A chuva imoderada e altamente enfurecida
padecida vertiginosamente dos céus, intensificando-se, como até então ainda não
se tinha visto naquele dia… a mesma que podia ser comparada à de um temporal
invernoso, nas ruas de São Francisco.
Com sensivelmente vinte minutos de
caminhada, Joana já se havia há muito afastado da costa, jornadeando
completamente à mercê daquele temporal, debaixo da chuva que continuava a
dominar a cada quarteirão excedido, pelas suas passadas oscilantes e já
fastidiosas que obrigavam o seu corpo a ceder a uma desistência devido ao
cansaço acumulado, mas uma réstia força que ainda formara no ânimo psicológico,
fez com que não parasse. Eram muitos os táxis que passavam por si e abrandavam,
mostrando ser o melhor porto de abrigo que a poderia levar com toda a certeza
ao seu destino em segurança, mas ela ignorou cada um, assim como ignorou todos
aqueles que a viam percorrer o passeio pedonal das ruas, e que provavelmente a
julgavam demente por se aprontar exposta à brutalidade daquele vendaval.
A cada minuto findado, era mais uma
investida que via recaída sobre si, as forças começavam a falhar-lhe, os
tremores que percorriam todo o seu corpo mostravam-se mais constantes, aquele
ar húmido e simultaneamente abafadiço, começara a dificultar-lhe uma respiração
regularizada. Mas ela assim mesmo o escolheu, precisava daquele tempo para
pensar, para reflectir sobre a ordem em que dirigia a sua vida, cada vez mais
imprecisa… Precisava de conversar intimamente com o seu coração e indagar-lhe o
porquê de se ter deixado levar de uma maneira imensamente apaixonada, no
momento antecedente que partilhara com Ruben, expondo-lhe assim a sua maior
fraqueza em jamais ter deixado olvidar aquele sentimento que o tempo erradio
deveria ter levado consigo.
Foi somente o som de uma travagem brusca
de pneus derrapantes, que obstruiu de rompante as suas mais impetuosas
reflecções, aquando de sinal vermelho a piões, trespassara absortamente a
passadeira. O carro atravessara-se à sua esquerda e só não lhe embatera pelo
conforto de imprecisos centímetros e por uma questão de sorte também… De olhos
esbugalhados, direccionados pelo aparato de risco a que se convulsionara, os
sintomas abateram-se então sobre si, logo que sentiu a adrenalina a
extravasar-se por toda a corrente sanguínea, impulsionada pelo seu principal
órgão vital que começou por bater mais forte e mais depressa, de uma maneira
assustadoramente furiosa.
- Ei, watch out! – libertando-a do
transe proporcionado pelo momento de susto, a voz cautelosa e nada benévola do
condutor, fez-se ouvir, antecipada por dois toques alarmistas da buzina que
fora instintivamente pressionada pela mão
- I don’t… I’m sorry… I’m so sorry! –
desculpou-se sinceramente, fazendo com que o seu tom sobressaísse ao som da
chuva que continuava a cair, e sobrepondo as mãos ao capô do carro, não sabendo
o que mais poderia dizer perante aquele descuido fundado pela
irresponsabilidade que não conhecia em si
Felizmente que não tinha passado disso
mesmo: d’um susto, de um valente susto! O carro acabou por arrancar e seguir o
seu destino e a Joana restava-lhe fazer o mesmo, embora estando agora mais
indefesa como até à altura não se tinha mostrado. Nos últimos momentos, quase
que já nem sentia o seu próprio corpo… Estava completamente regelada, a pouca
roupa que envergava estava toda ela encharcada. Dos longos cabelos vertidos
sobre os ombros e costas, pingavam gotas grossas e pelas esguias pernas totalmente
expostas pelos calções, escorriam ainda mais pingos que se arrastavam até aos
ténis de pano também eles ensopados.
- Está quase, já está quase… - murmurou
por entre os lábios tremelicantes pelo ar frio que corria, assim como a frialdade
que lhe percorria o corpo, num auto-incentivo a continuar
Com a mesma rapidez e instantaneidade
que começara aquela chuva torrencial, assim esta acabara por se suavizar e até
mesmo cessar no seu todo. Poucos minutos foram o suficiente para que tímidos
raios de sol perfurassem a camada cinzenta das nuvens, brindando da melhor
forma a cidade, pela chuva entristecida.
Sentido aquele toque calorosamente
prazeroso do sol, um leve calafrio percorreu toda a silhueta de Joana num
rápido instante, para depois se sentir incrivelmente reconfortada pelo
calorzinho ameno que ia acalentando cada recanto de si, deixando que passo a
passo a roupa secasse quase na sua totalidade, directamente no corpo.
Ao fim de cruzar o último quarteirão
assentado no perímetro do hotel, pôde finalmente respirar de alívio, vendo que
tinha conseguido chegar à sua morada. Sentia-se muito cansada, havia caminhado
perto de uma hora em condições que a deixaram bastante vulnerável, agora sem
mais energias e com as forças quase a baterem no zero. As pernas já não lhe
doíam, praticamente deixara de as sentir devido aos movimentos continuamente
repetidos que tinha levado durante largos minutos. Queria deitar-se, fosse onde
fosse, fechar os olhos e poder dormir durante um longo período de horas que
fosse o suficiente para a fazer revigorar, mas contudo sabia que o pior já
tinha passado.
- Miss Joana? Miss Joana, wait please! –
para seu grande desânimo, o seu passo, agora notavelmente mais débil, foi
travado já quando caminhava na direcção do elevador, pelo senhor da recepção
que deu rapidamente conta do seu estado
- Mr. Robinson! – muito levemente rodou
sobre a planta dos seus pés, não tendo já forças nem para encenar um sorriso
simpático, enquanto o vi-a a sair detrás do balcão para se aproximar até si num
lance curto e imediato
- Are you okay? – perguntou-lhe num modo
muito senhoril e cortês, procurando-lhe insistentemente o olhar que Joana
preferiu manter longe do alcance objectivo dele – I’m sorry for tell you this
but, you don’t look good…
- I’m fine Mr. Robinson! – fez por
garantir num rasgo de lábios um quanto inseguro, mas determinada a não chamar
ainda mais atenções que a obrigassem a fazer ali mesmo um aparato de maior
importância, uma importância que ao ver dela era totalmente desnecessária
- Are you sure, Miss? Look at your face…
– o seu indicador fixou-lhe o queixo, ainda acolhido de uma discreta convulsão
tremelicante, evidenciando assim a cor habitualmente rosada que sumira do rosto
dela – You are so pale, dear God!
- I just need a bath and some rest, it’s it!
- If you says, okay, but don’t forget that if you need
anything…
- I know, I call someone… Don’t worry! – proferiu
calmamente, tentando sossegá-lo o melhor que conseguisse – I go to my bedroom
now, see you later, Mr. Robinson!
- Take some time to rest, Miss Joana… See you later!
Numa passada irregular, convulsionada
pela falta de força abalada em cada membro, Joana foi directa a um dos dois
elevadores de serviço que logo assim por ela chamado, a levou até ao piso onde
lhe havia sido destinada a sua suíte, que por imposição do seu pai, era uma das
melhores e mais caras de todo o hotel.
Entrou no quarto – decorado de uma
graciosidade e elegância irreverente – mas que no entanto e naquele momento,
estava longe de fazer jus ao seu estado de espírito… mais dolente e vacilante a
cada respiração desfragmentada pelos pulmões enfraquecidos. Viandou até à casa
de banho e assim que no cesto colocou a roupa meramente humedecida, preparou-se
para um duche quente que levou durante um pouco mais de quinze minutos. Por
mais que o seu corpo lhe implorasse por um banho de imersão de pelo menos meia
hora, Joana optou pelo chuveiro, que fez recair sobre si a precisão de um jacto
de temperatura amornecida, de maneira a devolver-lhe a média temperatura
corporal e fazê-la relaxar de novo.
