- Ainda nem acredito que te vais mesmo embora! – lamuriou
Sara, sentada à berma da cama enquanto Joana acabava de preparar a mala
Era uma manhã de Maio, tinha feito precisamente meio ano
na passada quinta-feira, que Débora havia falecido e agora, Joana, preparava-se
para a longa e tão ponderada, viagem de regresso a casa.
- Por favor, não comeces agora a choramingar, que eu juro
que volto a arrumar tudo no sítio e já não vou a lado nenhum! – fincou o pé no
chão, exibindo uma postura rígida, que a acompanhava no pequeno teatrinho
- Não sejas parva! – tombou o tronco, indo ao encontro do
colchão – Mas vai custar tanto habituar-me a isto, sem ti! – desabafou, fixando
um ponto no tecto tingido de branco
- Não sejas tu parva! Estás cá há muito mais tempo que eu, vai ser canja desenrascares-te sem mim! – afirmou andando de um lado para o outro do quarto tirando e
arrumando a roupa – E além disso, eu virei cá muitas
vezes para matar saudades… - fechou a mala fazendo correr o fecho e sentando-se
ao lado da amiga - … quando a faculdade me der uma pausa, eu prometo que te
venho ver! – jurou-lhe numa voz meiga e equilibrada, embora tendo consciência
que as saudades iriam ser bastantes e isso magoava-a, impôs-se em conter
as lágrimas, não se iria abaixo ali… enfrente dela
- Para que horas está marcado o teu voo?
- Para daqui a duas horas, mais coisa menos coisa… -
declarou ao olhar o pequeno relógio, disposto sobre a mesinha de cabeceira
- Queres que chame um táxi, para te levar ao aeroporto? O
meu carro ainda não saiu da oficina…
- Agradecia, amor! – sorriu-lhe em jeito de gratidão,
presenteando-a posteriormente com um beijo carinhoso no topo da cabeça – Mas
ainda tenho que me arranjar, primeiro! – proferiu já no corredor, indo na
direcção da casa de banho
Depois tomar um duche calmo e relaxante, Joana vestiu uma
roupa simples e fresquinha, tal como apelava a época do ano. Deixou secar os
longos cabelos claros e encaracolados ao natural, prendendo apenas a franja com
dois ganchinhos. Passou com lápis preto e rímel que lhe realçava os olhos
azulados, espalhando depois um gloss sem cor, mas brilhante, nos lábios. Enfiou
a pequena argola dourada no nariz, acabando por polvilhar o pescoço com o
cheiroso perfume de baunilha que Will lhe tinha oferecido no seu último
aniversário. Saiu da casa de banho e foi ao encontro de Sarah, que já se havia
disponibilizado para pendurar as duas malas de roupa mais a pequena de mão, à
porta principal.
- Estás pronta? O taxista já lá está em baixo à tua
espera! – informou-a com alguma tristeza comandar o seu olhar, por ver a amiga
partir
- Sim, estou pronta! – afirmou num tom conformista, tanto
estava pronta visionariamente, como pronta para abandonar a terra que a acolheu
durante quase três longos anos
Desceram até à entrada do prédio, sempre com o silêncio a
imperar todo o percurso e assim que se abeiraram do táxi, o taxista
prontificou-se a ajudá-las com as malas em cortesia e cavalheirismo, colando-as
no porta bagagens.
- Cuidas do Iokane? – perguntou-lhe com uma voz meiga,
pronta para ser rasgada pelo choro sereno a qualquer momento
- Fica descansada, eu trato dele! – assegurou-a limpando
rapidamente uma lágrima que tinha fugido do cantinho do olho – Prometes que
vais dando notícias? - inquiriu deixando fugir uma respiração entrecortada que
logo deu abertas a um choro soluçante
- Claro que sim! – assegurou-a rapidamente – Pede
desculpas ao Will por não me ter despedido dele!
