Depois daquelas palavras, daquele desabafo, não havia uma resposta
minimamente comburente e jaculatória que ela tivesse para lhe dar. Na verdade,
já nada mais havia para ser dito… O discurso caminhava morosamente para o
desgaste, os olhares retrucados em breve se iriam colmatar a um sôfrego pesar
que nenhum estava disposto a sentir, e o sentimento que noutros tempos passados
havia flectido aqueles dois corações, deixara simplesmente de ser alimentado e
por conseguinte, deixara de ser real. Agora a vida de cada um tinha tomado
rumos distintos, que não davam hipóteses a um possível cruzamento… Joana fora
obrigada a converter os planos que já havia projectados para o seu futuro, o
que levou ao seu afastamento demasiadamente prolongado e precoce, e Rúben… Bem,
Rúben seguira enfrente e aprendera novamente a amar! Sim, de facto ele
encontrara uma outra pessoa a quem podia chamar de amor, a todos os instantes e com quem escolhera acordar todos os
restantes dias da sua vida, e era isso que dificilmente Joana se conseguira habituar…
Irá ser sem dúvida custoso, dentro de breves meses voltar a reencontra-lo com
uma nova aliança a decorar-lhe o dedo anelar esquerdo… A aliança e um novo
estatuto, que irá ditar o fim perpétuo a um passado mal resolvido, o fim
perpétuo a um amor… adormecido.
- Está na minha hora, é melhor eu ir andando! – informou Joana
melancolicamente, pouco depois de voltar para o interior da casa e romper pela
porta da sala de estar, onde se prostravam Rute, David e Adriana envoltos na
alegoria de uma conversa bem-disposta, retorquida no largo sofá da divisão
- Já, querida? Mas ainda é tão cedo… Não queres esperar pelo teu padrinho?
Ele não deve tardar em vir…! – disse-lhe Rute meigamente, mostrando o querer
prolongar a estadia da sua querida afilhada, no seu lar
- Gostava de me despedir dele, mas é melhor não… Acabei por não avisar a
minha avó que fiquei cá para o jantar, e não quero deixá-la preocupada! – justificou-se
com um sorriso temeroso que acolheu na moradia dos seus lábios, e recolheu a
mala que havia deixado pousada na poltrona
Esta era sem dúvida uma explicação plausível para a sua omissão de fuga, a
que ela queria dar início, o quanto antes. Mas a verdade é que Joana estava de
rastos… Não pelo cansaço fatídico que lhe combalia todos os membros depois de
um dia que não queria chegar ao fim, como aquele, mas sim de rastos, pela
exaustão a que os seus sentimentos desarrumados se haviam vitimizado, depois
daquela inevitável conversa de jardim, que tivera há momentos com Rúben. Tudo o
que queria, tudo o que o seu corpo pedia e a sua alma proclamava, era a
estabilidade de um recanto só seu, onde apenas poderia encontrar em casa dos
seus avós e remeter-se a umas quantas horas de um sono hiberno, que a levaria a
esquecer todo o massacre de sentires a que a sua vida se predispunha, nem que
fosse apenas, por alguns longos momentos.
- Então eu levo-te a casa… Também não me posso demorar muito, visto que
ainda tenho pela frente, um trabalho que me vai roubar as horas de sono! – ao
constatar toda a inquietação e nervosismo que abundavam na figura da sua mais
recente conhecida, Adriana voluntariou-se a dar-lhe boleia, perspectivando que
o facto de Joana guiar naquele estado uma mota, não seria de todo, uma boa
ideia
- Agradeço-te a atenção Adriana, mas não vai ser preciso! Estou de mota…
- Ah, acho melhor cê aceitar a boleia, Joana… Deve ‘tar cansada da viagem e
desse dia… E a casa dos seus avós não fica tão perto quanto isso! – pelo mesmo
motivo, David apoiou de imediato a sugestão da sua amada, zelando pelo
bem-estar da sua velha amiga, que naquele momento devia estar de todas as
maneiras, menos estavelmente equilibrado
- Se tens mesmo que ir agora e vendo as coisas nessa perspectiva, também acho
melhor em a Adriana te ir pôr a casa… Fico mais descansada assim!
Perante todas aquelas objecções, visivelmente recusáveis a uma possível
rejeição da parte dela, Joana viu-se nada mais que obrigada a aceitar.
- Sendo assim… Tudo bem! – clarificou, num leve encolhimento de ombros que
depois voltaram a relaxar, assim que descaíram
- E não te preocupes com a mota, que depois mando alguém lá ir levar-ta! –
garantiu-lhe mais uma vez a sua madrinha, levantando-se e fazendo-lhe um leve
carinho fraternal no rosto, que há tanto tempo não tinha a laicidade de tocar
- E a minha Sofia, onde está? Queria dar-lhe um beijinho antes de ir… -
posicionada no mesmo ponto, com o olhar Joana lobrigou toda a sua periferia, na
esperança de dar pela parecença sempre energética da sua pequena reguila, por
quem o seu amor já mais se tornaria esgotável
- Fui deitá-la lá em cima… O David andou a brincar com ela e ficou
cansadinha, ainda deve estar a dormir! – disse-lhe Adriana docilmente, revelando
a instância de euforia que se havia facultado talvez no mesmo instante, em que
viu a sua vida a andar para trás, naquela maldita discussão
- Então eu vou só espreitar ao quarto, ver como ela está… Não te importas
de esperar só um pouquinho? – pediu-lhe num tom afável e sorriso detonado em seus lábios, bocelados num pálido
tom rosa e sem brilho
- Oh, claro que não! – respondeu prontamente, deixando visível toda a sua
compreensão e amabilidade, que já tão bem se conseguia caracterizar na sua personalização
– Então enquanto lá vais em cima, eu vou andando para o carro… Espero-te lá!
- Está bem, prometo não demorar! – jurou numa promessa fiel, tomando rumo
já na saída da sala
- Amor, encontramo-nos em casa, sim? – disse Adriana ao seu querido David,
num tom apaixonado e olhar penetrante, que foi de imediato ao encontro dele
- Claro que sim, meu anjo! – sorriu-lhe abastadamente em sinal retributivo
e depois despediu-se dela, com um curto mas não menos sentido, beijo nos lábios
– Hum… e o Ruben, onde anda?
Ao ouvir aquela pergunta, todo o corpo de Joana petrificou, já quando
cortava a porta da sala e ainda sem saber que resposta invicta iria alegar,
olhou-os com o queixo acima do ombro, numa expressão verticalista.
- Acho que está lá fora! – indagou simplesmente sem mais nada adiantar e
seguiu rapidamente até ao piso superior sem voltar a olhar para trás, no receio
de ser submetida a mais uma pergunta, ou ser alvo de mais um confronto que
poderia ter com Ruben assim que os seus caminhos tomassem a ousadia
irrevogável, de se alinharem
Assim que se aproximou da porta revestida por um branco imaculado,
pertencente ao quarto dos seus padrinhos e onde a jovem Sofia repousava num
sono tranquilo de uma criança feliz, o olhar da rapariga de dezanove anos
recém-chegada ao abeto do seu lar, oscilou para lá da brecha… e sem conseguir
resistir… entrou de mansinho!
