domingo, 1 de abril de 2012

Capítulo 6 - A saudade que o tempo não levou (Parte III)


(Joana)

A noite, infelizmente, não havia conseguido abonar a paz interior e serenidade a que o meu corpo tanto me promulgava.
Depois de desistir de compactuar com as enumeras tentativas em adormecer, perdi completamente a conta às horas já avançadas da noite que morosamente, caminhava ao encontro de uma nova madrugada. Pensamentos, recordações, meras lembranças arcaicas saquearam-me o descanso e persistiram em dependurar sobre a minha mente esgota, que me fazia dar voltas e mais voltas na cama.
Posto este dilema entre memórias, decidi render-me às circunstâncias que não estavam sob o seu controlo, e assim que me ergui, calcei os chinelos de quarto pousados sobre o tapete deslado à cama e sobrepus à camisola largueirona que me caía até ao meio das cochas, um casaco fininho. Abri a porta e ingressei a passo aquieto no corredor que me levou à altiva e colossal escadaria, pregoada em passadeira vermelho-escarlate que se estendia até ao piso inferior. Os candeeiros dispostos um pouco por toda a parte, conferiam a luminosidade pouco intensa que necessitava para chegar à cozinha, e logo que verti um pouco de água retirada diretamente do frigorífico para um copo de vidro, repuxei uma cadeira e sentei-me junto da enorme mesa polida a mármore branca, rigorosamente centrada.  

- (…) Não havia mais nada que me ligasse a ti… Já não havia paixão! – as palavras falazes que haviam provocado um disputa naquela tarde, reapareceram bem na minha frente, voltando a ver toda a cena mais uma vez  

- Já não havia paixão? Como é que podes sequer dizer uma coisa dessas? Como? – aquela figura assolada, foi o suficiente para  suscitar um pequeno temor no coração, e por momentos fui capaz de sentir toda a fúria e descrença com que Ruben me havia enfrentado, a alastrar-se por todo o meu corpo – Não mintas! Eu consigo ler os teus olhos, e eles dizem-me que estás a mentir com quantos dentes tens na boca!

- Não tornes as coisas mais difíceis do que elas já estão, por favor!

- Recuso-me a acreditar que o que tivemos não passou de um erro! (…).

Dei um curto trago de água, voltei a pousar o copo e arrastei-o levemente sobre a pedra. Sentia a cabeça a latejar e assim que fechei os olhos e a pousei nos braços cruzados sobre a mesa, as vozes silenciaram-se e deixaram de ecoar dentro dela. 

- Que estúpida… Que estúpida! Como é que lhe pude ter dito aquilo? – insultei-me e repreendi a mim mesma, pela desculpa mais descomunal que poderia ter usado como pretexto para encerrar um passado mal resolvido

- Menina Joana? – o meu nome em proclamação imposta por Paula – uma das empregadas internas – fez-me sobressaltar ligeiramente, vendo-a somente pela claridade intencionada para lá da porta – O que está aqui a fazer a estas horas, e às escuras? – ela pressionou o interruptor acionando a luz que eu não tinha ligado, e compôs o seu roupão de linho fino que envergava no corpo

- Não conseguia dormir, então decidi levantar-me! – indaguei, enquanto fazia o meu indicador deslizar sobre a borda do copo, vagarosamente

- Hum… Às voltas na cama, menina? – perguntou com afinidade, ainda assim iletrada a todas as situações capazes de me levar as sagradas horas de inércia – E precisa de alguma coisa? Quer que lhe prepare um chá?

- Não, não, obrigada… Eu estou bem! – agradeci o seu gesto de cortesia com um breve sorriso nos lábios, ao mesmo tempo que me alcei da cadeira e coloquei o copo já vazio, no lava-loiças

- Tem a certeza? Olhe que não me custa nada…

- Tenho, querida Paula… Tenho a certeza! – afirmei segundo a minha vontade, na crença de que somente precisava que a complacência de espiritualidade se abatesse sobre mim, para poder descansar - Vou subir… Tentar pegar no sono!

- Sendo assim eu acompanho-a, também só vim ver onde a Rosa tinha deixado o bolo para o pequeno-almoço de amanhã, visto que é a sua folga! – a sua competência e empenho no cargo, fazia de Paula, uma mulher de estima que ainda conseguia surpreender-me

- E para isso era preciso levantar-se de propósito, Paula? Podia deixar para amanhã… Escusava de se levantar!

- Já devia saber como eu sou, menina… Enquanto não vir que está tudo nos trincos, não descanso! – ela gargalhou levemente e inevitavelmente acompanhei-a

Depois de sairmos da cozinha, ladeadas uma pela outra, atravessámos a imperante entrada onde se encontrava a escadaria que me levaria até ao meu quarto, onde esperava pacientemente poder finalmente descansar depois daquele dia que eu queria com toda a certeza, deitar para trás das costas.

- O telefone, a estas horas? - a pertinente estranheza da empregada ainda jovem, ressaltou-me também a estranheza e curiosidade, assim que ouvimos o telefone mais próximo tocar em cima da pequena mesa altiva de apoio, junto às portas duplas da biblioteca – Pode ir… Eu atendo! – anunciou ao ver-me descer novamente os três primeiros degraus das escadas que tinha acabado de ascender

- Residência Freitas de Andrade, boa noite? – ouvi-a claramente, e apesar de ter achado esquivo e invulgar, não voltei a olhar para trás e continuei com a subida – Menina Joana, espere! É para si… - já enquanto caminhava no corredor superior, fui obrigada a travar o meu curto percurso e olhá-la ao cimo da escadaria

- Para mim…? Quem é? – inquiri em surdina, apanhada pela surpresa de um telefonema não aguardado a que era avocada, e que não sabia a quem pertencia

- É melhor atender, menina… - ao contrário do que seria de esperar, Paula não me facultou a resposta à pergunta que eu lhe impus, no entanto não insisti sobre o assunto

Com passada ligeira retomei o mesmo trajeto, agora descendente, pulando habilmente sobre os degraus até me aproximar novamente da empregada que segurava o telefone entre as duas mãos.
Paula mostrou-me um sorriso acompanhado por um “Boa noite, menina!” apenas gesticulado pelos lábios e entregou-me cuidadosamente o telefone para regressar à serenidade e descanso do mesmo quarto que partilhava com Maria.