Voltou a sair da casa de banho ainda
enxugando o cabelo, mas já envergando no corpo uns calções curtos de praia e
uma sweatshirt do Benfica, que por sorte encontrou perdida na mala. Ainda
estava fatigada, da mesma forma que estaria se tivesse corrido a maratona,
ansiando por uma vitória que não se comprovou, infelizmente.
Deitou-se na cama e ali completamente
sozinha, arremetida à austeridade e silêncio daquele quarto, foi impossível não
se sentir a ser bombardeada com uma enchente de pensamentos conflituosos entre
si. Foi bom, na verdade foi melhor do que algum dia poderia esperar, mas sentia
que agora já não sabia distinguir o ter feito bem do ter feito mal, o poder do
não-poder, o certo do errado, em prol do enorme passo que tinha dado juntamente
com Ruben no início daquela tarde… Vira e revira vezes sem conta aquele beijo à
frente dos seus olhos, não estava arrependida, não de todo, mas sabia que se
pudesse voltar atrás e mudar o passado, e por muito que lhe doesse até pensar,
decerto que teria arranjado maneira de fazer com que aquele beijo não tivesse
acontecido… tudo para não criar mais ilusões, mais esperanças que poderiam
voltar a fazer sangrar o seu pequenino coração remendado.
***
Embrenhada a sono leve, Joana deu conta
dum barulho de fundo, algo que se parecia com batuques impacientes contra uma
porta, mas ouvia-os de uma maneira profundamente distante, que ao primeiro
sinal não foi capaz de fazer a distinção entre o som característico provindo do
mundo real ou do mundo da fantasia ao qual ela se tinha entregue a pouco mais
de duas horas de um repouso passivo.
Aquele burbúrio tornara-se então mais
verídico aquando sem findar, era arraigado num autêntico frenesim que fazia
pregoar uma dor aguda à sua cabeça, ainda pausada nunca almofada que servia de
elemento decorativo à cama. No primeiro pensamento passou-lhe a ideia em
ignorá-los, pois de certa forma fosse quem estivesse no lado de fora, seria
provável cansar-se em não ser atendido ou na melhor das hipóteses pensar que
não estaria ninguém no quarto. Mas para grande desânimo o seu, os toques
tornaram-se bastante mais persistentes do que a sua capacidade em continuar a
ignorar.
Viu-se irredutivelmente obrigada a
separar-se do descanso a que o seu corpo se queria perpetuar. Levantou-se a
algum custo e de pés descalços e cambaleantes sob a alcatifa, dirigiu-me à
porta de carvalho que era teimosamente agredida.
- Finalmente… Estava a ver que nunca
mais abrias! – a pequena figura do seu irmão irrompeu de imediato entre a porta
e o seu corpo, assim que foi obrigada a abrir-lhe passagem
- Olá também para ti, Salvador! –
saudou-o pausadamente e de molde comedido, pela maneira directa e despachada
que ele tinha de ser, logo assim que ela voltou a chegar a porta
- Desculpa, mana… Olá! – desejou-lhe,
Joana curvou ligeiramente a cabeça, o que o permitiu brinda-la com um beijo
delicado, na maçã do rosto e que igualmente foi retribuído
- Posso perguntar-te o que estás aqui a
fazer? Pensava que estavas em casa…
- Não! Vim fazer-te um pouco de
companhia, lanchar contigo… - disse num tom completamente descontraído e
natural, enquanto se guiava para a cama no propósito de se atirar para cima da
mesma
- Ai sim? – embora não se encontrasse
nas melhores condições, os seus lábios rasgaram-se num sorriso contrafeito,
assim que o seguiu e se sentou na cama ao lado dele – Não me lembro de termos
decidido isso… nem de termos combinado nada…
- Pois não, eu mesmo decidi! - respondeu
com a sua habitual perspicácia de um miúdo que tinha tanto de afectuoso como de
rebelde, olhou-a com aquele seu sorriso traquinas que ela tão bem lhe conhecia
e acomodou-se sobre o vastado colchão, flectindo os braços e entrelaçando as
mãos que se apoiaram na nuca
- Hum… estou a ver! E há alguma razão em
especial para me quereres fazer companhia, ou essa ideia surgiu-te apenas na
tua boa vontade de irmãozinho mais novo?
- Como sabia que devias estar aqui
sozinha… Foi só mesmo por isso! – deu-lhe uma resposta curta e muito rápida,
que Joana ainda assim conseguiu decifrar estar camuflada com uma outra razão,
mas que por alguma causa ele não lhe abonou
Ela deixou tombar o corpo para trás,
estendendo-o sobre a cama na sua totalidade. De modo completamente
contraditório ao que julgara ser o melhor, dormir não tinha sido a melhor opção
a qual escolhera para conseguir revigorar todo aquele cansaço e frio… Sentia-se
ainda pior do que quando tinha chegado ao quarto, doía-lhe a cabeça e de quando
a quando, leves tremores passeavam-se pelo seu corpo. Rezou baixinho pra que
não fosse nada demais, nada que pudesse vir a comprometer os planos que já
tinha agendados para aquela noite com Ruben, e quanto a isso, somente uma
certeza tinha: não podia nem iria faltar àquele jantar.
- O que é que tens, Joana? – ao ver o
estado anomalamente abatido da sua querida irmã, Salvador mostrou desde logo a
sua preocupação
- Não tenho nada… Porquê? – respondeu
calmamente, deixando-se permanecer de olhos fechados, de maneira a encontrar
uma paz interior que afastasse todo aquele mal-estar de que estava a ser
vitimada
- Olha, porque estás aí toda
encolhidinha e com uma sweat vestida! Sei que ainda há poucas horas esteve aí
um temporal, mas acho que não é razão para exagerares dessa maneira… Está
imenso calor! – alheio às circunstâncias passadas por Joana no início daquela
tarde, Salvador advertiu para uma brincadeira o comportamento da irmã, o qual
não dera muita relevância no seu começo
- Eu sei, mas estou com um pouco de
frio!
- Estás com frio? Isso não é lá muito
normal… Será que estás a começar a ficar doente? – ele ainda se preparou para
lhe verificar a temperatura corporal, com o auxilio da mão que fez voar até à
testa dela, mas Joana fugiu-lhe que nem uma flexa lançada na direcção oposta
- Claro que não Salvador, que disparate!
– contradisse rapidamente, erguendo-se da cama num rompante antecedido por uma
leve tontura que ela conseguiu fazer passar despercebida aos olhos prevenidos
do irmão – São só uns arrepiozitos… Tomo um comprimido e isto já passa!
- Hum… - indagou num balbucio pouco ou
nada convencido, pela negação ditada directamente pela teimosia da irmã – Olha,
nem vais acreditar onde eu estive há pouco! – com uma habilidade que já lhe era
muito característica, o pequenote mudou de assunto, sem deixar passar
despercebido o seu forte entusiasmo em função do mesmo, e erguendo o tronco da
cama numa só rajada
- E onde é que foi?
- No centro de treinos… Onde o Benfica
está a estagiar! Sabias que eles estavam cá? Não é espectacular? – era notável
a veemência de Salvador apenas no ênfase da voz e em cada gesticulação
expressada por movimentos concisos do corpo
- Sim, sabia… Vi-os chegar ao hotel
ontem ao final da tarde! – declarou assertivamente, numa confirmação
acompanhada por um breve e delicado aceno da cabeça – Mas conta-me lá isso melhor… – ela voltou a
tomar o lugar vago no beiral da cama junto a Salvador, dando-lhe uma leve
palmadinha na perna, transmitindo-lhe o impulso necessário para que continuasse aquela conversa, que Joana sabia
muito bem ele querer esmiuçar a cada pormenor – … foste ver o treino, foi?
- Hum, hum… Fui! E foi o Rui que me
levou com eles!
- Foi o meu padrinho que te levou?
