Afastou escassamente as cobertas que
ainda lhe ocultavam um meio do semblante e intermitiu levemente os olhos, de
maneira a que a imagem imensamente bela da figura masculina que permanecia bem
na sua frente, se tornasse mais nítida, mais clara e por conseguinte mais real.
Foi derradeiro tentar controlar o pulsar
latente do coração, aquando tão perto dele, perscrutava por cada adornado
preciso e cuidado do seu rosto, deixando por fim padecer o olhar na curva
daquele sorriso boémio e genuíno, pelo qual era tão bem reconhecido entre todos
e que somente pertencia a Ruben… e enquanto, sereno, continuava a olhá-la e a
mantê-la debaixo da sua alçada protectora, a metade de si, que Joana
representava ser-lhe.
- O que é que estás aqui a fazer? –
inquiriu, sendo esta a única pergunta que naquele momento intempestivo lhe
havia surgido, na retaliação de uma voz fraca e olhar desalentado pela fadiga
que ainda lhe corroía o corpo
- Vim cuidar de ti… - respondeu muito
calmamente e sem se conseguir desfazer por um único instante daquele sorriso…
capaz até de fazer barulho e brilhar no escuro, tal era energia que continha
- Cuidar… de mim? – a hesitação entre as
palavras, acusou-lhe todo o nervosismo que se havia unificado no seu interior,
mas nem isso foi capaz de a impedir de continuar a falar, embora que com algum
esforço – Vieste cuidar de mim, porquê? Eu estou bem… - tentando dissimular o
seu mal-estar evidenciado pela fraqueza em cada membro combalido, Joana fez um
esforço para se sentar à cabeceira da cama, com o apoio dos membros superiores,
mas estes mostravam-se demasiado debilitados para responderem às ordens da
razão
- És uma tonta, sabias? – disse em tom
de brincadeira, mas suficientemente convicto para que Joana percebe-se que ele
sabia mais do seu estado do que era suposto… mansamente, Ruben aproximou-se do
seu rosto, o que por momentos a levou a pensar que iria beijá-la, mas no mesmo
instante essa dúvida desvaneceu-se logo que uma sensação estranhamente
confortante junto da sua testa a fez estremecer em vulgar inocência – Estás a
arder em febre… Como é que podes estar bem? – inquiriu logo que descolou os
seus lábios da pele ligeiramente suada dela, de onde pôde verificar a
temperatura exageradamente alta de que Joana era vitimada
- É só um bocadinho… Já passa! –
asseverou seguramente, deixando-se contrariar depois pela falta de forças de
que tomava ordem, e voltou a deslizar para baixo da pilha de cobertores, onde
deixou se envolver na sua totalidade para assim resistir à vaga de frio que
sentia do outro lado das cobertas
- Só vai passar se te cuidares
devidamente, e como nesse estado não és capaz de o fazer sozinha, deixa que
seja eu a fazê-lo… Deixa-me ficar aqui a cuidar de ti! – ditou numa exclamação
profundamente sincera e que poderia muito bem ser entendida como um pedido,
deixando que a sua mão pesada pousasse sobre a anca dela, dando depois um
relance acima do ombro para confirmar a ausência de Salvador, que naquele
momento já não partilhava mais do mesmo espaço que eles - … deixas?
- Deixo… - Joana ainda vacilou a um
consentimento, mas este acabou por ser dado, da mesma maneira como também um
sorriso lisonjeiro sobressaiu do seu rosto, pela extrema segurança que pôde
sentir na voz e no olhar do homem por quem tinha a certeza que ira sempre
satisfazer todas as vontades e caprichos, tal como acabara de fazer
- Então vá, trouxe-te uma sopa quente e
quero que a comas toda! – Ruben ergueu-se apenas para pegar o tabuleiro de
madeira que deixara no chão, sortido por um prato de sopa fumegante, bolachas
de maçã e canela, chá de menta e uma jarrinha disposta a uma das extremidades
com uma flor aromatizada
- Não… Não tenho fome! – caprichou que
nem uma criança, vendo o tabuleiro surgir na sua direcção, e escondendo logo de
seguida rosto debaixo das cobertas
- Vais comer sozinha ou preferes que te
tape o nariz pra que abras a boca?
Quando Ruben começava com aqueles jogos
de “ou fazes ou fazes”, ela sabia que não lhe valeria de nada usar qualquer
argumento de contra-ataque, pois no final, de uma maneira ou de outra, ele iria
sempre levar a melhor de si. Não que isso fosse uma coisa má, muito pelo
contrário até… Aquela insistência, aqueles cuidados redobrados e a dedicação
que o vi-a tomar para consigo, faziam-na sentir incrivelmente mais leve,
tranquila e… amada.
- És um bruto! – acusou, fingindo-se
ofendida com o comentário dele e escondendo por detrás do edredão, um sorriso
trocista – Fica tu a saber que não é assim que se trata uma rapariga num estado
debilitado como eu…
- Eu sei que não, desculpa… Mas os
miminhos vêm depois! Fica tu a saber também que o melhor se guarda sempre para
o fim! – revirou a conversa e manipulando-a a seu belo favor, numa habilidade
que apenas Ruben possuía e acabando por colocar o tabuleiro de pezinhos
suspenso sobre as pernas dela
- Pronto, eu como! – disse num argumento
de desistência, camuflado pelo acto tentado e conseguido em escapulir ilesa ao
comentário dele
Ainda que contrariada, Joana
endireitou-se o melhor que conseguiu à cabeceira da sua cama de casal, com a
ajuda não proclamada de Ruben, que se apressou a ajeitar-lhe a almofada atrás
das costas de maneira a abonar-lhe o melhor conforto possível. Pegou na colher
e logo que o viu tomar o lugar vago ao beiral do colchão a seu lado, encarando-a
num frente a frente, deu início à sua refeição, que se mostrou mais custosa de
ser levada até ao fim do que o expectável.
- Não comes mais? – inquiriu de rajada,
vendo-a pousar a colher no prato e preparando-se para desviar o tabuleiro da
sua frontaria
- Não consigo, já estou cheia…
- Oh, não me digas que não há aí um
espacinho só pra este bocadinho…?
- Não… Já não há mais espaço! – disse,
no mesmo instante que fechou os olhos para arrebitar o narizito no ar e fazê-lo
acompanhar pelo oscilar da cabeça em sentido negativo
- Olha aqui, são só mais três colheres…
- num esforço louvável em cuidar dela, Ruben voltou a insistir, retirando o
prato do tabuleiro e colocando-o sobre a palma esquerda da mão, enquanto que a
direita tomou total manobra sobre os cursos da colher
- Não quero… - recusou uma vez mais,
brandindo levemente a cara para o lado
- Joana, vá lá… Olha pra mim! – implorou
dando uso a uma voz melosa e pedinchona,
à qual sabia Joana não ser capaz de ficar indiferente… ela cedeu, olhou-o
derrotada e aceitou aborrecida, a colher
abrangida por uma pequena porção da sopa de legumes, que carinhosamente ele lhe
levou à boca – Vá, mais uma…
- Opá, sujaste-me… - acusou, num jeito
de menina refilona – que sempre perfilhava de cada vez que estava mais
vulnerável – e limpando o canto da boca a um guardanapo assim que o encontrou
no tabuleiro ainda pousado na cama
- Se não estivesses numa de bebé teimosa
e rabugenta, e se também não estivesses sempre a desviar a cara, talvez eu não
te tivesse sujado.
- É… Desculpas a tua falta de jeito com
a minha rabugice! Agora sou eu, mas um dia mais tarde quero ver como vais fazer
quando tiveres que cuidar dos teus filhos quando eles estiverem doentes, sem
vontade de comer e rabugentos…
- Então mas se é esse o problema,
podemos fazer assim… - ele olhou-a directamente nos olhos com uma profundidade
tão sincera e segura do que lhe ia dizer a seguir, que Joana pôde sentir todo o
seu interior balancear intempestivamente, no receio do que poderia estar
prestes a ouvir – Quando esse momento chegar, primeiro mostras-me tu como se
faz e depois quando já souber o que fazer nessa situação, cuido eu deles… Pode
ser?
- Pois, mas não é a mim que tens de
perguntar isso… - apesar de lá bem no fundo ter percebido ao que Ruben
disfarçadamente se queria referir – no seu ajuste de planos para o futuro, ali
na sua frente – Joana preferiu contornar a indirecta que ele tinha lançado, do
que ter de discuti-la - … vais ter que dizer isso é à futura mãe dos teus
filhos.
- Sim, e foi isso que eu fiz!
Ruben não teve sequer de se dar ao
trabalho de pensar numa contestação devidamente estruturada, pusera de parte os
rodeios e fora directo e também, talvez, pouco cauteloso… Aquela
resposta saíra-lhe de rompante, directamente da alma, tal como uma bala quando
é disparada pelas forças irreversíveis de um canhão. O pior foram os destroços
que esta causou… Joana baixou o olhar e deixou que este ficasse preso às suas
mãos, agora irrequietas uma contra a outra, em consequência da maior declaração
que poderia imaginar ouvir.