- Estou sim? - acudi da maneira mais formal que me ocorreu, pois em qualquer dos casos, ainda não sabia de quem se tratava ser o emissor daquela chamada  e inevitavelmente um rasgo de nervosismo começou a corroer-me lentamente por dentro

- Mana? – aquela voz ténue ainda de um miúdo, fez-me automaticamente relaxar e sentir o poder da nostalgia a contornar-me o laço de sangue e afeto

- Salvador…! – com um sorriso farto, denunciei o “acusado” daquele telefonema madrugador, sabendo perfeitamente tratar-se do meu querido irmão com quem já não mantinha contacto há uns dias

- Desculpa se te acordei… Aí ainda deve ser de noite! – o pequeno rapaz de somente dez anos, retaliou-se, esperando não me ter causado nenhum aborrecimento, apenas por ter sido vítima de um dos sentimentos mais badalejados e mais sentidos: a saudade       

- Não tem problema, piolho… Eu estava de pé! – afirmei seguramente, equacionando depois a diferença do fuso horário patente entre os dois continentes – Mas porque é que ligas-te? Aconteceu alguma coisa…?

- Não, não aconteceu nada! Apenas… sinto a tua falta… - confessou com uma certa tenebrosidade a fazer interferência na sua voz, e alvejando o meu pequeno coração, que acabara por despoletar um suave rasgueado de lágrimas que ascendeu até às pálpebras inferiores dos meus olhos claros

- Oh piolho, eu também… Eu também sinto a tua falta, muito mesmo! – decidida a travar a corrente de emoções antes que ela fluísse por si, entrosei o silêncio por segundos banais,  respirei profundamente e olhei para cima, tentando fazer com que as lágrimas não caíssem

- Estás a chorar, mana? – pude sentir um temor desassossegado assaltar o coração do meu pequeno, que apesar de se ver separado de mim por um vasto e imperante oceano, não deixou passar despercebido o burburinho passante, no linear da corrente telefónica

- Não, não… Não estou a chorar, descansa! – ditei num depoimento  assertivo, acompanhado por um sorriso triste que me recompôs a voz e seguindo a passo curto até uma das poltronas que marginava a mesa-pé-de-galo do telefone, que acabei por ocupar – Então e diz-me lá… Novidades? Como estão as coisas por aí? Como anda a correr a escola?

- Está tudo sobre rodas… Até me aceitaram na equipa de futebol! – disse com uma enorme satisfação, deixando-me desvendar-lhe um enorme sorriso de contentamento e euforia

- Uau… A sério, pequenito? Parabéns! – congratulei-o despojadamente, mostrando-lhe o orgulho que sentia, mesmo estando tão longe – Mas ainda não és muito novinho para entrares na equipa da escola?

- No intervalo os mais velhos viram-me dar uns toques na bola e depois convidaram-me para ir fazer um jogo com eles… Disseram que como eu era baixinho e rápido, podia entrar na equipa sem problema! Tinha que ter a autorização do pai e do reitor, mas isso foi na boa! – o ar desenrascado dele, fez-me gargalhar por debaixo da mão que me cobria a boca, e por momentos senti a vontade de lhe dar um abraço bem apertado a corromper-me o peito, como já há muito não sentia

- Hum… E esse teu inglês, como está? – perscrutei, procurando saber-lhe a adaptação a uma nova língua, num país que agora também era seu 

- Bem! Já sei dizer imensas coisas e também percebo quase tudo o que me dizem… Os primeiros tempos custaram mais, mas agora já estou a ficar um expert em inglês! – anunciou, muito certo e convencido da sua aprendizagem, que certamente progredia a cada dia – E, hum… Eu queria fazer-te uma pergunta…

- Uma pergunta? Força! – totalmente disposta a ouvi-lo, recompus-me no sofá, fazendo subir e cruzar ambas as penas uma na outra e recostando confortavelmente as costas

- Hum… - ouvi-o suspirar levemente, com certeza tentando encontrar o fôlego que lhe faltava para continuar – Quando é que tu sabes que gostas de uma pessoa… a sério?

- Como assim, gostar de uma pessoa a sério? – rebusquei na primeira passagem, mostrando-me ligeiramente confusa – Estás a querer dizer, gostar gostar? Gostar de uma pessoa para além do sentimento de amizade?

- Sim, é mas ou menos isso! Quer dizer… é isso mesmo!

- Hum, e porquê essa pergunta? Estará alguma menina envolvida nessa tua súbita curiosidade pelo amor? – um pequeno risinho fez-me descontrair por instantes, mas pelo lado contrário, só serviu para deixar Salvador ainda mais nervoso e envergonhado

- Oh mana, não gozes… Isto é muito sério! – praguejou num tom sisudo e convincente, que não dava espaço a quaisquer brincadeiras minhas de impertinência

- Vá, diz-me lá quem é ela…

- Bfuu… Eu já sabia que me ias fazer essa pergunta!

- Vá lá, Salvador! Não te custa nada dizeres à mana quem é a felizarda…

- Chama-se Clare, é da minha turma e é a rapariga mais bonita que eu já vi… Pronto, já disse!

- Ai que o meu mano anda caidinho… - joguei ao ar soltando mais uma pequena gargalhada contida, que não lhe passou indiferente

- Eu disse para não gozares! – relembrou num ligeiro tom de amuo, que se fez desvanecer rapidamente – E não chegas-te a responder à minha pergunta…

- Relembra-me, por favor.

- Quando é que sabes que gostas de uma pessoa, a sério?

- Ai Salvador, sei lá… Eu não sei! – foi exatamente neste momento que eu passara de caçadora a presa e como seria suposto, não encontrei as palavras certeiras capazes de me soltarem daquele embaraço

- Nunca estiveste apaixonada? – e lá está, por mais voltas que o mundo desse, todos os caminhos iriam dar ao mesmo limiar… um limiar que se estendia no pretérito, um limiar difícil ser de esquecido do coração e apagado da alma. E desta forma seria sempre assim… eu poderia continuar a fugir ao sentimento que me recusaria a apegar de novo, mas não poderia esconder-me dele por muito mais tempo – Não dizes nada…?

- O que é que queres que eu te diga? Sim, já estive apaixonada, e então?

- E então quero que me digas o que é suposto sentir, nessa fase… 

- Hum, bem… É, é um misto de sensações que por vezes se tornam complicadas de serem explicadas, e a única maneira de conhecê-las torna-se apenas em senti-las… - proferi com suavidade, esperando ter sido suficientemente abstrata e redundante para que Salvador terminasse a pergunta, mas ao invés, ele continuou silenciado do outro lado, talvez na eminência de continuar a ouvir a minha explicação

- Podes continuar, eu estou a ouvir-te…

- Olha, sabes que mais? Não penses sobre este assunto, se tu gostas dessa rapariga, tu sabe-lo! Por isso não te preocupes… Além do mais ainda és novinho, tens todo o tempo do mundo para descobrires como é gostar de alguém a sério!