- Sim! Quando a equipa vinha a descer
dos quartos depois da hora de almoço, passou por mim na recepção e quando o Rui
me viu perguntou-me se queria ir com eles e claro que eu fui, não é? – ele fez
uma pausa concisa na explicação, de maneira a recuperar o fôlego que com a
rapidez de discurso se sumira rapidamente por entre as palavras – Foi tão fixe,
devias ter ido connosco!
- Fica para a próxima, está bem? – Joana
sorriu-lhe graciosamente, puramente satisfeita com a felicidade que o irmão lhe
mostrava portar na genuinidade de uma criança, levando depois a que os seus
dedos desembrenhassem os caracóis perfeitamente adornados dele, no topo da
cabeça
- Sabes com quem é que eu estive? – a
ânsia assim como o orgulho que sentia em ter que ser ele a dar-lhe a novidade,
não deixou espaço a que Joana formulasse uma resposta – Com o Luisão e com o
Ruben! Já não estava com eles desde que vim viver para aqui, mas ainda se lembram
de mim!
- É claro que se lembram de ti, meu
tontinho… Eles sempre gostaram muito de ti!
- Sim, eu sei… - um brilhozinho
tremeluzente deambulou em seus olhos – imprensados numa igualdade fiel aos da
irmã – e foi notável o orgulho que ele sentiu ao ouvir dizê-la o que no fundo
ele sempre soube, mesmo que o destino tenha imposto um vasto oceano a
separá-los de uma convivência rotineira – E no final ficámos a dar uns toques
na bola… Eles ensinaram-me a fazer uns truques e tudo!
- Ena, a sério? – apesar do seu
mal-estar, que não havia maneiras de passar, ela tentou ao máximo mostrar-se
empenhada o bastante naquele tema, que sabia também ser do seu máximo
interesse, tudo para Salvador continuar a manter o ânimo inquebrável que lhe
perdurava a mostrar a cada sorriso lançado
- A sério! Depois eu mostro-te e até tos
posso ensinar, se quiseres!
- Fica então combinado! – Joana puxou-o
levemente pelo braço e fez com que ele se sentasse transversalmente no seu
colo, predisposto num aconchego maternal – E que mais fizeste?
- Então, depois ao regresso vim também
com eles mas aí vim todo o caminho a conversar com o Ruben e com o David… Eles
continuam engraçados quando se juntam, já tinha saudades de me rir sempre que
começam ao despique um com o outro!
- Aqueles dois já não têm remédio,
Salvador… Quando querem – e isto quase sempre –, esquecem a idade e a
maturidade que têm e tornam-se autênticos miúdos! – acusou inocentemente,
levando a que leves gargalhadas de ambos se sobrepusessem numa aura leviana por
eles criada
- É, mas desde que me lembro que eles
sempre foram assim e acredito que mesmo que quisessem, agora já não
conseguiriam ser de outra maneira! – atestou correctamente, numa acuidade
certeira à sua teoria já formada desde há muito – Ah, e antes de vir para aqui,
ainda estive no quarto deles!
- Foste ao quarto deles? – os seus
supercílios crisparam-se num só reflexo, formando uma pequena linha duvidosa no
meio da testa – Como?
- Foi fácil… - os seus ombros
movimentaram-se numa contracção despoética, como se tivesse conseguido passar
sem pestanejar, uma prova de fogo – Como sabíamos que os técnicos da equipa não
me iam deixar entrar, fingi que o meu quarto era naquela zona, enquanto os
outros jogadores iam entrando nos quartos deles e quando já não havia ninguém
no corredor, eles esperaram-me à porta e depois entrei… Ficámos lá montes de
tempo a conversar!
- Bem, estou a ver que tinhas tudo muito
bem pensado, menino Salvador…
- Eu sei que podia ter sido minha, mas
na verdade, não fui eu que tivesse essa ideia…
- Então foi quem?
- Foi o David… E olha que me senti que
nem um agente infiltrado!
- Um agente infiltrado? – por não querer
fazer pouco da situação, Joana conseguiu conter-se ao máximo para não debochar
na frente do seu irmão, pelo lembrete que ele tinha pronunciado – Mas olha que
mesmo assim, vocês correram um grande risco… Imagina que algum dos responsáveis
do plantel entrava no quarto e te visse?
- Nós tínhamos tudo sob controlo!
- Pois, imagino… ‘As proezas dos três
mosqueteiros’, estou mesmo a ver! E também posso saber do que vocês ficaram a
falar durante “montes de tempo”, ou é segredo?
- Não, não é segredo, mas também não te
vou contar!
- Oh porque não? Não vais contar nada à
tua mana querida? – Joana serviu-se de um beicinho ingenuamente manipulador com
os lábios, ainda enquanto o mantinha enlaçado no interior dos seus braços e
aconchegado no seu colo, mas Salvador era já um rapaz de ideias fixas, que não
cedia com facilidade
- Desculpa mas não vou! Foram apenas
algumas banalidades do que aconteceu nos últimos tempos em que não nos vimos e
conversas complexas de homens… Por muito que me esforçasse em explicar-te, tu
nunca irias compreender! – Joana não foi capaz de continuar a resguardar a
amálgama de risos e estes acabaram mesmo por se soltar, ainda que
recatadamente, da sua boca, face à maneira engraçadamente intelectual com que
Salvador se havia expressado, somente na pequena figura de um menino de dez
anos
- Pois, e devido a essa complexidade que
os homens têm, também acho que nunca iria perceber… Senhor Sabichão! - entre o
indicador e o dedo médio, ela apresou o narizito de Salvador, conjecturando
numa pequena brincadeira à qual ele respondeu com risos que a deliciaram de
ouvir
- E sabes uma coisa que o Ruben me
disse?
- Não… O que é que o Ruben te disse? –
vendo a euforia do irmão acalmar subitamente, dando assim lugar à nostalgia que
se apoderou de toda a sua expressividade facial, Joana olhou-o com uma
subtileza profunda no olhar, de alguma maneira para tentar descobrir as emoções
que coabitavam naquele coraçãozinho que de certa forma também lhe pertencia
- Disse-me que já tinha saudades de me
ver, que nunca se esqueceu de mim e que eu estava feito num homenzinho! –
revelou, prendendo o olhar nas suas mãos desordeiras, que começaram então numa
dança desajeitada do laça-desenlaça entre os dedos, pela evidente e grande
admiração que ao longo dos tempos criara pelo homem que estivera presente
durante a maior parte da sua infância, presença essa originada pela oculta
relação que mantinha com a sua querida irmã
- O Ruben é uma pessoa muito especial… -
declarou meigamente, as palavras que desde sempre tinha filiado a respeito
dele, numa certeza ditada pelo coração – E sabes uma coisa? – sorrateira,
aproximou a sua boca ao ouvido de Salvador, disposta a confessar-lhe uma
pequena novidade num sucinto sussurrar entre lábios – Mais logo à noite vou
jantar com ele…
- Ãh! Vais… Vais jantar com o Ruben… O
(!) Ruben? – numa rotação quase automática do rosto, ele lançou-lhe um olhar
surpreso, deixando que a boca se entreabrisse numa admiração indulgente –
Porquê?
- Ah… Porque ele me convidou…
- E porque é que ele te convidou?
- Porque, porque… Sei lá… Porque quer
jantar comigo…!
- E porque é que ele quer jantar
contigo?