Apetecia-lhe chorar… Oh, como lhe
apetecia chorar… E de alguma maneira, alguma coisa naquelas palavras lhe soava
triste, naquele tanto querer que ele lhe havia mostrado e que há tanto tempo
não era recordado entre o ex-casal, soava-lhe a fruto proibido… Um dia,
outrora, apetecido, mas agora demasiado silenciado para que fosse relembrado
daquela maneira… Agora em redor daquele assunto era tudo mais cinzento e menos
azul, e Ruben sabia-o, tal como sabia que não deveria ter suscitado os desejos
de um passado e por instantes chegou até a arrepender-se do que tinha dito,
pois um aperto no peito destroçou-o por ver a reacção desconsoladora que tinha
provocado nela, por ver o jeito do seu sem jeito.
- Esta é a última… - incentivou pela
última vez, não ousando voltar a tocar no assunto anterior, pelo desalento
desconfortante que deslindou nela com um só olhar
- Tenho que ir à casa de banho lavar os
dentes… - referiu, já depois de, com muita insistência, ter conseguido terminar
de comer e vagarosamente afastou os cobertores do seu corpo para assim se
conseguir levantar
- Queres que eu te leve até lá? –
ofereceu-se prontamente, para guia-la lado a lado numa marcha que se findaria
até à porta da casa de banho, luxuosamente oferecida pelo fardete da suíte
- Não é preciso… Eu consigo ir sozinha!
– recusou, evitando ao máximo ser desagradável para com aquele, que até à
altura se mostrara vigoroso em tratá-la
das melhores maneiras possíveis para que ela se sentisse bem
Sem ter a indigência de olhar o seu
rosto, Joana ergueu-se ainda assim com algum custo, traída pelas forças que a
cada passo corrido lhe faltavam.
Porém, Ruben não fez nada que a
contradissesse, não estava disposto a pisar a linha uma segunda vez naquela
noite e sabia que o que apenas há momentos lhe havia dito, numa manobra
precipitada de ingenuidade e sem segundas intenções, a tinha magoado… talvez
até mais do que seria suposto, por tudo o que o tempo perdido levara.
Um beijo era um beijo, e apesar de ambos
se terem entregue à doce tentação do momento mais íntimo que poderam então
partilhar, ele sabia que esse passo poderia não significar nada… Poderia não
alterar em nada nas suas vidas, nem mesmo assumir um para com o outro o
sentimento que desde sempre os unira, e agora… agora era o titular de amigos
(muitos íntimos) que ocupava o espaço vazio deixado entre ambos, o titular que
os nomeava.
Suspirou profundamente e deixou-se
permanecer em silêncio, à beira da lateral da cama direccionada para o anexo no
qual há instantes ela havia enveredado e desaparecido, aguardando por um novo
abrir da porta que lhe trouxesse a chegada da sua pequena e oculta
mais-que-tudo.
- Precisas de alguma coisa? – perguntou,
erguendo-se num único lance logo assim que a viu cruzar a porta de regresso ao
quarto
Joana ainda estava fraca, tinha a cabeça
tonta, de vez a vez as pernas falhavam-lhe e os arrepios incontrolados ainda
não tinham cessado. Agarrou-se ao aro de madeira da porta perfeitamente polida,
para não perder o equilíbrio e olhou fixamente o seu rosto em silêncio, com
uma intensidade como ainda não arriscara fazer naquela noite.
- Ouve, Ruben, eu sei que estás a ser um
querido em ficares aqui ao pé de mim, mas também sei que tiveste um longo dia
de trabalho e deves estar cansado… Se quiseres ir embora, eu compreendo… Não te
prendas por mim! – gracejou em meio tom de voz, aquando a passinhos breves,
retomava o rumo para o conforto ameno debaixo dos lençóis
- Mas eu não me quero ir embora! – desde
cedo mostrou quais as suas intenções e vontades, e não seria de maneira fácil
que ira abdicar delas – Quer dizer… A menos que tu me peças para o fazer. – com
mesmo rompante em que dera a sua resposta, da mesma forma se apressou a
corrigir-se, disfarçando o embaraço que perfidamente se apoderou da sua firmeza
- Eu não te vou pedir que o faças. –
proferiu, deixando que no instante seguinte as poucas forças que a mantinham em
pé se escapulissem dos membros inferiores sem mesmo ela se dar conta, e
obrigando a uma precipitação ágil de Ruben que acabou por segurá-la nos braços
- Ainda bem… - murmurou, de rostos
praticamente colados, olhando-a primeiramente nos olhos e fixando-lhe depois os
lábios modelarmente ornados – Vamos então continuar a cuidar de ti?
- Hum, hum… - assentiu passivamente,
sentindo-se vacilar perante a vontade irrevogável de se entregar ao homem que
sempre amara – Deixa-me só trocar de roupa. – referiu no mesmo instante que
descruzou ambos os olhares, procurando desfazer-se dos jeans justos e do
top… que indumentara no corpo para o jantar a dois, o qual acabou por não ir
- Eu ajudo-te! – realmente era de louvar
tanta dedicação e carinho com que ele fazia questão de a cuidar, como se de
alguma maneira, também estivesse a cuidar de uma parte de si
- Não, não é precis… - tentando ainda
assim trava-lo, Joana não conseguiu com que ele findasse com o tratamento de
mimos e vendo-o precipitar-se até ao roupeiro colocado ao centro da parede
lateral
- O que queres vestir? – perguntou-lhe,
fazendo correr a porta transversal para dar início à procura do vestuário com
que Joana se sentiria mais confortável para dormir e que ele tão bem conhecia –
Um pijama ou camisola larga?
- Ah… Pode ser uma camisola larga, já
não tenho tanto frio!
Ruben começou então uma busca que se
mostrou bem mais breve do que o esperado… Na prateleira do cimo encontrava-se todos
os conjuntos de roupa que ela trouxera nas malas para dormir e intercalada no
pequeno montinho de camisolas de manga curta largueironas, ele reconheceu
aquela que em tempos havia sido um pequeno presente seu para a sua ex-namorada.
Retirou-a com cuidado no meio de outras tantas e ao segura-la por entre as
mãos, uma enxurrada de recordações evocaram a felicidade de um passado, apenas
na simplicidade de um pormenor como era aquele.
Regressou até ela e Joana limitou-se a
sorrir discretamente ao ver, pousada sobre a cama, a preferência que ele tivera
por aquela camisola em particular, sem ter a necessidade de interroga-la para
uma escolha, pois muito provavelmente, também ela iria optar por aquela peça de
dormir.
- Posso? – promulgou baixinho por um
consentimento dela, aquando as suas mãos se guiaram instintivamente até ao
botão dos jeans de modo a ser ele a despir-lhas
Joana apenas lhe deu a aprovação com um
breve oscilar de cabeça, que a ele lhe deu carta-branca para avançar. Ao sentir
os dedos grosseiros tocarem muito levemente na sua barriga enquanto ele
desapertava o botão e fazia correr o fecho, fê-la arrepiar instantaneamente ao
sentir de novo o toque pele contra pele, o que o levou erguer a cabeça por
segundos e olhá-la, apenas para verificar se estava tudo bem.
Devagarinho, Ruben vez deslizar as
calças, contornando-lhe as nádegas com as mãos e deixando-as divergirem pelas
pernas dela muito lentamente, até se colocar de cóqueras.
- Não precisavas de ter este trabalho
todo comigo… - referiu, vendo-se obrigada a apoiar as mãos nos ombros dele para
manter o equilíbrio
- Eu disse que ia cuidar de ti, e é isso
que vou continuar a fazer! – respondeu muito seguro, voltando a erguer-se e
repondo em vista a altura desproporcional que tinham um ao outro – Levanta os
braços, por favor… - pediu-lhe, de maneira a conseguir retira-lhe o cai-cai que
lhe assentava as curvas das ancas e assim que ela acatou com o seu pedido, foi
um questão de segundos até se conseguir livrar da peça de roupa
- Ruben, eu não…
- Tu não dormes com o soutien, eu sei… -
asseverou com a maior das naturalidades, não precisando sequer de um
relembrando formulado da parte dela para se recordar dos seus hábitos mais
íntimos - … não me esqueci.
Ela baixou o olhar envergonhado e
silenciou-se. Era evidente que Joana se mostrasse desconfortável com aquela
aproximação e intimidade de que só um casal deveria partilhar, e o facto de ele
a ver seminua, ali, na tranquilidade de um quarto quase adormecido, deixava-a
ansiosa e de certa maneira desconcertada, pelo tanto tempo que estiveram longe
um do outro sem sentirem qualquer toque ou carícia.
- Não precisas de ficar envergonhadinha…
Sempre tivemos muito à-vontade um com o outro nestas situações, não tivemos?