- Achas mesmo, mana? – percutiu numa lividez insensata de dúvida, que me apressei a ofegar

- Tenho a certeza, piolho!

- E olha… Só mais uma pergunta…

- Sim…

- Quando vens ver-me? Tenho tantas saudades tuas…!

- Não sei bem, Salvador… As coisas por aqui ainda não estão totalmente estáveis, e ainda tenho a faculdade. – retorqui torcendo o nariz, evocando a minha agenda preenchida, que se arrastava de há demasiados dias, para demasiados dias - Talvez nas férias de Verão…

- Nas férias de Verão, estás a falar a sério? – foi impossível o seu forte entusiasmo não ser transparecido por mim, e não me evitei em sorrir

- Se até lá conseguir organizar tudo o que me falta… Sim!

- Prometes?

- Sim, prometo! – prometi-lhe num juramento fiel e incapaz de ser quebrado, somente pelo laço forte que nos unia

- Salvador, hurry up, your father is waiting for you downstairs to take breakfast! – um sotaque perfeitamente familiar, foi escutado por mim na intersecção do telefonema, logo que uma voz feminina se fez ouvir

- Okay, I’m going! – respondeu ele na mesma prenuncia, interrompendo a chamada apenas por instantes cruciais – É a empregada… Tenho que descer para ir tomar o pequeno-almoço e ir para a escola, mana.

- Vai, pequenito, e porta-te bem! – desejei num envolto de nostalgia, ciente de que a ligação estava prestes a ser terminada e por consequência, a distância voltaria a impor a sua componente e afastar as nossas rotinas

- Não te preocupes, eu porto-me sempre bem! E tu, vai descansar… Falamos noutro dia! – sorri num intervalo de tempo reduzido, pensando que por vezes, a maturidade do meu irmão era mais eminente do que a idade que lhe era rotulada – Beijo grande, mana… Adoro-te!

- Outro também para ti, piolho! E um xi-coração do tamanho do mundo… Adoro-te!

Pouco depois o ruído do outro lado da ligação reduziu, e a chamada foi terminada.
Suspirei… Ali, sentada no meio da imensidão de uma casa adormecida, de coração nas mãos e um mundo inteiro a meus pés.




***




O dia amanheceu na sua plenitude. E apesar de ter tido um descanso agitado a que me devolvi às poucas horas que me restavam, acordei cedo para mais uma manhã de estudos na faculdade.
Entreguei-me a um banho refrescante que não pude prolongar por muito, e vesti uma roupinha fresca que me proporciona-se o conforto suficientemente comovível a que me pudesse restituir até ao resto do dia.


Logo que saí da casa de banho, depois de me maquilhar em tons leves e preparar o cabelo numa trança lateral, vertente sobre o ombro esquerdo, alcancei o meu telemóvel sobreposto à mesinha-de-cabeceira, preparando-me para me desculpar a quem mais devida… Adriana! A pobre rapariga que deixara na tarde do dia anterior, sem, aparentemente, cessar a mínima justificação ao meu desaparecimento improvisado a que tive de me submeter, para voltar a fechar o coração ao homem que já mais amei.

- “… O número para o qual ligou não está disponível, por favor deixe a sua mensagem na caixa de voice-mail, após o sinal.” – ouvi segundos conseguintes à primeira tentativa, a voz do atendedor automático que ressoou ao meu ouvido e me negou a possibilidade de contacto

- Adriana, sou eu…! Ah… Queria pedir-te desculpa por aquilo de ontem, sei que me fui embora sem te dizer nada, e deves ter ficado preocupada comigo, mas de facto não havia mais nada para fazer ali. Quando ouvires esta mensagem diz algo, sim? Um beijo.

Assim que deixei mensagem voz no correio da Adriana, guardei o telemóvel na mala, peguei numa pequena pilha de quatro livros que amarrei apenas a um braço, e dei uma passagem rápida de olhos por todo o arremesso do quarto, esperando coagir o esquecimento de algo que me pudesse vir a fazer falta, antes de descer para tomar o pequeno-almoço que já havia sido servido na sala de jantar.

- Bom dia, avó! – saudei amenamente, depois de trespassar a porta envidraçada da sala e beijar a testa da minha querida avó Sofia, que já tinha começado a primeira refeição juntamente com o meu avô Caetano  - Bom dia, meu avô! - cumprimentei igualmente o homem da casa, sentado ao travesseiro da mesa imperante, com um beijo desvalido no topo da cabeça

- Bom dia, minha querida! Dormiste bem? – a afável voz da minha avó, fez pungir o carinho e amabilidade daquela que eu sabia ser a minha segunda mãe

- Sim… Dormi. – adverti, tomando em meus lábios um sorriso de tranquilidade falseada, que serviria para afugentar a preocupação sem motivo, que a minha avó poderia vir a sentir caso lhe tivesse fornecido uma resposta negativa

- Passei no teu quarto esta noite… Não estavas lá… - pondo as evidências sobre a mesa em prol de uma resposta que precisava de ser ouvida, o meu avô fez excelência a um facto que eu tinha de esclarecer, enquanto lia o seu jornal diário predileto

- Levantei-me para ir à cozinha beber um copo de água, entretanto o Salvador ligou e ficámos uns minutos à conversa… - ripostei na minha máxima serenidade e prepotência, aquando barrava delicadamente uma pequena porção de geleia frutada, numa metade de croissant

- O Salvador ligou? – inquiriu a minha avó numa lividez de surpresa, também desejosa por receber alguma novidade do seu querido neto

- Hum, hum… - consenti, dando uma pequena dentada no croissant que rapidamente saboreei – Queria contar-me algumas coisas e perguntar-me quando iria passar uns tempos com ele!

- E o que é que lhe disseste? – auscultou ele, logo assim que deu mais um gole na chávena de café forte e açucarado, que o acompanhava no ritual de todas as manhãs

- Prometi-lhe que logo assim que puder, vou ter com ele!

- Vais viajar?

