Os dias que se seguiram correram como
uma celeridade que nem eu nem o Ruben contávamos. Talvez por estarmos
embargados num mundo que só a nós pertencia, protegidos por um amor que só nós
sentíamos, sortidos de uma felicidade que não queríamos que chegasse a um fim,
e por estas razões, talvez, o tempo fora comandado em ordem fugaz, que nos
passou diante dos olhos sem lhe conhecermos o verdadeiro instinto de
permanecer.
Seguiu-se então o aguardado dia da
viagem de regresso à nossa capital, um regresso acometido tanto por mim como
pela equipa da Luz, que ao fim de uma semana árdua de trabalho, estava pronta
para retornar a casa. E nessa mesma tarde rumei até ao quarto dos meus dois
rapazes, Ruben e David, pois queria despedir-me do meu rapagão, antes de
voltarmos a terras lusas.
- Oi, molequinha! – foi David que me
veio abrir a porta, presenteando-me com um sorriso lindo e rasgado, que se
dissipou naturalmente quando me beijou a bochecha
- Olá, David! – saudando também,
dirigi-lhe o mesmo sorriso e depois, ainda que com um certa dificuldade pela
sua corpulência, que me tapava quase a totalidade do interior que se escondia
atrás de si, dei uma espreitadela para dentro do quarto que se encontrava
plenamente passivo – Posso entrar?
- Claro, garota, entra aí… - arredando
levemente o seu corpo, abriu-me espaço e com a mão ligeiramente altiva no ar,
deu-me a indicação precisa para que eu invadisse o cantinho deles, e ladeados
atravessámos a pequena sala e ingressámos pelo quarto onde numa das camas, vi o
corpo de Ruben repousado – Depois do almoço o manz caiu na cama e ferrou…
- E achas que faço mal se o acordar? Ele
deve estar cansado…
- A mim que me pergunta? A namorada
desse babaca aí, é você! – disse numa voz esganiçada, mas suficientemente baixa
para não o despertar… ri-mos espaçadamente da sua interjeição, dando vez a
gargalhadas controladas que nos preencheram o íntimo – Mas então eu vou vazar,
pra deixar vocês à vontade…
- Não precisas de sair, David! Mas se
quiseres ir, eu também não te vou pedir para ficares… - um sorriso travesso
tomou caminho na autonomia dos meus lábios, que lhe souberam expressaram o meu
verdadeiro querer
- É, é… Engraçadinha! – desmistificando
a nossa vontade em ficarmos algum tempo sozinhos, David deu-me um beijinho leve
na testa e preparou-se assim para sair – Se comportem, ein? Juizinho! – disse
por fim antes de me deixar a sós com Ruben
Caminhei até junto da poltrona que se
prostrava ao lado da cama dele, e sentando-me confortavelmente, foi nela que me
deixei ficar a vê-lo dormir… Tão calmo, tão sereno… Reparei que nem se tinha
dado ao trabalho de se despir ou vestir outra roupa, pois sobre a colcha, ele
pernoitava com umas calças de ganga e uma t-shirt estampada que lhe envergavam
perfeitamente o corpo.
Dei por mim perdida num sorriso
puristicamente tolo e apaixonado, quando decorava pela milionésima vez, o seu
rosto iluminado pela claridade do quarto e esculpido a traços cuidados, os
quais haviam amadurecido aquando os meus três anos de ausência. Mas agora já
tudo era vago demais para ser relembrado, tínhamos concordado em obstruir o
passado com uma enorme pedra, e era assim que este iria permanecer… Longe da
felicidade que, certamente, o presente e o futuro se esforçariam para nos
recompensar.
Ao fim de alguns minutos vi-o mexer-se
dando sinais de que estava a despertar, e abrindo os olhos intermitentemente
enquanto se espreguiçava, fendendo com toda a tensão acumulado nos músculos,
deu pela minha inesperada presença pela primeira vez. Ao contrário do que eu
esperava, ele não me disse nada, em vez disso acomodou a cabeça na sua almofada
e por momentos permaneceu somente olhar-me, enquanto eu imaginava ele estar a
pensar em mil e uma coisas ao mesmo tempo.
- O que é que estás aí a fazer? – foi
ele o primeiro a falar, escondendo atrás de um sorriso que se esforçou para que
fosse contido, uma inquirição que eu viria a não compreender direito
- Estava a ver-te dormir… - respondi com
simplicidade, num tom pianinho que rezava para que ele não fizesse troça por me
ter apanhado em flagrante
- Eu sei que estavas… Só não percebo
porque é que o estavas a fazer aí, e não aqui ao pé de mim, onde é o teu lugar.
– rapidamente fiquei esclarecida, e no trejeito que expressou com o olhar,
li-lhe o pedido que em silêncio me fizera para me deitar junto a ele, e que
depois acabou por reforçar com palavras – Vem cá…
Correspondi ao seu pedido com a maior
das vontades. Descalcei as pequenas sabrinas que acompanhavam a saia negra de
cintura subida e um body florido e sem alças, na minha indumentária, e ao vê-lo
colocar-se de barriga para cima, deitei-me não no lugar vazio da cama, mas
sobre o corpo dele, que ansiava por se sentir confortado com o peso do meu.
No meio daqui tudo, acabámos por nos
beijar, certos de que não havia nada para ser dito naquele momento que não
pudesse ser traduzido num acto tão espontâneo de amor como era aquele. Sentia
as suas mãos calmas percorrerem-me as costas, ao passo de que a sua boca se
contentava em abocanhar-me e beijar-me com ternura o pescoço e ombros,
totalmente despedidos e totalmente disponíveis para receber os seus carinhos.
- Já fiz as malas e já me despedi do
Salvador… - referi com uma certa nostalgia a patentear-me a voz, revelando a
minha pequena melancolia em estar prestes a libertar Salvador da alçada de irmã
protectora que eu portava
- Como é que ele ficou? – os seus dedos
cuidados alentaram as minhas faces, e os seus lábios roubaram um selinho aos
meus
- Um pouco triste, mas também é normal,
estava a contar que eu ficasse cá por mais algum tempo… Mas eu sei que no fundo
ele compreendeu.
- Falaste-lhe de nós?
- Ele já andava desconfiado, mas acabei
por lhe confirmar as suspeitas… - falei, recitando-lhe depois as palavras
precisas de Salvador, quando relembrei sucintamente do nosso encontro ao final
da manhã – Disse-me que antes de irmos embora queria ter uma conversa contigo,
de homem para homem!