- Sim, mas… As circunstâncias são outras e já nada é como era
dantes, muitas coisas mudaram desde então… - declarou, sem ter a mínima coragem
de o encarar e aperaltando no rosto um sorriso dolorosamente desconcertante
- Tens razão, muitas coisas mudaram, mas os sentimentos não… Os sentimentos continuam tão vivos quanto tu e eu, quanto nós! – confessou num murmúrio venturoso, quando lhe procurou o consentimento de um olhar – Está tudo bem, relaxa…
Os seus braços contornaram-lhe o tronco
gentilmente e impondo os rostos a um distanciamento quase nulo, Ruben olho-a
nos olhos com uma intensidade tal, que Joana não se atrevera a procurar outro
ponto de refúgio que não fosse também os olhos dele… tão grandes, tão
profundos, tão sinceros.
Os seus dedos ágeis desapertaram-lhe o
soutien de colorado negro e num gesto quase sumido fez deslizar em cada ombro
uma alça de cada vez, sem nunca, mas nunca parar de lhe contemplar os olhos
mais bonitos que alguma vez vira e que pertenciam unicamente a Joana, e fê-lo
com tanta delicadeza que inevitavelmente cada recanto dela estremeceu. Aí a
peça de lingerie caiu ao chão e ele
viu-se irredutivelmente obrigado a quebrar o olhar durante breves segundos ao
dela no instante em que o seu corpo seminu surgiu na sua frente, e um sorriso
lindo lhe acalentou os lábios... pois naquele momento – apesar de saber que o
tempo fizera da memória sua escrava – não poderia estar mais certo de que nunca
vira mulher tão perfeita como a sua.
Joana corou, muito subtilmente, vendo-se
exposta para o homem que sempre amou e a quem se entregara em muitas das noites
sem fim, mas foi impossível conter-se em emoções por poder voltar a partilhar
com ele um momento de que somente ambos poderiam partilhar, e esboçando no
rosto um sorriso discreto mas igualmente lindo.
- Já está, pequenina… - concluiu num
leve rasgo de lábios, logo que lhe vestiu a camisola, fazendo com que esta lhe
assentasse apenas um pouco acima do meio das coxas – Agora vais descansar, está
bem?
- Hum, hum… - afirmou positivamente numa
fala contida para dentro, apesar de não mexer um único músculo para atender a
sugestão dada por ele
A sua mão direita elevou-se
voluntariamente até se prender nos cabelos dele, combatentes contra a força da
gravidade por uma porção avultada de gel fixante, deixando que os seus dedos
lhe bailassem por entre os caracóis discretos.
Ao contrário dela, Ruben continuava a
olhá-la nos olhos tornando a forma com que o fazia, mais penetrante e docemente
acolhedora, na eloquência de respostas que não possuía e a imaginar no que
Joana poderia estar a pensar… em tudo o que naquele momento lhe poderia ocorrer
ao pensamento mais profundo e distante.
Ela fez descer a mão muito lentamente,
permitindo-a deslizar pelo rosto amadurecido pelos quase vinte e cinco anos dele,
e deixando que a barba mal aparada lhe provocasse uma sensação de cócegas sob a
polpa dos dedos finos e delicados. Por fim estes encontraram a sua última
parada e acabaram por pousar sob os lábios dele, sentindo-lhe o rasgo de fervor
imposto pela respiração cálida e desregulada, assim como cada alinhamento e a
vurmosidade de uns lábios carnudos que precisava voltar a sentir nos seus.
E foi nesse instante que Ruben percebeu
exactamente no que ela estava a pensar… Beijou-lhe os dois dedos e
mordiscou-lhe o indicador com suavidade, sem, claro, quebrar por um segundo a
intensidade dos dois olhares expostos um ao outro… Ela riu-se de um jeito
delicioso e ele aproveitou esse facto para reduzir perigosamente a distância
entre os dois narizes.
- Queres que eu te beije, não queres? –
inquiriu num sussurro arrepiantemente apaixonado, reconhecedor do desejo que a
deflagrava, no fundo os deflagrava
- Quero muito… - bafejou num suspiro
exasperado contra os lábios dele, quando o sentiu colar totalmente os corpos,
num encosto e aperto aconchegante
Ele nada mais pôde fazer do que sorrir
com aquela resposta, era tudo o que queria e precisava de ouvir.
Foi Joana, porém, que deu o primeiro
passo. Balançou imponderadamente os pés descalços e em consequência do
intervalo praticamente reduzido a nada entre as duas bocas, os seus lábios
tocaram os dele, num toque que não deu tempo de ser correspondido.
Ruben sorriu perante aquele impulso
involuntário e deu prosseguimento às tangências provocatórias, bocanhando e
repuxando-lhe carinhosamente o lábio inferior somente entre os seus, formando
depois uma pequena brincadeira com ela do toca e foge, até se ver qual dos
dois era o mais ágil.
Joana acabou por soltar breves
gargalhadas pela brincadeira da qual saíra derrotada e ele acompanhou-a, mais
discreto, decorando-lhe todos os traços adornados de um rosto feliz… E sem se
quererem aperceber, com aquele momento de paixão pura, eles provaram mais uma vez
possuir todos os antecedentes a um casal de namorados que negavam, mas que no
entanto secretamente desejavam ser.
Ele reaproximou-se disposto a retomar a
brincadeira anterior, embora que agora um pouco diferente. Os seus lábios
entreabriram-se assim como os dela e voltou a unir as bocas apenas num encosto
tangente. Nenhum tomou a iniciativa de fechar os olhos, pois queriam estar
cientes daquilo que faziam, e nada melhor do que se olharem fixamente antes de
se deixarem levar pelos corações palpitantes, aquando das duas respirações
quentes se encontravam fugidas e revoltas uma na outra.
Finalmente Joana rendeu-se ao prazer de
se entregar e cerrou as pálpebras logo que sentiu os lábios dele roçarem
ininterruptamente os seus, como que lhe pedindo um indício para poder avançar.
Ruben recebeu o sinal desde logo e não sem antes poder evitar, colou um sorriso
à boca dela, fechou os olhos e deu-lhe assim o primeiro beijo, provocando um
burburinho repenicado como fundo. Com apenas um braço contornou-lhe as costas e
fê-la recuar, comandando ele uma curta caminhada cambaleante até à cama… Com o
máximo cuidado, enquanto continuava a beijar-lhe os lábios, segurou-a
fortemente no contorno do seu braço deitou-a na cama e deitou-se sobre o corpo
dela, mantendo em si a preocupação de nunca a magoar, pois sabia da fragilidade
que ainda a viandava. As bocas, essas, não se haviam descolado por um segundo e
quando Joana sentiu a necessidade em si de terminar com aquele momento que
poderia não ter um retorno, Ruben aproveitou para prolongar ainda mais aquele
beijo, algo que ela não teve como negar.
Ambas as línguas se procuraram e assim
que sentiram o toque enfeitiçante uma na outra, deram então vida a um bailado
louco, violento e muito, muito apaixonado.
Eles eram apenas dois personagens que
experimentavam o sentido do amor. Um amor sem nome ou forma, somente alimentado
de uma magia doce e quente que abrasava dois corações enamorados.
- Estou a magoar-te? – vendo-se forçado
a repetir aquela consequência de beijos, Ruben ergueu escassamente a cabeça
para olhá-la, pois recordara-se do estado frágil do qual ela era ainda vitimada
- Pois, agora que falas nisso… - na
verdade Joana estava bastante confortável, e pela força de um braço que ele
fazia contra o colchão, quase que não o sentia sobre si, mas decidira iniciar
uma brincadeirinha inconsciente da qual esperaria vir a ser beneficiada com uma
doze de gargalhadas extra – Estás a fazer um pouquinho de peso a mais…
Ruben inclinou-se ligeiramente para o
lado, mas ainda cobrindo a maior parte do corpo dela e lançou-lhe um olhar
enigmático que Joana rapidamente descodificou – Espera, deixa ver se eu
percebi… Estás a chamar-me gordo?
- Não, não foi bem isso! Eu apenas disse
que…
- Foi sim! – interrompeu-a de imediato,
expressando em si a ofensa que na verdade não sentia – Chama-me lá isso agora
com todas as letras… Vá, chama! – incentivou em tom de ameaça, enquanto os seus
dedos caminhavam vagarosamente até à barriga dela, prontos para iniciarem um
ataque de cócegas furioso
- Ruben, pára! Cócegas não! –
repreendeu-o, tentando formar uma atitude séria, mas esta foi-lhe quebrada
pelas gargalhadas incontroláveis que eclodiam na sua boca
- Vá, não és capaz? Chama-me lá gordo,
sua minorca… Chama!
- Por favor, pára… Por favor!
- Então pede desculpa… Ou eu não vou
parar! – alterando a sua táctica, ao bailado persistente dos seus dedos na
barriga e no torso de Joana, Ruben começou pôr abocanhar-lhe o seu pescoço em
suaves mas perigosas investidas
- Desculpa, desculpa!
