Perdida sofregamente em lágrimas, Joana
continuava invicta em manter as passadas dissimuladas com que iniciara a sua
fuga há instantes atrás, pelos corredores sem fim do centro de estágio. Sentia-se
mais errante do que nunca, mas nem por um segundo duvidou dos sentimentos que
fruía, pois eram e continuariam a ser eles que lhe davam as forças necessárias
para seguir enfrente, embora ainda que não fossem suficientemente capazes de a
fazer lutar contra um passado madrasto e atroz.
Conseguira libertar por fim o peso de um
segredo que nunca mais tivera coragem de pronunciar em voz alta, e que durante
tanto tempo se mantivera vincado aos seus ombros… Um peso que não lhe cabia
mais dentro do peito e o qual a fazia vacilar a cada passo comandado em diante
na sua vida.
- Joana! – mal ouviu a proclamação do
seu nome num enuncio preocupante, delatado a uns metros à sua frente, Joana
recusou olhar a figura masculina que se mostrava disposta a oferecer-lhe a sua
alçada protectora e reconfortante
Para não ceder ao orgulho próprio que
dava já sinais de um forte abalo interior, ela baixou ainda mais o olhar,
tentou estacar a respiração para não fazer ressaltar o burburinho de um choro
angustiante, e manteve tão celeremente quanto pôde, o compasso de andamento
imposto pelos seus saltos que embatiam ruidosamente contra pavimento.
- Joana! Joana, espera… - o desassossego
do coração pela angústia que vi-a naquela figura desamparada, fê-lo ir ao
encontro dela e dê-la pelo braço, que interruptivelmente lhe travou o passo e a
fez findar a fugida – O que se passa? Porque é que estás assim?
Ele ergueu-lhe cuidadosamente o rosto
com o auxílio da mão presa ao queixo, e num só olhar deslindou-lhe toda a dor
rasgada em traços bucolicamente melancólicos, num semblante entorpecido em
lágrimas.
Joana tentava lutar contra si mesma, mas
não conseguia parar de chorar, e fazê-lo na frente dele fazia-a sentir-se mais
pequenina, completamente desarmada e oscilante. O orgulho assim como o débil
autocontrolo caíra-lhe como uma máscara que ela não tinha mais como segurar na
candura do seu rosto. Num rompante impreciso Joana atirou-se nos braços dele e
num aperto de segurança, esperou receber todas as respostas às incógnitas de um
caminho que não queria voltar a seguir.
***
****
(…) –Hum… Que gostoso! – brincou David junto às costas de Ruben, que
acabava de se preparar na frente do espelho – Mas não exagera no perfume, as
mulher não gosta quando a gente exagera no perfume!
- Ai David, tá masé caladinho… Eu é que sei! – barafustou, empurrando-o
para longe, ajeitando a polpa do seu cabelo com uma pequena dose do seu gel
fixante para o retoque final
- ¿A dónde va? – secando o cabelo com uma pequena toalha, Javi não tardou
em juntar-se a David, que olhava divertido o melhor amigo, emaranhado num
reboliço engraçadamente desajeitado em ficar pronto – ¡Se parece a una chica a
prepararse!
- Ah, zoa não com o manz, Javi! Ele tá indo num encontro… Um negócio muito
sério com uma garota, tá vendo?
- ¡Ahh, ahora entiendo! Por eso que ella estaba allí… ¡Joana!
- Importam-se de parar de falar como se eu não vos estivesse a ouvir? –
fungou num ar evidentemente nervoso, o que não era de todo normal em si, mas
recorrendo às circunstâncias… – Como é que eu estou? Estou bem assim? – abriu
ligeiramente os braços e mostrou-se aos amigos, que percorreram toda a sua
figura com o olhar
- Tá… Tá lindinho, mas agora vai embora! Não deixa ela esperando mais
tempo! – logo que Ruben alcançou o seu caso desportivo, David apressou-se a
abrir-lhe a porta e a empurra-lo para fora do balneário – Ela te tá esperando
na sala de convívio… Vai, corre e vê se não escorrega na sua baba!
Felizmente surpreendido pela atitude do amigo mais próximo em lançá-lo de
encontro à sua felicidade, Ruben não hesitou por mais tempo em percorrer todos
os corredores de enfiada e até enveredar pelo certo, foi apenas uma questão de
segundos. Deteve-se primeiro junto dos cacifos no intuito de guardar lá alguns
pertences que iria precisar para o treino do dia seguinte, mas foi ao rodar a
chave do cadeado que duas vozes furiosamente ressaltadas na sala ao lado,
aliaram todos os seus sentidos e instintos como um só.
- O quê? Estou a cometer um erro? Agora amar uma pessoa é estar a cometer
um erro? – a voz intoleravelmente eminente, não deixara margens para dúvidas e
logo ao primeiro timbre, Ruben soube imediatamente pertencer a Joana
- Não! Amar uma pessoa não é cometer um erro, mas amar a pessoa errada, é!
- E porque é que o Ruben é a pessoa errada? Porque o pai decidiu, foi?
- Porque as circunstâncias decidiram… Sabes muito bem, porque é que ele não é a pessoa certa para ti! – sabia que de certo modo era errado fazê-lo, mas ignorar aquela discussão, referida também a seu respeito, seria um erro ainda maior
- Não, não sei! – Ruben aproximou-se da porta que então se encontrava encostada, de maneira a espreitar secretamente pela brecha o panorama vivido entre as quatro paredes – Nós fomos apanhados no meio de uma rivalidade que não é a nossa, no meio de problemas que nem sequer conhecemos! Fomos obrigados a separar-nos porque nem o pai nem o Senhor Virgílio queriam que tivéssemos uma relação, por causa das vossas guerras… E sabe? Essa é a ideia mais estapafúrdia que alguma vez vi!
- Talvez agora não compreendas, e de certa maneira até percebo que não o consigas fazer, mas o melhor que havia a ser feito era vocês seguirem caminhos diferentes com as vossas vidas, e tu um dia entenderás isso!
- Ai, pai, poupe-me a essas suas divagações… Acha mesmo que eu acredito no que está a dizer? Eu vou entender isso e mais o quê? Vou entender a sua falta de escrúpulos quando me colocou entre a espada e a parede e me obrigou a deixar tudo para trás e ir viver com a mãe para Nova Iorque? Quando a única coisa que queria era ver-me longe do Ruben! – quanto mais escutava, mais incrédulo se quedava… as lágrimas ocorreram de imediato aos seus olhos, mas o seu esforço foi valido por engolir cada uma
- Quando é que de uma vez por todas vais meter na tua cabeça que era o melhor para ti, Joana? O melhor era saíres de Portugal por uns tempos e esqueceres esse rapaz, para o teu bem!
- Não, não era para o meu bem! Era para o bem dos seus interesses assim como para o bem dos interesses do pai do Ruben! Porque vocês só se preocupam em manter as aparências e borrifaram-se completamente para os nossos sentimentos… O pai e o Virgílio eram os melhores amigos e do dia para a noite tudo isso mudou, e nós fomos obrigados a mudar também… Porquê? Porquê?
Com os seus próprios olhos viu os ânimos voltarem a exaltar-se, e cada
palavra acrescentada àquele vale de injúrias, parecia mais um soco que levava
na barriga e o projectava ao chão. O seu coração foi vítima de uma arritmia
alucinante, extravasando a adrenalina que lhe percorreu todo o corpo
revolvendo-lhe o estômago do avesso e dispondo o seu mundo de pernas para o ar.
Ruben deparava-se impávido, sem tomar qualquer estímulo àquilo que ouvia…
Àquilo que lhe custava tanto a ouvir. No entanto ele queria ouvir mais,
precisava disso, e por muito que lhe doesse olhar o tormento vincado em cada
expressão tomada por Joana, não foi capaz de fazer nada para mudar isso…
Somente queria saber da verdade e esta não lhe poderia ter chegado em mãos de
uma maneira tão ingrata e em tão má hora, como chegara naquele momento.
- Às vezes as coisas mudam e os planos alteram-se, mas as nossas vidas têm de seguir enfrente…
- Eu tinha dezassete anos, a melhor coisa que me tinha acontecido foi apaixonar-me, e até isso me tiraram! Nós só queríamos viver a nossa vida, queríamos lá saber das vossas disputas patéticas pelas empresas, pelos negócios, quando foi o vosso egoísmo que acabou por vos cegar! É ridículo!
****
Ruben ouvira o
resto da discussão na sua íntegra e acabara por se sentar num banco ao lado da
porta, tentando assimilar cada palavra que ouvira e que agora ecoava na sua
cabeça como um radar doloroso. Pouco depois viu Joana sair disparada pela
porta, numa postura defensiva como se tentasse fugir de algo – porque de facto
fugia –, mas francamente devastada. Ele não se sentiu suficientemente forte
para ir atrás dela e deixou-se permanecer no seu canto, a tentar lidar com a
sua própria dor…
Sentiu o rosto
frio e ao passar os dedos pelas faces, apercebeu-se de que estava a chorar
silenciosamente como se tivesse acabado de assistir passivo a um crime.
Não sabia o que
fazer, nem tão pouco o que pensar… A única coisa que sabia e estava bem clara
na sua cabeça, era a de que tinha sido enganado e traído por aqueles a quem
estava disposto a dar até a sua própria vida, e nunca um misto de cólera e
amargura o deixaram tão desorientado… Tão dolente e tão perto de tocar o fundo,
como até então.
***
- O que é que se passa, Joana? - Rui
continuou a mostrar-se preocupado com o estado eloquentemente deturpado da sua
querida afilhada, que não conseguira parar de lacrimejar por um segundo – Fala
comigo, por favor…
- Foi ele… Foi o meu pai… Nós discutimos
e… - um leve toque dele nas maçãs do seu rosto, foram o suficiente para a fazer
quebrar e despoletar nela um mesclado de comoções inconsoláveis
- Discutiram? Discutiram sobre aquilo
que eu estou a pensar? – perguntou honestamente, detendo em si o único motivo
derradeiro que poderia levar Joana àquela desesperança
- Ele sabe! Ele quer afastar-me do
Ruben… ele vai voltar a separar-nos!