- Sim, avô, vou… Assim que chegue o Verão, bem como as férias de faculdade, vou meter-me no avião e passar uns tempos a São Francisco! – assertei, convicta e crente que sair por uns tempos da capital e apanhar novos ares californianos junto de uma das pessoas mais importante da minha vida, me ira fazer bem

- Desculpem interromper… - a voz absolvida de Leonardo, acompanhada pela figura perfeitamente engravatada do mesmo, surgiu no próprio instante junto da enorme mesa, interrompendo assim a conversa circunstancial do pequeno-almoço – Menina Joana, está lá fora uma pessoa que deseja falar consigo…

- Comigo? – percuti a mim mesma num laivo de pura admiração, observando alternadamente os meus avós e por fim o mordomo da casa, que aguardava poder acompanhar-me até junto da visita não aguardada por ninguém – Bem, se assim é… Com licença! – limpei os cantos da boca aos bordos do guardanapo de pano que me resguardava as coxas e assim que o pousei sobre a mesa, segui Leonardo que me levou até junto da última pessoa que esperava ver tão cedo

- Joana… - com um sorriso deleitante nos lábios, a mãe de Ruben observou-me a caminhar até si, num compasso célere de uma uniformidade de espanto

- Dona Anabela (!) – presenciei, logo que cheguei ao largo do hall de entrada, junto à ascendente escadaria – Não esperava vê-la aqui…

- Desculpa ter vindo sem avisar, mas precisava de falar contigo! – ela acercou-se da minha figura ainda fragilizada, presenteando-me com dois beijos delicados, plantados em cada face

- Aconteceu alguma coisa? – um rasgo inoportuno de preocupação, incendiou-me cada pedaço de pele e por momentos consegui decifrar o motivo formal que a trouxera até ali

- Aconteceu… Mas não quero que fiques preocupada! – a mãe de Ruben apressou-se a tranquilizar o cadência  degradante a que o meu coração se impusera dentro do peito, e o que naturalmente fez com que a ansiedade amenasse em fastídio ligeiro

- Podem conversar na biblioteca… Lá estão mais à vontade! – sugeriu o sempre atento e compreensivo Leonardo, com um sorriso no rosto, comprovativo do intuito de uma conversa difícil que já adivinhara

- Sente-se! – disponibilizei educadamente, logo que fechei as portas da biblioteca, e preparando-me já para uma conversa intimista – Quer que lhe mande trazer alguma coisa? Um chá, um café…

- Obrigada, estou bem assim!

- Então… Quer falar comigo… - estreei, numa lividez temorizada do que pudesse ouvir, sentando-me na poltrona frente à de Dona Anabela, apenas separadas por uma pequena mesa de apoio

- Não vou tomar muito do teu tempo, sei que deves ter os teus compromissos, e mais daqui a pouco também tenho que ir para o salão… - o modo introdutivo com que iniciou a conversa assim como a seriedade imposta no seu semblante, serviu para deixar fluir o nervoso miudinho que me cercava em todos os gestos e expressões – Mas também calculo que já deves saber o motivo disto tudo…

- O Ruben… - indaguei numa voz esmorecedora, acompanhada por um suspiro penetrante

- Fiquei a saber o que aconteceu ontem, entre vocês…

- Sabe? Como?

- A Adriana contou-me a maneira insolente de como ele te tratou, na frente dela e da Inês! – disse no seu jeito plangente, que somente por esta razão, mostrou que não iria encobrir o filho pelos danos que tinha causado – Queria dizer-te que lamento isso ter acontecido, e lamento ainda mais o facto de não o ter impedido…

- Não, não lamente, Dona Anabela… Já esqueci, e além do mais a senhora não podia adivinhar! – tentando desvalorizar o caso, mostrei um sorriso triste que se formou em meus lábios e que contudo, portava uma pequena porção de ironia

- Mesmo assim, Joana… Foi de uma tremenda falta de educação e respeito ele ter-te tratado daquela forma, ainda para mais, depois de tudo o que vocês passaram!

- Foi exatamente por tudo o que nós passámos, que ele reagiu daquela maneira…

- O que queres dizer com isso?

- A última coisa que eu quero é alimentar fantasmas do passado e querer virá-la contra o seu filho, mas a verdade é que ele me culpa por tudo o que nos aconteceu, por me ter ido embora, por nada ter resultado entre nós… - preocupei-me em manter um tom ameno, que não suscitasse a exaltação e descarrega-se assim, a mágoa que sentia dele, na sua mãe

- E achas que foi por isso que ele te tratou daquela maneira?

- Acho, Dona Anabela, sinceramente acho… Apercebi-me que o Ruben por mim, apenas guarda rancor e ressentimento e constatando o facto de eu lhe ter trazido infelicidade, quando me vê, ele quer provar a todo o custo que já não é mais assim… Quer que eu saiba e veja com os meus próprios olhos que ele conseguiu superar, conseguiu dar a volta por cima agora estando de vida refeita ao lado de outra mulher… Mesmo que para isso tenha que me magoar!

- Não compreendo, juro que ainda assim não compreendo… - disse num rajo de transtorno, não reconhecendo as atitudes do próprio filho que tão bem educara e vira crescer – Ele não era assim… de há uns tempos para cá o Ruben não parava de falar em ti, o quanto tinha saudades, o quanto lhe fazias falta e de repente, parece que nada existiu… Ele silenciou-se.

- Ele silenciou-se e aprendeu a odiar-me… Aprendeu a alimentar a mágoa e o ressentimento por mim.

- Ele não sabia de nada, Joana… Nunca chegou a saber o que te fez ir embora! Ele amava-te tanto e quando soube da tua partida, sentiu-se traído…

- Eu sei, eu sei! E não o julgo… A culpa de tudo isto é minha, sim, e ao contrário do que muitos pensam, eu sei admitir os meus erros e assumir as consequências, mas não me peça para compreender a atitude dele, porque agora não sou capaz de o fazer!

- Eu queria pedir-te apenas, que lhe contasses a verdade… Fala com ele e conta-lhe os verdadeiros motivos que te obrigaram a ir embora, o Ruben tem o direito de saber, querida! – sabia perfeitamente que mais do que ninguém, o Ruben tinha o direito de o  saber… mas o que está feito está feito, e levantar pedras de caminhos passados, seria estar a construir novos labirintos sem saída

- Eu não sei se deva… - equacionei totalmente incerta, levantando-me do meu lugar e afastando-me escassamente na sucinta esperança de pôr as ideias em ordem – Já passou muito tempo, Dona Anabela… Não é justo suscitar águas passadas que não irão remediar os erros cometidos… Não é justo para o Ruben, agora que tem a vida estabilizada!

- E tem a vida estabilizada por quanto tempo?