- Ouve lá, Salvador, eu pensava que a
fase dos porquês era aos seis, sete anos… Mas parece que agora passou para os
dez… – refutou com uma estranheza lausperene no seu olhar lustroso, enigmada
com a torrente sucessiva de perguntas do pequeno
- Oh, não é nada disso… Tu não
percebes…? Quando um homem convida uma mulher para jantar, quase sempre que há
segundas intenções no meio! Eu sei… Já vi muito disso nos filmes… - seu
indicador espevitou-se no ar e o seu narizito arrebitou, querendo transmitir à
irmã, um ar naturalmente engraçado de um pequeno homenzinho conselheiro –
Primeiro jantam à luz das velas, depois ele oferecesse para leva-la a casa, ela
convida-o para entrar e…
- Ei, ei, ei! Não achas que andas a ver
filmes a mais? - interrompendo a teoria minuciosamente arquitectada de
Salvador, Joana fez voar a polpa do seu indicador à pontinha do nariz dele,
pressionando-o levemente – Primeiro, posso garantir-te que não será nenhum
jantar à luz das velas como dizes-te, depois, o Ruben não tem aqui carro e como
podes ver, eu não estou propriamente em casa… Por isso…
- Seja como for, eu estou a dizer isto
para que depois não tenhas surpresas e porque só quero o teu bem! Gosto muito
do Ruben mas tu és a minha irmã e como sou eu o homenzinho da família, é meu dever
proteger-te! – a convicção assim como a firmeza que ele perfilhou no discurso
de um pequeno cavalheiro, fizeram com que Joana amolecesse naquele instante,
perante o forte laço fraternal que os unia e que ele não se continha em
mostrar-lhe
- Oh piolho, piolho… - ela abraçou-o
ainda com mais força, despoletando-lhe entre os caracóis, beijos muito dóceis e
cuidados, desprendidos sob o topo da cabeça – Eu agradeço-te a preocupação e
essa tua necessidade de protecção, mas eu já sou crescidinha para conseguir
fazê-lo sozinha, não achas? E além disso nós vamos jantar porque também somos…
Somos amigos, percebes?
- Hum… Então está bem! – na verdade não
ficara muito convencido, não tanto quanto queria, porém não deu mais enredo a
uma conversa de onde sabia que as suas teses iriam ser vencidas por argumentos
mais engenhosos e adjutórios que eram os de Joana
- Mas vá, upa… - dando-lhe uma
palmadinha nas nádegas, fez com que Salvador se desprendesse do calor do seu
colo, que detinha só para si há já algum tempo, para logo de seguida se erguer
também – Tenho que ir tomar alguma coisa para a dor de cabeça e vou-me deitar
um pouquinho…
- Não te sentes melhor, mana?
- Ainda não… - murmurou, dando alguns
passos na direcção da poltrona onde deixara caída a sua mala, e dela retirou um
comprimido que intimamente desejou ser o remédio suficiente para fazer sumir
aquela indisposição que sentia e que com o passar dos minutos se tornava mais
intensiva e incómoda – Importaste que durma pouco antes de me preparar para
sair?
- Não, claro que não! – afirmou
avidamente, mostrando-se apenas preocupado com o bem-estar dela, vendo-a levar
o pequeno medicamento à boca que mais tarde empurrou com dois tragos de água
natural permanecida numa garrafinha sobre a mesinha de cabeceira
- Mas posso ficar aqui contigo?
- Claro que podes, piolho! – mostrando
em seus lábios um sorriso que tinha tanto de meigo como de encorajador, Joana
deu-lhe a resposta que ele esperava para poder continuar do lado da irmã, caso
esta viesse a precisar de alguma coisa mais tarde – Isto se não te importares
de me veres a dormir… - concluiu, numa troça inofensiva que ele soube
interpretar da melhor das maneiras, deitando-se depois sobre a cama, no único
ninho que lhe conseguia proporcionar alguma estabilidade e quebrar todo aquele
desassossego interior
- Vá, descansa pra ficares boa… Não te
esqueças que mais logo o Ruben vai estar à tua espera!
Com um toque de magia, os papéis
inverteram-se confortantemente e foi Salvador a correr ao apoio da irmã.
Aproximou-se da cama e observou-lhe cuidadosamente o rosto, fragilizado pelos
sintomas abruptos mas ainda assim ornado pela quanta beleza que se delineava em
cada contorno. Repuxou-lhe os lençóis aconchegando-a assim àquele pequeno
conforto apenas material e, aquando de olhos cerrados pela fadiga que a
trespassava, Salvador não hesitou por um segundo em tocar-lhe as faces com a
polpa dos dedos, verificando assim a temperatura eminente que a tornava mais
débil, presa às fraquezas do seu corpo. “Ela é forte, vai melhorar…”,
pensou.
***
- Ei, manz! – o pobre David continuava a
bater à porta da casa de banho onde Ruben se havia fechado há uns quantos pares
de minutos avultados, preparando-se para o tão desejado encontro, que com o
cair da noite, já estava bastante perto da hora combinada – Sai fora, Ruben!
Quero tomar meu duche, pô!
- Fogo, mano, tem lá calminha! – pediu
num tom primordialmente gozão, e que só valeu para deixar David ainda mais
embravecido, logo que finalmente saiu da casa de banho – ‘Tás com muita pressa,
tu!
- Eu que ‘tou com muita pressa? Onde é
que tu vai, todo aprumadinho desse jeito? – inquiriu num laivo introspectivo de
espanto e curiosidade, correndo num só relance toda a figura cuidadosamente
aperaltada que Ruben levara horas a preparar, procurando assim algum indício de
resposta
- Isso, meu caro David… Ainda não irás
saber! – ele sorriu no seu jeito já habitual de provocação, para atiçar a
picardia, mas David manteve-se em silêncio… talvez no intento de adivinhar os
planos nocturnos do seu melhor amigo que não lhe deu qualquer consentimento
antecedente
- Não vai jantar lá em baixo com a
galera?
- Não… Pedi autorização ao mister, e
como o hotel dispõe de mais de um restaurante, e eu vou jantar a outro! –
afirmou com toda a naturalidade, vestindo o casaco negro de malha, que o iria
proteger da corrente fresca da maresia, que se fazia sentir lá fora com o cair
da noite
- E vai jantar noutro restaurante,
sozinho? – o seu sobrolho contraiu-se levemente, perscrutando em si toda a
estranheza ao constatar a esquiva
escolha de Ruben, em trocar o restaurante que proporcionava um jantar de convívio
com amigos e colegas de profissão, por outro no qual iria jantar unicamente
sozinho – … sozinho, sem ninguém mais?
- Ouve lá, oh puto… Não achas que já
estás a fazer demasiadas perguntas? – inquiriu numa certa lividez desdenhosa
mas brincalhona, enquanto se mirava pela última vez ao espelho do quarto,
ajeitando a polpa que morosamente passara minutos a aperfeiçoar com pequenas
doses de gel fixante – E não estavas com muita pressa? Vai lá tomar banho e
cala-te!
- ‘Tô indo… Não precisa fazer birra,
não! – David ergueu as duas mãos no ar e guiou-se até à casa de banho, onde
finalmente pôde desfrutar do seu apetecido e merecido duche
- Não esperes por mim acordado… Sou
capaz de chegar tarde! – avisou num tom de voz ligeiramente mais elevado, para
que David já fechado dentro das quatro paredes anexas ao quarto, conseguisse
ouvir o recado
Embebeu o seu telemóvel assim como a
carteira no bolso traseiro dos seus calções-bermuda de ganga, e prestou-se do auxílio
de um dos elevadores com vista translúcida para o interior do hotel, para
descer até ao rés-do-chão.
Ainda naquela tarde, depois de
regressado do treino bi-diário, solicitou um dos hoteleiros, dando-lhe ordens
expressas que contactasse Joana e lhe desse as indicações do restaurante mais
reservado que ele havia preferido, a fim de compartilharem somente a dois, a
última refeição do dia.
A passo irreverentemente feliz e
accionado por um reconforto de esperança, caminhou até ao buffet, onde
apenas socorrido pela sua capacidade de persuasão e pelos gostos e preferências
que nunca esquecera pertencentes a Joana, escolheu uma mesa, a mais bonita e
discreta, suficientemente acolhedora para os receber. Sentou-se e foi
imediatamente atendido por um empregado que se apressou a trazer-lhe o livro de
ementas, antecipando com a chegada das entradas, confeccionadas refinadamente,
conferindo as pequenas iguarias mais saborosas capazes de abrir o apetite a
qualquer um.