Ruben gargalhou prazerosamente ao ouvir
o recado deixado pelo meu irmão, e eu acompanhei-o – Vou ver se ainda consigo
arranjar um tempinho para estar com ele…
- Então e a tua mãe? Sempre chegaste a
falar com ela sobre nós? – nesse instante o meu coração encontrou um novo ritmo
para bater dentro do peito, um ritmo mais rápido e sobressaltado, que mais
tarde a expressividade de Ruben veio a agravar
Diante dos meus olhos ele adoptou uma
expressão subitamente mais séria, aquando da minha pergunta, o seu rosto
contraiu-se levemente e a ausência de uma resposta deixou-me mais inquieta do
que eu esperava.
Afastei o meu corpo do seu num rompante,
e ergui-me, para começar a espezinhar a alcatifa do quarto de um lado para o
outro, extravasando o tremor que me corrompia a alma por professar o
descontentamento, bem como a falta de apoio de uma pessoa que nos era demasiado
querida, tendo sido posta a par da nossa relação.
- Não, não digas nada… Prefiro que me
poupes às palavras! – ordenei, e mesmo continuando naquela agitação, consegui
vê-lo arrastar o corpo para trás e sentar-se à cabeceira da cama – A tua mãe
não gostou, não gostou da nossa aproximação e não quer que voltes a envolver-te
comigo… Eu sabia, eu já sabia… Mas também é normal, não é? Depois de…
- Ei, ei! Importas-te de parar um
segundo? – Ruben separou-se da cama num pulo hábil e aproximou-se de mim,
obrigando-me a parar com aquele vai e vem quando me puxou levemente pelo braço
– E importaste também de deixares de dizer disparates? És tão tolinha!
- Então mas… Tu disseste que… - fui
atropelando as minhas próprias palavras, pois não entendi o motivo do sorriso
grandioso que depois ele me mostrou, contrastando com o seu ar cabisbaixo de há
pouco
- Não, não… Ouviste-me a dizer alguma
coisa? Eu não disse absolutamente nada… Tu é começaste logo a fazer filmes
nessa cabecinha e a supor coisas que na verdade são outras!
- Então isso quer dizer que…
- Isso quer dizer que a minha mãe ficou
radiante com a notícia e está super feliz por nós! – eu nem tive de dar
continuação à minha suspeita, pois ele mesmo fizera questão de a completar –
Disse-me que nos quer lá em casa mal chegarmos a Portugal!
- Ai, amor! – foi inevitável não
expressar o meu contentamento e alívio, e jogar-me nos braços dele, que me
receberam no mesmo instante – Mas espera… Porque é que fizeste aquela cara
quando eu te perguntei? Deste-me a entender que ela tinha achado precisamente o
contrário…!
- É o que eu digo… És uma tolinha! – os
seus ombros encolheram-se despreocupadamente e rapidamente quentes gargalhadas
de troça inundaram os meus ouvidos, e eu apressei-me a afastar-me dele
- E tu és um parvo, um insensível! Tu
viste bem no estado em que eu fiquei? No estado em que me deixaste? Eu fiquei
preocupada seu… Seu parvo! – barafustei num tom claro de amuo, e comecei a
bater-lhe no peito com palmadas e socos, que ainda assim por mais que me
esforçasse, não eram fortes e severos o suficiente para o magoar
- Ai, amor, que bruta! Dói tanto… - uma
lividez de dor foi fingida pelo seu rosto e desmascarada no instante seguinte
quando o vi perder-se novamente em gargalhadas, pelo meu incansável, porém
desperdiçado, esforço – Mas bate-me, vá, e bate com mais força… Nunca ouviste
aquela expressão que diz “quanto mais me bates mais eu gosto de ti”? –
continuando a rir-se de mim, ele encheu o peito de ar, desafiou-me e eu alinhei
- Até podes gostar mais de mim, mas
neste momento eu estou a odiar-te!
- Mentirosa! – a sua força bruta
impediu-me que o continuasse a atacar, e agarrando-me nos pulsos travou o
movimento dos meus braços – És uma mentirosa, tu amas-me… Admite!
E admiti. Pendurei-me novamente no seu
pescoço, e prendendo as mãos à sua nuca, precipitei os nossos lábios a um
encontro. Senti-o pegar-me ao colo, os seus braços envolverem a minha cintura e
a puxarem-me bem forte contra si. O toque tangente e já necessário das nossas
línguas, que se envolveram até quase tocarem a exaustão, foi um ponto vital e
impulsionador ao momento que já aguardávamos, e que acabou por chegar.
- E que tal se fossemos tomar um banho?
Relaxar um pouco… - aproveitando a viagem dos seus lábios que me beijavam a
pele do pescoço, a sua voz voltou a soar mas desta vez num tom mais baixo junto
do meu ouvido, e satisfatoriamente envolvente para me fazer arrepiar
- Acho perfeito! – afirmei, copiando-lhe
o gesto que ele usou para me falar, e completando com um sorriso completamente
apaixonado que fiz intenção de lhe mostrar
Caminhando no seu colo, e sempre
envolvidos entre brincadeiras e novos beijos que surgiam, Ruben levou-me para a
casa de banho, e foi nela onde trancámos e permanecemos praticamente toda a
hora seguinte.
Enchemos a enorme banheira e deliciados
entre um relaxado banho de espuma, fizemos amor… Amámo-nos dentro e fora do
sentido figurado da palavra e ao extremo da vastidão do sentimento. Em cada
segundo que partilhámos, senti-me uma mulher irreversivelmente completa,
preenchida e realizada, como se pela primeira vez tivesse poder sobre mim mesma
e o resto de um mundo soberano a meus pés.
- A que horas tens de estar lá em baixo
para te encontrares com a equipa? – inquiri, enquanto ele continuava a firmar
os seus braços enlaçados em redor do meu tronco e as mãos sobrepostas na minha
barriga, deixando que as minhas costas permanecessem confortavelmente coladas
ao seu peito
- Às cinco… Ainda vamos ao restaurante
comer qualquer coisa antes de sairmos para o aeroporto! – murmurou, enchendo
depois o meu pescoço de beijinhos calmamente repenicados, quando descansei totalmente
a cabeça no seu ombro – Estava a pensar e… Tens planos para o resto do Verão?
- Ah… Sim, alguns, mas somente de
trabalho! Já tenho agendado algumas datas e vou andar a girar por aí em
desfiles, presenças, sessões fotográficas…
- Em Portugal?