- Fala mais alto, não te percebi… -
referiu numa entoação clara de gozo, cessando finalmente com o assalto
mortífero de cócegas, para desviar suavemente a camisola dos ombros dela, de
maneira a conseguir beijar-lhe a pele
- Desculpa… - pediu por fim logo que
fechou os olhos, libertando um suspiro de rendição que foi solto por entre a
escuridão quase total do quarto, pelo carinho mais do que desejado que Ruben
firmava em si a cada beijo e carícia
- E agora dá-me um beijo! – ele ergueu a
cabeça apenas para conseguir olhá-la e fazê-la entender que o pedido que
solicitou havia sido feito com toda a seriedade de um coração enamorado
Ela respirou fundo numa tentativa
infundada de serenar o coração, que na altura palpitava que nem um louco
desmesurado dentro do peito, olhou-o e sorriu muito levemente. Cerrou as
pálpebras e deixou que fosse o instinto a guiar os seus lábios até aos de
Ruben, ansiosos por voltar a sentir o toque dela.
O início do beijo foi muito calmo, como
se não tivessem pressas de o fazer levar até ao seu fim – porque de facto não
tinham –, mas isso mudou quando ambos sentiram em fim uma entrega mútua que até
então ainda não tinham conseguido testemunhar, uma entrega pela certeza de um
sentimento que existia e que estava lá bem presente… Pena que aquele momento
estava destinado a ser interrompido pela vulgaridade de um contratempo.
- O teu… O teu telemóvel está a… tocar…
- elucidou-o ela, com alguma dificuldade, pois Ruben, brincalhão, interrompia
com leves toques de lábios
- Eu sei… Deixa-o tocar… - afirmou num
sorriso melindroso, não disposto a ser obrigado a parar com aquilo que desejava
ser a última coisa que visse chegar a um fim
- Mas pode ser importante…
- E nós não somos importantes? –
inquiriu numa lividez de traquinice e trincando-lhe carinhosamente a pontinha
do nariz – …hum?
- Não sejas assim… É melhor atenderes! –
sem que ele desso por isso, Joana desceu a mão até ao bolso traseiro dos
calções dele e retirou o telemóvel para lho entregar em mãos, sem ter a ousadia
de ver o destinatário do telefonema – Se quiseres estar mais à-vontade podes ir
falar para a sala…
Aborrecido com a insistência dela, Ruben
pegou o seu telemóvel, que continuava a tocar insistentemente e levantou-se,
mas não sem antes lhe roubar um beijo repenicado nos lábios, ao qual Joana nem
tivera tempo de reagir.
- Diz, mano… - indagou, logo que atendeu
a chamada feita por David, a um canto do enorme quarto
- Manz, onde cê ‘tá? ‘Tá quase dando a
hora da recolha…! – inquiriu ele imediatamente, fazendo trespassar pela linha
telefónica um tom alarmista e simultaneamente preocupado
- Eu… Eu tive que sair. Estou com a
Joana…
- Com a Joana, ué… Mas você não falou
que ela…? Que rolou?
- É uma longa história, depois conto-te!
- falou calmamente, abrigando a mão livre no interior do bolso dianteiro, para
olhar Joana discretamente acima do seu ombro
- Mas ‘tá tudo bem? Aconteceu alguma
coisa?
- Não, não é nada que não passe… Adoeceu
e eu estou a cuidar dela, só isso!
- Adoeceu? – pediu uma reafirmação,
deixando que num curto espaço de tempo onde não proferiu mais nada, desse para
que Ruben adivinhasse o que ainda lhe iria dizer – Eu falei, Ruben! Eu falei
pra você que havia uma razão forte pra ela não ter ido ao encontro!
- Sim, David… Tu avisaste-me, tinhas
razão e estás de parabéns! Contente? – espicaçou numa clara expressão de gozo,
que ainda serviu de rastreio a amistosas e breves gargalhadas da parte de ambos
- E agora cê ‘tá dando aí em cima da
muleca, quê… Fazendo de mocinho enfermeiro, é?
- É, é isso mesmo! Ela agora está a
precisar de mim e eu não vou deixá-la aqui sozinha enquanto não achar que está minimamente recuperada!
- Ah, precisa falar mais nada não, manz…
Se por alguma razão alguém quiser saber de você, não se preocupa, eu te cubro!
– assibilou ele, adivinhando o pedido que Ruben certamente lhe iria fazer,
fazendo sobrevalorizar a cumplicidade que desde cedo formaram na sua relação de
irmãos não de sangue mas de coração
Deixada por um telefonema tardio de
Ruben, Joana aproveitou-se da ausência precoce dele para tomar o seu lugar já
arrefecido, debaixo dos lençóis.
Sentou-se á cabeceira da cama e
aconchegou absortamente as cobertas ao seu corpo da maneira mais confortável
possível, para assim tentar abstrair-se o máximo da conversa a qual não lhe
dizia qualquer respeito.
Procurando pelo quarto uma nova
distracção, o seu olhar embateu acidentalmente na jarra que, na sua própria
retirada, Ruben colocou sobre a mesinha de cabeceira do seu lado direito,
guarnecida por uma flor de caule comprido e pétalas fartas e amarelas… que
sabia ser das suas flores preferidas. Deu um jeitinho esforçado ao braço
alcançando-a entre os dedos, retirou-a da jarra onde era banhada com meia dose
de água e aproximou-a ao nariz para lhe sentir o cheiro aromatizado, enquanto
os seus lábios a deixaram esboçar a divindade de um sorriso belo.
- É bonita, não é? – perguntou-lhe
meigamente, regressando para junto dela logo após ter desligado a chamada
- É… Sempre tive preferência por flores
amarelas! – relembrou, mostrando-lhe um sorriso enquanto o vi-a caminhar
levemente até si
- Eu sei! – afirmou, retribuindo-lhe o
mesmo sorriso de igual forma, voltou a tomar o seu lugar bem ao lado dela e
sentiu em si a necessidade de lhe dar uma explicação – Foi o David que me
ligou… São quase horas da recolha e como não me viu no quarto…
- A recolha é à meia-noite, não é?
- Yap! Tu estás minimamente por dentro
disto e sabes como é que funciona… Nas nossas horas livres temos total
liberdade para irmos onde quisermos e com quem quisermos, mas temos um limite e
se não voltarmos para o quarto até à hora estabelecida…
- Podem ser castigados… Eu sei!
O rosto de Joana esmoreceu
superficialmente, assim como a sua voz que naquele instante havia perdido a
intensidade. Nem mesmo ela conseguia explicar o facto de se sentir assim… meio
triste por, talvez, já adivinhar perto o momento de Ruben ter que regressar e
deixá-la novamente sozinha.
Sabia que ele estava às ordens e ao
comando do clube, tinha regras para cumprir, mas já se habituara a tê-lo ali, a
cuidar de si com todo o carinho do mundo e apenas queria continuar a disfrutar
dessa sensação, queria continuar a disfrutar da doce companhia do homem que
voltara a resgatar do seu amor, por mais tempo… Queria continuar a tê-lo ali,
bem pertinho de si.
Ruben conheci-a bem demais para que lhe
escapasse até ao mais ínfimo pormenor em relação ao seu frágil temperamento… E ele
soube ler-lhe aquele silêncio que acabara por assaltar a conversa e, talvez por
secretamente lhe conhecer a vontade do seu coração, que procurou sossegá-la.
- Mas isso não quer dizer que me tenha
de ir embora, Joana… Eu não vou deixar-te sozinha! Se acontecer alguma coisa o
David cobre-me… Já fizemos isso imensas vezes, quando nos excedíamos um pouco
nas horas.
- Mas isso não é demasiado arriscado?
- É um pouco… Mas é um risco que eu
estou disposto a correr.
Ela voltou a procurar-lhe a atenção –
Ruben?
- Diz, pequenina…
- Achas que estou a ser egoísta se te
pedir para passares a noite comigo?
Ele sorriu notavelmente feliz e
beijou-lhe levemente a testa – Claro que não estás… Se é isso que queres, eu
passo a noite contigo!
- É… é isso que eu quero!
- Então, vá, vamos só tirar-te a febre e
vais dormir está bem? – ele alcançou o termómetro deixado sobre a mesinha de
cabeceira do seu lado e colocou-lhe entre a dobra do braço
- Está frio! – queixou-se, referindo-se
ao termómetro, com um sorriso modestamente doloroso
Ruben descalçou-se e deitou-se ao lado
dela na cama, apoiando o cabeça com o cotovelo. Enquanto esperavam pelos
minutos necessários para se verificar a temperatura, conversaram… Conversaram principalmente
sobre os seus sucessos profissionais… o Benfica e a nova época, sobre o curso
de Direito e a carreira de manequim… Falaram um pouco de tudo e um tudo de
nada, apenas não se atreveram a tocar no passado e o quanto isso os fez sofrer.
Cada um sabia que não podia fazê-lo pois estaria a abrir novas feridas e a
causar novos transtornos, por isso saltaram o que mais os fizera felizes mas
também as mágoas de uma felicidade que conheceu desde muito cedo o seu fim.
