile.
    Beijinhos!

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  5. Bem, que eu hei de dizer-te?! O capitulo esta maravilhoso desde do 1º momento ao ultimo!

    Lembrança, LINDA! JESUS!

    Eu não percebo nada de escrita, sou aluna razoável em português (apesar de ser das melhores na sala -> professora do cu [perdoa-me a linguagem]) mas devo-te dizer que escreves mesmo bem! Mais do que a historia, mais do que as personagens, mais que os momentos, o que faz-nos ler realmente (e amar)esta tua fanfic é a tua escrita, como descreves cada momento, parece mesmo que estamos a presencia-lo, haja dom!

    Essa noticia :) GOSTEI dela XD
    Vamos la ver, se o final feliz do Rúben não será outro :D

    Quando voltas a publicar?! :)

    BeijinhoSs
    *.*

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  6. Está simplesmente perfeito! Tanto jeitão para escrever :D
    Continua!
    Beijo :)

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