- Também mas não só… Vou passar também
por Madrid, Londres… - acrescentei, recitando por alto os dois destinos que
marcavam data nos meus projectos de trabalho para aquele ano
- Hum… Mas não vais estar fora durante
muito tempo, ou vais? – voltou a perguntar, num sussurrar auspiciosamente
desassossegado que me confirmou todo o seu não-querer em nos afastarmos durante
longos períodos de tempo
- Não, claro que não… São só uns dias, e
além disso não vou andar constantemente a viajar! – por momentos notei-o
pensativo e consegui desmistificar a sua apreensão repentina em prol daquele
assunto – Relaxa, amor… Vamos ter todo o tempo do mundo para estarmos juntos e
conseguirmos fazer a nossa vidinha! – dei-lhe um beijinho leve nos lábios de
modo a tranquilizá-lo o melhor que podia – Então e tu? Tens alguma coisa programada
para além do trabalho?
- Ah… Tenho andado a pensar em voltar a
arrancar com o “Sorrisos Perfeitos”, estou com umas ideias novas e
gostava de avançar com elas!
- “Sorrisos Perfeitos”? – apesar
de já ter lido qualquer coisa sobre a fundação em revistas, não estava
totalmente dentro do assunto, visto que esta tinha sido criada nos tempos em
que eu estivera fora
- Sim, amor… É um projecto que eu
iniciei algum tempo depois de… Depois de teres ido embora! Destina-se a
crianças que não têm possibilidade de cumprir alguns dos seus sonhos, e
acredita que muitos deles são tão básicos que nós, erradamente, pensamos que
estão ao alcance de qualquer um, e eu apenas me limito a dar uma mãozinha a
essas crianças, de maneira a tornar esses sonhos possíveis e reais!
Um tom claramente entusiástico
arrastou-se na sua voz ao pôr-me a par daquele seu projecto, e um novo brilho
no olhar tornou-se inconfundível para mim. Sabia que tal como eu, Ruben adorava
crianças, e dar o seu nome e contribuir para causa tão nobre como era aquela,
deixaram os meus lábios a sorrir e encheram o meu peito de orgulho, pelo
coração e generosidade enorme, do homem maravilhoso que tinha novamente do meu
lado e que voltara a chamar de meu.
- Tenho muito orgulho em ti, sabias? –
rodei o meu corpo entre os seus braços e coloquei-me ligeiramente sobre si, de
maneira a voltar a perscrutar-lhe o rosto pigmentado por uma charmosidade e
encantadorismo que continuavam a fazer-me suspirar
- Tens? – os seus lábios reproduziram um
sorriso lindo, que eu poderia gabar-me de ser dedicado unica e exclusivamente a
mim
- Tenho… Tenho mesmo! – respondi-lhe
sinceramente, reconhecendo todos os valores e o bom carácter que desde cedo ele
aprendera a formar na sua personalidade já totalmente formada
A força que eu já lhe conhecia dos seus
braços, forçaram os nossos corpos a ficaram mais juntinhos, num aperto que nos
aconchegou – És minha!
- Hum… Só tua?
- Só minha, só minha! – nem a mais vaga
incerteza predominou no intervalo das suas palavras e se ainda restava em mim
alguma dúvida de que o meu coração estava sujeito à falta de um porto de
abrigo, naquele instante todas elas se dissiparam, pois tive a certeza absoluta
de que era Ruben quem o guardava no berço das suas mãos, disposto a cuidar dele
como cuidava da própria vida – E então… - a pontinha do seu nariz arrastou-se
no meu, e um sorriso travesso foi desenhado pela lacuna dos seus lábios, que me
expressaram uma única vontade – …onde é que nós íamos mesmo?
Ri-me da sua interjeição e fui apanhada
de surpresa quando os seus dentes se cravaram ternamente nas minhas clavículas,
que ele mordeu e beijou logo após. Rendidos a uma nova troca de mimos e
contemplados pela água morna do nosso banho, voltámos a fazer amor. Fizemos
amor com a maior calma do mundo, sem nos preocuparmos minimamente em nos
apressarmos para os compromissos que tínhamos agendados e aos quais não
poderíamos faltar, e preocupámo-nos apenas e somente em nós, em nós e no nosso
amor que conseguíamos sentir a ser fortalecido, a cada minuto que passávamos
juntos.
E era apenas isso que nós queríamos e
precisávamos acima de tudo: amar e sermos amados, sem interrupções nem limites.
***
- Parece que é agora, não é? Chegou a
altura de nos despedirmos…
Depois de tentarmos aproveitar ao máximo
o pouco tempo que nos restava, o Ruben fez questão de me acompanhar até à
porta, na antecipação de uma separação que nós rezávamos para que fosse tão
breve quanto possível.
- O quê? Não, não, não, isto não é
nenhuma despedida! Isto é só um… Até já! – um sorriso meigo aprimorou-lhe os
lábios carnudos, tentando afugentar a mágoa de uma despedida – porque aquilo
era, de facto, uma despedida – mas conseguia sentir ele estar tão apreensivo perante
a situação quanto eu – Vai ser difícil ir ter contigo no avião se não mesmo
impossível, e se não nos virmos mais entretanto, encontramo-nos em Lisboa!
- Sim… - concordei com um sorriso
inexpressivo, pois sabia que vermo-nos no aeroporto ou mesmo no avião seria
praticamente impossível, e aquando chegados a Lisboa, Ruben seguiria para um
lado ainda ao serviço da equipa, e eu teria que seguir para outro… e com tudo
isto surgia a minha derradeira incerteza de quando voltaria a vê-lo
- Não vou conseguir evitar as saudades…
Vou contar todos os minutos para voltarmos a estar juntos!
- Vai passar num instantinho, amor, vais
ver! – a minha intenção foi sempre a de tranquilizá-lo, mas se por um lado os
seus desassossegos se dissipavam, os meus eram alimentados por um presságio que
podia adivinhar vir a ser tudo menos bom, mas optei secretamente por não lhe
dizer nada, não iria preocupá-lo com os meus pressentimentos infundados – Amo-te
muito!
- Muito? – as suas mãos quentes
acolheram o meu rosto e os seus olhos fixaram os meus como dois imensos faróis
- Muito, muito, muito!
- Eu amo-te mais!
- Oh, não comeces! – forcei uma leve
gargalhada para evitar ceder à catapulta de um breve choramingar, que já ameaçava
emergir à linha de água das meus olhos
Ele aproximou-se para me beijar e eu
deixei que o fizesse quando os meus braços lhe rodearam o pescoço. Beijámo-nos
então, mas ao contrário do que queríamos e esperávamos anteceder, aquele não
foi um beijo transbordante de uma paixão extrema, como já nos havíamos
habituado a partilhar… Era sim um beijo demorado, triste entre lábios, que
quase podiam adivinhar a separação inconstante que não lhes dava a certeza de
se voltarem a encontrar tão cedo. Agarrei-me a ele com força e apertei-o
fortemente contra mim, desejando nunca mais voltar a largá-lo. Abraçando-me com
igual intensidade, senti os meus pulmões diluírem o ar que os alimentava quando
a cabeça dele se enterrou na dobra do meu ombro, e o meu pescoço foi polvilhado
de beijinhos molengões que me deixaram mais desconcertada do que reconfortada
pela sensação de carinho.