- Shu, shu… Isso não vai acontecer!
Calma… Tem calma, está bem? – os seus dedos preocupados apressaram-se a
enxugar-lhe as lágrimas que lhe decaíam dos olhos, raiados por uma vermelhidão
que doía
- Eu preciso… eu preciso que me faças um
favor… Eu combinei encontrar-me aqui com o Ruben… Estava… estava à espera dele
mas entretanto… - começou por indagar, tentando a algum custo intercalar o
soluçar de um choro inquietante, com as palavras soltas do nó da garganta – …
eu tenho que ir embora, não quero que ele me veja assim. Podes dizer-lhe que eu
tive de ir? Diz-lhe que aconteceu um imprevisto e eu tive de ir embora…
- Eu não te posso deixar ir embora nesse
estado, Joana…
- Mas eu tenho de ir! Eu não quero que
ele me veja neste estado, por favor! – implorou-lhe olhos nos olhos, não
contendo mais uma torrente de lágrimas que acabou por eclodir à tona das suas
pálpebras
- E para onde estás a pensar ir?
- Para o hotel… Vou para o meu quarto,
vou descansar um pouco e tentar, sei lá, esquecer isto tudo… Eu só quero
esquecer!
- Queres que vá contigo? Eu posso
acompanhar-te até lá…
- Não, obrigada mas eu prefiro ir
sozinha… Preciso de aproveitar todo o tempo que tenho sozinha para pôr a cabeça
em ordem, pensar… - figurou um ar levemente mais calmo, e enxugou as lágrimas
que prometera a si mesma terem sido as últimas a rolar pelas suas faces, pelo
menos ali
- Tens a certeza? Olha que não me custa
nada, e ao menos assim fico mais descansado… – a sua mão voltou a contornar-lhe
delicadamente a face e soltou-se no queixo, atestando todo o tremor latejante
que ainda a corroía por dentro
- Tenho, tenho a certeza… Eu prometo que
fico bem! Falamos melhor depois…
- Se preferes assim, eu respeito… Só te
peço para manteres a cabeça fria, no que depender de mim não vou deixar que
nada disso aconteça, não vos vão voltar a separar… Não te preocupes!
- Obrigada, padrinho, obrigada! – um
sorriso triste foi atestado na brandura dos seus lábios, e desejou no seu âmago
que esse gesto fosse o conforto suficiente para que Rui ficasse ligeiramente
mais descansado
- Pronto, então vai lá, querida… Vemo-nos
depois! E não te preocupes com o Ruben que eu falo com ele! – beijou-lhe
levemente o rosto e resvalou entre os seus dedos uma madeixa do cabelo dela –
Vê se ficas bem!
Joana arremeteu-se a mais um sorriso
falseado pela calmaria que não sentia… Colocou os seus óculos escuros na cana
do nariz, de maneira a esconder o vermelhão dos seus olhos diante daqueles que
passavam por si, e também disfarçar todas as lágrimas que voltaram a cair no
caminho de regresso ao hotel.
Assim que entrou pelas portas arremedadas
da entrada, traçou imediatamente o caminho transversal até um dos elevadores,
pressionou mais do que uma vez o botão para chamá-lo, num intento subentendido
de que este viesse mais depressa, e esperou, impaciente por ingressar num mundo
só seu… sem vozes a perturbá-la, sem ninguém a roubar-lhe a felicidade, sem
ninguém a exigir-lhe explicações, mas a sua paz íntima estava ainda longe de se
interiorizar.
- Está um pouquinho demorado… -
referindo-se à demora do elevador, William apareceu do seu lado como por
surpresa, abordando-a e deixando claro tê-la reconhecido mesmo antes de ela ter
conseguido dar pela sua presença
- William… - ciciou quando encarou os
olhos dele, não escondendo um certo desconforto de o ter ali
- William? Que eu me lembre só me chamas
William quando estás zangada comigo ou quando alguma outra coisa não está bem…
Nesse momento o elevador deu sinal da
sua chegada e as portas abriram-se na frente dela, dando-lhe livre passagem a
uma rápida boleia até aos andares superiores. Entrou, marcou o piso onde
pretendia sair e suspirou de alívio pelas circunstâncias a terem feito desviar
de uma interjeição a qual não queria dar uma resposta, mas Will não era pessoa
de se conformar com tão pouco ou mesmo com nada.
- Passasse alguma coisa? – ele voltou a
insistir e aproximou-se dela a uma das extremidades do elevador
- Não, não se passa nada… Deveria?
- Não sei… Não te acho com boa cara, só
isso!
- Que disparate, Will… Eu estou óptima!
– mentiu tão bem quanto se sentiu capaz de fazê-lo, curtindo nos lábios um
sorriso de apoio à sua resposta
Levemente William encurtou a distância
entre ambos, e ao colocar-se bem na frente dela retirou-lhe os óculos que lhe
omitiam uma parte do rosto e uma parte da sua dor, desmascarando ao seu
parecer, um outro lado de Joana… um lado angustiado e sofredor.
- Se estares assim é estares óptima,
babe… - o seu ar de desalento foi conotado ao desarmar os olhos dela, doridos e
ligeiramente inchados de tanto terem chorado naquela tarde
- Sim, estou… - sentiu-se diminuta na
frente dele, desarmada, mas nem por um momento pensou em desvendar-lhe um pouco
do seu pesar, que pretendia guardar só para si até ao regresso ao seu quarto
Sem mais querer forçar o assunto, ele
permaneceu o resto da viagem em silêncio, olhando-a de vez a vez quando tinha
oportunidade de fazê-lo, sem ser colhido por ela. Mas foi ao instante em que o
elevador travou a sua subida e parou no décimo andar, que Joana sentiu uma
impulsão no seu braço que a fez cruzar involuntariamente as portas forjadas e
maciças, e enveredar pelo corredor que não pertencia ao seu andar.
- O que é que estás a fazer? –
perguntou-lhe completamente deslocada com a situação, enquanto William se
limitava a puxá-la pela mão até chegaram a um lugar que somente ele conhecia
- O que te parece? A resgatar-te… -
embora tivesse brincado com a situação, Joana não entendia o porquê de ele
estar a fazer aquilo, mas sabia que iria descobrir o quanto tardasse – Entra… -
pediu-lhe, abrindo a porta e cessando-lhe passagem na entrada da suíte que ele
dividia com mais dois amigos
- Porque é que me trouxeste para aqui?
- Pensei que precisasses de conversar… -
William voltou a fechar a porta e depois concentrou-se unicamente nela
- Eu só preciso do meu espaço… -
confessou, ao mesmo tempo que o seu olhar procurou conforto ao ser pousado
sobre o soalho envernizado do chão
- Entendo, mas acho que não te faz bem
ficares sozinha nesse estado… Vais sentir-te ainda pior! – ele retirou-lhe
levemente a mala que Joana segurava entre as mãos e com as mãos presas aos
ombros dela, levou-a até ao sofá onde acabaram por se sentar lado a lado
Custava-lhe enxergar como é que William
conseguia percebê-la tão bem, ao ponto de – ainda não estando a par do motivo
pelo qual a amiga se encontrava envolta daquela melancolia – entender o que
seria ou não o melhor para ela. Mas no fundo Joana precisava de sentir aquele
apoio, aquela confiança que ele lhe sabia transmitir, e num momento como
aquele, eram aqueles simples factores que poderiam fazer denotar nela a
diferença, e isso Joana sabia-o.
- Podes estar à vontade… Eles ficaram na
praia. – sossegou-a rapidamente, vendo-a percorrer aquela divisão num olhar
introspectivo, esperando encontrar a presença de mais alguém – Estou preocupado
contigo, não me queres contar o que se passa?
- Não sei bem o que dizer… - proferiu
num murmúrio desassossegado, sem ter a pujança de o olhar nos olhos
- E que tal contares-me o porquê de
estares assim? Encontrei-te tão bem na praia, e agora estás assim… murchinha e
com os olhos rasos de lágrimas…
- Ai… - um suspiro tenebroso foi ciciado
por ela, e mais uma vez sentiu todas as forças sumirem do seu corpo para voltar
a quebrar num choro
- Ei, então, pequenina? Tem calma… - ao
vê-la formar uma conchinha com as mãos para lá acolher o rosto, William puxou-a
para si, tentando-a acalmar num abraço que se esforçou por ser apaziguador
- Está a acontecer de novo… Está a
acontecer tudo de novo… - repetiu baixinho contra o peito dele, deixando vir ao
de cima a fragilidade e insegurança de uma mulher de quase vinte anos
- Tem calma… respira… - a mão direita
dele roçou em movimentos suaves o braço dela, procurando sossegá-la o quão
melhor conseguisse – Sabes que podes falar comigo, miúda…
Alguns minutos depois, todos eles
percorridos pelo silêncio, Joana acalmou. O choro impetras passou a um leve
choramingar que mais minuto menos minuto, iria abscindir. O soluçar que o choro
arrastou, arremeteu-se a pequenas aspirações ofegadas que se iriam suspender, e
o coração voltou a encontrar o seu ritmo normal de batida. Ergueu levemente o
rosto e depois de enxugar as últimas lágrimas teve a coragem de olhá-lo, para
calmamente lhe revelar o que de pior a atormentava.
- Lembraste do que me disseste quando
nos vimos esta tarde, quando me perguntaste se havia alguém a ocupar o meu
coração?