No mesmo instante após a sua entrada um quanto infiltrada, arrependeu-se de
o ter feito, pois bem ali, na sua frente mas voltado de costas, encontrava-se
Ruben… Sentado à cabeceira e junto da menina, que albergava sobre um olhar
protector de segundo pai.
Voltar atrás e flagelar-se daquele lugar somente para fugir a mais uma
pesarosa “confraternização”, agora já seria considerado tarde demais e de certo
que de uma maneira ou de outra, ele iria dar pela sua presença… talvez bem mais
prestes do que Joana conseguia antever.
- O que fazes aqui? – inquiriu-a num tom sussurrante de modo a não
despertar abruptamente a pequena, assim que Joana tomou coragem para se abeirar
da cama… enlameados
à luz regulada a pouca intensidade sobre as mesinhas de cabeceira, circundando-os
num pequeno ladear de luminosidade que não era incomodativa
Um sorriso espontâneo arrebitou-lhe
os cantinhos da boca, olhando a serenidade de um pequeno anjo que acolhera a
sua menina, num sonho que se conseguia adivinhar muito doce, apenas pelas
feições rejuvenescidas que Sofia expressava no rosto pueris, ainda de uma bebé,
que lhe revelavam uma aura apazigua e intangível… Alinhando-lhe levemente com
os dedos, os cachinhos perfeitamente definidos do cabelo moreno, espalhado ao
acaso sobre a almofada de travesseira.
- Vim dar-lhe um beijo, antes de me
ir embora! – ciciou sem tomar a coragem de o abordar nos olhos, pois se o
fizesse, quase de certeza que a voz firme iria quebrar-se como uma eclosão de tiros
disparados ao ar e a sua alma voltaria a tremer que nem um torpedo revoltado
- Se vais por minha causa, escusas
bem… Só vim acordar a Sofia e já vamos embora! – com um fáceis taciturno,
falou-lhe num tom um quanto desengonçado que lhe reflectiu o acto minimalista,
de tratá-la como se fossem simples conhecidos de rua – Poupo-te ao sacrifício
de andares sempre a fugir de mim…!
- Eu não ando a fugir de ti, Ruben!
– vociferou desgrudada de pujança e nada gostosa da resposta espingardada
dele, mas depressa voltou a diminuir o volume da sua voz assim que Sofia se
remexeu ligeiramente por debaixo dos lençóis, dando falso alarme do seu
despertar – Não queiras começar novamente a discutir!
- Aqui ninguém está a discutir…
Estou apenas a tentar formar uma conversa!
- Conversa… - um sorriso conotado
pela ironia, formou-se assim que um breve
bafejar contundente lhe pairou sobre a abertura dos lábios – Nós já nem sabemos
o significado dessa palavra!
Ruben mais nada lhe disse,
limitou-se a enfiar os dedos nos bolsos frontais dos seus jeans, e observar a
postura lívida e serena da sua pequena afilhada. Por sua vez, Joana voou com os
seus lábios até à pele moreninha da face dela, repenicando-lhe um beijo silencioso
que fez eclodir o sentimento maternal que mantinha num enlace forte, com aquela
menina.
- Até depois, meu amor… - um bulício
inebriante soltou-se da boca de Joana e viajou até ao ouvido de Sofia,
escondido pelas mechas mais rebeldes dos seus cabelos e depois sem mais
proclamar, afastou-se, na iminência formalista de querer sair daquele quarto
sem trocar mais nenhuma palavra, nem um olhar, com Ruben
- Quando é que pensas voltar para
Nova Iorque?
Aquela patusca, e até mesmo absurda
pergunta, fez Joana interromper a sua marcha até à saída que já se avistava
curta demais, para ser barrada por novos palavreados que não queria nem estava
mais disposta, a escutar.
- Desculpa? – dois vincos ondulares
formaram-se na sua testa, no instante em que os sobrolhos se encresparam,
tomando a atitude de rodar sobre os próprios calcanhares
- Sim… Quando é que voltas para lá?
Com certeza que não vieste para Lisboa, para ficar definitivamente! – proferiu
mais uma vez sordidamente, levantando-se com a máxima delicadeza do colchão e
seguindo a passo ligeiro, até Joana
- Eu não vou voltar para Nova
Iorque… Não definitivamente! Agora a minha vida é aqui!
- Já sabes muito bem qual é a minha
posição quanto à tua permanência cá, portanto… Não me vou voltar a pronunciar
quanto a isso!
- Achas mesmo que me vou embora só
porque não me queres cá, não é?! – inquiriu retoricamente, sabendo não aguardar
por nenhum consentimento dele – É bom que te mentalizes de uma vez por todas,
que o mundo não gira à volta do teu umbigo e que por conseguinte, eu não vou a
lado nenhum apenas pelo facto de te rebaixares a fazer birrinha, que nem um
miúdo mimado! – rematou de primeira, sem deixar que algum remorso a impedisse
de dizer aquilo que pensava e depois fez rodar a maçaneta da porta na sua mão,
somente na intenção de abandonar o quarto
- Onde é que pensas que vais? - num
gesto nada meigo, Ruben prendeu o braço dela entre a sua mão grande e forte que
a impedia de tomar qualquer contra-ataque, e puxou-a com avareza contra o seu
próprio corpo - Não penses que te vais embora e ficas com a última palavra! –
murmurou num suspiro ardoroso, que embateu e afastou alguns dos cabelos que
cobriam o ouvido direito de Joana
- Solta-me… Estás a magoar-me! –
embora tivesse voltado a sentir a parafernália do tão explorado “efeito
borboleta”, que tomou lugar na sua barriga no momento em que aquela voz
enamorada timbrou junto à sua têmpora e voltou a desfrutar da proximidade
dois corpos, a rapariga não pode deixar de sentir a dor acutilante que se
unificou na zona do antebraço, por intermédio da força bruta que Ruben
inconscientemente implantara e que com os dedos fez questão de atenuar, mas sem
nunca cair no erro de a soltar – Afinal o que é que queres de mim… Hum? – a sua
voz fulcral deu cedências a um choro sereno, que estava decidida a travar
- Quero que prestes bem atenção
àquilo que te vou dizer, porque não me vou repetir! – iniciou o aviso que lhe
iria transmitir, com a mesma prepotência de quem, naquela circunstância,
assumia todo o controlo – A minha noiva está de volta dentro de alguns dias e…
- E o que é que eu tenho a ver com
isso? – perquiriu de rajada, sem deixar que Ruben finalizasse o praguejo que
iria trazer dissabores e conflitos interiores a Joana, deploravelmente
incalculáveis
- Nada… Não tens absolutamente nada
a ver com isso, mas quero que saibas desde já, qual é o teu lugar! – uma
indiferença ríspida e bruscamente frívola, cabotou-lhe a voz que desde sempre
fora levedada e novamente num impulso bruto, voltou a puxá-la de encosto ao seu
tronco, anuindo toda a mísera distância que ainda os separava… fisicamente – Que
isto fique bem claro: Nada do que poderás vir a fazer, irá apagar o que me
fizeste sentir… Por isso, não tomes sequer a ousadia de te meteres entre mim e
a Inês! É com ela que eu vou casar, é ela quem eu quero e é ela a mulher que eu
amo!... Percebido?!