- Como assim? – aquela pergunta armadilhada, jogada ao ar, passou-me despercebida no primeiro ato, e logo que rodei sobre os calcanhares de forma a observar estruturadamente a silhueta elegantemente sentada da mãe de Ruben, ergui num arco perfeito a minha sobrancelha de modo inquisidor  

- Agora que tu chegas-te, mesmo que não seja essa a intensão, tu voltas-te a fazer parte da vida dele, influencia-lo… A tua presença muda-lhe o comportamento e as atitudes, tu mesma disseste que o Ruben se torna outra pessoa quando está contigo…

- Sim, mas isso não quer dizer qu…

- Joana, a vossa história só irá acabar quando ambos estiverem dispostos a colocar-lhe um ponto final, e neste caso esse ponto final vai ser a razão da tua partida! – ela interrompeu-me, dando prosseguimento à sua lógica já devidamente organizada por pensamentos – Só assim é que todas as especulações que o Ruben criou, acabarão… Já não haverá mais motivos para discussões nem ressentimentos!

- Não quero ter que enfrentá-lo outra vez, nem voltar a pôr o dedo na ferida, para abri-la ainda mais. – embora a Dona Anabela estivesse a par de tudo o que se havia passado, eu não podia trazer ao de cima um assunto que para mim, já devia estar morto e enterrado

- Ele já é crescidinho o suficiente para lidar com qualquer coisa de maior, mesmo que isso condicione a dor!

- Eu compreendo o que me está a querer dizer, mas o que eu não quero é que ele pense, que se eu agi assim, foi por egoísmo ou cobardia. A última coisa que eu quero, é voltar a magoá-lo…

- É incrível como ao fim de todo este tempo, ainda te importas com o que ele pensa a teu respeito e essa tua necessidade em protege-lo, continua a ser bem mais forte que a razão de ser… – um sorriso quase discreto e involuntário, floresceu nos seus lábios assim que proletarizou tal fundamento, e eu não pude deixar de sentir que algo estava por trás daquela insinuação

- Oiça, Dona Anabela, eu não quero que com tudo isto, a senhora tire conclusões precipitadas em relação às minhas intensões para com o seu filho… Seria incapaz de interferir na relação dele com a Inês.

- Joana, eu não tirei conclusões absolutamente de nada… - afirmou com a sinceridade que eu sabia nela existir, e vi-a levantar-se da poltrona caminhando levemente até junto de mim – Não sei porquê, mas ao que parece tu é que sentiste a necessidade de te justificares, quando nem sequer tinha tocado nesse assunto…

- Seja como for, ele está feliz e eu estou a seguir com a minha vida… Eu sei qual é o meu lugar!

- E eu sei que tu sabes qual é o teu lugar, minha querida… - delicadamente a sua mão direita palmeou a minha face, acariciando-a suavemente com o polegar, aquando um sorriso pueril e benévolo sobreveio em seu rosto, conferindo a serenidade de que tanto carecia – Só que depois desta nova reviravolta nas vossas vidas, ainda não tenho a certeza se o Ruben sabe qual é o seu…



 
***



(Ruben)

Desde o momento que arranquei com o carro do salão da minha mãe na tarde de ontem e voltei para casa juntamente com a minha noiva, que somente uma pessoa pairava nos meus mais profundos pensamentos e persistia em tirar-me o sono e a vontade de agir.
Sabia que a minha atitude não fora a melhor para com ela, sabia que me tinha excedido e sabia ainda mais que a tinha magoado, porém, a minha dor continuava a ser bastante superior a toda a dinâmica que me controlava e por isso mesmo não consegui orientar os meus impulsos mais abruptos na frente dela, por muito que o tivesse desejado.
Depois de ter almoçado com a Inês, levei o computador para a sala e logo que arranjei uma posição confortável no sofá, comecei a dar uma visão minuciosa a todos os e-mails recebidos, assim como a análise de todas as propostas que estes traziam e a organizar a agenda em conformidade com a minha profissão e outros projectos.

- Amor, vou ao ateliê provar o vestido… Não queres vir comigo? – no instante em que os saltos altos embateram em volume mais propício no chão do apartamento, calculei a aproximação da Inês, mesmo sem ter a necessidade de olhá-la

- É um vestido de noiva… É suposto eu não te ver com ele antes do casamento, não é? – ripostei num sorriso trocista, ainda sem descolar os olhos do ecrã

- Sabes que eu não ligo a esses ditados populares, e assim sempre me fazias companhia… - ela voltou a insistir, encostando as nossas faces enquanto mantinha os braços pousados sobre o meu peito, mas ainda assim coloquei a hipótese em recusar… não estava com disposição nenhuma para sair de casa – Não vais passar o teu dia de folga fechado em casa, de pijama e agarrado ao computador, pois não?

- Desculpa, mas hoje vai ter mesmo de ser… Tenho que despachar estes e-mails e tratar dos últimos detalhes da campanha publicitária!

- E vais deixar-me ir sozinha?

- Eu depois recompenso-te, prometo!

- Prometes mesmo? – inquiriu apenas como forma de garantia, não fosse eu faltar à promessa

- Hum, hum… Está prometidíssimo!

- Olha que eu não me vou esquecer… - ela já ia virar costas, quando ouço novamente a sua voz a ser projetada – Ah…hum, não consigo falar com a Adriana, parece que está com o telemóvel desligado… Se ela der sinais de vida, diz-lhe onde fui e que não devo demorar… Quero falar com ela acerca de uns detalhes para o casamento! – a Inês aproximou os nossos rostos e beijou-me pausadamente, sem qualquer pressa, algo que evidentemente não tive como recusar – Até logo, gato!

- Até logo! – ela compôs a mala sobre o antebraço e eu apenas lhe soube mostrar mais um sorriso

Vi-a afastar-se também de sorriso lausperene no rosto e segundos depois ouvi a porta do apartamento a ser fechada, dando sinal da sua recente saída.
Enquanto atualizava o estado nas redes sociais, procurei por uma pasta de várias músicas, para pôr como fundo para além do som do teclado a ser batido pelos meus dedos, mas foi ao carregar num ficheiro que a minha busca foi parar a outro separador. Foi aí que uma pasta que aparentemente se encontrava oculta, me chamou a atenção… Uma pasta sem nome definido e que eu já nem me lembrava que existia, mas que no entanto não hesitei em abri-la. Esta estava praticamente fazia, restando apenas um ficheiro de vídeo que também fiz intenção de reproduzir.
Os meus olhos arregalaram-se instantaneamente ao verem o primeiro fundo filmado… Conseguia reconhecer aquele lugar e aquele plano de filmagem mesmo que ainda passagem mais três anos. Já não conseguia designar detalhadamente o que iria ver, mas do que se tratava, tinha a plena consciência: A manhã do aniversário da Joana, em minha casa.
Uma sensação incomodativa começou a apoderar-se de mim… o meu coração a cacetear com uma intensidade desmedida e padecimento constante assim como uma forte ansiedade, dominaram-me nos aproximadamente, dez minutos seguintes.