- Fica descansada… - indagou morosamente fixando outro
ponto que não fosse o seu rosto, Joana sabia que ela não queria que se fosse
embora, no entanto como melhor amiga, Sara respeitou a sua vontade
- Vem cá! – disse ela, puxando-a contra si – Pronto… -
reconfortou-a nos seus braços, começando também a chorar – Eu prometo que venho
fazer-te muitas visitinhas, sim? – o sem tom calmo, serviu para apaziguar o
caraçãozinho de Sarah, que naquele momento encontrava-se de todas as formas,
menos tranquilo
- Está bem! – consentiu com a cabeça, quebrando o abraço e
enxugando o rosto pelas lágrimas humedecido
- Está na minha hora, Sara! – confirmou com o relógio de
pulso, voltando a pousar o olhar sobre o dela
- Sim… vai lá! – clareou a voz, assumindo uma nova postura
– Mas Joana… Não te metas em confusões, nem em sarilhos e por favor, tem
juizinho!
- Não te preocupes, eu sei muito bem tomar conta de mim, ‘tá?!
– empinou o seu narizinho, muito dona da razão – Agora vai! Xô, xô! Não gosto destas despedidas enfadonhas e lamuriosas! – brincou dando-lhe um ligeiro
empurrão provocado no ombro
Entrou no táxi e olhou a amiga uma última vez. “Eu
vou voltar!” – prometeu-lhe apenas com o gesticular dos lábios,
finalizando com um sorriso e um aceno de mão.
- To the airport, please!
***
Depois de fazer o check-in e de embarcar no avião, Joana acomodou-se
nos confortáveis assentos. E foi depois de se actualizar das novas notícias de
revistas portuguesas disponibilizadas no avião, ao som umas boas badaladas
reproduzidas pelo seu ipod e da hospedeira lhe inquirir se desejava tomar algo,
que adormeceu e só voltou a acordar quando aterrou nas terras Lusitanas.
Ao descer as indetermináveis escadas do transporte aéreo,
respirou de imediato uma lufada de ar fresco, proporcionada pelo regresso a
casa, regresso à cidade que a viu nascer: Lisboa. Tudo era característico a
Portugal… o cheiro a terra molhada da noite anterior; os raios rutilantes do
sol a fazerem as abertas por entre as fasquias da massa espessa das nuvens; a
língua materna a ser prenunciada em burburinho de fundo por todos os recantos
daquele aeroporto; a simpática; os sorrisos; os cheiros, os sons… tudo
continuava exactamente igual, desde o momento em que descolara no primeiro
avião para Nova Iorque… ia fazer três anos.
Saiu rapidamente do aeroporto e procurou um táxi
disponível. E assim que ajudou o senhor da casa dos setenta a arrumar as suas
bagagens e de ser ter aconchegado nos bancos de trás, voltou a baixar os óculos
de sol, preparando-se para uma viagem de sensivelmente meia hora.
- É para esta morada, por favor! – estendei-lhe o braço
com a mão segurar um papelinho, para que o Senhor o toma-se
Tinha-lhe dado a morada da casa dos avós paternos, naquele
momento era esse o único refúgio onde se podia e queria instalar. Não avisara
absolutamente ninguém da sua chegada, isso incluía família e claro, os velhos
amigos com quem nunca perdera o contacto. A viagem foi toda ela feita em
silêncio, com Joana a observar minuciosamente toda a paisagem que a rodeava
pela janela do carro, a passar por ela a km/h. Tudo respirava a Lisboa, tudo!
Sentia-se feliz por estar de novo no lugar a que pertencia, mas que já não
conseguia considerar mais como sendo seu. Logo às primeiras dificuldades foi
obrigada a abandona-lo, a esquece-lo, sem pedir quaisquer justificações,
abandonou-o e pronto. Agora não passava apenas de uma “clandestina” que iria
começar a vida do zero, naquela cidade que mesmo sem desconfiar, iria saborear
o doce sabor dos melhores e repugnar-se com os piores momentos da sua vida que
se asseguravam prestes. Os próximos tempos adivinhavam-se passados numa mórbida
viagem nos declives de uma verdadeira montanha russa… mas disso, Joana nem por
sombras conseguiria imaginar.