- Ah… Sim, lembro… - afirmou, ainda
assim sem perceber exactamente onde ela pretendia chegar
- Então também te deves lembrar que,
mesmo sem eu te dizer nada, tu supuseste que esse alguém fosse o meu
ex-namorado, o Ruben, que deixei em Portugal quando fui viver para Nova Iorque…
- Sim, de facto disse isso, mas eu não…
- E estavas certo, Will… - ela engoliu a
vontade que tinha em voltar a quebrar-se em lágrimas e interrompeu rapidamente
o raciocínio dele – Eu e o Ruben voltámos a aproximar-nos, eu voltei a
apaixonar-me por ele e… Eu juro que não planeei nada disto, ele estava noivo e
eu não queria que nada disto acontecesse mas…
- Mas aconteceu… - ele completou-lhe o
discurso e conseguiu captar-lhe novamente a atenção do olhar, que até então se
mostrara divagante – E depois?
- E depois ele veio para cá… Ele está cá
em estágio com a equipa, e quando eu pensava que estava tudo bem…
- Ele fez-te mal? Ele magoou-te… Foi
isso não foi? Para estares assim por causa dele, só pode ter sido isso! –
William parecia então ter ganho um novo alento, e um instinto incrivelmente
protector recaiu sobre si, em defesa de Joana – Diz-me onde é que esse tipo
está, Joana, e eu… eu…
- Ei, calma, William… Não é nada disso!
– vendo que fora mal interpretada, ela segurara-lhe a mão e impedira-o de se
erguer num impulso meramente vingativo – Não é nada disso! O Ruben não me fez
mal nenhum!
- Então?
- O meu pai… - esclareceu logo em
seguida, suspirando num assopro de desesperança – Esta tarde quando eu fui ao
centro de treinos, ele viu-nos juntos e atirou-me logo à cara que se passava
novamente alguma coisa entre nós!
- E passasse? Quer dizer… Passasse de
facto alguma coisa entre vocês? Vocês estão juntos? – foi apenas uma pergunta
impulsiva mas inocente, que ele sentira mesmo a necessidade de ver esclarecida
– Desculpa, não me quero meter demais… Não tens que responder se não quiseres.
- Agora que falas dessa maneira, eu não
sei…
- Não sabes? – o seu sobrolho
arqueou-se, e com o olhar atentou todos os passos dela, que se erguera do sofá
– Como assim, não sabes?!
- A verdade é que eu disse ao meu pai
que sim, estávamos juntos, mas agora ao pensar na tua pergunta, eu não sei bem…
- de corpo hirto, lançou-lhe um olhar colmatado pelas dúvidas que ainda não
haviam ainda sido afamadas, e um leve encolher de ombros foi conotado pelo seu
corpo, que sentira também a necessidade de se expressar – Eu e o Ruben temos
alguma coisa, isso é um facto… Ele passou a noite comigo, mimou-me, nós
confessámo-nos, mas não posso dizer que estamos numa relação ou algo do género…
Não chegámos a tocar nesse assunto, sequer!
- Mas e então? Às vezes não é preciso
dizermos as coisas tim-tim por tim-tim… Basta sabermos que elas existem e que
estão lá, o resto é barulho! – proferiu honestamente, à medida que os seus
olhos vigiavam cada passo dela e a seguiram até às portas corrediças de acesso
à varanda
- Agora também já não sei se valerá a
pena dizer mais alguma coisa… - ela desviou a cortina de tecido fino e
espreitou um pouco do lado de fora – Tenho a certeza que o meu pai vai voltar a
fazer de tudo para nos afastar, portanto… - revelou pesarosamente e os seus
olhos voltaram a ficar acamados de lágrimas
- Portanto vais baixar as armas e vais
desistir de ser feliz, porque é o teu pai que decide quem é ou não a pessoa
certa para ti, é isso?
- Às vezes as coisas são bem mais
difíceis de que parecem ser…
- Não são, Joana, não são… O nosso
destino somos nós quem o traçamos, não são os outros! Somos nós que fazemos as
escolhas, que sofremos com os erros que nós próprios cometemos, e com as
consequências com que temos que lidar… Ninguém se pode colocar do nosso lado e
ser feliz ou infeliz por nós!
- O meu pai não me quer ver ao lado do Ruben…
- a voz voltou a esmorecer-lhe por entre os lábios de uma forma purgativa, e o
seu coração suprimido por uma dor acutilante
- O teu pai não quer, o teu pai não
quer… O que importa aqui realmente é o que é que tu queres! – referiu,
ligeiramente irritado com o conformismo que ela lhe mostrava ter perante um
assunto que lhe deveria ser tão importante – Esquece o que o teu pai quer, o
que o pai do Ruben quer, o que as vossas famílias querem… A pergunta é: o que é
que tu queres, Joana?
- Eu quero o que qualquer um quer: ser
feliz! – respondeu sinceramente, vendo-o no centro da sala, esperando por uma
explicação sua – Mas…
- Mas… - William copiou-lhe a locução
adversativa, dando-lhe a entoação necessária para que ela a completasse
- Mas eu sei que só o vou conseguir ser
verdadeiramente, se estiver com o Ruben, se estivermos juntos e construirmos
uma vida só nossa!
- Então pronto! Se é o que queres só
tens que lutar por isso… Já não és nenhuma miúda, Joana! E embora precises que
algumas vezes te protejam, és muito mais forte do que muitos imaginam! – ditou,
fiel ao que bem conhecia dela e encorajando-a por correr atrás dos seus sonhos
– Ele já sabe porque é que o tiveste de deixar?
- Não, ainda não sabe de nada… Achas que
lhe deva contar? – de mãos nos bolsos ele acenou-lhe positivamente com um breve
oscilar da cabeça
- Acho! Para que esse ‘segredo’ não
volte a ser motivo para vos separar, acho sinceramente que lhe devas contar a
verdade… Ele tem esse direito!
- Eu sei que ele tem esse direito, só
que ainda não sei bem como o hei-de fazer… - desvendando-lhe o desânimo
transposto no rosto entristecido de Joana, William evocou ao reconforto que
depois lhe transmitiu, aquando as suas mãos pegaram nas dela
- Não te preocupes com isso… Primeiro vais
procurá-lo, depois na altura as palavras certas irão ter contigo, não precisas
de forçar a nada, não te preocupes!
- Obrigada… – foi a palavra mais sincera
que lhe soube dizer, perante toda a ajuda e carinho por ele prestados –
Obrigada!
Joana não hesitou e roubou-lhe um
espacinho entre os braços, surpreendendo-o com um abraço de gratidão. Um abraço
de aconchego profundo, que fizera relembrá-la dos momentos em que havia sido
entre eles mais do que uma bonita amizade, mas que agora não mais passava disso…
Os tempos haviam mudado, os amores antigos estavam de volta e Joana tinha
encontrado no discurso de Will, a esperança que lhe faltava para seguir
enfrente e, tentar pelo menos, ser feliz.
Sentiu-se bem, no final… Tudo o que
precisava naquele momento era sentir o apoio e a força absoluta de alguém que
lhe era tão querido, e William soube como fazê-la sentir-se encorajada o
bastante para não olhar mais os erros do passado e colocá-la de olhos assentes
num futuro, que teria tudo para ser como ela imaginara… há três anos atrás.
***
- Cê tem certeza que não quer vir com a
galera? – de maneira a fazê-lo abstrair-se do cenário a que assistira no centro
de estágio, percorrendo o corredor de acesso à suíte de ambos, David tentou
aliciar o melhor amigo a alinhar num fim de tarde animado com os amigos e
colegas de equipa – A gente vai dar um giro pra conhecer a cidade… Vai ser
bacana!
- Já disse centenas de vezes que não me
apetece… Vão vocês e divirtam-se, além do mais se eu fosse só iria criar mau
ambiente entre o pessoal, por isso… - esforçando-se o quão bem conseguia em
disfarçar o forte pesar que lhe ornava o rosto, Ruben voltou a recusar
educadamente a proposta que não estava em condições de aceitar
- Vai dar pra você espairecer, Ruben… Tá
precisando…
- O que eu preciso é de descansar,
dormir um pouco… Vou cair na cama e só me levanto à hora do jantar!
- Cê não pode ficar desse jeito, manz…
Não se vai trancar no quarto o resto da noite e massacrar sua cabeça pensando
naquilo que ouviu! – referindo-se à discussão que Ruben presenciara naquela
tarde, e a qual já estava a par, David procurou por arranjar um meio termo que
não levasse o melhor amigo a ser injusto para consigo mesmo ou pior… vir a ser
injusto para com Joana
- E tu queres que eu faça o quê, puto?
Estou de mãos e pés atados… Esta notícia caiu-me que nem uma bomba! – enunciou,
evidenciando o nada que poderia fazer, porque o que estava feito – de facto –
estava feito e nenhuma atitude que Ruben pudesse vir a tomar iria alterar em
alguma coisa do que vira e ouvira
- Então aprende a digerir essa notícia…
Não é ficar fechado num quarto de hotel que vai resolver alguma coisa!
- E és capaz de me dizer como é suposto
eu fazer isso? É que eu não sei…
- Em primeiro lugar, vai ter que falar
com a Joana, porque ainda não entendi direito o porquê de você não ter corrido
atrás, quando viu ela saindo chorando depois da discussão… - colocando em ordem
um ponto que o amigo não fora capaz de esclarecer, David proclamou uma resposta
à hesitação que não fora normal em Ruben – Ela devia tar desfeita, devia com
certeza precisar de você…
- Já te disse que não consegui ter
nenhuma reacção, não esperava ouvir aquilo, pensava que o passado estava morto
e enterrado depois da conversa que tivemos esta manhã… - detendo-se em frente
da porta, Ruben retirou do seu bolso o cartão do quarto e numa questão de
segundos encaixou-o na pequena entrada abaixo da maçaneta, que lhes deu luz
verde para entrar – Depois disso nunca mais a vi… Ela foi-se embora e deixou-me
lá!