- Have you made your choice, Sir? –
inquiriu e educadamente o empregado logo que chegou novamente junto a si, dos
modos os quais o seu cargo de servidor exigia, no contacto aos clientes
- Not yet! I’m still wainting for a
person… - na verdade já estava à espera há imenso tempo, mas infelizmente, por
mais que realçasse o olhar por toda a sala, procurador de um sinal que
denotasse a presença daquela mulher que queria ter a seu lado, ainda não se
saíra felizardo
- Of course! Call me when you want… -
disponibilizou-se num jeito simpático e cortês, para proceder depois à sua
retirada – Excuse me!
- Thank you! – acabou por agradecer,
apresentando nos seus lábios um sorriso um quanto forçado e que não conhecia
como seu, mas que contudo era obrigado a mostrar, pelas circunstâncias em si
que não prostravam a seu favor
E ele esperou. De facto esperou imenso
tempo, pela tão aguardada chegada da mulher que o havia reconquistado. Pouco
faltava para baterem os sessenta minutos da hora combinada e nada… nem um sinal,
por mais pequeno que fosse, que denunciasse o aparecimento de Joana pelas
portas de fundo, e isso deixava-o, inevitavelmente, perturbado. E contrafeito
ao que pudesse importar àquela acentuada demora, o facto era que de um atraso
de razoáveis minutos Joana, passara para uma mudança abrupta de planos, feita
somente por ela e dos quais Ruben, não tinha em nada sido avisado.
- Isto é um atraso… Está apenas
atrasada! – repetia baixinho para sim mesmo, tentando conformar-se com uma
desculpa que ele próprio tinha arranjado, enquanto os seus dedos embatiam impacientemente
contra sobrecopa da mesa – Ok, ela não vem… Ela já não vem!
Pelas horas certeiras que indicavam no
seu relógio de pulso, Joana já contava com mais de uma hora sem aparecer, e
isso que certamente só que poderia significar uma coisa e por mais que isso lhe
custasse a acreditar, Ruben teve que aceitá-la.
Ele saiu disparado pelas portas
franqueadas do restaurante e, conformado com um só e único trajecto esboçado na
sua mente, apressou-se a correr para o elevador. Pressionou o botão e saiu no
piso que estava destinado como seu, antecipou-se na direcção do seu quarto.
- Ué, já de volta…? Esse jantarinho foi
rápido, ein? - debuxou David, soltando uma farta gargalhada e capturando o seu
telemóvel que tinha esquecido sobre a cama, logo que deu sinal da entrada
íngreme do seu melhor amigo
- Poupa-me, David… Não ‘tou com mínima
paciência para as tuas piadas! - praguejou num tom um pouco agreste e nada
benevolente, assim que voltou a retirar os seus pertences dos bolsos para jogar
pesadamente o corpo em cima da sua cama
- Pega leve, velho… ‘Tava só reinando
com você!
- Mas agora não é momento pra isso,
puto!
- Tô vendo que o bicho pegou feio… -
facultou, agora num tom mais sério e postura complacente, aproximando-se de
Ruben que permanecia de olhar preso ao tecto imaculadamente branco, e de
pensamentos fugidios que ocultavam lugar no abarque de uma só pessoa – Que
aconteceu?
- Não aconteceu nada… Só quero ficar
sozinho! – respondeu, num visível estado irreparável de desolação, mas ainda
assim fazendo um esforço tremendo para que isso não se tornasse no seu lace
fulcralmente, denunciante à dor que em silêncio sentia por mais uma perda de
Joana
- Não vai falar?
- Não, não vou falar porra nenhuma,
David, bolas… Deixa-me sossegado! – vociferou numa lividez de exaltação,
erguendo-se da cama e voltando a tomar ordem da distância com David, quando se
dirigiu até junto da colossal janela do quarto
- Olha lá, até pode nem contar que
houve, mas seja o que tiver acontecido, não é razão nenhuma pra falar desse
jeito grosseiro comigo, tá certo? – refutou de imediato, incontestavelmente
magoado com a atitude repulsiva e infrutuosa do melhor amigo – Caraca, pensava
que confiava em mim…
- E confio… Ouve, desculpa, está bem? –
reconhecendo que se tinha excedido com aquele que sempre esteve e continuaria a
estar para o que precisasse, Ruben mostrou cedência a desculpas que mereciam
ser dadas – Eu sei que não tens culpa de nada e acabaste por levar por tabela…
Desculpa, mano!
- Tem problema não… Mas da próxima vez
se acalma primeiro antes de começar xingando!
- Eu sei, e já reconheci a forma errada
como falei contigo…
- Pronto, tudo bem… Mas agora me vai
contar que deu com você pra ‘tar nesse estado… bobo ou não prefere?
- Se queres mesmo saber, fui um burro em
voltar a acreditar e acabei por levar mais uma chapada na cara… Foi isso que
aconteceu! – praguejou num revolto de mágoa e rebelião, por mais uma vez ter
sido deixado na mão de quem mais queria bem, por quem mais tinha amor – Ainda
nem acredito que teve a coragem de me mentir…
- Quem te mentiu? – insistiu
cautelosamente, preocupado pelo alento ressentido que Ruben mostrava importar
em cada adornado do rosto – Fala pra mim o que rolou…
- A Joana, mano… - ao fim de um compasso
de silêncio de lhe rifou a coragem e firmeza necessária para falar, Ruben
começou então por se mostrar disposto a partilhar com o amigo mais próximo, o
que de maior o atormentava – Eu e a Joana… Nós estivemos juntos, eu convidei-a
pra jantar e ela prometeu-me aqui, bem nos meus olhos que ia mas afinal… Afinal
mentiu-me… A Joana mentiu-me e fez-me passar por parvo mais uma vez! –
desabafou, deixando que, depois de se abrirem no ar, os braços caíssem
pesadamente contra as coxas de modo a aliviar alguma opressão que lhe fatigava
o âmago agora abatido
- Pera aí… Volta lá atrás que agora eu
me perdi… - colocando as palmas das mãos direccionadas ao peito de Ruben, David
pediu uma parada de maneira a conseguir justificar todas as interrogações que
lhe surgiram de rompante, de quem nada sabia – por que de facto não sabia – e
que apenas o seu melhor amigo podia esclarecer – …cê e a Joana ‘tiveram… juntos?
- Sim, esta tarde encontramo-nos na
praia e ficámos algum tempo juntos… - confessou, lançando-lhe um olhar triste
pelo momento anteriormente vivido e o qual se consciencializara haver tido mais
significado para si do que para a sua oculta amada – Passeámos e conversámos um
pouco e…
- E conversaram um pouco… E? – dando
ênfase a uma continuação, ele deixou que o seu desejo em ver os desacertos dos
seus amigos mais chegados conhecessem ao seu fim, para que assim pudessem
voltar a partilhar de um amor que renascera com asas para voar e que David
sabia eles sentirem em chama um pelo outro, embora que silenciosamente
- E conversámos, pronto! Foi isso! –
hesitante em fazer-lhe a maior revelação que o seu coração podia carregar num
aperto secreto, Ruben preferiu fustigar-se por entre a confissão que ele mesmo
tinha lançado ao ar, numa conversa que iria ser somente partilhada com o melhor
amigo – Só isso!
- Cê ia falar mais alguma coisa… -
desvendando-lhe perspicazmente a interrupta inquietação que se apoderou de si,
em contra-ataque David mostrou-se ser um jogador de palavras à altura, que não
deixaria passar em branco um mínimo erro nem por deslindar qualquer desafogo
nas entrelinhas – Não me parece que tenham ficado só batendo papo, não… Que
houve mais, manz? – voltou a ripostar, irredutível a ser negado e encostando
ambos os braços em frente ao peito ostentoso, na facilidade de um simples
enlace
- Se foi só mesmo isso que aconteceu, o
que é que queres que te diga mais? – fugindo em sua própria defesa para o
centro do quarto, Ruben continuou a manter a sua ideia de não revelar mais do
que aquilo a que já se expusera, talvez numa maneira, ao fim ao cabo
incompensável, de se resguardar daquele sentimento que não parecia mais
caber-lhe no peito
- Manz… - advertiu-o, no arreste breve
de uma voz que queria decifrar aquilo por que Ruben continuava irredutível a
esconder-lhe – Alô, Ruben? Sou eu, o Davi’… O seu melhor amigo? Aquele que até
sabe que no Liceu tu era barra a Química e a Português… Aquele que também sabe
que o seu filme preferido é um romance daqueles bem melados… Que quando tu era
guri, escondeu a chave do carro do seu pai só pra ele não te levar no primeiro
treino de hóquei porque cê se punha verde de nervosismo…! Já esqueceu?!