Riram-se, olharam-se e nos momentos em que nenhum sabia o que dizer, ficavam
simplesmente a apreciar o silêncio de todas as coisas que não era preciso
serem ditas, apenas sentidas.
- Trinta e oito e meio… - disse ele logo
que espreitou o termómetro – Baixou pouco…
- Com uma boa noite de sono, já passa…
- Sim, e é isso mesmo que Senhora vai
fazer agora… Dormir! – disse aconchegando-lhe os lençóis
- Então e tu?
- Eu também… - garantiu, levantando-se e
começando a despir o pólo e os calções para dormir somente em boxers – como
sempre dormia. – Vais-me deixar dormir na cama, não vais? É que o sofá faz-me
dor de costas e então…
- És um fingido, é o que é! E sim, vais
dormir na cama, mas só porque eu estou com muito frio…
- Ai estás? Há pouco disseste que não…
- Mas agora estou… - rematou com
perspicácia, fazendo uma carinha de amuo que ele advertiu com uma gargalhada
calorosa
- Arranja então um espacinho para mim… -
ela abriu-lhe
a cama e chegou-se para um cantinho, oferecendo-lhe o outro lado livre
Ruben
regulou a intensidade da luz dos candeeiros que pendiam sob as duas mesinhas de
cabeceira, deixando-a exactamente ela como ela gostava… muito suave mas luzente
o suficiente para que deixasse ver tudo que era envolvido naquele lamear de
luz. Deitou-se e aconchegou-se no lado da cama que lhe pertencia.
Ficara
então um espaço vazio entre os dois… Um espaço demasiado grande e que Joana não
tinha coragem de ocupar para anuir com aquela distância que incomodava o âmago
de cada um. Queria, queria muito fazê-lo mas sabia que não era certo, aquele
jogo de sentimentos e sedução já tinha ido muito aquém do que era considerável
e se não fosse travado poderia levá-los de novo a percorrer caminhos que não
tinham um retorno. E deixaram-se ficar assim… a contemplar-se um ao outro sem
uma palavra dizer, mas com muito a sentir.
-
Boa noite, Ruben… - desejou ela calmamente, depois de acomodar a cabeça na sua
almofada
Ele
permaneceu sereno a olhá-la, à espera de lhe vislumbrar uma atitude, nem que
apenas um mero sinal… Um sinal que lhe desse a indicação precisa e irreversível
para embrenha-la no calor do seu corpo e poderem assim descansar nos braços um
do outro, mas nada do que intimamente esperava acabou de facto por acontecer.
-
Boa noite… Joana. – disse por fim, num rasgo de dolência, queimando os últimos
cartuxos às palavras que já pareciam ser escassas, e derradeiro a passar mais
uma noite sem receber do toque dela
Foi
ele o primeiro a fechar os olhos e a mostrar-se minimamente disposto a
adormecer. Joana ainda ficou acordada e não levou muito até o conseguir ver calmar,
o corpo relaxar gradualmente e sentir-lhe a metamorfose de uma respiração
profunda mas branda.
Não
pensou, não refletiu… Quando se apercebeu que era seguro avançar, abeirou-se –
ainda assim um quanto a medo e embora escassamente –, rezando para que não
fosse ela própria a denunciar aquela aproximação que tomava para com Ruben. Com
o cotovelo apoiado, elevou a mão esquerda no ar e preparou-se para desenhar com
os dedos, o rosto sereno dele. Contornou-lhe as faces, demarcou o meio da testa
e deslizou com o indicador sob a cana do nariz… Preparava-se então para lhe
tocar os lábios, mas a voz que julgava adormecida, fê-la recuar.
-
És linda… - no silêncio daquele toque em segredo, ele surpreendeu-a, mantendo
os olhos fechados mas abrindo os lábios num sorriso muito leve que no entanto
bastou para lhe deixar o coração num alvoroço
Joana
sobressaltou-se ligeiramente, mas não conseguiu evitar acolher um rasgo de
lábios nervoso e intimidado, como se estivesse na pele de uma criança que fora
apanhada a comer bolachas de chocolate mesmo antes do almoço.
-
Como é que sabes? Nem estás a olhar para mim…
- Não preciso… Conheço cada contorno do
teu rosto, cada traço da tua boca, cada sorriso do teu olhar, cada curva do teu
corpo… - abriu finalmente os olhos e encarou-a, auxiliou-se também pelo apoio
do cotovelo sobre o colchão e aproximou os rostos para lhe falar num leve
sussurrar – Não preciso de te olhar, Joana, porque eu conheço-te e sei-te de
cor.
Ela sorriu sem saber o que realmente
havia de lhe dizer, sem saber algo que ele merecesse ouvir e que fizesse jus ao
encantamento daquela confissão que nem pelo tempo desgastado, deixara de manter
a sua tese.
Sobrepôs delicadamente a palma da sua
mão à face dele, encostou ambos os lábios e deixou que estes roçassem
brevemente nos dele, numa brincadeira que já era conhecida entre os dois e
Joana acabou por beijá-lo, com um único toque apenas, que soube ser retribuído.
Ela deixou-se permanecer de olhos fechados e voltou a tomar o lado da cama que
lhe pertencia.
Foi a vez de Ruben avançar… Primeiro
observou-a, mantendo-a focada no seu ponto de visão fulcral para depois,
numa questão de segundos, arrastar o seu corpo por baixo das cobertas até ao
centro da cama.
Ela continuava no seu cantinho,
esperando que um sono prestes a leva-se, mas foi aí que um pasmo inocente lhe
percorreu a espinha em ascendência, levando-a a arrepiar-se num rápido tremor
que para além do corpo, lhe comburiu a alma deturpada. Sentiu uma mão
acalentada, viandar junto das suas costas, encontrando rapidamente o caminho
debaixo da camisola. Sabia que era ele, mas deixou-se ficar quietinha sem mexer
um único membro… De facto também não foi preciso, pois foi Ruben que o fez por
ela ao contornar-lhe a cintura com o braço que a puxou e a levou de volta para
o lugar onde pertencia: bem junto a ele.
Ele manteve os olhos fechados, como se
nada fosse consigo e Joana aproveitou esse conveniente para curvar a boca numa
pequena amostra de felicidade. Roubou-lhe um pequeno espacinho na almofada e
deixou-se ficar no acomodo que ele a havia colocado. Tocou-lhe novamente o
rosto e Ruben envolveu-a num abraço forte e inquebrável, que anuía com qualquer
distância que podia haver entre os dois, acabando por elevar a sua face à dela.
- Desculpa… - pediu-lhe num murmúrio
assentido pela culpa e soltado junto ao ouvido de Joana
- Desculpa pelo quê?
- Por tudo… - ditou num suspiro,
voltando a pousar a cabeça sobre a almofada e deixando assim que ambos os
rostos se encarassem e quase se tocassem – … Por te ter tratado daquela maneira
vergonhosa quando voltastes… Por te ter feito pensar, erradamente, que o meu
ressentimento e a minha mágoa eram superiores ao meu amor… Por hoje ter
duvidado de ti ao pensar que me tinhas mentido quando disseste ias jantar
comigo e não apareceste…
- Oh Ruben… - a sua voz amoleceu
drasticamente ao ouvi-lo e como forma de o confortar, Joana aninhou-se ainda
mais ao corpo dele, como se precisasse de uma aproximação como aquela para
conseguir respirar
- … Mas tu sabes como é que eu sou… Impulsivo,
e orgulhoso, e parvo, e idiota e morro de medo de te voltar a magoar! Eu
prometi-te que nunca o iria fazer e fiz… – ele continuou com as explicações,
deixando que a cada sussurro o seu coração espelhasse o sentimento que não
parecia mais caber-lhe no peito e Joana conseguiu ver-lhe a sinceridade,
mostrada apenas num olhar honesto fixado ao seu, e nas palavras de um homem
novamente apaixonado… por si – Mas não quero que isso volte a acontecer, nunca
mais!
- Eu magoei-te primeiro, Ru! Eu
magoei-te primeiro…
- Mas então diz que me desculpas, diz… –
ele interrompeu-a… os seus olhos imploravam por um pedido de desculpas aceites,
a sua boca ansiava por mais um beijo que selasse aquele acordo de paz, e o seu
corpo pedia para senti-la mais e mais, e quanto ao último desejo, este chegou
por sua própria vontade logo que o seu braço que continuava a contornar-lhe as
ancas, deu mais força àquele aperto no qual ambos os corpos estavam colados…
tanto que nem se conseguia decifrar o fim de um e o começo do outro
Para Joana foi a eclosão de emoções e o
sufoco de sentimentos que já haviam sido resguardados tempo demais, para
continuar a nega-los. Sentia que tinha que abrir o coração e expô-los para si,
mas principalmente para Ruben… Era ele a resposta para todos os porquês e era
ele o impulsionador a uma felicidade que merecia ser vivida.