O táxi parou mesmo em frente ao portão da enorme mansão
dos Freitas de Andrade, e imediatamente um arrepio electrificante lhe percorreu
todo o corpo, provocando-lhe um ligeiro tremelicar por estar de novo naquele
local. Entrou, circundando toda a gigantesca rotunda, centrada por uma fonte
altiva e magistral, acabando por pousar as malas junto à porta principal. Depois
de ter tocado à campainha das antigas, foi uma questão de segundos até lhe
virem abrir a porta dupla, elaborada a madeira de carvalho vermelho, brilhante
pelo verniz… como fora desde sempre.
- Leonardo! – gritou num berro estridente assim que viu o
semblante tão familiar daquele homem de meia idade que Joana tanto prezava
Atirou-se de imediato para os braços dele, euforicamente
feliz por voltar a vê-lo. Leonardo era o mordomo da casa há mais de vinte anos,
que conviveu com Joana desde o seu nascimento até à altura… ela era a sua
menina. Um óptimo conselheiro e bom companheiro das horas vagas, chegaram a dar
longos passeios nocturnos pelo vasto jardim. Sempre portador de uma sabedoria
inigualável, pela sua conceituada experiencia de vida, Joana poderia considera-lo
como o seu melhor amigo mais velho. Leonardo sabia de todos os segredos da vida
dela, todas as curiosidades, todos os medos, conquistas, todas as relações
amorosas que um dia a magoaram amargamente e era no ombro amigo dele, que ela
chorava horas, pelos pretéritos que a atormentavam. Era homem de bons conceitos
e sobretudo de bom carácter, Leonardo envergava sempre um fato preto
perfeitamente engomado e uma fina gravata da mesma cor, com o cabelo penteado
exibindo uma polpa robusta e grisalha, e para além do seu cargo de duas
décadas, era também homem de família, mas que por escolha própria, juntamente
com a da esposa, optou por não ter herdeiros.
- Menina Joana… há quanto tempo! – disse ele, sempre no
seu tom terno e jovial, ainda a rodeá-la com os braços
- Meu querido Leonardo, fico tão feliz por te ver… Finalmente! – proferiu de olhos fechados e de queixo pousado no enchumaço de
ombro do casaco dele.
- Está tão crescida e tão… tão bonita! – fê-la rodar sobre
o seu próprio eixo para a poder vislumbrar melhor, sempre segurando-a
delicadamente por uma mão
- E tu continuas na mesma! Charmoso e elegante! -
recompôs-lhe a gravata golada, não que estivesse desenvencilhada, mas era
um hábito que Joana adquirira desde criança – Os meus avós, estão? –
inquiriu-lhe observando todo o esplendor da casa, digna de um artefacto de
museu… na esperança de encontrar os seus parentes mais próximos
- O Senhor seu avô não está, foi ontem numa viagem de
negócios lá para os lados de São Francisco, tratar de qualquer coisa dos hotéis
com o seu pai, e só deve chegar lá para o dia de amanhã! E a Senhora sua avó
está na biblioteca… Penso que esteja a escrever o seu último livro! –
revelou-me em jeito cordial fazendo um pequeno trejeito entusiástico com o olhar
- A minha avó está a escrever mais um livro? – a voz dela
trespassou surpresa mas acima de tudo felicidade, por ver que a sua avó estava
a investir de novo naquilo que fazia melhor: escrever
- Está pois! – consentiu ritmadamente com a cabeça – Já lá
vai para dois meses, que começou!