- Então acho que agora é uma boa altura
pra falar com ela, esclarecer essa parada…
- Não ouviste o que eu disse, pois não?
– perguntou ligeiramente irritado por não estar a ser compreendido, e entrando
no quarto, ficando ainda David no outro lado da porta – A Joana foi-se embora…
Se precisava de mim como disseste, não tinha saído de lá daquela maneira e sem
pensar duas vezes!
- Mas olha então que não vai ter que a
procurar se não quiser, porque ela pode tar bem mais perto do que tu imagina…
- O quê?
- Vem cá, manz… Chega aqui! – não
tirando do seu ponto fulcral de visão o que mantinha debaixo de olho, quando
Ruben se acercou dos limites da porta, David apontou-lhe discretamente o fundo
do corredor – Olha só…
Encontrados na outra ponta do corredor
colossal deparavam-se William e Joana, junto da porta do quarto dele onde
partilhavam claramente de uma troca de palavras assentes a uma despedida
informal.
Ruben espreitou secretamente o cenário e
sem contar, viu um rapaz – que ainda desconhecia – tomar a sua menina nos
braços num lance de sucintos segundos, que a ele mais lhe parecem uma eternidade.
Fez-lhe uma certa confusão ver-lhes
aquela cumplicidade e foi inevitável que a sua cabeça encetasse a pensar
erradamente sobre o que vi-a, bem como o seu coração que começara então a
borbulhar em ciúmes, e por momentos teve inveja de não estar no lugar dele, de
não ser ele a cuidar dela e a abraça-la o quão forte podia… Ponderou em ir até
lá e afastá-lo dela, dizer-lhe que a amava incondicionalmente e que pouco lhe
importava o que de mau ficara no passado, pois agora somente lhe interessava o
presente e nada mais, e este só fazia sentido se fosse passado ao lado dela,
mas Ruben ficou-se apenas pela intenção, o forte orgulho que desde sempre o
dominara falara mais alto e impedira-o de fazer o que mandava o sentimento.
- Quem é aquele gajo? – foi a primeira
coisa que conseguiu dizer logo que o ar retomou aos seus pulmões, intercalando
o olhar entre as figuras deles e a de David
- Tá olhando pra mim, ué? Sei tanto
quanto você…
- Parece então que estavas enganado,
David… Pelos vistos ela não precisava tanto de mim quanto isso, e a prova está
ali… Não demorou muito a encontrar um ombro onde chorar! – referiu num tom
claro de desilusão, ainda assim consciente de que pudesse estar a ser injusto,
no entanto orgulhoso demais para o admitir
- Ah, manz… – conhecendo melhor do que
ninguém as precipitações de Ruben, David mostrou-se pronto desde o início a
chamá-lo à razão, evitando um auto-arrependimento posterior, às suas próprias
acusações – Esse não é momento pra ter uma crise de ciumeira, se controla, vai!
- Não é nenhuma crise de ciúmes, David…
não sejas parvo! Limitei-me a constatar os factos! – era evidente que Ruben não
sentia nada daquilo que dizia, porém deixara que num descuido, fosse a sua
mágoa a falar por si
- O único facto que ‘tô vendo aqui é
você parar de falar bobeira e ir lá falar com a moleca!
- Eu? Só podes estar a brincar… - um
sorrisinho irónico sobressaiu nas lacunas dos seus lábios, ao mesmo tempo que
voltou a retomar a sua entrada no quarto – Ela é que me deixou plantado no
centro de estágio… ela é que tem de vir falar comigo!
- Quando é que cê vai deixar de ser um
cara tão orgulhoso? – instantes depois, David copiou-lhe o acto e fechou a
porta atrás de si – Não dá pra dar o braço a torcer, pelo menos uma vez na sua
vida?
- Eu sou assim, David, o que queres que
eu faça? Não é agora que vou mudar!
- E não pode nem tentar? Se não o fizer
por si, então faça um esforço pela Joana! – David pousou o seu saco de treino
sobre a sua cama e começou a tirar o equipamento, pronto para ser levado para a
lavandaria, e apesar de saber que poderia levar o amigo aos limites do
incómodo, ele não hesitou a uma inofensiva insinuação – Eu pensava que você
‘tava doidão por ela… que ‘tava apaixonado…
- Eu amo-a, David… Eu amo a Joana! Que
ninguém duvide disso! – vendo-se a ser confrontado com os seus sentimentos,
Ruben não vacilou nem por um momento a deixar bem claro o sentimento que o
demovia pela mulher que sempre amara
- E ela sabe disso? Quer dizer… Tu já
falou isso pra ela?
- Não, não falei, mas a Joana sabe… -
afirmou, tentando acreditar no que ele mesmo dizia, no fundo somente para
camuflar a dúvida que o seu coração ainda abarcava – Sim, ela sabe!
- Nossa, imagino… Só se for bruxa!
- Olha David, este assunto acaba aqui,
está bem? – elevando tenuemente a voz, Ruben procurou por dar como findada uma
conversa que não estava disposto a continuar, pois sabia que se não fizesse
nada para o impedir, mais tarde ou mais cedo David dir-lhe-ia o que não queria
ouvir
- Não sei porque ainda fico perdendo meu
tempo com você! – rematou, com uma certa desilusão a conjecturar-lhe a voz,
enquanto Ruben fingia que não o ouvia e continua a despir-se para somente de
boxers se deitar na cama que lhe pertencia – Tô aqui de boa, tentando abrir
seus olhos, e cê tá nem aí…
- Não me lembro de te ter pedido nada…
- Não precisa pedir, eu sou seu melhor
amigo, pô! – a intenção de David nunca fora a de discutir, mas não evitou em
exaltar-se um pouco, pois a atitude de Ruben começava a tirá-lo do sério – Véi,
fala sério, onde acha que essa sua atitude de canastrão te vai levar?
- Não preciso de ir a lado nenhum! –
respondeu num tom áspero e monocórdico
- Isso, zoa… Essa postura te fica muito
bem! – congratulou-o sarcasticamente, não conseguindo reconhecer esta nova
atitude um quanto imatura, e à partida indesvendável, tomada num rompante pelo
amigo – E afinal tu tá desse jeito porquê? Por ter descoberto o motivo que o
separou da Joana durante esses três anos ou por ter visto ela com outro cara
quando deveria tar junto com você?
Finalmente David conseguira reconhecer e
tomar-lhe os pontos fracos, ou melhor, os dois pontos fulcrais que faziam Ruben
estar envolto numa áurea só dele… uma áurea magoada, desiludida, silenciosa,
que não permitia a entrada de mais ninguém. A única coisa que queria era ficar
sozinho, pensar com os seus botões até conseguir lidar com tudo o que estava
acontecer, e apesar de David ter continuado a insistir, ele manteve-se
surpreendente calmo e sereno perante todas as investidas.
- Estou cansado, se não te importas
gostava de dormir. – declarou, sem olhá-lo uma única vez, deitando-se depois
sobre o edredão, colocando-se virado para a janela e de costas para o amigo
- Sabe que mais, manz? Dá mais não pra
mim… Tô já de saco cheio de tentar fazer você cair na real, agora se manda
sozinho!
David chegara então ao seu limite. Das
tantas vezes que fizera com que Ruben tomasse a atitude certa no que diz
respeito aos problemas do coração, ele agora pretendia unicamente deixá-lo a
reflectir com umas últimas palavras antes de sair.
- Mas olha só, lembra antes de a gente
ter vindo no estágio, de você ter falado pra mim que ‘tava amarrado na Joana e
que iria fazer o impossível pra reconquistar ela? – como era evidente, e Ruben
sabia-o, David não procurava nenhuma resposta, pois a pergunta seria claramente
retórica – Então deixa só eu te falar uma última coisa: se você ama a garota
tanto assim mas se à mínima adversidade, ao mínimo probleminha que se depara no
vosso caminho, cê não luta por ela, então não devia nunca ter largado a
Inês!
Ali nas costas de Ruben, a última
represália aos comportamentos bem como às escolhas tomadas por ele, foi dada
por David que tocou no assunto proibido como o julgamento final, de maneira a
deixar que sozinho, o melhor amigo reflectisse sobre as escolhas que dali em
diante iria fazer na sua vida, as quais poderiam ser decisivas a uma mudança
extrema.
Sem levar nenhuma resposta de arremesso,
David terminou de arrumar as suas coisas e saiu do quarto, descendo até ao
rés-do-chão para se encontrar no programa combinado com os amigos para o fim
daquela tarde. Ruben, como já seria de se esperar, permaneceu deitado na sua
cama, de lágrimas cravadas num olhar distante e ambíguo… Mais do que ninguém
ele queria encontrar as respostas que tanto procurava, mas se confiasse no
destino, elas mesmas iriam ter consigo.
***
No piso superior, acorrentada ao poder
de indecisão que a assombrava, Joana caminhava de um lado para o outro sobre o
soalho que revestia o chão do seu quarto. Não sabia o que fazer nem tão pouco a
atitude mais acertada que havia para tomar, mas de uma coisa estava ciente:
teria que falar com Ruben, e sabia também que quanto mais tempo adiasse esse
momento, mais dissabores poderiam ser trazidos a uma relação ainda não
assumida, porém já forte demais para que fosse condenada por consequência de um
infortúnio de que nenhum dos dois tivera culpa.
Pouco faltava para baterem as dez horas
da noite, e ela sabia que já fora tempo dos rapazes regressarem aos seus
quartos… Não poderia delongar por mais tempo um reencontro que à partida seria
inevitável. Foi quando finalmente tomou coragem, que segurou o telemóvel nas
suas mãos e marcou o número de David, visto que o de Ruben fazia tempo que não
era mais contacto na sua lista de endereços.