- Só sabes isso porque a minha mãe te
contou! – ripostou rapidamente, vendo naquela interjeição um pequeno escape,
num intento falhado de virar a conversa a seu favor e puder assim fugir aos
ataques de David
- Seja como for… Nem tenta dar volta ao
assunto! – ele não estava disposto a dar-lhe qualquer hipótese e isso viu-se na
postura assim como em todas as feições contrafeitas que optara por perfilhar na
frente do melhor amigo, acabando por se sentar sobre o braço almofadado de uma
das poltronas oferecidas pelo quarto, olhando-o sem reservas e esperando por
uma só resposta certeira de Ruben, que iria acabar por surgir – Ah… Cê tá
escondendo alguma coisa e eu quero saber, por isso conta logo, vai! Eu te
conheç…
- Eu beijei-a! – gritou num só sopro de
desesperança, abrindo mais uma vez os braços perpendicularmente ao corpo e
interrompendo subitamente o discurso trapaceado do amigo – Eu beijei-a, David…
Eu beijei a Joana! – repetiu pausadamente, revelando-lhe provavelmente o erro
mais derradeiro que poderia ter cometido
- Cê beijou ela… Beijou a Joana? –
perquiriu, assim que os seus olhos esverdeados se crisparam de espanto na
necessidade de obter uma certeza extrema daquilo que acabara de ouvir, no calor
de uma confissão surpresa
- Beijei… Eu beijei-a! Por mais que
tentasse conter-me, não deu pra aguentar mais! Eu sou doido por ela e de cada
vez que estávamos juntos e não a podia ter para mim, eu morria por dentro… Eu
só lhe quis mostrar o quanto gosto dela, as saudades que tenho de nós, o quanto
a quero na minha vida, entendes?
- E esse beijo… foi correspondido? – sem
mais saber o que dizer a uma situação daquelas, David preferiu aclarar todos os
pontos reverentes na sua cabeça, procurando uma melhor forma de poder apoiar o
melhor amigo, e acompanhando-o ao mesmo tempo com o olhar, o breve percurso que
Ruben domou para sentar o corpo combalido na frente do seu, ao beiral da cama
que lhe pertencia
- Se foi correspondido? Oh David… - um
suspiro vagabundo sumiu-se pela pequena abertura que ele formara entre os
lábios, acolhendo estes um sorriso praticamente desvanecido de esperanças mas
feliz pela mescla de sensações e sentimentos que havia partilhado com a menina
dos seus olhos e do seu coração, no momento em que ambas as bocas, unidas,
testemunharam o poder de um amor sem igual – Ela entregou-se a mim de uma
maneira tal, que eu senti como se nada tivesse mudado entre nós… A maneira como
se deixou levar, como depois me olhou nos olhos e sorriu… Eu tenho a certeza
que ela desejou e sentiu aquele beijo tanto quanto eu!
Ali, naquele quarto, por fim Ruben
sentiu-se suficientemente capaz e seguro para despir a capa de homem
aparentemente forte, de ideias fixas e bem assentes, um homem de seguranças que
já mais baixava guarda a qualquer força negra que se poderia abater sobre si,
para na frente de uma das pessoas por quem mais dispunha confiança e com a qual
construíra um laço de irmandade inquebrável, desvendara o segredo de que todo o
homem chora, sofre e ama. E embora David não conseguisse reunir palavras
assertivas que se ajustassem àquela conversa, era inevitável não deixar exposto
o contentamento pelo passo importante dado e pela barreira sustentada pelos
alicerces de três anos, agora mais perto do que nunca de ser ultrapassada pelos
amigos a quem só deseja a maior felicidade.
- E se acertaram?
- Achas?
- Sei não… Como cês deram esse passo, eu
pensei que…
- Mas não, não resolvemos absolutamente
nada! Depois disso ela foi-se embora e nem deu tempo para falarmos sobre o que
aconteceu… - revelou num tom de voz drasticamente esmorecido, levando a um
entrelace hábil dos dedos grosseiros das suas mãos, quanto mantinha o tronco
ligeiramente inclinado e os seus braços permaneciam pousados sobre as coxas – E
se queres saber, de certa forma até me arrependo de ter perdido a cabeça e a
ter beijado na esperança de que ela ainda sentisse alguma coisa por mim… Sou
tão estúpido!
- Eh, manz… Larga dessa parada de só
dizer bobeira! Porque tá falando isso, ué?
- Acho que o resultado está á vista de
todos, não? – num impulso impetras, Ruben repeliu-se do pousio que apenas à
instantes havia tomado, para recomeçar a espezinhar de um lado para o outro, o
chão milimetricamente alcatifado em passadas imprecisas, comparadas à de uma
barata tonta
- Desculpe, mas até agora o resultado tá
só à sua vista…
- Mas então eu já to mostro: Para
começar, depois do nosso beijo, ela praticamente fugiu de mim… Disse que tinha
combinado não sei o quê com o Salvador mas eu vi logo que era uma desculpa para
se ir embora o mais rápido que pudesse, e depois deixou-me plantado mais de uma
hora no restaurante sem me dar a mínima explicação para não ir jantar comigo! E
com tudo isto, diz-me lá… Queres que eu fique a pensar o quê?
- Não pense… Não seja precipitado! –
tentando encontrar o meio termo da situação que fosse favorável a ambos os
lados, David procurou alertá-lo, fazendo-o descartar-se dos motivos mais óbvios
e que mais o magoavam por mais uma possível perca da sua doce Joana
- Quando estamos desse lado do quadro, é
muito fácil falar, não é?
- Olha, Ruben, ouve o que te vou falar e
decora bem pra não vir a fazer borrada: Você fala o que não deve e acaba
perdendo o que não quer… Cê age muito por impulso e no fim se dá mal com isso,
e sabe bem do que eu tô falando! – aquele comentário camuflado numa pequena acusação,
tinha um fundo de verdade… um fundo de verdade suficientemente autêntico que
levasse Ruben a contrair-se no seu próprio corpo, sob um laivo de
constrangimento ressentido – Tudo tem uma razão de ser e para a Joana não ter
ido ao seu encontro, ela deve ter tido uma razão e forte!
- Sim, o motivo forte dela é o de não
querer estar mais comigo, porque a verdade é que ela já me esqueceu há muito
tempo, desde que se foi embora naquele maldito voo para Nova Iorque…
Ruben esteve quase a ceder, quase… no
desenrolar de uma afirmação que lhe despedaçava o coração pelo facto de ser
pronunciada pela sua boca, quase que o fez ceder ao conforto das lágrimas, que
mansamente se instauraram por detrás das pálpebras doridas, por muita água
salgada terem sido obrigadas a conter, e mostrando assim a posição ofensiva
contra Joana, que o sentimento de perda fora obrigado a formar por si.
- Sabe que tu tá falando de saco cheio,
manz, e só tá falando isso porque tá magoado! É natural… é, mas sabe muito bem
que não é verdade e como tal não devia dizer isso!
-
Digo e até te digo mais! – nem por uma única vez Ruben ousou elevar o tom de
voz, e sempre que sentia a necessidade de o fazer, optava antes por gritar em
surdina… fazia-o não por raiva, ressentimento ou ira, mas sim por mágoa… era
mágoa e tristeza que ele empregava em cada palavra que lhe saía mais
estrangulada, de um coração recém-apaixonado e que ele pensava não ser
correspondido – A verdade também é que ela não sente mais nada por mim, é tão
verdade e está tão claro que só eu, o grande estúpido, é que não percebeu logo!