“ – Ora bem, finalmente é fim-de-semana, são p’raí umas oito da manhã e acordei de propósito só para deixar aqui num pequeno registo, o namorado dedicado que sou! – iniciei com a objetiva da câmara focada sobre o meu rosto, para depois incidi-la nos degraus das escadas-caracol, que me levavam até ao meu quarto, enquanto as subia de pés descalços

Ela ainda estava enfronhada a um sono aleitante, deitada de barriga para baixo – posição que costumava sempre adormecer – e a sua imagem assemelhava-se à de um pequeno anjo.
Aproximei-me com a câmara bem presa numa só mão e sobrepus o meu corpo ao dela, ainda assim sem deixar que estes se tocassem.

- Parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida (…) – cantarolei pausadamente e sussurrante, de lábios colados ao seu ouvido, para depois vê-la sorrir ainda de olhos fechados – Ai tu já estás acordada, minha fingida!

- Ainda não… - depois de um pequeno risinho delicioso, a sua voz arrastou-se e senti-a embrenhar-se novamente ao sono já quando eu me deitava do seu lado, mas continuando sempre a filmá-la

- Amor? - proclamei-a, fazendo passar os meus dedos nos seus cabelos - Amor…

- Hum… - a resposta foi curta devido ao seu estado meio adormecido, o que me proporcionou uma pequena gargalhada

- Olha pra mim. – pedinchei, mas naquele momento a preguiça dela encontrava-se bem maior do que eu esperava – Vá lá, olha pra mim…

- És tão chatinho, Ruben… - ela resmungou, mas acabou por me fazer a vontade… rodou a cabeça sobre a almofada e apenas com a visão de um olho aberto, observou a minha intensão – Não acredito que estás a filmar… Pára com isso!

- Hum, hum… Não! – recusei de sorriso largo nos lábios, enquanto desviava a sua mão da objetiva, que ela tentava tapar

- Mas eu estou horrível… Desliga isso! – de cabeça alagada no travesseiro, escondeu o seu rosto de mim

- Não adianta esconderes-te, minha chochinha! – pousei a câmara sobre a mesinha-de-cabeceira do lado dela e virada para nós, de modo a prosseguir com a filmagem – Estás linda, perfeita…

- És um namorado muito mentiroso, sabias disso? – inquiriu em diabrura, deixando que as palavras fossem ainda abafadas pela almofada

- Nop, nada disso… - lentamente voltei a sobrepor o meu corpo ao dela, e com a pontinha do nariz desviei-lhe os cabelos que lhe preenchiam a nuca, para lá implantar uma dúzia de beijos – Sou um namorado muito… muito apaixonado!

Ela rodou devagarinho debaixo do meu corpo e brindou-me com aquele seu sorrisinho meninil com que eu tanto me deliciava.

- E porque é que estás a filmar? – os seus dedos ganharam vida e começaram a passear pelo meu tronco nu

- Não sei bem… Talvez para um dia mais tarde mostrar aos nossos filhos…

- Que parvo! – ela gargalhou que nem uma perdida e só a consegui calar com um beijo nos lábios

- Mas espera, ainda tenho uma coisa para ti… - levantei-me e fui buscar um módico tabuleiro com um pequeno ramo de flores amarelas e um cupcake preenchido por uma vela que acendi rapidamente

- Tu não existes… - assim que voltei para junto dela, vi-a sentada na cama e com a câmara na mão, agora direcionada para mim

- Ei, o que é que estás a fazer?

- Agora é a minha vez… Também tenho direito, ou não? – ela fez-me uma careta desajeitada e sentei-me bem na sua frente

- Não está nada de muito elaborado, mas…

- Está perfeito! – contradisse-me rapidamente. Voltei a tomar o domínio sobre a câmara e vi-a soprar a chama da vela  - Vamos partilhar? – não me deixou tempo para responder e levou um pouco de bolo à minha boca

- O que foi? Porque é que te estás a rir? – perguntei-lhe alheiamente o motivo que a levava a rir-se disfarçadamente na minha cara, depois de termos comido o queque

- Por nada, nada…

- Oh, não sejas assim… Diz lá…!

- Tens aí um bocadinho de… - fez-me sinal, mas continuei sem perceber – Espera, não te mexas! – ela aproximou os nossos rostos e passou a língua num canto de contorno dos meus lábios, que sem hesitações beijaram os dela numa calma constante que a câmara também captou - … um bocadinho de creme do bolo!

- Tonta! – voltei a beijá-la e ela voltou a afastar-se escassamente

- Sabes qual é o significado desta flor? – pegou numa pernadinha do ramo de acácias que trazia no tabuleiro, e ficou a deambula-la nos dedos enquanto a olhava

- Significa amor secreto… - respondi com um sorriso nos lábios – Tal como o de alguém…

- Tal como o nosso…?

- Sim, tal como o nosso! – foi a vez de ela sorrir e prender a fina flor amarela atrás da sua orelha… não tive como não olhá-la embelecido

- Porque é que estás a olhar para mim dessa maneira? – olhou para mim, e depois para a objetiva da câmara que se encontrava nitidamente perto do seu rosto, de forma a captar-lhe os olhos claros e o sorriso lindo

- Qual maneira?

- Essa maneira (!)

- Não sei… Porque és linda, porque apaixonar-me por fi foi a melhor coisa que me podia ter acontecido! – apercebi-me que a tinha deixado sem palavras, por isso mudei de assunto – Ainda não pediste o teu desejo!

- Tenho que trincar a vela?

- Hum, hum!

Ela pegou na vela branca, ainda com pedacitos achocolatados do bolo e mordeu-a durante os segundos necessários para fazer a prece silenciosa do seu desejo.

- Então, o que é que pediste?

- Não sejas metido, amor! É um desejo… Se eu contar, ele não se vai concretizar!

- Se esse desejo também depender de mim, vou fazer de tudo para o tornar real!

Ela rendeu-se. Vi-a acercar-se de mansinho, puxei-a para mim para que se sentasse no meu colo e se aproximasse ao meu ouvido onde acabou por segredar.