- Bolas, está desligado! – deprecou,
inconsolada com a pouca sorte que cismava em interpor-se no caminho, quando ao
seu ouvido ressoou o atendedor automático de chamadas
Não lhe restavam muitas outras hipóteses
com as quais conseguisse saber o número do quarto em que ambos estavam
instalados, mas posteriormente e já quando pensava que não teria mais ninguém a
quem pudesse recorrer, à sua memória avivou-se a pessoa que a poderia ajudar.
- Hello? – instantes depois de dar o
sinal, a voz de Salvador do outro lado da linha foi um bom presságio que a
levou a pensar que havia ainda uma oportunidade
- Salvador, preciso da tua ajuda! –
rematou logo ao primeiro folgo, não dando ao irmão uma oportunidade de se expressar
de novo numa saudação
- Joana? – a estranheza de um telefonema
não aguardado, fê-lo garantir-se da pessoa com quem falava, apesar da certeza
precoce de saber quem era
- Sim, sou eu… Ouve, preciso de um favor
teu, é urgente!
- O que é que se passa?
- Lembraste quando te pedi no outro dia
que procurasses o Ruben e lhe dissesses que não ia poder encontrar-me com ele?
- Sim, lembro…
- Pronto, então eu preciso que me digas
qual é o número do quarto dele, sei que estiveste lá mais do que uma vez!
- Porque é que precisas de saber isso? –
desconhecedor do motivo que levara Joana a fazer-lhe aquele pedido invulgar,
Salvador fez ressaltar a sua curiosidade
- Porque preciso, e sabes que não me dão
essa informação na recepção… Diz-me lá qual é, por favor! – pediu solenemente,
na certeza de que somente ele poderia ajudá-la
- Sabes, eu até te dizia, mas fiquei com
uma amnésia assim de repente… O que é que me dás na troca dessa informação? –
proferiu, evocando ingenuamente um pequeno suborno típico entre irmãos
- Salvador, eu estou a implorar-te,
estou a pedir-te por favor… É muito importante!
- Tudo bem, eu digo… - patenteando-lhe
na voz supliciante a extrema importância que tinha para ela em saber, ele não
pôde negar-lhe mais uma resposta – 504… É o quarto 504!
Assim que recebeu a réplica que
precisava, Joana não perdeu mais tempo... Desligou a chamada com o descuido
tomado em não se despedir do irmão, e logo que albergou o seu telemóvel no
bolso dos calções, recolheu o cartão do quarto pousado sob a cómoda e saiu, com
um único destino marginado na sua mente. Sabendo que o quarto estava apenas um
andar abaixo dos seus pés, desceu de piso e vagueando trepida e modestamente
temente pelo vasto corredor e percorreu cada porta com o olhar, procurando a
certa onde iria bater. Por fim quedou-se posicionada bem na frente da porta que
lhe havia sido talhada e respirou fundo mais do que uma vez, tentando ganhar o ânimo
necessário para não mais vacilar.
- Jô… Oi! – ao fim de algum tempo foi
David quem veio abrir a porta, mostrando-se contente por vê-la, mas não
disfarçando a surpresa, contudo agradável
- Olá, David! – um sorriso timidamente
venerado surgiu à tona dos seus lábios e foi lançado aos olhos de David, que
soube retribuir de igual forma – Desculpa aparecer aqui assim, mas liguei-te
para o telemóvel e como não atendeste…
- Devo ter ficado sem bateria, me
desculpa… Mas não tem problema não, garota, quer entrar? – estendendo
altivamente a mão para o interior do quarto, ele abriu um espacinho entre o seu
corpo e a porta, dando-lhe assim permissão para invadir o repartimento que
naquela semana pertencia aos dois jogadores
- Ah, obrigada mas acho que não vai ser
preciso… Vim falar com o Ruben, ele está aí?
- Não… O manz não tá mais aqui não! Saiu
faz já algum tempo, falou que ia pra zona das piscinas lá em baixo… – informou
na sua calma habitual, recolhendo as mãos nos bolsos e deixando tombar
levemente o corpo ao aro da porta
- Obrigada, eu vou então lá ter com ele…
- pensando que estava tudo dito ali, Joana começou a recuar, embora que muito
pausadamente, mas uma nova e inesperada intervenção de David fê-la ficar mais
um pouco
- Ele procurou você logo depois do
jantar…
- O quê? – perquiriu céptica, não
evitando que o remorso de mais uma vez naquele dia ter deixado Ruben para
segundo plano, lhe obstruísse as vias respiratórias… uma a uma – O Ruben foi à
minha procura?
- Foi no seu quarto e cê não estava,
ainda esperou um pouco mas tu não apareceu…
- Lamento, deveria de ainda estar lá em
baixo a jantar… Devemo-nos ter desencontrado… - supôs rapidamente, mas
culpabilizando-se no seu âmago por ser a única responsável por ter imposto
barreiras ao encontro de ambos
- É, deve ter sido isso me’mo… Mas olha
só, eu vou te falar uma coisa antes de cê ir ter com ele… É pra não ter nenhuma
surpresa… - como amigo de ambos que era, David sentiu-se no dever de alertar
Joana para o episódio daquela tarde a qual Ruben assistira e tinha ficado a par
de toda a verdade, chamou-a por dois minutos para dentro da sua suíte onde
poderiam conversar mais à-vontade, e preparou-se para ter com ela a confissão
que Joana menos poderia esperar ouvir
***
Tencionado a descarregar todas
inquietudes e frustrações que o assoberbavam, Ruben ampliava a sua carga de
exercício físico diário com uma prova pessoal de natação, na qual se esforçava
por queimar o menor tempo possível, numa contagem rigorosamente orientada pelo
cronómetro. Fizera mais de uma dúzia de piscinas desde que ali chegara, e nem o
cansaço que os seus pulmões reprimiam dentro da caixa torácica, era razão
suficiente para que abrandasse o ritmo, quiçá já um quanto excessivo.
Numa chegada, para ele secreta, Joana
entrara então no amplo dossel agora ocupado pelos dois, empurrando a porta
envidraçada dos chuveiros dos balneários, a única entrada de acesso àquela
zona. O enorme pavilhão era revestido com uma longa e rectangular piscina, apoiada
por um jacuzzi orbicular próximo a uma das laterais, a área estava circundada
por portadas de vidro que faziam a separação com o exterior, a iluminação era
reduzida, praticamente nula, somente sustentada pelas luzes no interior das
águas e pela clarabóia no tecto, que permitia a entrada da luz lunar. Aquele
era um espaço que reunia todas as condições necessárias a um bom relaxamento…
As cores que o emolduravam eram claras vivazes, a estrutura arquitetónica
clássico-moderna conferia o primor de um lugar belíssimo, assim como a
decoração hodierna que visava um ambiente puramente harmonioso.
Ao olhar sucintamente o esplendor
daquele lugar, Joana conseguiu sentir de imediato o clima convidativo e íntimo
que pairava nos quatro cantos. O sexto sentido guiou-a instintivamente à
presença que procurava, encontrando-a sem dificuldade no interior da piscina,
exercitando o crol com braçadas amplas e precisas. Apercebendo-se que a
concentração em que ele estava envolto não iria dar conta da sua presença, a
menos que esta fosse manifestada, ela agarrou numa das toalhas de banho que o
hotel dispunha, arrumadas numa prateleira móvel, descalçou as suas havaianas e
acercou-se ao beiral da piscina. Quando viu a meia volta que Ruben dera no
extremo oposto, sentou-se, acabando por banhar os pés na água e posicionou-se
planamente na direcção que ele nadava, esperando que mesmo sem saber, fosse ele
a ir ao seu encontro. A praticamente meio caminho do percurso ela viu-o
desaparecer debaixo de água aquando de um mergulho destemperado, ressurgindo à
superfície largos segundos depois quando alcançou a ponta da piscina onde ela o
aguardava… Sacudiu levemente a água do cabelo com o abano fácil da cabeça e
esfregou os olhos, meramente doloridos pelo nível de cloro. O inevitável
aconteceu então… elevando o queixo inocentemente, a figura inesperada, porém
perfeita de Joana, sublimou ao seu foco de visão.
Embora surpreendido por vê-la, Ruben não
emaciou nenhuma expressão que o denunciasse, no fundo sabia que aquele momento
iria chegar e por isso nada mais lhe restou do que disfarçar o desalento e
teatralizar uma postura falsamente inquebrável. O seu olhar não descentralizou
o dela por um segundo, ambos quiseram falar mas nada mais se fez ouvir do que
dois corações vitimados a uma arritmia enamorada e simultaneamente apavorante,
todavia, algo teria de ser dito.
- Precisamos de conversar… - num suspiro
facultado pelo alento de que foi alvo num momento de falta de lucides, ela
mostrou-se disposta a ter com ele, provavelmente, a conversa que mais lhe
custaria vir a proferir
Porém Ruben não disse rigorosamente nada…
Limitou-se a aceitar passivamente o pedido dela, e com um ligeiro impulso que
deu com as mãos no beiral da piscina, saiu da água, colocando-se hirto e
inerte. Joana levantou-se também e ofereceu-lhe a toalha, que ele acabou por
tomar e usar para secar o rosto e peito.
- Temos que falar sobre o que aconteceu
esta tarde… - referiu Joana novamente, colocada bem na frente dele, mas Ruben
cismava em unicamente olhá-la e manter-se calado, como tivesse feito um pacto
de silêncio consigo mesmo, o que de certa forma a começava a deixar
dolorosamente desconcertante – Não vais dizer nada?