O exíguo mundo de Joana, acabara de
ruir naquele instante… como uma derrocada lenta e extremamente dolorosa. Não
conseguiu dizer assertivamente a mescla de sentires que lhe golpearam o peito,
mas sabe que foi assustador, foi bastante assustador ter tido o perjúrio de
ouvir tais palavras! A tremulosidade começou a unificar-se nas suas pernas, o
que abriu caminho a uma embolia vertiginosa que apenas foi travada pela força
que Ruben continuava a implementar-lhe no corpo, e que a fazia suster-se em pé.
As lágrimas que lhe subiram até às pálpebras inferiores provocavam-lhe um ardor
berrante, no entanto, continuou a mostrar-se invicta de postura vincada a não
ser quebrada, sem deixar que a fraqueza se sobrepusesse ao seu orgulho e
pudesse assim, escapar a mais uma humilhação na frente dele.
- O que te leva a pensar que eu me
iria meter na tua relação com a Inês, hum? – o queixo começou a tremelicar discretamente, assinalando a corrente lacrimosa que estava prestes a quedar-se dos
seus olhos, mas assim que selou os lábios fortemente um no outro, o declame
pousou por momentos, sob o limite do controlável
- E o que me leva a pensar que não o
irias fazer?
- Não sei… Mas talvez o facto de não
existir nenhuma ligação sentimental que me prenda a ti, fosse uma resposta
coerente a esse teu devaneio!
- Não é nenhum devaneio! Eu já te
sei de cor… Depois de tudo, suponho que farias qualquer coisa para me veres
infeliz… Sei que isso te dá um gozo tremendo, por tanto, não foi muito difícil
tirar uma conclusão desse facto! – a ironia acutilante recrutou-se
visivelmente, não apenas pelo tom de voz, mas também pelas cavidades
arredondadas que as suas bochechas oprimiram, assim que um sorriso hipoteticamente
vingativo o fez arquear os cantinhos da boca
- Tornaste-te um homem tão diferente,
Ruben! Tão diferente… - lamentou, no faculto de um trejeito desiludido com a
cabeça, engolindo simultaneamente todas as lágrimas
- Diferente?! Não noto em que
aspectos…
- Eu noto em bastantes! Nunca foste
tão frio… Tão vingativo! Nunca te irias aproveitar duma situação destas, para
me deitares abaixo, como estás a fazer agora! – recriminou, deixando pender a
cabeça para o ombro direito, perscrutando todos os traços do rosto dele que
tinham sofrido maduras alterações em prepotência dos últimos meses
- Pois, talvez nisso tenha mudado um
pouco… Mas sabes uma coisa, Joana? Muitas coisas mudaram desde que te foste
embora, e vendo as coisas dessa maneira… Então eu também mudei!
- Mudas-te para pior, portanto! – a
íris rolou sobre a esclera dos seus olhos, revelando a clarividência da sua
afirmação em prol dos novos comportamentos mais… presumidos, que Ruben com o
passar do tempo havia aprendido a portar
- Mudei e tornei-me na pessoa que
talvez, tu própria transformas-te… - pela primeira vez uma nublidade carregada
de vermelhidão, abarcou sobre os seus olhos avelã, que inevitavelmente os
irradiou de tanta raiva… era visível perceber-se que ainda lhe custava imenso
tocar naquele assunto – O homem que está na tua frente, o mesmo homem que dizes
estar diferente, talvez o esteja por ainda continuar demasiado apreendido ao
passado… a tudo o que se passou!
- O que queres dizer com isso? – a
sua voz perdeu intensidade e somente foi timbrada num murmúrio fugidio,
tencionado a olhá-lo bem nos olhos
- Quero dizer que talvez a culpa até
seja minha… Talvez seja eu o culpado pelo facto de nunca ter conseguido
ultrapassar totalmente, a nossa situação! – o escárnio imposto, comandou-lhe
todas as expressividades faciais que o impediram de jorrar uma lágrima que
fosse, mesmo que essa fosse a maior vontade que o seu corpo apelava – Sim,
porque a verdade é que já passou imenso tempo e ainda não consegui ultrapassar…
Ainda não consegui esquecer!
- Porquê? – ciciou ela
molestadamente, não tendo tempo para travar uma pequena lágrima que acabou por
lhe rolar sobre a bochecha esquerda
- “Porquê?” Ainda perguntas, caramba?! – vociferou exaltado, mas
rapidamente voltou a moderar o tom de voz assim que numa breve conjectura, observou Sofia… adormecida na figura austera de um pequeno anjo – Tu
deste-me a volta à cabeça… Fiquei completamente agarrado em ti e depois
desapareces-te! Pra mim, o tivemos não foi brincadeira nenhuma! – revelou em
surdina e de mão livre junto do peito, sem conseguir definir o sentimento
recalcado pelo tempo… que um dia, outrora, os definira – E do que é que isso
hoje me vale?… Olho para ti e parece que já nem te reconheço! – os seus braços
ergueram-se no ar e depois voltaram descair-se pesadamente, deixando que as
mãos maçassem contra as coxas
- Não digas isso… A Joana que sempre
conheceste, está aqui… Está de volta! – citou, tentado sempre reter a bonança
que lhe acalentava a voz, assim como em todas as feições que continuavam
contraídas na precates de lhe suster o rebentamento de um choro profundo
- Mas eu não! O Ruben que está aqui,
é um novo Ruben… Um Rúben com novos objectivos de vida, novos sonhos! Um Rúben
que se habituou à tua ausência… a ter-te bem longe! Agora sou um Ruben que está
definitivamente a conseguir seguir com a vida para a frente, sem esperanças de
recuperar o que nunca chegou a ter! – cada palavra que acrescentava ao discurso, fê-lo esmorecer um pouco mais,
mas sem nunca deixar que esse facto se chegasse a reflectir numa eventual
postura derrotada
- Eu só quero que faças as escolhas
certas e não te arrependas delas… Independentemente de tudo, só quero que
estejas bem!
- E estou bem, acredita que agora estou
bem! Demorei a compreender, e a chegar a esta conclusão… Mas cheguei! – encenou
uma certa lividez de proletarização cínica, que foi suficiente para dar asno a
um discurso que iria estilhaçar certamente, todo o frágil auto-controlo que
ainda poderia resguardar a postura da pobre Joana
- E posso ao menos saber que
conclusão é essa que tiras-te? – nesse instante foi a vez do seu órgão vital
relembra-la que ainda continuava viva, propalando freneticamente dentro do
peito sobrecarregado pelas fortes emoções… aguardando uma conferição que já
julgava nada aprazível, vinda de Ruben
- Finalmente apercebi-me da verdade…
Começo a acreditar que não foste mais além dum meio, para que eu chegasse a
este fim! Não passaste de uma fatalidade… Não passaste de um grande erro e
arrependo-me todos os dias, por alguma vez me ter apaixonado por ti!... É essa verdade!