Voltei a procurar-lhe o rosto para lhe
beijar novamente os lábios e acabei por fazê-lo muito calmamente, saboreando
cada segundo, absorvendo tudo aquilo que havia para ser vivido.
- Eu encontro-te… - foram as últimas
palavras que ele me pronunciou num sussurro deambulado ao meu ouvido, já no meu
trespassar pela ombreira da porta, uma promessa que certamente tão cedo eu não iria
esquecer
***
Sabia pelo meu irmão que o meu pai tinha
regressado à cidade, mas ele não me voltara a procurar e como tal, eu fizera de
tudo para não nos cruzarmos naqueles últimos dias. Mais tarde voltei a debuxar
o caminho que já conhecia de cor, de regresso à suíte que naquela semana me
pertencera... Queria fazer os últimos ajustes nas malas antes de mandá-las
descer para a recepção, de maneira a conseguir despachar-me atempadamente, pois
faltavam aproximadamente três horas para o meu voo e se queria chegar ao
aeroporto sem pressas nem correrias, sabia que ainda teria de fugir ao trânsito
das avenidas principais.
Foi quando cruzava à minha esquerda para
alcançar a porta do meu quarto, que me vi obrigada a deter no meio do corredor,
pelos queixumes prenhados num tom doloroso que não me foram de todo
indiferentes.
Rodei sobre os meus calcanhares e
observei, junto à porta de um outro quatro, uma pobre mulher grávida que abraçada
à sua barriga, se contraía em dores que chegaram até a afligir-me. Num impulso
solidário, deixei tudo para trás e corri levemente até ela, disposta a auxiliá-la
tanto o quanto pudesse precisar.
- I’m sorry, are you feeling well? –
inquiri logo que cheguei junto dela, e agora mais de perto, pude confirmar a mim
mesma a enorme barriga que lhe aformoseava o corpo de mulher, e anunciava
claramente o final prestes da sua gravidez – Do you need something?
- No, no, thank you, I’m fine… It’s just… - uma nova contracção impediu-a de terminar o
discurso, e no mesmo instante senti a sua mão agarrar a minha e apertá-la
ligeiramente
- Are you sure? Maybe we should call
someone… - pelo seu estado cada vez mais debilitado, sentia que ela estava a
precisar de cuidados, e pela minha pouquíssima experiência naquele campo, não
tinha os recursos necessários para além dos básicos, para poder ajudá-la
sozinha
- No, it’s not necessary… I just need to lie down in
the bed and rest awhile!
- Okay, but then I’ll walk you to your
room… – era o mínimo que eu poderia fazer para a ajudar, não era muito mas
assim podia certificar-me também que ela ficaria bem, e antes que recusasse a
minha boa vontade, eu sobrepus-lhe a minha determinação – …I insist!
Desta feita e para meu maior alívio, ela
não me contradisse e consentiu o meio apoio com um breve vergar da cabeça,
agradecendo-me somente com um sorriso honesto. Pelos traços leves do seu rosto,
pela brandura e jovialidade que lhe denotei num simples relance, apercebi-me de
que não deveria ser muito mais velha do que eu, talvez por somente uns quatro
ou cinco anos, e inesperadamente esse facto ajudou a que uma cumplicidade
espontânea fruísse e crescesse entre nós.
Contornando-lhe os ombros com o braço
enquanto se apoiava também na minha mão, caminhámos calmamente até ao seu
quarto que felizmente não ficava afastado da zona onde a tinha encontrado.
Entrámos e ajudei-a a sentar-se na cama, aconchegando-a com almofadas que
acomodaram as suas costas, provavelmente doridas pelo esforço cada vez mais intensivo
dos últimos meses da gestação.
- Thank you for your care! – agradeceu-me
num meio tom de voz meigo, enquanto eu me esforçava por consegui-la acomodar na
posição mais confortável possível – Can you tell me your name?
- Joana… I’m Joana! – respondi educadamente
e com um sorriso, vendo que as contrações tinham dado algumas tréguas e
abandonado o seu corpo naqueles instantes
- Thank you so much for you concern and help, Joana,
and my apologizes if I took much of your time.
- No, it’s okay, I wanted to make sure that you would
be alright.
- Yeah, there were only a few contractions, it’s quite
normal for this time of pregnancy… I’m
alright now! – as suas mãos acariciaram o seu ventre totalmente formado e um
olhar terno foi compartilhado comigo – I’m Olivia, by the way! – apresentou-se enfim,
com um sorriso simpático a conotar-lhe os lábios rosados e depois o vácuo entre
nós foi ocupado pelo silêncio, o qual eu não evitei preencher ao contemplar-lhe
embevecida, a barriguinha perfeita que protegia uma nova vida prestes a nascer
- So, Olivia, I have to go now, do you need anything
else?
- No, you can go. Thanks again!
- I hope everything goes well with the
baby, and wish you the best! – desejei sentidamente, na certeza de que em breve
se iria deliciar com os prazeres da maternidade… muito mais cedo até, do que eu
e mesmo ela, esperávamos
Consciente de que aquela era a primeira
e muito provavelmente seria a última vez que a veria, despedi-me na
simplicidade de um curto aceno e caminhei por fim até à porta do seu quarto e
preparei-me para sair, mas um grito impetras que ecoou em todas as paredes, bloqueou-me
toda a capacidade de movimento e exigiu que eu ficasse por mais um tempo.
Voltei a percorrer a pequena sala que
antecedia ao quarto, desta vez atravessando-a em passadas amplas e mais
rápidas, e juntei-me novamente a ela, que uma vez mais se contorcia em dores
fatigantes.
- Olivia, what happened?