- Não sei… Queres falar sobre o quê em
concreto? Sobre o motivo da nossa separação, ou sobre o facto de teres
desaparecido? – quebrando o mutismo pela primeira vez, Ruben mostrou o seu
desapontamento, espicaçado por uma insinuação impertinente
- Eu sei que ouviste a discussão que
tive com o meu pai… - embora da ironia pungente que ele usara para se dirigir a
si, Joana soube compreender e ler-lhe a capa contra a mágoa que ele utilizava
como sua protecção… embora esta não estivesse a surtir um efeito significativo
– Lamento que isso tenha acontecido!
- O que é que lamentas? A discussão com
pai ou o caso de eu ter assistido a ela? – voltou a inquirir, desta vez com um
véu escárnio que o fez esboçar um sorriso sarcasticamente adulterado
- As duas coisas… - ela baixou o olhar
por segundos e só o voltou a erguer quando teve coragem de o voltar a fitar
- Claro que lamentas… Preferias
continuar a esconder-me a verdade, assim como também preferias que eu ficasse
na santa ignorância o resto da vida!
- O quê? – susceptibilizada à persuasão
que ele próprio impusera no seu discurso, Joana sentiu-se ser apanha
desprevenida para o debate que se seguiu
- Precisas que eu repita?
- Não, eu ouvi muito bem o que disseste…
Só acho que não estás em posição para me acusares seja daquilo que for, muito
menos por te esconder a verdade, porque não fui a única a fazê-lo!
- Desculpa, agora fui eu que não
percebi… - estendendo a toalha num só ombro, ele tomou a posição de ataque, a
partir do momento que cruzou ambos os braços contra o peito perturbante
- Eu explico… - por outro lado, tomando
a sua posição frágil e deturpada de defesa, Joana adiantou-se a esclarecê-lo –
Naquela tarde em que nos vimos no Colombo e eu te perguntei pelo estágio, tu já
sabias que vinhas para cá, sabias que vinhas para esta zona e para este hotel,
no entanto e não compreendo o porquê, fizeste-me querer que não sabias de nada…
Mentiste-me!
- Eu não te menti!
- Mas também não me disseste a verdade!
– ripostou no mesmo segundo, aproveitando o fôlego que lhe fora concedido para
o contrariar
- Seja como for, não podes comparar… São
situações completamente diferentes!
- Talvez sejam, mas não penses que se eu
não te disse a verdade, foi com a intenção de te esconder o que fosse, ao
contrário de ti… - indagou sofregamente, não temendo que viesse a recair sobre
si, um referendo de represálias – Porque eu sabia que a partir do momento em
que soubesses de tudo, entrarias em pé de guerra com o teu pai, e eu não queria
nada disso!
- Preferiste então que eu continuasse a
fazer o meu papel de bom filho, não sabendo que tinha sido em parte por culpa
do meu próprio pai, que perdi aquele que era o bem mais preciso da minha vida!
– arguiu impreterivelmente, até deixar clara a dor que o fenecera aquando da
partida abrupta de Joana, através dos seus olhos que a ilustraram
- Preferi! Preferi que ficássemos longe
um do outro do que te ver a cortar relações com o teu pai, porque sabes que a
família não se escolhe…
- … A família não se escolhe mas sim a
pessoa com quem pretendemos partilhar a nossa vida… - pressagiando-lhe a
conclusão, foi Ruben que acabou por ditá-la, numa justificação em que ele
próprio não acreditava – Foi isso que pensaste?
- Sim, foi exactamente isso que eu
pensei, e tive razão… - afirmou, relutante pelas clarividências que referiu
segundos depois – Afinal encontraste outra mulher, apaixonaste-te de novo,
ficaste noivo… Se eu não tivesse voltado, por esta altura tu já estarias com
uma aliança no dedo!
- Pois, mas voltaste! – um grito em
surdina eclodiu das cordas vocais e foi disperso pela abertura dos seus lábios,
ao mesmo tempo que as lágrimas ameaçavam desbotar-se dos seus olhos,
obrigando-o a conter-se um pouco mais – Se nunca tivesses ido, se me tivesses
posto logo a par da verdade, eu teria lutado por nós!
- Mas acabei por não o fazer, fui-me
embora e restou-nos seguir com as nossas vidas…
- E as nossas vidas acabaram por nos
trazer ao ponto de origem… Aqui estamos nós! – abrindo perpendicularmente os
braços ao corpo, Ruben evidenciou a reparação que o destino fizera, cruzando de
novo os caminhos por ele separados, e depois deixou-os descair pesadamente
contra as pernas, envergadas por uns calções de banho escuros, que lhe
assentavam na harmonia perfeita pela torneada forma física
- Sim, é verdade… - concordou
solenemente, vendo-o atirar a toalha ao chão como se por ironia estivesse a
desistir dela, e ao supor intimamente isso mesmo, a alma de Joana contraiu-se
de receio dessa suspeita vir a ser verídica – Mas o que eu te queria dizer
mesmo, é que lamento teres assistido a tudo aquilo e teres descoberto tudo
daquela maneira, e também te quero pedir desculpa por me ter ido embora e
deixar-te lá sem te ter dito nada, mas eu estava destroçada e só queria sair
dali…
- Pois, eu bem vi o quão destroçada
estavas… - cercado agora pelos ciúmes que o haviam possuído naquela tarde,
Ruben voltou com uma nova insinuação, evitando que aquela discussão amena
findasse ali
- Desculpa? – ela apenas soube
questionar, sentindo um sobressalto do coração
- Sim, eu bem te vi no corredor abraçada
a outro tipo, cheios de sorrisinhos…
- Abraçada a um tipo… no corredor? –
primeiramente a referência que ouvira por parte dele, soara-lhe estranha e
impessoal, mas depois tudo se tornou mais claro – Viste-me abraçada ao William?
- Eu sei lá se ele se chama William,
Pedro ou João… - servindo-se novamente da ironia que nele não era normal, Ruben
caminhou levemente enfrente à piscina, ganhando uma nova perspectiva para
olhá-la – Espera aí, William? Acho que agora percebo… Deve ser um amiguinho teu
lá de Nova Iorque…
- Sim, é precisamente um amigo meu que
conheci em Nova Iorque, foi ele que esteve mais próximo a mim nos últimos tempos
que estive lá… Mas ainda assim não consegui perceber qual é o teu problema… Ele
viu-me chorar, viu que não estava bem e ficou preocupado comigo!
- Ai ficou preocupado, foi? Mas que
querido! – unicamente domado pelos ciúmes que não tinha mais como esconder e
conseguir controlar, ele teatralizou uma
breve expressão facial comandada por um sorrisinho inebriantemente trocista,
que a fez sentir mais desconcertada por estar ali – Vejo que ainda sabes
escolher os teus amigos… São prestáveis, dedicados, preocupam-se contigo…
- Espero que não estejas a querer
insinuar nada com essa conversa, Ruben… Estás a ser muito injusto e imaturo! –
desconhecedora do verdadeiro motivo que o impulsionava a dizer aquilo, a voz
dela esmoreceu francamente, denunciante da dor que lhe aprisionava as lágrimas…
pois começara a confrontar-se se tudo o que tinha acontecido entre eles nas
últimas 48 horas, fora real
- Eu só estou a querer dizer que para
quem estava tão mal, tão destroçada, não demoraste nada a encontrar um ombro
onde chorar, não demoras-te a encontrar quem te consolasse…
Ressentida com as palavras que apesar de
parecer, não tinham sido proferidas com a intenção de a ferir, Joana
aproximou-se de Ruben – intimamente abalado pelo sentimento de mágoa que ele
próprio lhe havia causado – e um gesto precipitado, porém julgado por ela como
merecido, deu um impulso projectado pelas suas mãos que embateram furiosamente
no peito dele, e empurrou-o para as águas da piscina.
Vendo a figura dele desaparecida por
segundos, Joana limpou friamente as lágrimas que se haviam precipitado em
silêncio pelo seu rosto pueril de candura… E quando pensou que já tinha sido
tudo dito, que todos os prenúncios, todos os gestos se haviam esgotado pela
exaustão de dois corpos derreantes, ela preparou-se para se ir embora e
deixá-lo tal como o encontrara minutos antes – sozinho –, mas um nova
impetração foi aclamada e ela viu-se obrigada a permanecer.
- Espera, não vás! – no desafogo de a
ver partir por vezes demais naquele dia, Ruben pediu-lhe encarecidamente que
não o fizesse, sem mexer um único membro que fosse e cessando-se numa expressão
francamente dolorosa – Ai!
- Não faças esse jogo comigo, Ruben, eu
não vou cair! – quedando-se junto do beiral, ela observou-o, relembrando-o de
todas as manhas que lhe sabia conhecer pelo ano e meio de uma vida que
partilhara com ele, o qual não se despendera da sua memória
- Não é jogo nenhum, estou cheio de
cãibras… mal me consigo mexer! – referiu sofregamente, dizendo-lhe a verdade e
nada mais que a verdade
- E o que é que queres que eu faça?
- Quero que venhas até aqui e me ajudes…
- O quê? – imaginando ter ouvido aquele
pedido, ela sorriu soante o delírio que o mesmo portava – Não, nem penses que
eu vou entrar na água…
- Por favor, Joana, estou a pedir-te! –
a feição interpretada pelo seu rosto contraído pela dor, não deu margens a
novas desconfianças por parte de Joana e esta viu-se condenada aos próprios
contratempos que suspiravam a favor daquele enlace – Não te pedia que o
fizesses se não precisasse realmente…
Não lhe restava outra saída que não
fosse a de ir socorrê-lo. Sem despir do corpo qualquer peça de roupa, acabou
por mergulhar e nadar até junto de Ruben, que permanecia afastado a uns bons
metros do beiral mais próximo.