Joana estremeceu… Foi inevitável não
o ter feito. Conforme uniu as pálpebras lentamente num selamento, as lágrimas
jorraram-se em cascata pelas faces decaídas do seu rosto oval. Ela simplesmente
não lhe disse mais nada, até porque já nem tinha como o fazer… comediu-se a
sacudir a mão de Ruben, que ainda a amarrava pelo braço e num leve empurrão
potencializado pela quase desprovida força, de mãos junto do peito, afastou-o a
dois passos curtos e recuados, para longe do seu corpo.
A humilhação havia sido pregada mais
uma vez e nem querendo dar por conta disso, um choro potente e soluçante,
rebentou do mais profundo de si. Sem mais conseguir olhá-lo, abriu a porta e
saiu disparada a uma passada rápida pelo estender do corredor, acabando por
descer as cruciais escadas semi-circulares de um jeito desenfreado, que a fez
regressar ao rés-do-chão. De olhos encobertos pela translucidez que as lágrimas
eram obrigadas a incutir-lhe, agarrou na mala que tinha abandonado sobre a
mesinha do hall e semente querer dar hipóteses ao reecontro com alguém que
pudesse requisita-la sobre o estado anatómico em que se encontrava,
esgueirou-se fatigadamente pela porta principal, que a levou ao alpendre de
entrada. Num leve varrer de olhar, fitou toda a sua perspectiva orbital, na
esperança de encontrar somente uma pessoa… Adriana(!), e sim, à coordenada do
seu ponto nordeste, encontrava-se ela… Numa postura evidente de quem a
aguardava, de costas apoiadas à porta de pendura do seu jipe e com os braços
elegantemente entrelaçados de encosto ao peito.
- Leva-me para casa, Adriana… Por
favor, leva-me para casa! – implorou-lhe em ordem de súplica logo que se acercou dela, impedida de se
exprimir devidamente por locuções, devido ao entrecorte contingente do forte
soluçar
- Mas o que é que…? Tem calma Joana!
Porque estás assim? O que aconteceu? – perguntou-lhe em desassossego e ânsia,
não fazendo a ideia mais peculiar do que tinha deixado Joana naquele estado
inconsolável, e pousando-lhe subtilmente
as mãos sobre os ombros
- Foi o Ruben… Não consigo aguentar isto!
Não consigo…! – afirmou em total desespero, com braços descaídos junto ao
tronco e de punhos cerrados que tremeleavam inquietamente
- Oh, vem cá… - Adriana tocou-lhe delicadamente
na face com a polpa dos dedos, conseguindo patentear a fusão de lágrimas que
lhe ensopavam as maçãs do rosto e num leve puxão que tomou nos ombros dela como
o ponto vertente, aconchegou-a num abraço de conforto, enquanto fazia deslizar
a sua mão para cima e para baixo sucessivamente, de modo a conseguir harmonizar
o tumulto que havia adornado a alma de Joana – Tens que ter calma… Já vai
passar!
- Vai ter que passar! – afirmou ela
de prestante, tentando convencer-se a si mesma… tentando conformar-se a si
mesma
- Vais ver que sim! – prometeu-lhe,
quebrando pausadamente o abraço e afagando-lhe as lágrimas que não cessavam de
se precipitar dos olhos
- Mas porque é que ele tem que me
tratar desta maneira… Porquê?
- Acredito que o Ruben ainda esteja
bastante magoado contigo Joana, e depois de ser confrontado por ti novamente e
sem estar à espera de te voltar a ver… É natural que ainda não consiga
assimilar tudo de uma vez naquela cabecinha… É natural que se sinta confuso
quanto à maneira de como agora, terá de agir contigo!
- Eu sei Adriana, eu sei! Mas isso
não lhe dá o direito de me tratar como se fosse lixo… Como se fosse um monstro
e a culpa tenha sido apenas minha! – desabafou soluçante, agora num tom mais
moderado na esperança de poder sentir-se mais complacente, em lucro dos
sentimentos vários que se haviam despoletado em si
- Como dois adultos, vocês de uma
maneira ou de outra, terão de aprender a lidar com esta situação! Eu sei que é
difícil e muito provavelmente vai ser doloroso de cada vez que se cruzarem em
algum lado, ou marcarem presença no mesmo espaço… Mas independentemente de
tudo, têm de seguir com as vossas vidas!
- E é o que eu quero fazer… Quero
seguir com a minha vida para a frente! Foi por essa razão que voltei e é por
essa razão que eu vou ficar!
Não disseram mais nada, entraram no
carro e sobre o relevo de um silêncio sinistro, Adriana conduziu toda a viagem
até à mansão dos avós de Joana. Não encontravam pontas de fio que pudessem
ligar a uma pertinente conversa… mesmo que fosse apenas de circunstância,
depois daquele serão nem um pouco benigno, e se por um lado Adriana não sabia
que melhores palavras lhe poderia dizer para acabar com toda a angústia, por
outro, Joana sabia que nada do que lhe pudesse ser dito viria a serenar o seu
estado de espírito.
Agora, por muito que lhe custa-se,
teria que pelo menos tentar apagar aquele dia da sua memória… O dia em que
voltou!
- Se precisares de alguma coisa, não
hesites em ligar-me… Tens aí o meu número! – Adriana passou-lhe um cartãozinho
rotulado com o seu primeiro e último nome e com o seu contacto, assim que
estacionou o carro frente ao portão imperativo de gradeamento forjado, que
resguardava a enorme mansão
- Não tinhas necessidade de fazer
isto, Adriana… Obrigada! – agradeceu simplesmente, mas ainda com um sorriso
triste a vincar-lhe os lábios e o olhando o pequeno cartão que já tinha tomado
nas suas mãos
- Não tinha a necessidade, mas
senti-me no direito de o fazer! - respondeu-lhe numa voz calma e equilibrada,
mostrando-lhe toda a sua compreensibilidade e compaixão que se talhavam em
contexto dos factores, anteriormente sucedidos – E já me agradeces se me
prometeres ficar bem… ´
Joana quedou-se emudecida, procurando
uma boa resposta para lhe dar, de modo a que não a viesse desiludir.
Mas sim… mesmo que não fosse agora, mesmo que não fosse já, teria que encontrar a paz que precisava para que pudesse assim, ficar bem… Porém, num mundo só seu.
Mas sim… mesmo que não fosse agora, mesmo que não fosse já, teria que encontrar a paz que precisava para que pudesse assim, ficar bem… Porém, num mundo só seu.
- Acho que vou precisar de algum
tempo para me habituar a tudo isto, e depois de resolver tudo o que ainda há
para ser resolvido… Sim, vou ficar bem! – reflectiu passivamente e voltou a
pousar o seu olhar, sobre o piedoso de Adriana, incutindo-lhes uma breve troca
de um sorriso cúmplice
- E o que pensas em vir fazer agora?
- Em relação a quê?