- Como não te hei-de desculpar seja…
Seja por aquilo que for? – ela voltou a procurar-lhe o olhar sincero e
complacente, o suficiente que a levasse a desprender do segredo guardado no
lado esquerdo do peito – Estou tão apaixonada por ti…
No espaço de imprecisos instantes, ele
mostrou-se deslocado… Imaginou-se dolente por julgar ouvir tal declaração que não
testemunhava da boca de Joana há demasiado tempo para crer que fosse verdade.
Contudo, não conseguiu disfarçar a
alegria do momento e o fascínio que lhe causava… Que ela lhe causava. Optou por
não lhe dizer nada, não perguntar nada, elevou a sua mão direita e fez com que
os seus dedos lhe prendessem no cabelo, acariciando-o lentamente enquanto, ao
olhá-la, na sua cabeça um quadro perfeito era esboçado na centralidade do
retrato mais perfeito da sua vida, exposto bem na sua frente.
- Em que é que estás a pensar? – foi ela
a quebrar o silêncio num murmúrio fugidio, interpondo a sua mão entre a face e
a almofada
- Coisas minhas… Nada demais!
- Claro, coisas tuas… Desculpa! –
proferiu culposamente, fazendo um trejeito com a cabeça que lhe deixou decair
facilmente a franja sobre o rosto, tapando-lhe o olhar
- Como é possível amarmos tanto uma
pessoa ao ponto de já não conseguirmos viver sem ela? – num gesto meigo, ele
desviou-lhe a franja que lhe comburia a visão e afagou-lhe o rosto ternamente,
para continuar a dar asno o dilema que
lhe corroía o pensamento – Como é possível amarmos tanto uma pessoa ao ponto de
‘mais’ um beijo nunca ser o ‘mais’ suficiente, de nos preocuparmos
mais com o bem estar dela do que com o nosso próprio… Como é possível estar-se
longe um do outro durante tanto tempo e ainda assim sabermos que continua a ser
o amor da nossa vida? Porque de facto, nunca o deixou de ser…
- “Nós”. – respondeu, com uma
tranquilidade e certeza que não era esperada, e ainda que Ruben percebe-se à primeira
o que ela queria dizer, procurou por se clarificar um pouco mais
- Desculpa?
- “Tu e eu”, “Nós”. – acrescentou num
leve sorriso – É essa a resposta a todas as perguntas que fizeste!
- Eu sei… - ditou calmamente,
delineando-lhe o lábio inferior com o indicador
- Sabes?
- Sei… Sempre soube a resposta a essas
perguntas, apenas queria ouvi-la da tua boca!
- Ai sim? E… e queres mais alguma coisa
da minha boca? – inquiriu, encolhendo-se discretamente ao ver os lábios dele
traçarem caminho na direcção dos seus, conseguindo adivinhar o beijo que não
tardaria em chegar
- Hum, deixa cá ver… - ele agitou a
cabeça para um lado e para o outro, num modo engraçadamente desajeitado,
enquanto fixava e precipitava a sua boca na direcção da dela, no anseio de as
unir apaixonadamente
Joana não evitou em rir-se daquele jeito
cómico que ele nunca iria perder, assim como não evitou ceder a mais uma
entrega de amor, isenta de segundos pensamentos.
Ao sentir o doce sabor daqueles lábios
húmidos e exageradamente quentes nos seus, ela rendeu-se instintivamente e
deixou que fosse o sentimento a fazer daquele momento, o primeiro de muitos que
desejava mais do que tudo, partilhar com ele. Como não era de estranhar, Ruben
mostrou-se incrivelmente meigo enquanto a beijava com o maior carinho e amor do
mundo…
Ela afagou-lhe a nuca com a mão e
puxou-o ainda mais para si, eliminando qualquer possibilidade que aquela
mansidão deleitante fosse quebrada e, por entre o arrombo daquele beijo longo,
ritmado e muito… muito calmo, poderia ter jurado ouvir um “não me deixes”, proferido por Ruben num murmúrio puramente desassossegado.
Terminaram o selamento com beijinhos
pequenos e repenicados, apenas de lábios, que não pareciam querer conhecer o
fim, por muita insistência dele. Aninharam-se nos corpos acalentados um do
outro, entrelaçando as pernas e os braços, e prepararam-se para se entregar à
primeira noite de real descanso e puro preenchimento, ao fim daquelas corridas
em três anos demasiadamente longos.
- Onde é que estás a mexer? – perguntou,
esforçando-se por conter um pequeno riso, sentindo a mão dele acarinhar num
toque apenas, os seus glúteos, numa maneira de aconchegar mais a si
- Em nada que não seja meu! – proferiu
de olhos fechados, ocultando nos lábios um sorriso discreto
- Parvinho… - Joana fez do peito dele a
sua almofada e beijou-lhe a pele suavemente
- Shiu, dorme.
- Se estiveres com calor podes
destapar-te…
- Não, eu gosto deste calor… - proferiu
num sussurro inabalado pelo silêncio da noite e do quarto quase adormecido,
dando-lhe um beijo despoletado no topo da cabeça e abraçando-a fortemente
contra si antes de se entregar às malhas de um sono por fim apaziguo
***
As horas seguintes foram corridas
vagarosamente, como se o dia não tivesse pressa em amanhecer.
Ruben
acordou a meio da noite, enquanto ainda abraçada a si, a sentiu estremecer nos
seus braços. Os corpos podiam ter mudado ligeiramente de posição mas nunca se
haviam desligado daquela proximidade tão grande. Olhou-a instintivamente de
sentinela e foi impossível não sorrir… A sua pequena
Joana ainda dormia, de rosto encaixado entre o seu ombro e pescoço de
respiração profunda porém serena, a ser embatida contra a sua pele, os lábios
naturalmente rosados encontravam-se selados e por momentos também podia jurar
vê-la a sorrir… para si. Não pôde resistir e ficou a olhá-la, ali bem
aconchegada a si, o arquétipo da mais nobre perfeição.
- Meus Deus… - ciciou
para si mesmo, completamente deslumbrado com a efígie mais bela que alguma vez
vira esboçada na sua frente, adormecida, sentindo em si o alvoroço do coração e
a parafernália de borboletas a corromper-lhe o estômago sempre que a tinha
perto de si
Com o polegar grosseiro delineou a boca que mais desejava tocar no sabor de
um beijo e sorriu com o seu próprio gesto. Aquele misto de sensações e atitudes
faziam-no parecer um miúdo adolescente, a descobrir os caminhos do amor pela
primeira vez. Esquecera-se que, apesar de ter sofrido muito à conta, era já
veterano nesse campo e tudo graças a Joana, que o induzira a uma paixão sem
igual e a uma felicidade que ele voltou a ter vontade de viver… até ao fim.
Sorriu mais uma vez pelo vagueio dos seus pensamentos e com muito cuidado
para não a acordar, desentrelaçou os corpos e preparou-se para se levantar da
cama. Apesar de se sentir confortável naquele aconchego, estava calor… muito calor
e a janela airosa do quarto de certa forma que o convidou a respirar um pouco
do ar que circulava lá fora. Alcançou o seu telemóvel da mesinha de cabeceira e
verificou as horas “quatro e meia… tão
cedo”, equacionou para dentro e olhou-a de relance uma última vez, apenas
para se garantir que ela continuava bem, e sem fazer barulho precipitou-se até
à janela de portas corridas, desviou os enormes cortinados e enveredou pelo
avantajado terraço que a varanda da suíte oferecia.
Lá fora o calor continuava e como chovera a maior parte do dia, na
atmosfera pairava um clima semelhante ao tropical, relativo também à
proximidade costeira. Eram assim a maioria das noites de Verão em São Francisco:
quentes, mas muito agradáveis.
Aproximou-se ao beirado e deixou-se ficar a apreciar a vista noturnal que
se estendia a vertiginosos metros abaixo de si. Aquela noite parecia-lhe ter
outra beleza, um novo encanto e não foi preciso esforçar-se para perceber a
razão, e sentia-se tão feliz que achegava até a ter receio do que pudesse vir a
acontecer.
- É ela… Sempre foi ela… - sussurrou numa convicção iminente que sempre foi
e sempre seria Joana a única mulher e amor da sua vida
Inevitavelmente, e já alguns minutos depois, Joana acabou
também por acordar. Tentava encontrar de novo o conforto de um corpo quente
amarrado ao seu, mas ao rebolar para o outro lado da cama sentiu o espaço vazio
e por consequente frio, que Ruben havia deixado.
Sentiu-se estranhamente desconfortável
por voltar a estar sozinha e um espasmo percorreu-lhe todo o corpo quando olhou
e teve a certeza que ele não estava mais ali. De olhos ainda semicerrados,
percorreu num só lance todos os recantos do quarto mas não o viu, ocorreu-lhe
no primeiro pensamento que ele tivesse saído e regressado ao seu quarto, mas
logo assim que no instante seguinte deslindou as roupas dele cessadas sobre a
poltrona, tal como as tinha deixado
antes de se deitar, fê-la descartar essa possibilidade. Viu a cortina da janela
a esvoaçar com a brisa tempestiva de vento que passara, e apercebeu-se então
que esta tinha sido aberta.