- Contractions… Contractions came back
and are stronger… – anunciou, fazendo um esforço desumano para conseguir falar,
e diante de mim vi-a fechar os olhos com força e morder o lábio inferior, num
intento vão de serenar as cólicas cada vez mais fortes e constantes
- It’s better to call someone! –
enunciei totalmente disposta a pedir ajuda, e precipitei-me rapidamente até ao
telefone que preenchia a mesinha de cabeceira ao lado da cama
- Oh my god…
- What? – com o auscultador junto ao
ouvido para marcar o número, olhei-a num só relancear, ao escutar o seu declamo
intemperado de aflição pelo pronuncio de (boas) novas
- My waters… My waters are breaking! –
uma lividez de pânico demarcou-lhe o rosto canonicamente preocupado, pelo que
deveria fazer a seguir
Aproximei-me e olhei o fluxo incolor que
se defluía entre as pernas desnudadas pelo vestido que ela usava, e se
propagava sobre a colcha da cama… Era o sinal claro de que o bebé estava pronto
para nascer. Sabia que não havia motivos para alarme, e por muito nervosa que
eu estivesse por me ver confrontada com uma situação nova e totalmente
inesperada na minha vida, tentei tranquilizar Oliva ao máximo. Preparei rapidamente
umas toalhas que recolhi na casa de banho e ajudei-a a colocá-las de modo a
embeberem o fluido precipitado das águas, e só depois liguei ao serviço de
urgências.
- 911 emergency? – ouvi uma voz feminina
e educada do outro lado da linha, pronta a ouvir o meu pedido de socorrismo e
imediatamente um suspiro de alívio abandonou a minha alma
Expliquei-lhe calmamente a situação, e
como resposta recebi algumas indicações do que deveria fazer, incluindo a de tentar
serenar as emoções e a ansiedade da futura mamã, que eu poderia testemunhar estarem
à flor da pele. Disse-me que viria uma ambulância ao hotel, e depois de lhe
indicar o número do quarto onde nos encontrávamos, a chamada foi desligada
assim que me prometeu que a chegada de assistência médica iria ser tão breve
quanto possível.
- I didn’t expect that my baby could
born on this days, there’s still missing a few weeks to make the time! –
sentei-me ao lado dela e uni as nossas mãos, na intenção precativa de lhe
conseguir transmitir toda a força e fazê-la acalmar perante a certeza de que
não estava sozinha
- Try to relax, okay? Everything will be
fine, I’m here with you! – promulguei entre palavras de bonança e depois, tal
como me indicaram ao telefone, comecei a cronometrar-lhe as contracções, que a
apesar de já não serem tão fortes, tornaram-se mais constantes e consequentemente
reguladas
- Can you please call my husband? My cell phone is
there… inside my bag!
- What’s his name? – perguntei-lhe
aquando detive o iphone nas minhas mãos
- Search for John Levesque…
Procurei o nome dele na lista de
contactos e fiz a ligação assim que o encontrei. Ouvi chamar vezes
indetermináveis do outro lado, mas as duas chamadas que fiz acabaram por ir parar
ao voice-mail, e desta maneira a possibilidade de contacto foi-me negada.
- There’s no answer, Olivia… He doesn’t
pick up the phone! – comuniquei, premindo o botão para que nenhuma mensagem voz
fosse enviada ao receptor da chamada
- It’s normal… He should still be in the
press at the meeting, that’s why we came here! – um sorriso triste foi
directamente transmitido aos meus olhos, pela ausência do marido numa ocasião
tão importante como aquela, que tal como ela me disse, deveria ainda estar numa
reunião de negócios… daí não poder atender qualquer chamada
Sensivelmente vinte minutos depois já
estavam dois paramédicos a bater-nos à porta do quarto. Mandei-os entrar e
guiei-os até à cama, onde Olivia permanecia envolta em contracções que voltavam
– agora não de cinco em cinco, como há instantes, mas sim – de três em três
minutos, e toalhas cada vez mais ensopadas pelas águas que até então ainda
corriam. Eu limitei-me a pegar no malote e uma pequena mochila com as coisinhas
do bebé, para levar para o hospital, as quais o casal tinha trazido para
prevenção.
Prepararam a Olivia numa cadeira de rodas
e foi no elevador que nos deslocámos até ao rés-do-chão. Segui-os até à
ambulância onde permaneciam à nossa espera mais dois bombeiros, que seguiam à
frente no veículo, e aí transferiram-na para uma maca e sempre cuidadosos em cada
movimento, colocaram-na dentro da viatura.
- Please, come with me… I feel I’ll need
you on my side… - se a mais breve intensão em deixá-la me ocorreu ao pensamento
debilitado, rapidamente essa hipótese foi descarda ao ouvir o seu pedido
suplicante… não podia nem iria deixá-la sozinha agora, não depois de tudo, e
foi com essa certeza iminente que também subi para a ambulância e me sentei ao
seu lado, vendo-a ser assistida
O hospital mais próximo ficava entre
vinte a trinta minutos de distância do hotel, e com uma dilatação progressiva
de Olivia bem como as contrações firmemente constantes e reguladas num intervalo
de tempo cada vez menor, a probabilidade de entrar em trabalho de parto ali
mesmo, era posta em causa a cada minuto ardido pelos contadores do
relógio.
Dentro da mala dela, que também eu tinha
trazido, o seu telemóvel tocou, despertando sinais de uma pessoa muito
esperada.
- John? – inquiri logo que atendi a
chamada, certificando a mim mesma que falava com o próprio
- Babe? – uma voz masculina surgiu no
segundo seguinte aos meus tímpanos, e a maneira como falou, deu-me as garantias
precisas de estar em contacto com o marido de Olivia
- No, it isn’t Olivia, I’m Joana and I am
with your wife! – esclareci, preparando-me para lhe dar então a notícia,
evitando que ele me começasse a bombardear com perguntas ao primeiro instante –
Listen, John, I’m with your wife in the ambulance and we are going to the
hospital, Saint Francis Hospital, she’ll have the baby!
- Wh… What? Our baby will be born? But… Today? I mean,
now… Right now?
- Yes, but you must to be calm… Everything will be okay! – tranquilizei-o também a ele, pois
era-me claramente perceptível apenas pelo telefone, o seu nervosismo e
ansiedade pelo nascimento daquele que seria provavelmente o seu primeiro
rebento
- How she is? – aquela pergunta fez-me
olhar instintivamente para Olivia, e pelas feições catapultadas sob véus de
dor, desvendei-lhe o enorme sacrifício em não transmutar os gemidos em gritos
libertadores
- She’s fine… with many contractions, but fine, she’s
strong!
- Okay, I go to the hospital right now… Thank you! – sem me dar a oportunidade de dizer o que quer
que fosse, ele mesmo desligou a chamada, denunciada pelo sinal intermitente a
que a linha se cingiu
As minhas atenções voltaram então a
recair novamente sob Olivia, onde vi limparem a sua testa e rosto com toalhas,
que lhe iam secando cada gotícula de suor que lhe transpunha a pele. Mantive-me
ao seu lado acariciando-lhe o cabelo, pedi-lhe que tivesse calma e que
continuasse a ser forte, numa promessa de que tudo iria correr bem.