Nesse instante, Adriana
ressentiu-se. Sabia que tinha voltado a tocar no tema proibido… Voltado a tocar
no assunto que Joana queria bem morto, mas que lhe foi inevitável voltar a
atear. Mordiscou o lábio inferior levemente, tentando ganhar algum alento para
acabar o que tinha começado, e assim que se sentiu pronta para tal… Voltou a
abordá-la numa voz suave, de veludo.
- O que vais fazer em relação ao
Ruben…
- Não sei… - divagou muito reticente,
não fazendo a mais pequena ideia de como teria que encarar a posição que ambos
tomaram, mas que tinha de ser, inegavelmente, ultrapassável – Talvez faça como
ele… Faço de conta que “nós”, nunca existiu!
***
Ela acabou finalmente por entrar em
casa, com o auxílio de uma cópia da chave mestra que naquela tarde, o motorista
lhe chegara a conceder e como era ainda superficialmente cedo pelas horas nada
adiantadas do relógio, naturalmente a casa estava iluminada pelas luzes
incandescentes que enlameavam quase todas as divisões do primeiro piso.
- Joana, filha… já chegas-te! –
evidenciou Sofia, assim que enquanto na sua postura vogas de senhora elegante,
descia em passo cortês as longas e obliquais escadas forradas por uma carpete
vermelha escarlate… pressagiando a presença monocarpa da neta
- Boa noite, avó! – saudou-a da
forma mais amável que lhe foi possível, presenteando-a com um modesto beijo
numa das faces da sua segunda mãe, assim que esta se repeliu do último degrau –
Desculpe não lhe ter dito nada com antecedência, mas os meus padrinhos
convidaram-me para lá jantar em casa…
- Eu já sei minha querida, a Rute
ligou para cá à coisa de instantes! – perdoou-a compreensivamente,
esboçando-lhe um leve rasgo de fraternidade – A Maria já preparou o teu quarto,
quando quiseres ir descansar… já sabes onde é!
- Sim, acho que é mesmo isso que vou
fazer! Vou subir e dormir um pouco… Amanhã levanto-me cedo para passar pela
faculdade, acertar as últimas burocracias da equivalência às cadeiras!
- Joana, espera… Olha para mim! –
clamou-a, vendo-a começar a subir a escadaria, que tal como Joana desejara, a
conduziria até ao quarto que desde criança lhe havia pertencido, e ao qual voltaria
a dar uso
- Sim, avó… - rodou brevemente os
pés, apoiando somente uma mão no corrimão de madeira jatobá preso aos
balustros, pintados com uma cor caramelizada
- Aconteceu alguma coisa que me
queiras contar?
- Não…! Porque pergunta?
- Anda cá! – pediu-lhe em
condescendência, estendendo-lhe a mão a fim de Joana a tomar… ela voltou a
descer os primeiros degraus e remontou a sua figura, bem perto da de Sofia – A
expressividade do teu olhar está taciturna e as feições do teu rosto
entristeceram, desde esta manhã…
Nada lhe escapava! Sofia conhecia bem demais a sua neta, e nem os últimos anos lhe conseguiram roubar essa perspicaz qualidade… Continuou a observá-la meticulosamente, deixando à mostra algumas das rugas de sabedoria cicatrizadas em semicircular abaixo, e no vinco posterior dos olhos, assim como em redor dos lábios finos protegidos por um bálsamo hidratante, e segurando-lhe o queixo arredondado com o indicador e polegar
Nada lhe escapava! Sofia conhecia bem demais a sua neta, e nem os últimos anos lhe conseguiram roubar essa perspicaz qualidade… Continuou a observá-la meticulosamente, deixando à mostra algumas das rugas de sabedoria cicatrizadas em semicircular abaixo, e no vinco posterior dos olhos, assim como em redor dos lábios finos protegidos por um bálsamo hidratante, e segurando-lhe o queixo arredondado com o indicador e polegar
- Tive um longo dia, avó… Estou
cansada, só isso! – omitiu desviando olhar do ocular da avó, que nem assim se
deixou induzir pela piedosa preterição da neta
- Sabes que eu já tive a tua idade,
meu amor… Sei o que é não conseguirmos desabafar o que nos apoquenta com os que
nos são mais próximos, mas espero que um dia te sintas à vontade para o fazer
comigo! – com uma delicadeza que já tão bem lhe era característica, acolheu o
rosto de Joana entre a pureza das suas macias mãos de fada e fê-lo agachar-se
ligeiramente no propósito de colar os lábios à testa dela, que acabará por
beijar – Mas agora vai descansar… Amanhã falamos melhor!
- Obrigada… Até amanhã, minha avó! –
gracejou, copiando-lhe o mesma carícia e retomando a subida vagarosa, ao
primeiro andar
Rumou até ao quarto assentado por
detrás da última porta ao fundo do corredor e conforme entrou, um enxurro de
recordações de meninez, fizeram-na desatar uma profunda lufada de ar fresco,
acompanhada por um contrafeito sorriso saudosista. A sensação de estar de
volta, era boa… Muito boa!
Ao percorrer cada recanto daquela
divisão com o olhar, Joana conseguia-se recordar da infância afortunada a que
teve privilégio… Apenas pela decoração que se mantivera igual, tal como da
última vez que pisara aquele pedaço de chão… Recordou-se da infância, também
pelo cheiro adornado de jasmim que ainda adejava cada película de ar quente,
que a circundava.
As suas malas de viagem estavam já
arrumadas a um dos extremos, toda a sua roupa depositada em cada cabide do
abastado roupeiro de molde epicamente antigo e que dava um ar deveras imperial.
Deitou-se sobre a cama, e deixou-se
permanecer de olhos pregados ao tecto imaculado que se estendia paralelamente
ao seu corpo. Durante a chefia de algum tempo, andou perdida no sabor de
lembranças que lhe aguçavam a saudade de outros tempos de que tanto sentia
carência… E nesses outros tempos, marcava inevitavelmente comparência, Ruben(!)
pronto, quase sem querer, lá voltara ela ao seu ponto de partida: Ruben, Ruben
e novamente Ruben! Mas agora era um Ruben diferente… mudado!
“Mudei e tornei-me na pessoa que talvez, tu própria transformas-te…”, acusou-a ele magoado, num sussurrar difícil de esquecer…
na turbulência daquela noite.
***
Um número
avolumado de dias, sucedeu-se uns atrás dos outros a uma velocidade louca, e entre
a faculdade e as arrumações do apartamento que tinha arrendado e que
iria chamar de nova casa, Joana pouco tempo teve para respirar. Apenas
permaneceria na mansão dos avós, até às mudanças estarem definitivamente
concluídas, visto que voltar para a sua antiga vivenda onde vivera a maior
parte da sua puerícia com os seus progenitores, estava fora de questão. Não
queria voltar a consentir o duro pesar das recordações dos momentos mais
felizes da sua vida… Talvez por ter consciência que esses momentos já mais
iriam voltar, e viver perpétua às memórias invejais, de certo que lhe viria a
trazer dissabores que não estava mais disposta a conjecturar.