- Foste rápida… - logo que ela emergiu à
superfície e a sua imagem surgiu à frente dele, os lábios de Ruben rasgaram-se
num sorriso boémio e profundamente encantador, conquanto denunciante de um
estado são
- Estavas a fingir? – vendo-o em
perfeita condição, sem dar quaisquer sinais de dores, Joana desmascarou por fim
o golpe que ele executara na perfeição – Não acredito que me fizeste vir aqui e
estavas a fingir! – indagou um tanto incrédula, determinada a deixá-lo e
colocar um ponto final à brincadeira em que estupidamente compactuara
- Espera! – contrafê-la, puxando-a pelo
braço quando a sua mão recorreu ao instinto de trazê-la de volta para si
- Não me toques, Ruben… Não me toques! –
tentou repelir as mãos dele do seu corpo tão bem como podia, mas Ruben dificultou-lhe
essa tarefa muito mais do que ela imaginara – Está quieto, deixa-me! –
totalmente atraiçoada pela inegável diferença de forças onde ele saía
claramente em vantagem, Joana começara a soquear-lhe o peito, não no intento de
magoa-lo mas sim usando-se desse recurso de maneira a conseguir escapar das
suas investidas cada vez mais resistentes – És detestável… Completamente
detest…
Posteriormente ao soltar-lhe os pulsos
presos pelas suas mãos, Ruben apertando-lhe a cintura com força contra o seu
corpo, segurou-lhe o rosto pela nuca, somente num toque com uma mão e calou-a
com um beijo… Beijou-a sem mais desculpas, sem mais hesitações ou mesmo
contratempos. É certo que o tinham feito ainda naquela manhã, mas nos lábios de
ambos já padecia a saudade e carência de um beijo, e quem diz um diz dois, ou
três ou até mais.
Ao início Joana ainda tentou recusar,
tentou resistir, mas não foi mais longe do que uma resistência passiva pois os
seus instintos foram contrariados pelo desejo e pela paixão que sentia por
aquele homem… Quando se entregou totalmente a Ruben e àquele carinho que
traduzia as falas outrora caladas do coração, sentiu-se relaxar nos braços dele
e enlaçou-lhe deliberadamente o tronco com as suas pernas que acabaram por
serem cruzadas nas costas, colocou os braços em torno do pescoço dele e
rendeu-se perdidamente àquele puro gesto de amor.
Ruben, que por sua vez mantinha os pés
bem fincados no chão da piscina, não resistia em esborrachar o corpinho dela
contra o seu, mantendo-a segura num gesto de braços que conferiam o conforto e
protecção inegável que mantinha em resguardo dela.
As línguas que até então se envolviam
sem pudor, fugiram por fim uma da outra antecipando o remate daquele beijo, que
iria ser colmatado com dois toques tangentes apenas dos lábios, mas que ele
insistiu em prolongar com mais uns tantos.
- Podes gritar comigo, podes bater-me,
podes chamar-me todos os nomes que quiseres, mas não te zangues mais comigo…
- Não estou zangada… - ela acariciou-lhe
ternamente a face e ofereceu-lhe um selinho nos lábios – … já passou.
- Desculpa ter descarregado em ti quando
tu foste tão apanhada nesta história quanto eu, sei que fui injusto contigo e
não merecias ouvir aquelas coisas, desculpa… - admitiu a culpa que somente a
ele e a todos os seus medos e inseguranças pertencia, num sussurrar inquietante
que tomou rumo aos lábios dela
- Foste, foste muito injusto e mauzinho
também… - Joana concordou num beicinho que o enterneceu e que em simultâneo o
deixou tenuemente triste
- E eu reconheço isso, mas quando ouvi a
vossa discussão não reagi bem, não sabia o que fazer, o que pensar ao certo…
Sou impulsivo e por vezes não meço as palavras, tu sabes como eu sou, não
sabes, amor? – era a segunda vez que Ruben a apelidava daquela maneira, de uma
forma tão ternurenta e tão natural ao mesmo tempo
- Eu sei, mas da próxima vez vais ter de
controlar melhor os teus impulsos, se não…
Antes que Joana desfecha-se a sua
suposição, ele antecipou-se a rectificá-la – Não, não vai haver próxima vez…
Não vai!
- É bom que não haja porque já perdemos
a nossa tarde, não vamos voltar a perder o nosso tempo por causa de coisas como
esta…
- Então acho que está na altura de
recuperarmos não todo, mas algum do tempo que perdemos… - murmurou num fôlego
consumido pelo desejo, encostou-a verozmente contra a parede da piscina que
tinham mais próxima,
- Alguma sugestão? – Joana riu
levemente, antecedendo o que iria acontecer
- Hum… Deixa cá ver… - ele entrou na
pequena brincadeira trocando com ela um sorriso genuinamente apaixonado, e sem
dar mais tempo a nada os seus lábios voltaram a procurar os dela com a
violência que o desejo eloquente de ambos portava – Sabes do que é que eu tenho
saudades? – por curtos instantes as bocas separaram-se
- Não… Do que é? – ela afagou-lhe o
cabelo e fez chocar os narizes em três toques apenas
- Tenho saudades de fazer amor contigo…
- proferiu num simples sussurrar, olhando-a fundo nos olhos e com os lábios
praticamente encostados, enquanto as suas mãos agiram por vontade própria e lhe
acariciaram os glúteos, apertando-os carinhosamente enquanto mantinha o corpo
dela tão colado ao seu quanto possível
- Eu também… - embora se tivesse sentido
totalmente arrepiada com a confissão do seu mais-que-tudo, Joana não se sentiu
no direito de faltar à verdade – Tenho muitas saudades de me entregar a ti, de
ser tua…
Ressurgiu um novo beijo, um beijo
diferente de todos os outros, um beijo menos tímido, mais atrevido e muito
comprometedor. As línguas voltaram a enveredar pelos caminhos que conheciam de
cor envolveram-se uma na outra com uma intensidade e vigor tal, que eles já não
sabiam existir… Foi o primeiro sinal para sentirem a situação começar a
fugir-lhes do controlo.
As mãos ávidas de Ruben percorreram as
coxas dela de um jeito que só ele tinha e que somente ela conhecia, continuaram
a subir e apenas se detiveram na bainha do top arrendado que Joana trazia
vestido, e sem ser necessário proferir qualquer palavra, com um gesto que em
tempos já se te tinham habituado, ela elevou os braços por instinto e com a
delicadeza que lhe era caracterizada sempre no que dia respeito a Joana, Ruben
despiu-lhe a camisola e voltou a procurar-lhe os lábios.
- Eu amo-te… Amo-te. – comandado por
todas as certezas e consciente de que não poderia continuar a guardar para si a
grandeza e o reconhecimento de um sentimento que guarnecia por ela, confessou
num segredar junto ao ouvido, que fez o coraçãozinho dela vibrar em todos os
recantos do peito
E Joana quis, quis e desejou poder
dizer-lhe o mesmo mas não o fez, em vez disso segurou-lhe o rosto entre as suas
mãos quando o sentiu aperta-la forte a si e voltou a mergulhar a sua boca na
dele, abarcando novamente no desejo que sentiram ao início, mas agora mais vivo.
A verdade é que não queria que Ruben
pensasse que num banal e depreciado “eu também”, estivesse escondido o
sentido de obrigação em responder-lhe de igual forma. Iria fazê-lo sim, iria
dizer-lhe com toda a sinceridade de que era portadora, que o amava, que o amava
muito e mais do que qualquer outra coisa, mas fá-lo-ia num outro momento, numa
outra ocasião que estava destinada acontecer prestes.
- Ai, amor… - um murmúrio fugidio foi
solto pelos seus lábios, perfumados pelo sabor do último beijo tentando captar
a atenção de Ruben, que a afaga em beijos e suaves mordidelas arrepanhando-lhe
a pele do pescoço, o que lhe suscitava inevitáveis arrepios e torrente de
cócegas – Ru, não quero fazer nada aqui… - revelou em fim, tentando não
magoá-lo
- São só uns beijinhos… - embora o
afirmasse, Ruben sabia que se continuassem àquele ritmo, mais tarde ou mais
cedo iria ser mais do que “só uns beijinhos”
- Mas se continuarmos, provavelmente não
irás conseguir parar, e eu também não…
A boca dele soltou-lhe os ombros por
segundos e voltou a subir, repuxando-lhe o lábio inferior – Tens razão,
desculpa… - consciencializando-se do enorme passo que poderiam dar enfrente,
ele concordou que fossem com mais calma
- Não tens que pedir desculpa, meu
tontinho… Tu sabes que eu também quero, quero muito o nosso momento, mas… não
aqui! – os seus ombros encolherem levemente, evidenciando o lugar público e
impessoal onde se encontravam, assim como as probabilidades elevadas de
aparecer alguém a qualquer instante
- Eu percebo… É melhor guardarmos este
momento só para nós, na nossa privacidade. – um sorriso imensamente belo surgiu
enquanto a olhava, tranquilizando-lhe a alma
- Concordo… Estivemos tanto tempo longe
um do outro, que eu acho que merecemos melhor do que isto, algo especial.
- E agora que voltámos a namorar,
devemos tornar o nosso momento ainda mais especial… - ciciou a um passo de a
beijar, mas deteve-se já perto dos lábios dela, aquando Joana colocou uma
dúvida pertinente
- Voltámos a namorar? Não me lembro de
nos termos tornado namorados… - ela assimilou um ar pensativo e reparou que o
deixara meramente nervoso
Ruben recuou ligeiramente para aumentar
o seu foco de visão e conseguir olhá-la com mais profundidade – Não somos?
- Somos? – a questão ficou suspensa,
pois um ruído impetuoso rasgou o ar circundante a área
- Não ouviste nada? – Ruben foi o
primeiro a dar sinal da anunciada de mais alguém que viria a cruzar as portas,
e irromper num mundo que por minutos lhes pertencera unicamente
- Não, o quê?
- Não sei bem, pareceu-me ouvir um
barulho, vozes… Que horas são?