- Mas isso é óptimo! – bateu as palmas das mãos uma na
outra duas vezes rápidas, demonstrando assim o seu contentamento pela boa nova
– E achas que se for lá a ter com ela, a posso incomodar? - inquiriu agora, arqueando
a sobrancelha num arco perfeito, de modo inquisidor e vocacionando receio
- Ora, essa! – abafou umas leves gargalhadas olhando-a nos
olhos – Não vai incomodar absolutamente nada! A sua avó está cheia de saudades
da menina, vai ficar felicíssima por vê-la… garanto-lhe! – assegurou-a com um
sorriso ténue acentuar-lhe os lábios
- Então eu vou lá! – deu-lhe um beijo grato na bochecha e
dirigiu-se a passadas largas até à biblioteca
- Menina? – voltou a invocá-la, fazendo-a parar e olhar
para trás
- Sim, Leonardo?
- O que faço com as suas malas, que estão aqui fora?
- Trá-las para dentro e já vemos o que fazemos com elas! –
esboçou-lhe um leve sorriso e retomou o seu percurso
Deu dois toques ligeiros na porta coberta por vidros
cubados e como não ouviu nenhuma permissão de entrada provinda do outro lado,
rodou a maçaneta e espreitou, pondo a cabeça no lado de dentro. O seu olhar
fitou-a de imediato, debruçada sobre a secretária, a rasgar a tinta da
esferográfica sobre o papel branco, na sua postura altiva de senhora não de uma
idade muito a avançada, pois quem não conhecesse os seus bem constituídos
sessenta e quatro anos, ninguém diria que era portadora dessa idade… apenas as
rugas de sabedoria vincadas na testa e no pescoço, eram capazes de a denunciar.
- Avó, dá-me licença? – invocou quase imperceptivelmente,
com uma voz educada, mas foi o suficiente para que Sofia desse pela presença
anatómica da neta
- Joana? – retirou os óculos que até à altura permaneciam
encaixados na ponta do nariz, e ergueu-se do cadeirão, ainda abismada com a
figura de mulher que estava perante os seus olhos – Joana, filha! – apressou-se
a abrir os braços e a correr na direcção dela, para a receber no aconchego de
seu abraço
- Avó! – de olhos já esbugalhados foi ao encontro da sua
segunda mãe, aconchegando-se de imediato no abraço oferecido e foi assim que
sentiu a fragrância inebriante daquela essência que já tão bem conhecia, que os
seus olhos brotaram lágrimas de felicidade, assim como o seu pequeno coração que
se soltou rapidamente das amarras a que se tinha submetido nos últimos tempos,
longe dos que mais amava
- Senti tantas saudades tuas, minha querida! – proferiu
ternurosamente ainda no calor do abraço
- Eu também tive muitas saudades suas… Muitas mesmo! –
afastou-se ligeiramente tentando acalmar os soluços instaurados pelo choro
- Não me disseste que vinhas... Mandava alguém ir buscar-te
ao aeroporto! – sentou-se na cadeira num canto da biblioteca e mandou Joana
sentar-se na cadeira da frente, com uma pequena mesinha centrada entre as duas
- Pois, de facto não disse. Desculpe ter aparecido assim
de surpresa, avó! – censurou-se colocando a mala sobre o seu colo
- Oh minha querida, foi a melhor surpresa que me poderias ter
feito! – confortou-a abrindo os lábios num sorriso apertando a sua mão na
dela – E diz-me, vieste cá apenas de passagem para nos fazeres uma visitinha?
- Não avó, vim para ficar! – afirmou prontamente, muito
segura das suas ideias e objectivos – Queria saber se não se importava que
passasse aqui apenas esta noite, ainda não fui a casa… Nem sei em que preparos
a irei encontrar!