Fora
tomar o café prometido com David e aproveitaram para recuperar o tempo perdido
e trocar impressões das circunstâncias de que ambos tiveram, ausentes na vida
um do outro… E desde o dia em que a conhecera, nunca mais perdera contacto com
Adriana, que com o culminar de conversas prolongadas e saídas de convivência,
estava a tornar-se uma grande e fiel amiga, que com toda a certeza ainda lhe
viria a dar grandes alegrias. Já no que toca a Ruben… Nunca mais vira, ou
ouvira falar dele.
Naquele
dia, Joana acordou cedo pois teria pela frente uma manhã exaustiva, toda ela
preenchida por aulas. Caminhou até à casa de banho onde tomou o seu habitual e
imprescindível duche, que não se evitou em prolongar. Envergou um vestidinho
leve e confortável, tal como a fresca época do ano quase Verona, tanto apelava.
Enxugou o longo cabelo com o secador, robustecendo ainda mais o volume com umas
leves passagens com o ferro. Maquilhou-se de tons leves e perfumou a pele nua
do pescoço.
“De: Adriana Côrte-Real
Bom dia, flor do dia! :)
Mando mensagem para acertarmos a hora e o local do
nosso almoço! Já tenho saudades tuas… Beijinho!” – assim que Joana voltou a romper pelo quarto,
cravando a pequena argola dourada no nariz, o seu telemóvel vibrou sobre a
mesinha de cabeceira
“Para: Adriana Côrte-Real
Bom dia, bonequinha! :)
Também já tenho saudades :3 … Tenho aulas até ao final da
manhã, a partir das 13h estou livre! Onde queres ir? Beijo, beijo!”
“De: Adriana Côrte-Real
Hum… Eu estava a pensar naquela esplanada que te
falei, no Chiado! Se te parecer bem, podemo-nos encontrar lá por volta das
13.30h…
Tenho tanta coisa para te contar…”
“Para: Adriana Côrte-Real
Por mim está perfeito! :)
Hum… Olha que vou querer saber tudinho! À hora
combinada lá estarei!
“De: Adriana Côrte-Real
Está bem, pequenina! Então até mais logo, beijozão
enormeee! ♥”
“Para: Adriana Côrte-Real
Outro bem grande para ti, gatxinhaa! Até depois! ♥”
Guardou o telemóvel na mala e
saiu dispararada até ao rés-do-chão, onde se situava a cozinha.
- Bom
dia, bom dia, bom dia! – saudou super animada, dando um beijo no rosto de
Leonardo, Rosa – a cozinheira anafadinha e esposa de Leonardo – e Zeca – o
motorista na recente casa dos trinta
- Bom
dia, menina! – responderam os três, quase ao mesmo tempo
- Isso é
que é boa disposição logo pela manhã, ein?! – comentou Rosa, adiantando já os
preparativos para o almoço na grande mesa de mármore cálida disposta no centro
da cozinha, e de onde Leonardo e Zeca desfrutavam do pequeno-almoço
- De
manhã é que se começa o dia, não é verdade? – roubou uma maçã madura da
fruteira e lançou-a ligeiramente ao ar enquanto se conduzia até ao lava-loiça,
para passar a fruta por água antes de a abocanhar – Hoje acordei bem-disposta…
Fazer o quê?
- A Maria
já foi servir o pequeno-almoço à sala de jantar, menina…!
- Não
tenho tempo para tomar o pequeno-almoço, Leonardo…Não me posso demorar para ir
apanhar o metro, vou só comer esta maçã!
- Não
precisa ir de metro… Posso ir preparar o carro e levá-la à faculdade! –
ofereceu-se Zeca, amistoso, apresentando-se sempre impecavelmente engravatado,
tal como o cargo que empenhava exigia a fundear
- Hum,
hum… De jeito nenhum! – recusou numa negação acompanhada pelo abano da cabeça,
depois de mais uma pequena trinca dada na peça de fruta que segurava entre o
dedo médio e polegar
- Mas é
esse o meu trabalho, menina Joana… Não me custa nada!
-
Obrigada Zequinha, mas eu desenrasco-me! – falou num jeito trocista, advertindo
o motorista e pegando na pequena pilha de livros que acabou por segurar entre o
braço esquerdo – Se os meus avós perguntarem por mim, digam-lhes por favor, que
eu já saí… Beijinhos! – beijou as pontas dos dedos em três toques de lábios
rápidos, e depois acenou-lhes num frenético agitar de mão aberta no ar, uma
última vez – Fuuui! – despediu-se velozmente, sem estar minimamente preocupada
em ser correspondida, e saindo pela porta da mesma maneira que tinha entrado –
que nem uma bala disparada do cano de uma pistola
***
Um céu
extremamente azul devoluto de nuvens, dava clemência a um sol altivo e muito
agradável. Depois das aulas exaustivas na faculdade, Joana apressou-se a
apanhar o autocarro que a deixaria mais próxima do local onde havia combinado
encontrar-se com Adriana. Ao sair na paragem que pretendia, seguiu o resto do
percurso a pé junto do passeio largo e pedonal, mas foi ao passar junto do
quiosque que já tão bem conhecia, que uma capa de revista a fez afrouxar o
passo e recuar meramente.
Numa
intenção de tornar a leitura mais clara e livre de qualquer equívoco, arrastou os
óculos de sol até ao topo da cabeça, e aproximou-se de mansinho.
- Bom
dia, menina Joana… – cumprimentou o Sr. Carlos, reconhecendo-a de imediato assim
que ela se acercou do estabelecimento, pois ainda não a tinha visado desde que
ela chegara à capital – Bons olhos a vejam!
- Oh, bom
dia, Senhor Carlos! – deslocou pela primeira vez os olhos que até ao momento
estavam grudados à revista, tentando ler o adiantamento da notícia em letras
pequenas e olhando o velhote simpático e extremamente educado, com quem já
havia lidado bastante
- Fico
contente por voltar a ver a sua cara… Seja bem-vinda de volta! – as rugas marcadas
no rosto bem barbeado, franziram-se, assim que os seus lábios se corcovaram a
um sorriso pentagonal
-
Obrigada… É sempre bom estar de volta! – agraciou numa voz delicada,
continuando a correr um ajuntamento aglomerado de revistas, que se estendiam
sobre a bancada na frente dos seus olhos
- Então e
está à procura de alguma coisa em específico? Quer que a ajude?
- Na
verdade, já encontrei… Levo a Activa e a Vogue! – disse, amontoando as revistas
que pretendia e entregando-lhas para a mão – E ponha-me também esta… - disse
agora de forma mais contida, entregando-lhe a CARAS
- Hum…
Parece então, que o seu regresso faz capa e é a notícia desta semana… Não lhes
escapa nada! – balbuciou guardando as revistas num saquinho e confirmando o
valor a pagar – São seis euros e cinquenta e cinco, por favor!
- Pois,
parece que não … - ciciou em abate, retirando o dinheiro da carteira – Aqui
tem!
- E aqui
tem as suas revistas e o seu troco de quarenta e cinco cêntimos! – passou-lhe o
saco com as três revistas assim como a pequeno recibo com o troco – Tenha o
resto de um bom dia, e venha sempre que puder! – o Sr. Carlos levantou a boina
em gesto de cortesão e voltou a pousá-la na base da cabeça, que lhe tapou as
longas entradas
Ela
despediu-se apenas com um leve sorriso e somente depois de estar
suficientemente distante do quiosque, e enquanto caminhava, tomou coragem em
ler a notícia.