- Não sei, mas já deve ser tarde…
Espera, já deve ser tempo de fecharem as piscinas e isso quer dizer que…
- Shuu, vem aí alguém… Contém a
respiração! – argumentou num sussurro providente, protegeu-lhe as costas,
tapou-lhe a boca com a mão e puxou-a consigo para o fundo da água
- Is anybody there? – um dos seguranças
nocturos apareceu, rompendo a escuridão que envolvia aquele lugar, com a luz
forte e brilhante da sua lanterna, que fora apontada em todos os recantos, que
eles, colocados a um canto da piscina, conseguiram distinguir debaixo de água… momentos
depois a luz desapareceu, e puderam finalmente voltar à superfície
- Estás bem, amor? – sabendo que naquela
parte da piscina Joana não tinha pé, Ruben voltou a tomá-la em seu braços,
claramente preocupado com ela, vendo-a tentar regularizar a respiração que sustivera
nos pulmões durante segundos demasiadamente longos
- Sim, estou bem… - ela tranquilizou-o
com um sorriso honesto, e olhou depois de relance as portas de acesso aos
balneários e a saída de emergência, confirmando assim a retirada do segurança –
Esta foi por pouco…
- Mas então se eles já fecharam as
portas, como é que agora vamos sair daqui?
- Se ainda não mudaram o sistema desde a
última vez, eles não fecham as portas no sentido de as trancarem, ficam apenas
de vigia… Só temos que passar pelo guarda sem deixar que ele nos veja.
- Sempre gostei de desafios… - antes de
saírem dali, Ruben aproveitou a oportunidade para juntar de novo a sua boca à
dela, improvisando um beijo que se revelou prolongado e muito, muito sentido
***
- Rápido, rápido, entra! – seguindo
ligeiramente à frente de dela, Ruben apressou-se a chamar um dos elevadores e
logo que viu as portas abrirem-se na sua frente, puxou-a para dentro pela mão
que mantinham firmemente unida
- Wait, come back here! – o pobre
enjeitado do segurança correu atrás deles o melhor que pôde e conseguiu, desde
as zona das piscinas de onde clandestinamente os vira sair, até ao átrio
principal, onde acabou por perdê-los logo que as portas do elevador se
encerraram
- Gordinho mas deu luta… - pelas portas translúcidas
que ofereciam a vista ao interior do hotel enquanto das subidas e descidas, ele
olhou o segurança que se detivera lá em baixo, completamente ofegante pela
corrida e a persegui-los também com o olhar enquanto os via subir, Ruben não
resistiu e acenou-lhe com a mão no seu jeito trocista mas já muito próprio
dele, enquanto lhe sorria triunfante
- Oh não sejas assim, só estava a fazer
o trabalho dele… - Joana repreendeu-o pelo jeito de miúdo que tinha em lidar
com a situação, e pressionou o seu andar com o indicador – Além disso
podíamo-nos ter metido em sarilhos se ele nos tivesse apanhado!
- Mas não apanhou! – ele recostou-se a
um canto do elevador e puxou-a delicadamente para junto de si – E temos que
admitir que até teve uma certa piada…
- Sim, foi engraçado… Parecia-mos uns
miúdos! – Joana gargalhou brevemente e ele acompanhou-a por segundos
- Mas olha pra ti, estas toda molhada…
Antes de te deitares toma um banho quente, não quero que fiques doente outra
vez. – a preocupação pela saúde e bem-estar da sua pequena, ressaltou novamente
ao coração de Ruben, que num só relance olhou o corpo dela, que sabia melhor do
que ninguém ser frágil e indefeso
- Não te preocupes, eu fico bem… - entoada
a garantia, o elevador deu sinal da sua chegada ao destino e num único
movimento as portas voltaram-se a abrir automaticamente – Acompanhas-me até ao
quarto?
Era evidente que Ruben não iria recusar
aquela pergunta coberta em pleno por um pedido que escondia… Não queria nem
iria recusar um único minuto que poderia passar ao lado dela.
Com as mãos unidas que não se tinham
largado ainda por um instante desde há minutos atrás, eles seguiram ladeados
pelo corredor, clareando o final de um dia que se prestara difícil devido à sua
longevidade e aos acontecimentos que naquela tarde foram tudo menos
bem-aventurados.
- Sobre aquilo que aconteceu esta tarde,
eu quero dizer-te… - logo que chegaram junto à porta da suíte, Ruben tentou
colocar todos os pontos nos is, respectivamente a tudo o que acontecera, mas ao
contrário dele, Joana preferiu não fazê-lo
- Ouve, Ruben, é melhor não falarmos
sobre isso hoje… - ela movimentou o seu corpo de modo a observá-lo com toda a
clareza, e deixou-o combalir levemente sobre a porta – Foi um dia longo para os
dois, estamos cansados, falamos sobre este assunto amanhã, pode ser?
Ruben apercebeu-se então que o melhor
seria não tocar mais naquele assunto, sabia que teria de ser novamente falado,
discutido, argumentado, mas a altura chegaria mais tarde.
Aproximou-se a ela de mansinho e
protegeu-lhe a frente do corpo com o seu, só para poder observar a
particularidade de cada pormenor das feições do seu rosto, dos movimentos do
olhar, da hesitação dos lábios. Joana mantinha as mãos presas entre as suas costas
e a porta e sentia que não se poderia mexer dali pois apercebera-se que naquele
instante era alvo de toda a atenção dele.
Ruben gostava do simples prazer de a olhar,
sentia-a respirar tranquilidade, e aquela doçura e aquela delicadeza que tinha
ao olhá-lo, que expressava em cada movimento do corpo, denunciavam-lhe a
condição do estado de espírito… Ele sabia que Joana estava feliz.
- Não queres entrar? – era sem dúvida a
proposta mais tentadora que ela lhe poderia oferecer, mas que infelizmente e por
razões de maior, ele não pôde aceitar
- Querer até quero, mas já é tarde e… eu
não posso abusar nem arriscar demasiado, desculpa! – tendo em conta as horas
incrivelmente avançadas pelos ponteiros, por obrigações profissionais Ruben não
poderia delongar por muito mais a sua demora
- Eu compreendo, não te preocupes! – um
sorriso imensamente belo iluminou o seu rosto
- E amanhã, bem, amanhã vai ser um pouco
difícil conseguir arranjar um tempinho para estar contigo… Tenho o dia
preenchido com treinos, de manhã vou para o centro de estágio depois para o ginásio
e à tarde tenho que ir fazer alguns testes… - enumerou monocordicamente,
relembrando o dia puxado que iria ter enfrente e o qual iria tomar o seu início
na manhã seguinte – Mas à noite estou livre…
- E isso quer dizer que… - ela entoou
cada palavra de maneira a fazê-lo partilhar consigo os planos de que já
adivinhara ele ter em mente
- Isso quer dizer que podemos jantar
juntos e tirar o resto da noite só para nós… O que te parece?
- Parece-me, hum… - ela reteve-se por
momentos até compor na sua mente a palavra mais adequada – Perfeito!
- És, de facto és perfeita… – tomando
uso do argumento dela, Ruben manipulou-o à sua vontade e ao emendá-lo fez dele
um melhor discurso – … tão, mas mesmo tão perfeita! – sussurrou enquanto lhe
desviava do rosto, alguns dos cabelos ainda húmidos, e segurando-os atrás com a
sua mão matou o sorriso que padecia em seus lábios com um beijo incrivelmente
apaixonado – Tenho de ir… Depois arranjo maneira de combinarmos melhor as
coisas amanhã, sim?
- Está bem, vai lá então… – incentivou-o
palmeando-lhe o rosto perfeitamente robusto, com todo o carinho que o seu
coração poderia suportar, para depois o ver afastar-se tomando novamente rumo
ao elevador – Ruben, espera! – algo que ela deixara para fazer, fê-lo travar
ainda a tempo e numa corridinha leve, tomou de novo conta da proximidade entre
ambos
- Precisas de alguma coisa? – ele tentou
encontrar a justificação mais banal que a levara a adiar a despedida por mais
algum tempo, ali, no meio do corredor
- Preciso de dar um beijo de boa noite
ao meu namorado, antes de ele se ir embora!
Ele olhou-a completamente embevecido e
assim que vislumbrou aqueles dois olhos, que mais pareciam dois pedaços de céu,
um sorriso enorme raiou em seu rosto. Joana descolara por segundos os
calcanhares do chão, e em biquinhos dos pés e segurando-lhe delicadamente o
rosto entre as suas mãos, beijou-o com todo o sentimento e fulgor que expelia dentro
do seu peito, levando ao movimento de um compasso calmo entre as duas línguas
dançantes.
- Boa noite, amor… - desejou ela por fim,
com toda a calma do mundo e aproveitando a união das testas, para permanecer
com os seus lábios bem juntinhos aos dele
- Boa noite, meu anjo… - desejou ele
também, prolongado depois mais um beijo destinado a ser o último da noite, mas
que ele sabia que iria ficar cravado na sua boca e na sua memória até a um novo
reencontro
Ao passo de que se iam afastando, também
as mãos que entrelaçaram iam escorregando uma na outra, mas Ruben não resistiu
e voltou a puxá-la para os seus braços, repenicando-lhe uma enchente deliciosa
de leves toques de lábios, que lhes provocou um sorriso incontornável,
aqueceu-lhes a alma e deixou os corações pulsar de alegria.
Joana ficou a vê-lo afastar-se até
ingressar no elevador, e pôde jurar decifrar-lhe um “Amo-te” que ele proferira
num simples gesticular de lábios, desfechando da melhor forma a noite cerrada
que antecipava a uma nova manhã.
E como o prometido é devido, aqui vos deixo mais um pedacinho da história! :)
Espero que gostem e não se esqueçam de deixar os vossos comentários.
Beijinhos, e se for o caso, boas férias!
Joana :)