- Ou talvez ela continue sentindo tudo o
que um dia sentiu por você, talvez ela ainda não tenha esquecido você como tá
pensando e nessa sua cabeça dura haja só macaquinho… – o compreensivo David
voltou a fazer-se ouvir, erguendo-se da poltrona mas deixando-se ficar apoiado
no mesmo ponto ao seu centro de gravidade, onde se mantivera hirto e mantendo-o
debaixo de olho, a ele e aos sentimentos que Joana continuava a suster por ele…
cada dia um pouco mais – Talvez a Joana esteja apenas confusa, baralhada, e não
sabe nem o que fazer com os seus sentimentos…
- Oh, confusa (!) – os seus ombros
teimosos, encolheram-se num acto meramente solto e despótico, dando meia volta
aos calcanhares e mostrando assim as costas a David, para posteriormente e num
movimento ágil de pés, o voltar a olhar na procura exasperada de respostas que
lhe serenassem a alma deturpada – Confusa com o quê, David?
- Com o qu’é que tu acha? – a sua
sobrancelha arqueou-se na ordem de uma prepotência óbvia e que foi transmitida
a Ruben através das suas expressões faciais bem como do pequeno compasso de silêncio
do qual unicamente David tomou ordem e seguimento - Aconteceu muita coisa… Cês se amavam tanto
e quando tiveram que se separar, ficaram muito tempo longe um do outro… Sem se
ver, sem se falar, sem se sentirem fisicamente…
- Sim… E onde é que queres chegar com
isso?
- Tenta se colocar no lugar dela, manz…
Ela te amava, depois volta e dá na cara que tu vai casar e a noiva era a melhor
amiga dela da altura… Os sentimentos voltam e vai aí tu beija ela! Cê quer o
quê depois disso? Que as coisas entre cês fiquem logo de boa? – ele fez questão
de ainda dar algum tempo de resposta a Ruben, mas esta acabou por não chegar –
Não é assim não, meu irmão… A guria ainda deve tar arrumando sua cabecinha pra
poder pensar direito! Dê algum espaço pra ela…
- Olha mano, eu não sei… Não sei e
sinceramente não quero pensar nem falar mais sobre este assunto! Vou apagar
este dia da minha vida e vou descansar! – subjectivou, dominando a sua curta
caminhada até à casa de banho, no intuito de passar o rosto por água fria, antes
de se preparar para mandriar por debaixo dos lençóis
- Não vou falar mais nada não, mas antes
de tentar apagar esse dia da sua vida, lembra do que a gente falou! Vou descer
que já tô atrasado pro jantar, se der, apareça por lá…
- Não me parece, mas obrigado!
- Até mais logo, então! – disse por fim,
agarrando no cartão electrónico do quarto e abrindo a porta para sair, mas
acabou por ser surpreendido – Oi, moleque!
- Olá, David… - saudou-o também, fazendo
colidir ambas as mãos num breve toque que foi reflectido num cumprimento típico
“de homens”
- Ué, e qu’é que cê tá fazendo aqui?
Anda perdido…? – perguntou no tom de uma evidente brincadeira, fazendo os dedos
grosseiros da sua mão, desgrenharem a amálgama de caracóis loiros do pequeno
Salvador, numa réplica praticamente autêntica e fiel no que toca aos seus
- Não! Eu vim à procura do Ruben… Ele
está aqui? – inquiriu ao mesmo tempo que tentava espreitar com dificuldade o
interior do quarto, pois o corpo de David, patentemente mais robusto e avantajado
pela exagerada altura, cobria-lhe a maior parte da visibilidade
- Manz, tem aqui uma visita pra você! –
verbalizou num tom suficientemente alto para que Ruben conseguisse ouvir –
Entra, garoto… Eu tô de saída, mas fica à vontade!
- Obrigado, David! – agradeceu-lhe logo
que entrou no pequeno mundo dos dois jogadores, mesmo antes de David fechar a
porta, efectivando assim a sua saída
- Mano, eu não quero ver ningu… - no
mesmo instante em que Ruben abandonou a casa de banho e regressara à zona das
camas, interrompeu o discurso, por conseguinte da figura inesperada do irmão de
Joana que se havia prostrado na sua frente – Salvador?
- Ruben…
- O que é que estás aqui a fazer?
Precisas de alguma coisa? – ele precipitou-se sem pensar duas vezes até à
pequena figura inesperada do rapaz, numa inquietude desassossegada, que
mostrava para com aqueles de quem gostava de cada vez que uma situação menos
usada se instruía
- Não, eu não preciso de nada! A minha
irmã… a minha irmã é que me pediu que te procurasse e te pedisse desculpa por
não ter podido encontrar-se contigo! – justificou-se imediatamente, sem mesmo
Ruben ter a interjeição de o voltar a abordar
- Ai ela mandou-te vir aqui a pedires
desculpa na vez dela, foi? – evidenciou, assim que todas as pecinhas se
encaixaram na sua cabeça como num jogo de puzzle, forçando nos lábios um
sorriso dolorosamente irónico
- Por favor, não te chateies com ela… A
Joana não teve culpa, a sério!
- Ouve, Salvador, eu sei que ela é tua
irmã e até compreendo que te sintas no dever de desculpá-la... – contradisse,
preocupando-se em manter um tom e uma atitude complacente e amena - a mesma que
lhe era já tão característica - e que não amedrontasse o pequeno – Mas se ela
não tivesse culpa, como tu disseste, não teria ficado de consciência pesada
para te pedir que viesses falar comigo, a pedires desculpas na vez dela…
- Eu só vim porque ela não pôde fazê-lo,
entendes?
- Não… Na verdade não entendo… Porque é
que não se pôde encontrar comigo?
- Desculpa, mas isso já não te posso
dizer…
- Diz-me, Salvador… Porque razão a tua
irmã não se pôde encontrar comigo? – solicitou, abeirando-se dele e sentando-se
na cama, para o puxar levemente pelo braço e o manter junto a si, numa atitude
cúmplice e extremosa que desde sempre importara na sua personalidade para com
todos, mas especialmente para com as crianças
- Ela pediu-me para não te dizer mais
nada… E se te disser, estou a quebrar uma promessa! Eu não gosto de faltar à
minha palavra…
- Mas eu só quero perceber o que aconteceu,
mais nada…!
- Eu… Eu não sei se deva! Ela pediu-me…
- de coração e dever divididos, Salvador começou então a sentir sérias
dificuldades sobre o que de melhor poderia fazer para salvaguardar a irmã
- Salvador, por favor… Eu preciso de saber!
– implorou, vendo ser aquela como a única hipótese de poder voltar a estar com
ela, segurando-lhe o pequeno rosto ainda de um menino, entre as suas mãos
grandes e pesadas, podendo olha-lo bem no fundo dos olhos claros, que tinha
herdado de Joana – É muito importante para mim… por favor!
- Tudo bem… Mas vais ter que vir comigo!
– perante o desejo derradeiro que conseguiu decifrar nos olhos sofredores de
Ruben, ele não encontrou outra condição que não fosse a de ceder e compactuar
com ele… pois lá no fundo sabia, que o homem apaixonado que tinha na sua
frente, seria o único capaz de ajudar e permanecer do lado da sua adorada irmã
Sem mais perguntas, saíram do quarto e
seguiram caminho o qual apenas Salvador era entendido. Entraram no elevador que
somente utilizaram para ascender um piso, e voltaram a sair, tomando ainda o
pequeno, o controlo do trajecto que tinha como certo na sua mente.