- Ora Joana, isso nem se pergunta! Podes cá ficar as
noites que quiseres, não tenhas pressa de te ires embora! – pausou brevemente,
enquanto denotava todo o corpo da neta – Estás cada vez mais bonita… uma
mulher! – um sorriso orgulhoso abundou nos seus lábios – Queres que mande a
Rosa preparar alguma coisa para comeres? Deves estar cheia de fome, depois da
viagem…
- Deixe estar, eu comi no avião! Na verdade ainda tenho
algumas coisas para fazer antes de me instalar…
- Que coisas, querida? Se é que posso saber, claro! –
perguntou-lhe com meiguice cruzando as pernas
- Preciso de ver o meu padrinho, matar as saudades e ir buscar
a minha mota, que deixei em casa dele quando me fui embora! Por acaso não sabe
onde o posso encontrar a estas horas?
- Bem, o Rui agora deve andar para os lados do Seixal… Muito provavelmente no treino do Benfica! Se lá fores podes encontrá-lo, com
toda a certeza! – as garantias eram certeiras, pois Sofia tinha falado com o
padrinho de Joana, naquela manhã
- Então é melhor lá ir agora, antes que se vá embora! –
ergueu-se da cadeira, colando a mala ao ombro
- Espera, vou mandar preparar o carro! – disse-lhe
erguendo-se também, para logo de seguida chamar o mordomo
- Leonardo, faz-me o favor de dizeres ao Zeca para
preparar o carro, que a minha neta vai sair! – pediu-lhe ela, sempre muito
educada
- Sim, minha senhora, digo já! Com licença! – consentiu
com a cabeça, retirando-se de imediato
- Avó, então? Eu podia muito bem chamar um táxi… Não era
preciso dizer ao motorista!
- Para que é que vais gastar dinheiro num táxi, se o Zeca pode fazer o favorzinho de te ir lá pôr! Era totalmente desnecessário, minha filha! – foi persuasiva nas palavras, sem deixar espaço para Joana ripostar
- Então eu vou andando, voltou mais logo, avó! – deu-lhe
um carinhoso beijo na testa, saindo da biblioteca e da mansão posteriormente,
rumo ao Seixal
Quando entrou no Caixa, arrependeu-se no mesmo instante. Aquele sítio trazia-lhe muitas recordações, boas, é verdade… mas que não
passavam de recordações, enterradas algures num pretérito.
Infelizmente, e para grande azar o seu, o treino já tinha
acabado, mas esse facto contudo, não foi impedimento para procurar o Rui. Tinha que admitir, os anos que não pôs ali os pés, corroeram-lhe a
memória, e os caminhos haviam sido completamente esquecidos… Nem portas de
saída encontrava. E sim, depois de ter andado alguns minutos às voltas, podia admitir estar aflitivamente perdida naquele recinto.
- Olhe, desculpe, desculpe! – apressou-se a correr na
direcção de um homem, assim que o avistou ao fundo do corredor, deixando que o
barulho ritmado dos saltos a colidir contra a pavimento, ecoasse por todos os
recantos
- Diga! – virou-se para ela, e fê-la dar um pequeno grito
em surdina, por ver a “torre bem encorpada” que era aquele homem
“Provavelmente um dos seguranças!” – equacionou mentalmente ao vislumbrar o aspecto rígido e durão que ele assimilava
- Sabe-me dizer onde posso encontrar o Dirigente
Desportivo… Rui Costa? – mordiscou o lábio inferior, enquanto enlaçava e
desenlaçava os dedos das mãos, num estado de nervosismo e ansiedade notório
- Desculpe, mas o Dr. Rui Costa neste momento não está
disponível para dar quaisquer entrevistas! - disse numa só respiração
perscrutando Joana com desdém, de cima a baixo
- Vai-me desculpar estar a desmenti-lo, mas olhe bem pra
mim… Olhe e diga-me! – arregalou-lhe os olhos de maneira a intimidá-lo, o que
foi uma total perda de tempo, visto que o homem nem deu sinais de vacilar –
Você acha-me com cara de jornalista? – amarrou os braços diante do peito
batendo com o pé direito no chão, de jeito irritante
- E não é? – torceu os lábios numa clara expressão duvidosa
- Claro que não sou, homem de Deus… Sou apenas a
afilhada dele! – esclareceu-o assim que teve oportunidade – E agora, vai-me
deixar falar com ele, ou não? – perguntou-lhe já ligeiramente aborrecida com
tanto impedimento, todo o tempo que estava ali a desperdiçar, podia ser chave,
para o perder e já não o ver nesse dia
- Sabe, eu não devia estar a fazer isto, mas se lhe
perguntarem, não diga que fui eu que lhe dei estas indicações! – precaveu-a de
imediato, antes que algo viesse a azedar para o seu lado – Está ali a ver
aquele corredor ao fundo? – confidenciou-lhe em tom de segredo, apontando para
o corredor com indicador a formar uma linha recta no ar, Joana apenas afirmou
com a cabeça – Atravesse-o e vá sempre em frente, depois vai encontrar outro e
aí vira à direita, sobe as escadas, vira novamente à direita e na segunda
porta do lado esquerdo vai ver uma plaqueta que diz “Direcção” é aí que ele
deve estar!