A minha surpresa deu-se quando ouvi os
paramédicos conversarem entre si, e recorrendo ao dever de fazerem uma segunda
observação, afirmaram que não haveria tempo suficiente de chegarmos ao hospital
antes do parto… O bebé teria que nascer ali. A ambulância teria obrigatoriamente
de interromper o seu percurso e felizmente, como não seguíamos pela
autoestrada, não tivemos grandes dificuldades em conseguir estacionar.
Apercebi-me que Olivia estava assustada,
naturalmente mais do que eu, mas esforcei-me para lhe transmitir todo o apoio
que ela precisasse.
- It’s okay… I’m here! – assegurei-a,
num afogo de encorajamento que eu esperei ela conseguir sentir como uma força
de alento inquebrável
Vi os paramédicos que seguiam na parte
da frente do veículo juntarem-se a nós e aprontarem os materiais trazidos em kits, especialmente preparados para uma
eventual ocorrência de parto.
Prepararam Olivia com todos cuidados
necessários como se estivesse numa sala de parto, e os instantes seguintes,
decerto, eu nunca os iria esquecer por muitos anos que passassem.
Num recurso de apoio ela segurou a minha
mão com força e foi apertando-a quando as suas energias a obrigavam a erguer
escassamente o tronco, para assim fazer força e empurrar o bebé. Fiz todas as
respirações com ela, gritei juntamente com ela e sofri com ela, como se também
eu estivesse no seu lugar. Depois, ao fim de alguns minutos que deixaram os
nossos corações a bater mais rápido, como se tivéssemos sido abençoados pelo
maior milagre, o silêncio tenebroso que se tinha instalado entre nós fora por
fim rasgado por um choro berrante e igualmente libertador de um bebé-recém
nascido.
Os meus olhos encheram-se de lágrimas ao
ver o cordão umbilical ser cortado, e o bebé ser cuidadosamente limpo pelas mãos
que o pegavam… Olivia voltou a tombar sobre a maca, exausta por todo o esforço
que fizera, mas com um sorriso de extrema felicidade que lhe preencheu o rosto,
agora relaxo. Sem eu estar à espera, a paramédica que estava junto a mim,
colocou a criança no colo apaziguo dos meus braços, e ao olhar aquele ser
perfeitinho, e devido à emoção que estava no auge, não consegui controlar as
lágrimas, que cederam e rolaram em linha pelos já desenhados caminhos do meu
rosto. Ela era uma bebé rechonchudinha e chorona, perfeitamente saudável.
- Hey, sweety… - os meus dedos roliços alcançaram
delicadamente a pele do seu rosto, puristicamente intocável e sã, e os seus
olhos grandes e escurinhos abriram-se num único pestanejar, abrindo as janelas
para um novo mundo ao qual ela já pertencia
Partilhando da ansiedade que Olivia
sentia por abraçar finalmente a filha por quem tanto esperara, entreguei-lha em
seus braços, inegavelmente prontos para receberem com toda a esperança, amor e
carinho que tinha para lhe oferecer… O miminho mais lindo do coração de mãe,
que havia nascido.
***
- Ah… John? – surgi nas costas de um
homem que vi chegar apressado junto à recepção e pedir informações, e sem ainda
ter certezas a quem me dirigia, arrisquei no meu palpite
Tínhamos chegado à maternidade
juntamente com a equipa médica que tinha sido chamada ao local, assistindo
também a mãe e filha, para que não houvesse quaisquer complicações após o parto.
Eu permaneci na sala de espera,
praticamente vazia, quando elas foram levadas para continuarem a ser
assistidas, e sentada numa das cadeiras, aguardei pela advento de novas
notícias, mas a chegada súbita de um outro alguém fez-me erguer imediatamente.
Apanhei-o desprevenido ao intersectá-lo pelas costas, e ouvindo a minha
invocação, ele rodou o corpo no sentido do meu, e aí fiquei certa de que era
ele quem eu procurava.
John era um homem jovem extremamente
bem-parecido, alto, e trajava um fato que o nomeava como sendo um típico homem
de negócios.
- I spoke with you at the phone… -
voltei a falar, na esperança que ele me reconhecesse
- Oh, yeah… You are, ah… Joana, right?
- Yes, it’s me! I was with your wife at the hotel when
she started having contractions…
- I’m sorry, I thought that you were a medical or
something like that… But tell me, how is my wife? Is everything okay with her
and the baby?
- Yes, don’t worry, everything is great.
– afirmei passivamente, testemunha de que o momento mais doloroso tinha já
passado, e que agora somente eram esperadas alegrias e novos momentos em
família mais felizes e preenchidos – Olivia is fine, and congratulations… You
have a beautiful baby girl!
Ao ouvir a notícia que eu mesma lhe
tinha dado em primeira mão, um sorriso delirantemente belo fez o encaixe derradeiro
à tona dos seus lábios.
Num impulso totalmente inesperado aos
meus sentidos, ele abraçou-me fortemente, reconfortado com a emoção do momento
e certamente grato não só pela boa-nova que eu lhe tinha transmitido, como
também pela ajuda que eu havia prestado. Sorri no meio daquela situação, era
impossível não o ter feito, e acabei mesmo por corresponder àquele abraço,
quase conseguindo tocar a felicidade imensa que ele sentia.
- I leave you my contact, so that you
can give me news about Olivia and the baby… - disse, passando-lhe para a mão um
pequeno papel onde há segundos atrás havia rabiscado o meu e-mail, pois
continuava sem telemóvel – I liked to stay, but I have to go… I still have a
plane to catch, so…
- It’s okay, you can go… I promise that we send you news! – despedimo-nos com um
simples olhar retrocado e um sorriso cúmplice, mas quando já ia atravessar as
portas de acesso à saída, a sua voz fez-me olhá-lo de novo – Joana… Thank you!
– foram as últimas palavras que eu ouvi da sua boca, antes de seguir o meu
caminho
Saí disparada da maternidade e apanhei
um táxi na praça. O tempo estava a apertar e fui direita ao hotel para fazer o check-out e assegurar-me do despacho das
minhas malas para o aeroporto, como eu havia solicitado aquando estava ainda na
maternidade. Pela informação que me apressei a recolher na recepção, foi a de
que, tal como eu já contava, a comitiva encarnada tinha abandonado o hotel há pouco
mais de duas horas, o que só me deixou ainda mais ansiosa por conseguir também
sair o quanto antes. Como tal não tive tempo de tomar um duche nem trocar de
roupa e no mesmo táxi que me esperava, segui então para o aeroporto, rezando
para que novas adversidades não me interceptassem o caminho.
- Excuse-me, Sr., but can you go faster?