- Onde é que vamos? – dominado pela
ânsia que não conseguiu conter por mais tempo no seu peito, Ruben viu-se
obrigado a pedir uma resposta, enquanto seguia em passadas rápidas ao lado de
Salvador…e este sem lhe responder, continuou com o percurso que só findou na
chegada à porta do quarto 519
- Entra e não faças barulho para ela não
ver que estás aqui… - sussurrou, logo depois de abrir a porta da suíte e
desfraldando passagem, para que Ruben pudesse entrar e tomar então o primeiro
contacto com o pequeno mundo de Joana, que ainda não tivera oportunidade de
conhecer
- É esta a suíte dela? - aproveitando-se
do mesmo tom de voz usado por Salvador, ele não deixou passar discreto o seu
estado de admiração e surpresa pelo facto de o ter levado para ali, no mesmo
instante em que olhou à sua volta procurando, talvez, alguma coisa
suficientemente pessoal que a caracterizasse
- Hum, hum… Vem! – arrancando-o
inopinadamente no estado sinóptico em que Ruben se encontrava, o rapaz de
somente dez anos puxou-o pela mão, guiando-o numa curvilínea até ao quarto
soberbamente requintado onde o corpo enfermo de Joana, repousava – Ainda está a
dormir, mas o efeito do comprimido deve estar a passar e mais daqui a pouco já
acorda…
- O que é que ela tem? – a premonição de
que algo não estava bem, assaltou-lhe a voz numa única rajada, na preocupação
assoberbada e evidente que resguardava
sobre o bem-estar da sua mais-que-tudo, assim como também se deixou martirizar
interiormente numa autoculpa por ter chegado a
duvidar dela
- Adoeceu! Durante a tarde começou a
sentir-se mal… Dores de cabeça, calafrios, febre! Mal se consegue levantar da
cama.
“O temporal desta manhã!” lembrou-se e repetiu somente para si mesmo, vendo esta como
sendo a única possibilidade que tinha viabilizado, para o estado adoecido de
Joana – E já comeu alguma coisa?
- Não… Das vezes que eu lhe disse que trazia alguma coisa para comer, ela recusou sempre!
- Então faz-me um favor… Fica aqui com
ela enquanto eu vou lá abaixo buscar alguma coisa para ela comer… Não pode
estar tantas horas sem nada no estômago, fica ainda mais fraca!
- O quê, mas ainda voltas? Não pode ser…
A minha irmã não te pode ver, vai ficar furiosa quando souber que te trouxe até
aqui! – disse enquanto o seguia até à porta de carvalho
- Não te preocupes, da tua irmã trato
eu! – consentiu, num sorriso que tinha tanto de misterioso como de
tranquilizador
Saiu e deixou a porta discretamente
encostada para que pudesse voltar a entrar, e numa passada acelerada, inverteu
a encruzilhar-se pelas portas do elevador que o transportou até ao rés-do-chão.
Voltou uns consideráveis dez minutos
após a descida, e com um tabuleiro bastecido na mão, regressou à suíte onde uma
tranquilidade adorante, vigorava.
- Então, como é que ela está? – pergunta
pousando o tabuleiro ao lado da cama
- Ainda a dormir… Mas ainda bem que chegas-te!
O meu pai ligou-me agora a dizer para descer… Tenho que ir pra casa, mas não
queria deixá-la sozinha…
- Eu cuido dela!
- Tens a certeza? Olha que eu estou a
confiar em ti, a minha sobrevivência também passa pelas tuas mãos, sim porque
quando ela descobrir o que eu fiz…
- Ei, Salvador? Confias em mim, não
confias? – ele suspirou e assentiu com a cabeça – Então vai descansado que eu
fico aqui a cuidar da Joana e prometo-te que só me vou embora quando ela
melhorar!
Ruben contornou então a cama, preocupando-se
em não fazer qualquer ruído que assolasse irreflectidamente a ostentação
absorta e levitada da sua pequena protegida, e mansamente aproximou-se da
extrema lacuna do colchão onde o corpo de Joana descansava e era resguardado
por uma alagamento exagerado de cobertas que a revestiam na sua totalidade,
garantindo desta forma uma temperatura extremamente agradável por debaixo dos
finos lençóis de Verão.
Viu-a mexer-se levemente por entre os
cobertores e num reflexo momentâneo, estatuificou, para logo de seguida se
agachar sobre a cama e, ainda que um quanto dominado pela hesitação –
guarnecida pelo reagir dela ao vê-lo ali –, apoiou a mão esquerda sob o colchão
e com a direita fez voar os dedos até à borda superior do edredão que escondia
o rosto passivamente adormecido de Joana. Fê-lo decair muito delicadamente e
quando os seus olhos, as duas janelas espelhares que lhe davam a visão do
mundo, testemunharam então a visão do seu mundo, que um pequeno
revolvimento interior se deu conta no recanto mais íntimo de si… Assemelhava-se
a fogo-de-artifício que se difluía dentro do peito no acolher de um novo ano; a
alegria de receber novos adventos; a fé imposta dentro de cada desejo rezado
por cada das doze passas… mas ali, o seu desejo passava apenas por ser um, bem
como era pertencente a uma só pessoa e quando no seu peito a euforia conheceu o
seu estado amenizador por voltar a ter tão perto de si a mulher que estava mais
próxima do seu coração, Ruben sorriu no alargamento total dos lábios,
perfeitamente perfilhados na direcção dos dela.
Ele gostava de assemelhar a figura amena
de Joana à de um pequeno anjo, porque ela simplesmente lhe parecia ser um… A
sua respiração estava profunda e simultaneamente estável, os músculos estavam
todos eles relaxados e um coração indefeso palpitava silenciosamente pela
redenção a um amor que merecia ser vivido. Com muito cuidado, sentou-se no
espacinho que tinha livre à beira da cama e ficou a observá-la, tranquilamente,
imaginando como seriam os próximos tempos se fossem vividos ao lado dela, toda
a felicidade que poderiam construir.
No entanto o estado adormecido de Joana
foi-se findando gradualmente, e ao abrir os olhos, com suavidade para não serem
feridos pela luz – que embora suave, a incomodava ligeiramente – direccionada pelos
candeeiros, defrontou-se com a feição clara de Ruben, tão próxima a si tal como
estivera da última vez que partilharam do mesmo espaço. A princípio não teve
coragem de dizer nada, limitava-se a olhá-lo com uma certa estranheza e esse
curto espaço de tempo foi o suficiente para ter a certeza de que ele estivera a
observá-la enquanto dormia. Olharam-se nos olhos com uma intensidade que
chegava a ser dolente, no entanto não lhes era incomodativa… a nenhum dos dois.
Por outro lado, também não foi ele a quebrar
o silêncio que se dissipava por toda a enormidade do quarto, preferia não
gastar tempo com palavras, preferia poupa-lo para se deliciar com o que de
melhor a vida lhe havia oferecido, e nesse momento essa dádiva estava bem
perante si. Foi já quando Joana se sentiu capacitada o bastante para verbalizar
o que fosse, que deu o primeiro impulso a um confronto que se adivinha sereno e
muito meigo, de cada parte.
- Ruben… - um sussurro melodioso
escapuliu-se por entre a copa de um sorriso que ela se esforçara por ser
recatado, mas que não passou despercebido nem aos olhos nem ao coração dele
- Olá, pequenina… - com uma leve carícia
no cabelo, Ruben proferiu o diminutivo mais terno de que há tanto tempo não a
apelidava, também divagado num murmúrio intimista, nos confins do maior
sentimento celestial que o amor representava e da noite que estava destinada a
ser vivida unicamente a dois
Queridas leitoras, antes de mais quero pedir-vos desculpa pela demora de um
novo capítulo, mas entretanto fui de férias e com isso não consegui gerir o meu tempo em função da escrita, pelo menos não tão bem quanto gostaria :c
No entanto deixo-vos novamente actualizadas e quanto ao próximo capítulo já está
a ser escrito e assim puder iriei publicá-lo! :)
Não se esqueçam de deixar os vossos comentários, pois é de relembrar que
Não se esqueçam de deixar os vossos comentários, pois é de relembrar que
as vossas opiniões são-me muito importantes! :)
Beijinhos,
Beijinhos,
Joana