- Está bem, muito obrigada! E não se preocupe… - põe-se em
biquinhos de pés para lhe segredar ao ouvido – Fica um segredo só nosso! –
piscou-lhe o olho em sinal de promessa e seguiu o caminho indicado
Bem, não poderia considerar-se que “seguiu o caminho
indicado”, visto que já andava novamente às voltas naquele espaço.
“Mas porque raio, tenho a sensação que já passei por aqui?
Espera lá… pensa Joana, pensa!". Olhou em seu redor tentando descodificar o
lugar onde estava completamente sozinha, de facto andava às voltas, sem tomar a
direcção correcta "O homenzinho disse corredor esquerdo ou direito? Esquerdo
ou direito?" Voltava a repetir mentalmente. "Epá, desisto! Ando aqui feita
barata tonta e não encontro nenhuma porta a dizer 'Direcção' ”. Quedou-se por
instantes no mesmo lugar e ao olhar de realce para o corredor do seu lado
direito, encontrou alguém que supôs servir-lhe de bússola. "Finalmente que
aparece uma alminha!”, divagou em pensamentos, indo na direcção daquela figura
que permanecia voltada de costas e que aparentada visivelmente, pertencer a um
homem.
Aproximou-se de mansinho e clareou a voz, antes de se
prenunciar – Desculpe estar a incomodá-lo … - iniciou dando dois toquezinhos
nas costas dele, com os dedos – Mas será que me podia ajudar a… hum... - não
pôde dizer absolutamente mais nada, as palavras secaram-lhe na garganta assim
que aquele rosto angelical foi ao encontro dos seus olhos
Por momentos Joana esqueceu-se quem era, esqueceu-se do
que fora ali fazer e esqueceu-se de respirar. Agora o seu mundo era ali e
girava em volta dele. As suas faces ruborizaram a vermelhidão da timidez, o
seu coração começou a martelar forte no lado esquerdo do peito, ameaçando
romper-se das artérias, rasgar-lhe a pele e fugir do seu corpo, a qualquer
momento, e a sua cabeça latejava como se fosse vítima de uma bomba relógio,
pronta para assinar a sua sentença de morte num abrir e fechar de olhos.
Era ele! O homem que mais temia voltar a ver, voltar a
encontrar… estava ali mesmo, bem na sua frente! Aquele perfume delicioso e
delirante que fazia a cabeça dela andar à roda… aqueles olhos grandes que nem
objectivas e castanhos-avelã… aquele rosto de miúdo tingido pela barba de três
dias, que havia feito cócegas na sua pele… aquele corpo ténue e esguio que
desde sempre a fizera suspirar… aquela expressão de homem educado e simpático
num misto de um puto traquinas e rebelde… e aqueles lábios, aqueles lábios
carnudos e apelativos que um dia, outrora, haviam pertencido aos
seus…
P.S.: Às meninas que perguntaram, a música do blog é o tema "Need" de Hana Pestle! :)