Levantou-se e de pés descalços a
cambalear levemente pelo soalho, guiou-se até onde julgava ele poder estar.
- Ruben? – chamou por ele quando o viu
ligeiramente debruçado sobre o beiral – Estás aqui… - disse por fim num sorriso
só seu, sentindo o seu coração amenizar
- Ei! – ele rodou sobre as plantas dos
pés e sorriu logo que a viu… Joana ainda estava meio ensonada e aquela figura
simplesmente enterneci-o, por poder voltar a vê-la ao fim de tanto tempo –
Precisas de alguma coisa?
- Não… - acenou numa leve negação coordenada
pela cabeça, deu um ligeiro impulso aos pés e aproximou-se dele mansamente –
Não te senti na cama, pensava que tivesses ido embora mas como vi as tuas
roupas…
- Desculpa, não te queria acordar! –
declarou no seu habitual estado de meiguice, prendendo-lhe uma mecha solta de
cabelo para trás da orelha e procurou o encontro dos olhos dela aos seus de
modo a garantir-se que estava tudo bem – Como te sentes?
- Melhor… Já não sinto tonturas e acho
que os calafrios desapareceram!
- Vês? Vês o que fazem os meus miminhos?
– ele puxou-a contra si, abraçando-a e roubou-lhe um beijo na orelha - …
milagres!
- Eu ia dizer que tinha sido da sopa,
mas está bem! – numa brincadeira inocente, ela encolheu os ombros num jeito
desprendido mas que ainda assim deu ênfase a uma picardia passiva que Ruben
soube revirar a seu favor
- Ai sim? E eu a pensar que os meus
beijinhos eram curandeiros… - ele voltou a tomar domino da total aproximação de
ambos, enlaçou-a pela cintura e começou a beijar-lhe a bochecha, descendo pelo
pescoço e dando continuação pelo delinear do ombro, numa amostra de cuidado e
carinho que a deliciou, mas não o suficiente para que conseguisse afastar
alguns mal-entendidos que a seu ver haviam ficado por ser devidamente
esclarecidos
- Ruben… - fazendo um esforço para lhe
centralizar a atenção ao que tinha em ideia dizer-lhe, ela retribuiu-lhe o carinho
com um beijo também solto na face dele, ganhando folgo para prosseguir com uma conversa
que não o agradava em nada – Não te chateies comigo mas… E a Inês?
- A Inês? Outra vez a Inês? – nesse
momento ele afastou-se, aborrecido por voltar a ser confrontado com um assunto
que para si, estava mais do que esquecido e ultrapassado, menos para Joana
- Eu estive a pensar e… e ela não merece
que lhe façamos isto, ela ainda deve estar muito ligada a ti! – procurando
esclarecer-se com a melhor maneira que encontrou, ela falou-lhe com calma,
evitando elevar os ânimos
- Eu não acredito que vou voltar a
discutir este assunto contigo… - era evidente que ele estava desiludido…
passara as melhores últimas horas que poderia imaginar e agora lá estava outra
vez, a vedar a um confronto que o magoava… não pelo tema do mesmo em si, mas
sim por ter que debatê-lo com Joana
- A Inês não merece, Ruben…
- A Inês não merece, a Inês não merece…
Então e nós? Achas que merecemos continuar separados? – notava-se uma ligeira
irritação na voz e o seu olhar fulminava um pequeno cariz de revolta ao ver
tanta insegurança da parte de Joana e nem por momentos reconsiderou a hipótese
em voltar a aproximar-se dela – Para ti não bastaram os anos que estivemos
longe um do outro… Queres continuar magoada, continuar a sofrer?
Por mais que lhe apetecesse chorar,
gritar, dizer-lhe tudo o que lhe ia na alma, ela continuou disposta a manter-se
tão calma quanto julgava ser capaz. Vi-a Ruben a caminhar de um lado para o
outro, tendo sido ele a tomar conta da distância que os separava para, talvez,
conseguir acalmar-se. Joana pôde sentir um novo clima no ar, mais pesado, mais
tenso e a atitude que ela mesmo tinha gerado em Ruben por voltar a tocar no
assunto proibido, destroçava-a.
- Se não formos nós a sair magoados
desta história, serão outras pessoas…
- Então que sejam, bolas! – libertou-se
num grito disperso em surdina, mas que em nada o deixou abalar-se – Porque eu
estou cansado de deixar fugir a minha felicidade… Acho que chegou a altura de
pensar menos no que os outros querem ou sentem e preocupar-me mais com o que eu quero, dar mais atenção aos meus sentimentos e tu, tu devias fazer o mesmo…
- Mas tenta ser um pouco coerente, por
favor! Ela foi tua namorada, estiveram para casar… Acho que devias tê-la em
melhor consideração!
- E achas que eu não a tenho em boa
consideração? Ouve, eu gosto muito da Inês, ela é uma óptima pessoa, uma óptima
amiga… Mas e daí? É suposto fazer alguma coisa?
- Não sei bem… O melhor era que falasses
com ela antes de…
- Não há nada que eu tenha que falar com
ela! – ele apressou-se a interrompe-la, queria acabar com aquelas ideias tontas
que Joana tinha na cabeça, mas principalmente queria mostrar-lhe que era só ela
a única mulher na sua vida e que estava mais do que disposto a lutar por ela…
custasse o que tivesse que custar – A nossa relação está mais do que terminada
e eu não tenho que lhe dar justificações seja do que for!
- Mesmo assim, Ruben… - a voz começara a
fraquejar-lhe, o seu corpo tornou-se novamente mais débil e daí até começar a
sentir leves picadas nos olhos por estar a conter as lágrimas com tanta força,
foi apenas uma questão de segundos
- Então e o que sugeres que eu faça? …
Que lhe envie um ramo de flores com um bilhete a dizer: “Inês, desculpa, mas
não vai voltar a haver mais nada entre nós… Não é nada pessoal, mas eu amo a
minha ex-namorada, sabes? A Joana! Lembras-te dela, não lembras? Aliás, agora
que penso bem, nunca deixei realmente de a amar durante este tempo que estive
contigo, mas espero que não me leves a mal”. – muito naturalmente e à medida
que se ia expressando, ele remontou meio caminho na direcção dela, enquanto que
Joana se limitava simplesmente a olhá-lo sem saber o que dizer
O seu pequenino e amedrontado coração
estacou violentamente com tamanho impacto das palavras que acabara de ouvir.
Tinha sido a primeira vez que ouvira
Ruben a falar de amor daquela maneira… A dizer-lhe com todas as letrinhas que a
amava, que sempre a amou, embora que o tivesse feito alusivamente e sem a
declaração em si. Queria muito reagir mas simplesmente não conseguia… Tinha um
nó formado no cume da garganta e as lágrimas que até então retivera por detrás
das pálpebras, deslaçaram-se numa fina linha em precipício das suas faces. O
coração voltara de novo a bater na libertação de um sopro pesado e o soluçar
implicante revelava-lhe as ligeiras dificuldades em conseguir respirar.
- Acabou, Joana… Não existe mais ‘Ruben
e Inês’, ela agora é passado para mim.
- E eu? O que é que eu sou para ti? –
inquiriu num esforço desumano em conseguir falar, entre o opressão das lágrimas
- Tu… Tu és o meu passado, voltas-te a
tornar-te no meu presente e quero muito que sejas o meu futuro, só tens que
deixar acontecer… - ele voltou a ceder àquela força maior que os atraia e colou
novamente os corpos, segurando-lhe o rosto humedecido entre o berço das suas
mãos e olhou-a com uma intensidade que ela nunca lhe vira – Mas não te vou
forçar a nada… Se não te sentires preparada, se não quiseres isto, eu vou-me já
embora e prometo que saio da tua vida… de vez!
Nesse instante Joana vacilou. Sentiu o
chão a escapulir-lhe por baixo dos seus pés e roubar-lhe o porto seguro que
voltara a encontrar. Sentiu-se como se tivesse levado um valente soco no
estômago, mas a vontade que tinha de o abraçar foi muito superior a essa dor.
Agarrou-se ao tronco dele com muita força, como se abraçasse a própria vida e
de rosto deturpado contra o peito ela não conseguiu conter o soluçar
inquietante comandado pelo choro.
- Eu… eu não vou aguentar outra vez… Se
te voltar a perder, eu não vou aguentar…
Vê-la daquela maneira desolante,
partia-lhe o coração mas em contra partida foi perante aquele cenário que
conseguiu aperceber-se plenamente o quanto Joana ainda o amava e o medo que
tinha só de colocar a hipótese de voltar a perdê-lo.
Beijou-a no topo da cabeça e logo assim
que encostou a sua à dela, percorreu-lhe os longos fios de cabelo com os dedos
da mão, numa terapia só sua, que sabia tão bem fazê-la acalmar.
A sua respiração tornou-se mais espaçada
e com isso o soluçar foi abrandando, ela elevou a cabeça e olhou-o nos olhos com
uma profundidade tal, capaz de lhe ler a alma – Não te vou perder, pois
não?