“Joana Freitas de Andrade de volta às
origens” – pôde ler em letras gordas, o titular sobreposto à sua fotografia
estampada na capa, provavelmente capturada por um paparazzi - “A retoma de um futuro em Portugal, o
regresso em segredo e ainda rumores suscitados, que voltam a pairar sobre a
vida privada da jovem” – nas duas páginas intermédias da revista,
rematava este breve subtítulo introdutório que seguidamente dava lugar a um
longo artigo, abaixo referido
“A herdeira directa da família Freitas de Andrade,
que já marcou posição no estrangeiro com uma cadeia de hotéis instalados no
outro lado do Atlântico, está de volta à capital. Após uma ausência de
minuciosamente dois anos e meio, a fim de ter trocado a beleza de Lisboa pelos
encantos de Nova Iorque, a jovem manequim foi flagrada à saída do aeroporto na
passada quinta-feira, onde sozinha, rumou à mansão dos avós onde se sabe, ainda
estar instalada. Durante este período, a CARAS seguiu de perto todas as
implicações onde a rapariga de 20 anos esteve envolvida e garante que, para
além da faculdade, esta marcou presença em discotecas e festivais
nova-iorquinos, assim como em campanhas publicitárias e desfiles de moda, que
lhe deram um impulso para as luzes da ribalta. No espaço de quase meio ano depois
do falecimento precoce da sua mãe, Débora Freitas de Andrade - ex-advogada empregada
na América - Joana não aguentou mais tempo longe de casa e “com a morte da mãe, é
perfeitamente natural que ela se tenha sentido bastante desamparada, ainda para
mais longe dos amigos e da família e creio que foi a falta do aconchego de um
lar que a fez voltar às suas origens” revelou-nos uma fonte pertencente
ao círculo de amigos da estudante do
terceiro ano de Direito, que quis manter o anonimato, “no entanto, ainda outra razão
pode ser a causa deste regresso não aguardado por ninguém” acrescenta a
mesma fonte, sem mais nada querer adiantar. A revista não se contentou com este
tão pouco, e foi depois de ter andado a rever os artigos publicados nas edições
de meses anteriores, que suspeita do especulado caso amoroso, que teve com uma
cara bem conhecida dos portugueses. Assim que a nossa estrela internacional
descolou no primeiro avião rumaria à cidade das luzes, rapidamente começaram a correr
rumores entre alguns media, onde
afirmavam a existência de uma paixão secreta de quase um ano, que manteve com o médio do Sport Lisboa e Benfica, Ruben Amorim. Por essa altura
entrámos em contacto com o jogador, de agora 25 anos, procurando poder afirmar
a notícia, mas este apenas insistiu: “Mal me relacionava com a Joana, apenas nos
conhecemos porque temos amigos em comum ligados ao futebol! (…) E adiantou também que “se
tenho ou não, se estou interessado ou prestes a ter uma namorada, apenas a mim
me diz respeito, nunca irei falar sobre o foro da minha vida pessoal, em
circunstância alguma!” Contactada
também pela mesma razão, Joana Freitas de Andrade recusou-se a prestar qualquer
comentário na envolvência. Hoje, quase três depois, seja ou não este, um dos
principais motivos que a fez voltar… Em breve ir-se-á descobrir!”
Nunca se sentiu tão exposta. Agora tudo o que Joana sempre quis esquecer,
tudo o que sempre quis apagar, estava bem ali retratado… Nas páginas
presunçosas de uma revista! Respirou fundo várias vezes de modo a acalmar os
ânimos assim como o nervoso miudinho que se começava a instalar de cada vez que
relia cada frase.
Voltou a arrecadar a revista, e sem mais estar disposta a pensar no
assunto, percorreu o restante percurso até à esplanada, onde Adriana já a
esperava, na mesa coberta por um colossal guarda-sol.
- Olá, princesa! – Adriana levantou-se, acolhendo Joana num forte abraço
apertado, que terminou com um beijinho carinhoso na face de cada uma – Já
estavas à minha espera há muito tempo?
- Não… Cheguei mesmo há pouquinho! – voltou a tomar o seu lugar,
sentando-se ela à sua frente – Então e novidades… Essas mudanças para a casa
nova, como andam?
- Devagar, devagarinho… Estou em pulgas para voltar a ter uma casinha só para mim,
mas por outro lado sinto-me tão bem em casa dos meus avós, que nem me apetece
de lá sair! – revelou com nostalgia e
puxou até si a lista de ementa, onde há momentos o olhar de Adriana viajara
- E não tens que sair… Eles não te disseram que podias lá ficar o tempo que
quisesses?
- Oh, sim, disseram… Por eles nem saía de lá, mas também não quero abusar
da boa vontade deles…
- Não estás a abusar de nada, pequenina… És a neta, é natural que queiram
que estejas junto deles, e isso será sempre assim… Nunca irá mudar! –
elucidou-a numa voz dócil e afagada, mesmo antes do empregado chegar junto
delas
- Boa tarde, já escolheram o que vão querer? – perguntou-lhes ele, pronto
para apontar o pedido das meninas num pequeno bloco de notas que segurava junto
ao peito
- Eu quero uma salada de delícias do mar e para beber pode ser um sumo de
manga natural… - solicitou Adriana, já muito certa da sua preferência – E tu,
Joaninha?
- Para mim é o mesmo, mas traga-me antes uma coca-cola com muito gelo, por
favor!
- Aguardem só um instantinho que trago já o vosso pedido! Com
licença... – retirou-se o empregado novato, nem gesto de extrema polidez
- E tu, minha linda… Nem te cheguei a perguntar como estavas… - foi Joana a
retomar a conversa, sobrepondo os cotovelos na parte da mesa que lhe pertencia,
assim como o queixo que pousou nas duas mãos encaixadas
- Estou bem… Ainda cheia de trabalhos e em dura fase de frequências, mas bem! – esboçou um sorriso
meninil, rematando os longos cabelos para trás dos ombros – Então e tu?
-
Também estou bem… Quer dizer, dentro dos possíveis!
-
Dentro dos possíveis?! Como assim...?
Antes
que começa-se com um possível interrogatório e de modo a que não se pudesse vir
a suscitar quaisquer dúvidas, Joana não hesitou em sacar a revista da mala e
entregar-lha em mãos… Mostrando-lhe a razão pela qual, o seu estado de espírito
não estava mais em total equilíbrio… em total plenitude.
- Vê
com os teus próprios olhos, e tira as tuas conclusões…
- O
que é isto? – indagou meio confusa e depois de examinar a capa, jornadeou com
os seus pequenos dedos até às páginas representantes do artigo e fotografias
várias – Meu Deus, mas será que já ninguém tem direito à sua privacidade? –
inquiriu modo abalroada com o que acabara de ler, e ainda sem descolar os olhos
das páginas intermédias
- O
maior problema nem está aí, porque na verdade até já me habituei ao facto de se
meterem na minha vida… Mas desconfio que se o Ruben chegar a ler isto… - pausou
brevemente, antevendo mentalmente o desfecho desgostoso que aquela notícia poderia
vir a incutir – Vai-me pedir uma valente justificação, como se a culpa fosse
minha!