– perguntei educadamente ao taxista, alarmada pelas horas apertadas que me
denunciou o meu relógio de pulso, sabendo que ainda teria de atravessar
praticamente toda a cidade, e o trânsito concentrado nos viadutos dificultava em
muito essa tarefa
- I can’t go any faster than I’m already go, Miss… All accesses are prevent by traffic! – com um olhar de
lamentação por nada poder fazer, ele enxergou-me pelo retrovisor vendo-me
tombar o corpo pesadamente no banco detrás, tentando conformar-me com a sina
que me fora destinada
Quando cheguei ao aeroporto, com as
minhas sabrinas a soquearem a tijoleira, antecipei-me ao balcão de atendimento
para confirmar o embarque das minhas bagagens, tentando a custo esgueirar-me
por entre a multidão de pessoas que viandava de um lado para o outro entre
partidas e chegadas. Por entre tantas correrias e contratempos, pude dar graças
a Deus por ter feito o check-in online
do meu voo, no dia anterior.
- Oh, sorry, but this plane is no longer
on track… - informou-me a funcionária de atendimento, depois de olhar os meus
documentos e a passagem
- I’m sorry… What? – inquiri com um
sorriso tolo nos lábios, esperando ter ouvido um mero engano
- The plane to Lisbon has already taken off… Five minutes ago! – o seu indicador ergueu-se no ar formando
uma linha recta, e o meu olhar acompanhou-o, estacando apenas no painel de
partidas que afirmava a descolagem bastante precoce para mim, do avião o qual eu
deveria ter embarcado
- Eu não acredito… Que merda de sorte! –
reprovei num sussurro por um sopro de desesperança que abandonou a minha alma,
aquando de um bafejo de maré de azar precipitada se atracou em mim naquele
instante – And there’s nothing that can be done?
- If you want I can do the markup of your passage to
the next flight…
- Yes, yes… That would be great! What time? – perquiri, chegando até a ter esperança de que
ainda havia solução, mas no momento seguinte nem uma mera réstia sobrou
- Let me see here… Lisbon, Lisbon… -
murmurejou, dando uma vista de olhos pela lista de registos do seu computador –
Here is! The next flight
is tomorrow at the end of the night.
- Tomorrow night? No, it can’t be, I can’t… I can’t wait that long… - afirmei, tomando em mim a certeza
de não poder contactar Ruben durante um período de tempo tão grande, e
consequentemente não poder deixá-lo a par da minha retenção por mais um longo e
demorado par de horas em São Francisco – There isn’t another flight to Lisbon
earlier?
- No, this is the only one on there. I’m so sorry, but
this is all I can do for you…
- Okay, thank you anyway! – voltei a
pegar nos meus documentos, guardei-os na mala e caminhei, ainda sem saber ao certo o que
fazer e para onde ir
- Joana…! – pude ouvir ao longe, como
uma reprodução de voz demarcada como fundo, e por me ter fiado em supostas
alucinações que poderiam estar a enfatizar-me, optei por agitar
a cabeça e ignorar
E era isto. Tinha perdido o voo. De tudo
o que de pior me poderia acontecer, tinha logo que ter perdido o voo, e ainda
para mais por um atraso ínfimo que só me deixou mais revoltosa comigo mesma.
Confesso, tinha algum receio da
retrospectiva de Ruben quando se apercebesse que eu não tinha viajo com ele no
mesmo avião, e não tanto pelas razões que ele pudesse pensar que me levaram a
ficar por mais um tempo em São Francisco, mas decerto pela preocupação que eu
sabia ele vir a sentir a partir do momento em que não me encontrar Lisboa
depois do “nosso” regresso. Queria falar com ele, precisa fazê-lo, mas não tinha
como… Não trocáramos de número porque até então não fora uma necessidade para
nós, pois conseguíramos sempre arranjar forma de nos encontrarmos, e mesmo que
tivéssemos trocado, agora não me serviria de muito pois continuava ausente de
um novo telemóvel. Dos nossos amigos mais íntimos, tinha o de David e de
Adriana, mas não os sabia de cor para também contactá-los, e então um sufoco pela
minha impotência em fazer algo, apertou-me o peito de uma maneira impiedosa,
suficientemente angustiante para suprir os batimentos desacertados do meu
coração.
- Joana! – de novo aquela voz grave,
inegavelmente de homem, surgiu nas minhas costas e senti-a cada vez mais perto
a cada segundo findado… rodei sem pressas e sob a minha retaguarda vi o meu
agente, Pedro, que numa correria desenfreada fez um esforço descomunal para
conseguir chegar até a mim sem embater acidentalmente em ninguém – Joana…
Logo assim que me alcançou não me deu
tempo para lhe dizer o que fosse, e abraçou-me rapidamente, contente por me
encontrar depois de toda àquela pressa em que se esforçou por chegar até à
minha beira, e deixando-me sem uma reacção decentemente correcta para retribuir
aquele abraço, que se mostrou curto mas incrivelmente robusto.
- Pedro? O que é que estás aqui a fazer?
– inquiri mal tive oportunidade de fazê-lo, naturalmente intrigada em tê-lo ali
- Se não te importas gostava de começar
eu a fazer as perguntas… - aguardava por lhe descobrir o seu sorriso
habitualmente jovial nos lábios, mas a preocupação denunciada pelos seus olhos
castanhos foi clara para mim – Por onde tens andado, miúda? Tenho tentado falar
contigo nestes últimos dias e tu nada, mando-te montes de mensagens, farto-me
de te telefonar e nada, não me tens dito absolutamente nada… O que se passa?
- Desculpa, desculpa! – perdoei-me
rapidamente, consciente de que ele iria compreender os meus motivos logo que
esclarecidos – Tenho estado desligada da internet e há coisa de uns dias perdi
o meu telemóvel, não tinha maneira de conseguir falar contigo, desculpa…
- Deixaste-me preocupado, pensava que te
tinha acontecido alguma coisa…
- Não, está tudo bem, foi só mesmo isso!
– um sorriso alentado abriu caminho entre os meus lábios somente por dois
segundos, e pude senti-lo tranquilizar coma
minha resposta – Mas diz-me, o que estás aqui a fazer? Quiseste
confirmar com os teus próprios olhos se estava realmente tudo bem comigo, foi?
– soltei uma breve gargalhada, e ele acompanhou-me, embora que de uma forma mais ligeira
- Também mas não só… Com não consegui entrar
em contacto contigo para te pôr a par dos assuntos, não tive outra alternativa
senão a de apanhar o primeiro avião para aqui pra te vir buscar!