- Desejei que todas as manhãs do meu aniversário, fossem tal e qual como esta… por muitos anos! – afastou o fácies para me olhar nos olhos e eu não poderia ter ficado mais maravilhado

- Serão ainda melhores que esta, meu amor, eu prometo! – arrastei a câmara sobre o colchão para que as minhas mãos ficassem livres, e lentamente deitei-a sobre a cama. Colei o meu corpo ao seu de medidas perfeitas e beijei-lhe a boca, como acho que nunca tinha feito… um beijo quente, apaixonado e muito sentido – Amo-te tanto, Joana… Tanto! (…) ”

Fui obrigado a carregar na pausa, pois o som do intercomunicador ressoara por todo o meu apartamento.
Senti as faces húmidas e quando lhes toquei com os meus dedos, apercebi-me que imperceptivalmente e por uma razão que me era absorta, as lágrimas tinham caído durante o rolar de todo o filme.
Baixei ligeiramente o ecrã do computador portátil e logo que o pousei na mesa de apoio, aproximei-me do intercomunicador e atendi.

- Sim? – disse, já sabendo que iria falar com o porteiro do prédio

- Ruben, a menina Adriana acabou de chegar… Deixei-a subir…!

- Está bem, Senhor Francisco… Obrigado! – larguei o botãozinho e esperei por ela junto da porta

- Ena, ainda de pijama? – foi a primeira coisa que me disse ao chegar, cumprimentando-me depois, sorridente – Este dia está a render bem!

- Sempre tão divertida, tu! – esbocei-lhe uma careta troçada e fiz-lhe sinal para entrar – A Inês foi ao ateliê fazer mais uma prova do vestido, mas não demora muito!

- Sendo assim, vou esperar!

- Então senta-te… Queres que te vá buscar alguma coisa para beber?

- Se tiveres café, agradecia! – ela pousou a mala e sentou-se no sofá que eu à instantes ocupara

Fui à cozinha e preparei-lhe o café, juntamente com um copo de água como sabia que a Adriana gostava de tomar.
Demorei três minutos, se tanto… e quando regressei à sala de mãos ocupadas, fui abruptamente enfrentado com um cenário, que se pudesse, teria evitado com toda a certeza.

- Adriana… - chamei por ela de forma a ganhar a sua atenção, que estava incidida em algo que não era suposto ninguém ver

- Podes-me explicar o que é isto? – de portátil ao colo, procurou em mim uma justificação que naquele momento eu não tinha como lhe dar

- Sabes perfeitamente que eu não gosto que mexam nas minhas coisas! – relembrei-a precipitando-me na sua direção, tirando-lhe o computador das mãos e encerrando-o, logo que pousei o café e o copo de água sobre a mesa  

- Continuo à espera, Ruben… O que é que estavas a fazer? A matar saudades? – acredito que não deve ter gostado da minha atitude por ter estado a ver aquele vídeo, e isso refletiu-se na pose de ataque que tomou contra mim

- Desculpa, mas não acho que te deva explicações… - tentei não ser grosseiro com ela, mas a minha falta de argumentos deixou-me sem saída para tomar uma postura mais invicta e segura

- Juro que eu não sei o que é que pretendes com isto, mas quero relembrar-te que se pretendes continuar a proceder com essa posição, arriscas-te a entrar num jogo muito perigoso… Se é que ainda não entraste! 


- Ouve Adriana, eu não sei do que é que estás p’raí a falar, portanto, acaba com essa conversa! – pedi-lhe pacificamente, tentando a todo o custo demover o assunto assim como a conversa repreensiva que eu já podia adivinhar, mas que de forma inevitável ela colocaria sobre a mesa

- Ai não? Talvez precises que eu te relembre o que aconteceu ontem no estacionamento, ao pé do salão da tua mãe!

A minha primeira reação foi imprecisa, não me apercebi de imediato onde ela queria chegar com aquela insinuação, mas depois de refletir e viajar até bem há umas horas atrás no tempo, pus em causa algo que eu não queria acreditar que fosse verdade.

- O que queres dizer com isso? Não estou a perceber…

- Ai não estás a perceber? Eu explico… - ela levantou-se do sofá e prostrou-se à minha figura, na total certeza de me confrontar com o erro que eu próprio tinha cometido – Eu vi tudo, Ruben… Quando sais-te do salão para ires ao carro, eu vi-te com a Joana!

- Ai Sim? Viste-me com a Joana… e então? – perquiri não totalmente esclarecido, e elevando ligeiramente os braços para que estes se cruzassem na frente do meu peito

- Então que voltas-te a procurá-la, a atirar-lhe tudo à cara, a discutir forte e feio com ela, quando eu te pedi expressamente que não o voltasses a fazer! Não sabes simplesmente deixar o passado onde ele está e seguir com a tua vida, caramba?

- Importas-te de parar de estares sempre do lado dela? Sou eu quem tu conheces há anos, no entanto é sempre ela quem defendes!

- Eu não estou do lado de ninguém, nem do teu nem do da Joana, simplesmente porque isto não é nenhuma guerra e não me cabe a mim tomar qualquer partido! – as palavras ressentidas da Adriana, uma das pessoas por quem eu mais guardava carinho e estima, abateram-se em mim como balas, chamando-me a uma realidade que eu cismava em fugir – Por isso deixa de ser egoísta e de pensar que está tudo contra ti, e repara mais no que está a acontecer à tua volta!

- E já agora queres-me explicar o que é que está a acontecer à minha volta, para além da minha vida estar numa autêntica desordem? – procurei sinceramente uma opinião sua, já que eu não podia confiar nas minhas aptidões… já não sabia mais o que fazer nem o que pensar

- Não te esqueças que perdes-te uma das mulheres mais importantes que já passaram pela tua vida, perdes-te a Joana… Não queiras perder agora a Inês por causa destas tuas atitudes de merda, que ninguém compreende!

- Mas quais atitudes, caramba? Quais atitudes? És capaz de me dizer?! – olhei-a nos olhos e elevei o meu tom de voz, totalmente exasperado por ouvir respostas que teimavam em não vir ter comigo e deixarem-me à margem do desânimo total

- Estou a dizer-te isto, porque não te consigo perceber, Ruben… Não sei onde pretendes chegar com tudo isto e é o que estas tuas atitudes vêm provar… - a sua expressão tornou-se taciturna e confusa, e por momentos temi o que poderia ouvir da sua boca a meu próprio respeito – Tu não podes estar junto da Joana, mas também não consegues ficar longe dela… E ontem consegui ver e sentir isso mesmo!