Ruben discerniu-lhe um breve tremelicar
no lábio inferior e foi aí que teve a certeza da melhor resposta que lhe
poderia dar… mais convicta, mais real e sem dúvida mais íntima.
Beijou-a intensamente. Primeiro num
muito suave toque de lábios, que depois se deixou levar por algo mais sério.
Contornou-lhe o interior da boca com um bailar calmo da língua e esperou que
Joana fizesse o mesmo. Ela acabou por lhe segurar o rosto entre as mãos e
deixou-se guiar pelo ritmo quente do beijo que mesmo ele tinha imposto.
Beijaram-se como se o fizessem desde sempre e nunca tivesse parado e tiveram
dificuldade em terminá-lo, como a emoção daquela entrega de cada parte que
ambos sentiram, foi o suficiente para lhes aquecer a alma e reacender a chama
de um amor, soprada pelo destino que os havia separado.
- Nunca mais ficaremos longe um do
outro, eu não vou deixar… – com toda a preocupação e delicadeza que lhe era
característica sempre no que dizia respeito à sua menina, Ruben enxugou-lhe as
lágrimas que ainda dessecavam o seu rosto e beijou-lhe a pontinha do nariz - …
Prometo!
Joana sorriu feliz. O nó que a princípio
estava formado na sua gargalha tinha desaparecido, e pode então voltar a respirar
de alívio por sentir o seu mundo voltar a rodar sobre o eixo. Aproximou-se do
beiral e sobrepô-lo com as suas mãos enquanto fitava o céu que naquela noite,
lhe parecia mais estrelado do que alguma vez antes e deixando-se embalar
pelo burbúrio do mar que se fazia chegar e ouvir lá ao alto.
Ruben colocou-se atrás dela instantaneamente,
rodeou-lhe a cintura com os braços fortes e extremamente protetores e depois
lhe fazer pender o cabelo sobre a frente do ombro esquerdo, começou a dar-lhe
beijos nas costas deixados ao acaso. O corpo de Joana descaiu e aninhou-se
naquela alçada de conforto e protecção que sentia cada vez mais ele fazer
recair sobre si.
- Com um céu lindo como este, ninguém
diria que passou a maior parte do dia a chover… - reflectiu num jeito muito
sereno, enquanto de cabeça elevada ao céu procurava por algumas constelações
dispersas pelos quatro cantos do manto estrelado
Ele beijou-lhe o pescoço carinhosamente,
encostou os lábios húmidos ao ouvido dela e sussurrou-lhe - Dizem por aí que
depois da tempestade vem a bonança… - ditou, esperando conseguir atribuir um
segundo sentido às suas palavras, um sentido que só ela poderia compreender e
acabou por pousar o queixo sobre o ombro, reforçando o aperto daquele abraço
- Olha ali… - o indicador de Joana
seguiu o encalço deixado pelo rasto de luz que cruzou o véu de estrelas… o
rasgo de luz deixado por uma estrela cadente
Ruben sorriu maravilhado pela magia
daquele momento. Ali, abraçado ao maior tesouro da sua vida e contemplado pelos
mais belos fenómenos da natureza, a sua certeza era cada vez mais clarificada
sobre o forte enlace daquela união.
- Viste? – ela olhou-o acima do seu
ombro e ele aproveito essa oportunidade para lhe roubar um selinho nos lábios
- Sim, vi… - olhou-a e fez com que os
narizes chocalhassem, despertando a uma pequena guerra que só foi vencida pelos
risos pueris de ambos
Joana rodou levemente entre os braços
dele e encarou-o de frente – Então pede um desejo…
- Ah… - torceu os lábios ligeiramente
para o lado e durante segundos mostrou-se pensativo, enquanto no seu foco
centralizava o rosto dela – Desejo que…
- Não, amor, não podes dizer em voz
alta… - ela riu-se do jeito dele e apressou-se a tapar-lhe a boca com a mão - …
assim não se concretiza!
A euforia passiva daquele momento tinha
sido de tal ordem que Joana acabara por nem medir nem dar conta do enorme passo
que havia dado em diante. Mas Ruben apercebeu-se, apercebeu-se muito bem de
como ela o tinha apelidado e deu conta que Joana o fizera de uma maneira tão natural,
tão genuína, que deixou o seu coração, imensurável apaixonado por aquela
mulher, pulsar num arrombo mais forte e enfeitiçado.
Fechou os olhos e com uma força interior
que pôde encontrar nela, pediu o que lhe sussurrava a alma e o coração.
- Já está… - voltou a abrir os olhos e
deparou-se com a mais bela imagem que a vida lhe poderia ter trazido de volta,
Joana olhava-o, encantada, e perante ele não soube disfarçar a alegria do
momento
Ela colocou-se em biquinhos de pés e
roubou-lhe dois beijos repenicados nos lábios, enquanto lhe agarrava o rosto
com as mãos – Vamos voltar para dentro…
Como seria esperado, Ruben respeitou-lhe
o pedido e beijou-lhe cuidadosamente a testa, e apesar de fazerem uma caminhada
curta, ele fez questão de seguir à sua frente e guiá-la de mãos dadas até ao
resguardo do quarto e conforto da cama que mais uma vez iriam partilhar.
- Não tenho muito sono… Tu tens? –
perguntou-lhe enquanto se deitavam, voltando a ocupar os mesmos lugares e
posições
Joana respondeu com um simples e claro
gesto, franzindo o nariz e acenando negativamente num trejeito acompanhado pela
cabeça – Alguma sugestão?
- Não sei… Podemos ficar a conversar…
- E queres conversar sobre o quê? – ela
acomodou-se naqueles braços que a cercavam num aperto aconchegante, e
acariciou-lhe a face com a polpa dos dedos
- Hum… Podemos falar de amor…
- Sabes que a melhor maneira de falar de
amor, é vivê-lo…
- Ai é? – ele assibilou um ar
despercebido similar à afirmação de Joana e procurou-lhe uma resposta olhos nos
olhos, à qual ela respondeu com breve aceno melindroso, pelo que adivinhara no
olhar de Ruben vir acontecer a seguir
Começando uma dança desconcertante com
os dedos, na barriga dela… indefesa pelas cócegas que rapidamente recebeu, e enquanto
gargalhava sem conseguir parar, Joana ainda começou a afastar-se até ao outro
lado da cama para tentar assim fugir a uma nova fúria de risos, mas ele não
deixou.
- Se é essa a melhor maneira de falar de
amor, vem cá… - parando com a brincadeira, Ruben travou-lhe a escapatória e sem
nunca a magoar puxou-a de volta até si – … ainda temos muito para viver…
Joana sorriu mas não lhe respondeu… Ele
tinha dito tudo. Limitou-se a encurtar a distância dos rostos até que esta se
anuísse por completo e o intervalo deixado entre os lábios se tornasse
redutível a nada. Foi ela que começou por beijá-lo mas Ruben não se deixou
ficar para trás e acompanhou-a tão bem como sabia e o quanto ela precisava…
Envolveu aquele serzinho que sentia como a outra metade de si e debruçou-se
parcialmente sobre o corpo de Joana, voltando a provir ao entrelace das pernas,
enquanto uma das suas mãos grandes e quentes encontrou um ponto de apoio na
cintura dela.
O beijo foi elevado de patamar… A língua
atrevida de Ruben assaltou a boca dela numa só emboscada violenta e provocante,
que só a fez render-se um pouco mais. Há muito que não disfrutavam de uma
entrega tão intensa como era aquela e com isso as respirações encontravam-se em
muito fragilizadas.
Com muito esforço, Ruben desuniu as
bocas e afastou escassamente os rostos, apenas para se garantir que ela estava
bem… E estava, na verdade Joana sentia-se melhor que nunca e isso provava-se no
sorriso rasgado que os olhos dele puderam testemunhar, pela pouca luminosidade
que os candeeiros ofereciam.
Como uma flecha ele voltou a precipitar o
seu rosto e a unir de novo os lábios, sedentos pelo toque um do outro… Joana afagou-lhe
a mão no cabelo da nuca e seguiu-se um novo beijo… um beijo menos tímido, mais
profundo e selvático. Ambas as línguas se fundiam numa na outra, deixando que
os corpos acompanhassem a dança e o ritmo daquele beijo, provando o sabor da
saudade e isso, bem, isso deliciou-os… O facto de saberem que essa mesma
saudade acabaria por ser findada com outros tantos beijos, afectos e carícias
que prometeram ainda estarem reservadas.
- Ruben… - um sussurro fugidio foi solto
pelos lábios de Joana junto ao ouvido dele, forçado por uma respiração ofegante
e solto num intervalo de uma carícia
Finalmente aqui vos deixo o novo capítulo! Tentei acabá-lo mais cedo, mas
infelizmente não consegui. Espero que gostem e não se esqueçam de deixar
os vossos comentários! :) E para as meninas que forem do caso,
desejo-vos um óptimo arranque de ano-lectivo!
desejo-vos um óptimo arranque de ano-lectivo!
Muitos beijinhos,
Joana :)