- Para me vires buscar? Que conversa é
essa? – o meu sobrolho crispou-se num só movimento e uma nova dúvida impetras
colocou-se no meio de nós
- Lembraste de há tempos termos
respondido ao anúncio da nova campanha da Dolce? Chegaste inclusive a fazer o
casting, os testes de imagem…
- Sim, claro que me lembro… Nessa altura
ainda estava em Nova Iorque! – concordei, relembrando sucintamente a
“normalidade” de vida que levava em ordem dos meus estudos e carreira
profissional, quando ainda não tinha trilhado entre caminhos passados deixados
em Portugal – Ficámos à espera de uma resposta mas a concorrência era bastante
forte, então…
- Pois, exactamente, e eu cheguei a
pensar o mesmo, até receber um certo telefonema…
- Que telefonema?
- Parece que tu foste bastante mais
forte que a concorrência e foste escolhida para seres a imagem de marca da nova
publicidade do perfume! – referiu com um entusiasmo total a espicaçar-lhe a voz
e eu permaneci anatómica àquela inesperada, porém maravilhosa notícia – A
agência contactou-me e eles querem-te a ti, Joana… A ti!
- A Dolce Gabbana quer-me a mim? A mim?!
Meu Deus, eu nem sei… Eu nem sei o que dizer! Não estava nada à espera… - as
minhas mãos cobriram a minha boca que formaram um “o” perfeito, assim como o
meu rosto que se contraiu numa expressão de absoluta admiração e alegria – Isso
é fantástico!
- É, é fantástico, e é por isso que
temos de ir já para Punta Cana… Eles querem começar a gravar o anúncio o quanto
antes!
- O quê, mas agora, Pedro? Temos que
viajar para Punta Cana, agora? – tão rapidamente como o forte entusiasmo me
assaltou, da mesma maneira ele se apressou a desvanecer, pelos motivos óbvios e
que entre nós dois, só eu sabia
- Sim, mas porquê? Há algum problema? De
qualquer das maneiras ias voltar para Portugal, agora… É por isso que estás
aqui, não é?
- Sim, é, mas… - o meu olhar vergou-se
perante as circunstâncias e a minha voz esmoreceu drasticamente, impedindo-me
de continuar a discursar
- Então anda, quero contar-te os pormenores…
- ele puxou-me pela mão e numa fila corrida de cadeiras, ele forçou-me a sentar
numa, para puder assim colocar-me a par de tudo
Conversámos sobre aquele novo projecto
durante alguns minutos, ele falou-me das indicações que a agência
lhe tinha transmitido para a publicidade a qual eu iria protagonizar,
juntamente com outro modelo, que da mesma forma havia sido seleccionado em prol
das características precisas e exigentes de quem comandava a campanha. Eu
limitei-me a ouvi-lo atentamente, e senti, apesar de estar envolta num extremo
orgulho e alegria pelo meu reconhecimento e evolução profissional, que Pedro à
notado o meu esforço por lhe esconder a apreensão que também me dominava.
- Então se perdeste o avião e o próximo
é só amanhã ao final da noite, não ias voltar a Portugal tão cedo! Não percebo
porque razão estás assim por termos agora que viajar em trabalho… Pensava que
era isto que querias…
- E é, é o que eu quero, mas aconteceu
muita coisa por aqui nesta semana, e hoje era suposto eu regressar a Lisboa,
mas não sozinha!
- Se me quiseres explicar o que
aconteceu nesta semana e com quem era suposto regressares a Lisboa, para além
de te ficar agradecido, eu seria todo ouvidos…
Por aquela sua insistência eu não vi
outro ponto de fuga se não aquele de lhe contar tudo o que acontecera naquela
semana, e referenciar os contratempos e coincidências que boicotaram aquele meu
dia, alterando o seu roteiro drasticamente. Não era minha intenção falar-lhe
para já do recomeço da minha relação com Ruben, pois era um assunto demasiado
importante que eu queria partilhar tranquilamente com as pessoas que me eram
mais próximas, mas apesar de aquele momento para mim ser tudo menos tranquilo
em emoções, vi-me forçada a fazê-lo.
- Ouve, Joana, não precisas de ficar
assim, tu conheces o Ruben tão bem ou até melhor do que eu, e garanto-te que
ele vai compreender a tua posição quando lhe explicares o porquê de não teres conseguido
ir com ele, e o que te levou a adiar o regresso só por mais uns dias… -
certificou-me, seguro em cada palavra que proferia
- Sim, eu sei que o Ruben vai
compreender, e não é isso que está aqui em causa… Mas sim quando e como lhe vou
dizer, não te esqueças que não tenho forma de o contactar!
- Eu tenho o número dele, não te
preocupes! De qualquer das maneiras as gravações vão durar apenas dois dias,
depois quando voltarmos podes explicar-lhe tudo com mais calma e à vontade! – com
a delicadeza que eu já ele conhecia, ele afastou dos meus olhos e segurou atrás
da minha orelha, a pequena mecha dos meus cabelos amarrados pelos óculos de sol
que tinha no topo da cabeça – Bem, mas então é melhor eu ir fazer o check-in que já não tarda muito para o
voo, e as filas de atendimento estão enormes…
Levantando-se, segurando na mão as
nossas passagens que já tinha reservado, um sorriso sereno preencheu-lhe os
lábios na totalidade ao olhar-me, mas eu não me senti capaz de retribuir, não
de igual forma. Vi-o afastar-se e depois tornou-se confundível aos meus olhos
quando se encruzilhou entre as muitas pessoas que preenchiam com vida e
agitação aquele aeroporto.
Vencida pela exaustão daquele dia que
ainda não tinha terminado, deixei a minha cabeça tombar entre as mãos e os meus
cotovelos apoiarem-se sob as coxas das minhas pernas, tentando, numa tentativa
totalmente vã, encontrar uma melhor posição que amenizasse o forte pesar do meu
coração, o aperto do meu peito e um mau pressentimento que não me deixava respirar.
Ali estava eu, a poucas horas de
embarcar no avião com destino às ilhas paradisíacas da República Dominicana, em
vez de embarcar em direcção ao meu próprio destino… Naquele momento uma vaga
imagem atravessou os meus pensamentos, e a voz de Ruben imperou na minha
memória ao recordar o que ele me dissera naquela tarde nas garagens do Colombo:
“Um dia a nossa história começou para
nunca mais acabar!” Mas… E se não fosse assim?
Minhas queridas leitoras, ofereço-vos um capítulo novinho, espero
que gostem e não se esqueçam de deixar os vossos comentários.
Aproveito para dizer que a história vai entrar numa nova fase,
que espero que venha a ser do vosso agrado! :)
Desejo-vos um óptimo fim-de-semana...
Beijinhos a todas,
Joana ♥