- Isso não é bem assim…

- É Ruben… É tal e qual assim! – afirmou, mais convicta que nunca que todos os factos estavam reunidos a seu favor e por mais que eu desmentisse os mesmos, a Adriana era uma mulher demasiado perspicaz para se deixar induzir nas omissões de alguém que nem sabe aquilo que quer, que nem eu – E sabes que mais? Foi incrível assistir ao vosso ajuste de contas, e ver o rancor e a mágoa que sentiam um pelo outro, passar tão de pressa e da mesma forma que a discussão passou de uma troca de palavras bem acesas, para um momento tão cúmplice!

- Mas qual momento cúmplice? Não houve momento cúmplice nenhum! – neguei com quanta capacidade tinha, abrigando-me a fechar os olhos ao instante mais próximo que tive dela depois de nos separarmos, como foi o de ontem – Não queiras colocar vírgulas a uma história que já terminou com um ponto final!

- Não são vírgulas, Ruben… São factos! Factos os quais, tu sabes perfeitamente que existem! Para não falar que se vocês tivessem conseguido a oportunidade, por mais pequena que fosse, ter-se-iam beijado ali mesmo… Sem pensar mais no assunto!

- Tu estás a ouvir bem aquilo que estás a dizer? – gargalhei com uma ironia contundente a traçar-se no meu rosto, procurando um canto do sofá que acabei por ocupar – Por favor! Eu e a Joana a beijarmo-nos…?

- Não? Olha que pela maneira como a agarravas e como a mantinhas tão próxima de ti… Digo-te que vontade não te faltou!
   
Eu mais nada disse… Limitei-me a calar e a consentir. Na verdade já não sabia que mais lhe poderia dizer, não tinha argumentos suficientemente estruturados capazes de demoverem as ideias fixas que ela própria já havia construído face ao meu dilema de vida, que envolvia a pessoa a quem eu um dia dei tudo de mim.
De cotovelos assentados às coxas, deixei-me permanecer por acentuados minutos… Na eminência expectante de acabar com aquele assunto que aos poucos e poucos, me ia destruindo por dentro.

- O que é que se passa, Ruben? Fala comigo… - ela tomou o lugar vazio do meu lado, e acabou por interpolar-me num timbre mais benevolente e conciso

- O que queres que eu te diga?– manifestei-me de maneira mais calma, expondo a desordem tal de pensamentos e ideias, que me vagueavam na cabeça -  Eu não sei… não sei!

- Sabes que eu estou aqui para tudo o que precisares, como sempre estive… E agora que te vejo numa posição tão débil que foi capaz de te mudar, gostava que me dissesses o que se anda a passar contigo, o porquê desse teu novo comportamento! Gostava que me dissesses o que se anda a passar aqui… e aqui…! – pediu-me meigamente, tocando com o seu indicador na minha têmpora e depois com a mão no lado esquerdo do meu peito – Que rebuliço vai entre essa cabecinha e esse coração?

- Vai um rebuliço chamado conflito de valores entre o dever e o querer! E pelos vistos, o querer, está a ser bem mais forte…

- E porque é que isso te assusta tanto? – ela aproximou-se mais a mim, e com um toque suave da polpa dos seus dedos no meu rosto, soube provar-me a serenidade e alento que me faltava para lhe fazer a revelação que trazia comigo há já uns dias

- Isso assusta-me porque… - respirei fundo e os meus olhos tomaram o encontro irreversível aos de Adriana, para que ela soubesse de imediato eu estar a falar-lhe com toda a sinceridade do mundo - …Porque o meu querer… chama-se Joana!  



10 comentários:

  1. Isto não há direito... primeiro deixas-nos sem saber que segredo é esse que levou a Joana a desaparecer sem dar justificação nenhuma ao Ruben... e agora acabas desta forma o capítulo!

    Quero mais :P

    Bjs

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  2. está perfeito .. mas acabar o capitulo daquela maneira é ser mazinha !
    quero mais :p

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  3. Está magnifico! Já tinha saudades de um capitulo teu *.*
    Agora que o querer do Ruben é a Joana, não é novidade :p e acho qe até a Inês já se vai apercebendo disso ... agora vamos lá ver se realmente estes dois se juntam!
    Beijinho

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  4. O capitulo está uma coisa do outro mundo, está tão envolvente :')
    Não podes deixar-nos tanto tempo à espera do próximo, esta história está a levar um rumo fascinante, parabéns :D
    um beijinho*

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  5. Meu Deus tinha tantas saudades disto. Como é possível alguém me prender deste jeito? Hum...
    Se soubesses o quanto escreves bem e o quanto me fazes feliz quando vejo que publicaste um capítulo novo.
    Qual será o segredo da Joana? Terá alguma coisa a ver com o seu irmão [super fofinho]?
    Adorei, minha querida <3.
    E agora, a razão ou o coração?
    A minha mãe costuma dizer: se o teu querer for o caminho para a felicidade, então não olhes para trás pois se um dia te arrependeres, pelo menos houve um tempo em que foste feliz e isso é o mais importante.
    Parabéns, beijinhos*

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  6. Ai que lindo!
    Adorei!
    Escreves tão bem!
    Adoro esta fic. Quero tanto saber o segredo da Joana e quero tanto que eles se entendam.
    Continua!
    Beijinhos

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  7. Ora essa :')
    agora estamos todas bastante curiosas para ver o desenrolar desta história que prende qualquer um minha querida!
    Mais uma vez, os meus parabéns ♥

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  8. meu deus, que eu já tinha saudades de ler isto *-*
    estou mortinha por ver eles a entender-se (:
    quero saber o verdadeiro motivo da Joana ter ido embora :b
    tens os meus sinceros parabéns, eu adoro ler isto!
    espero que publiques rapidamente, porque eu AMO esta fic (;
    beijinhos *

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  9. nem sei muito bem por onde comecar... só comecei a ler a tua fic agora e já estou com as lagrimas nos olhos, MUITOS PARABÉNS! é sem duvida uma das melhores fic que já li... AMEI!
    espero que não demores muito a publicar estou muito curiosa*.*
    CONTINUA!
    Beijinhos

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  10. Meu amor, esta história vai de melhor ao extraordinário!
    A cada capítulo me rendo mais, a cada palavra me vergo mais à tua história, à tua imaginação e à tua doce escrita... É louvável o talento com que foste abençoada e a forma maravilhosa como fazes uso dele.
    Espero ler muitos e muitos mais capítulos como este, pois são um enorme deleite!
    E espero também, sem dúvida, que o querer do Ruben se mantenha e acabe por vencer :)

    Um beijo enorme, minha pequenita
    Love you <3

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