-
Mas vem aqui a falar que há alguns meses ele disse que vocês eram apenas
conhecidos e nada mais… Portanto, mentiu-lhes…! – constatou com perspicácia,
comparando os factos expostos em mais de meia dúzia de linhas e factos reais
-
Adriana, desde o início de… pronto, tu sabes, que o Ruben sempre se preocupou
em salvaguardar a nossa vida pessoal, a nossa intimidade… Até mesmo depois de
eu me ter ido embora!
- E
esta notícia pode vir a deixar-te em maus lençóis?
-
Pode vir a deixar-nos em maus lençóis… Tanto a mim, quanto a ele! – o seu
indicador rodopiou lestamente no ar, supondo os certeiros dissabores que com
passar do tempo, se poderiam vir a tornar ainda mais penosos - Tenho quase a certeza que com esta notícia,
vão voltar a surgir novas especulações e é isso que eu não posso permitir,
percebes? Ele vai casar-se, não quero que isto lhe traga problemas!
- Pois,
e por falar no casamento… - a voz de Adriana enfraqueceu e o seu olhar remontou
às suas coxas, onde com as unhas mosqueadas de verniz amora, deslizavam na ganga
dos jeans que elegantemente indumentava – Já sabes que a Inês voltou de
Londres, não já?
-
Ora aqui têm… Bom apetite! - o empregado interrompeu a conversa intimista,
assim que lhes trouxe o pedido, o que provocou em ambas um silêncio sinopse que
apenas foi quebrado assim que este se afastou confederadamente
-
Sim, sei… O David contou-me que ela tinha chegado ontem! - confirmou
sumidamente e expedindo-se depois a um silencio vácuo que dominou a sua
reflexão em pensamentos, do que se iria suceder dali para a frente… talvez,
quando a voltasse a encontrar cara a cara – Mas não quero acerca disso, se não
te importas…
-
Desculpa… - Adriana acabou por se martirizar por, quase sem quer, calcar sobre
uma ferida ainda por sarar que flagrava o mirrado coraçãozinho de Joana - Vamos
mudar de assunto! – sugeriu no intuito de demolir o assunto anterior, antes de
ter dado a primeira garfada na saborosa salada
- Sim…
- deu um pequeno gole no copo de coca-cola botado de grandes cubos de gelo, e
inclinou suavemente o corpo para o lado direito, denotando pela primeira vez um
objecto significativamente grande, tombado ao lado da mesa – O que é isso que
tens aí?
- Hum…
sim, já me esquecia! – passou finamente o guardanapo nas lacunas dos lábios,
mostrando lance próspero que pousou na sua boca – Depois de almoçarmos tenho
que ir levar este quadro a um sítio… Queres vir comigo? Não fica muito longe
daqui, e não faço tenções de me demorar…
-
Sim… Vou contigo, claro! – predispôs-se em proveito da simpatia de que
impossivelmente se despegava, aceitando o pedido de Adriana, pois embora não
lhe apetecendo vaguear por sítios que lhe eram insondados, nunca lhe iria dar
uma desfeita – Posso ver?
-
Sim, claro! – afastou a cadeira da mesa para se conseguir levantar e assim que
tomou a avantajada tela nas suas mãos, descobriu-a do envolto de panos,
permitindo que Joana a pudesse contemplar a obra, que a própria Adriana tinha
trabalhado
-
Uau!… Foste tu que a pintaste? – inquiriu, notavelmente surpreendia pelo
esplendor retratado por inúmeras pinceladas rigorosa e impecavelmente ornadas,
no correr do tecido natural de algodão cru
-
Hum, hum! Eu mesma! – consentiu, estritamente orgulhosa do seu desempenho e
capacidades, que lhe valeram a pena de um esforço persistente, à estudante do
terceiro ano de Designer
-
Está fantástica, Adriana! Estas cores quentes, tornam a paisagem ainda mais
fascinante! Devias estar num dos teus momentos altos de inspiração, quando a
fizeste…
- Bem,
quanto a isso… Posso dizer que tenho quem me inspire! – impeliu quase de forma
automática, destinando as duas, a uma nascente de gargalhadas solenes que
conquistaram todo o espaço envolvente
***
- Então
é aqui que vens deixar a “encomenda”? – perguntou Joana em chacota, assim que
ladeada por Adriana, saiu do elevador no segundo andar do Salão de Beleza onde
há momentos tinham entrado e onde, mesmo sem fazer a mínima ideia, iria viver um dos
momentos mais custosos da sua vida
-
Sim, é, mas primeiro vou ter que encontrar a minha “cliente”… - retrucou,
acompanhando-a no mesmo tom zombeteiro, enquanto deixavam que os seus saltos
altos colidissem contra o pavimento cálido, deslocando-se a passadas cordiais e
sincronizadas até à recepção
-
Boa tarde, Adriana! – cumprimentou a simpática recepcionista posicionada do
outro lado do balcão, assim que viu a presença de uma das clientes mais
frequentes daquele espaço
-
Oh, boa tarde, Alice! – retribuiu-lhe a expressividade alegrosa, com que
fora recebida
-
Então e o que a trouxe aqui hoje… Veio para alguma marcação?
-
Não, hoje não…. – assentiu negativamente, deslizando as madeixas pendentes
sobre as faces para o topo da cabeça, o que fez com que as suas pulseiras
chocalhassem umas nas outras durante a prestação do movimento - Hoje vim apenas para falar com a patroa…
Ela está? – a petulância brincalhona que usara nas palavras, desvendou-lhe a
confiança e cumplicidade que já há muito, Adriana partilhava com a
representante daquele estabelecimento
- A
Dona Anabela foi só tomar um cafezinho lá fora, mas deve estar mesmo, mesmo a
chegar! Se as meninas preferirem, podem sentar-se enquanto esperam! – sugeriu,
olhando também o perfil de Joana, que até à altura permanecia anatómica…
simplesmente como espectadora à conversa à qual não se podia incluir
-
Sim, obrigada! Nós vamos esperar!
-
Pois, mas então faz-me parecer que já não vai ser preciso… - num trejeito de
olhar que Alice comandou e que Adriana e Joana seguiram, estacionou-se na ala
esquerda da recepção, de onde uma mulher de pose faustosa e envergada por umas
calças escuras de cetim contraplacadas de uma blusa regata estampada, se
aproximou a passo magistral
-
Adriana, querida! – percepcionou ela, enquanto se aproximava e reconhecendo
imediatamente, a figura carinhosa de uma das amigas mais próximas do filho
-
Tia Bela! – Adriana apressou-se a trocar dois beijinhos com ela, feliz por
voltar a vê-la
Com
isto tudo, Joana nem teve tempo para tomar uma reacção. Permanecia estática de
pés pregados ao chão e de feições pasmas, ainda não consciente da cena que
rodava diante dos seus olhos. Nunca imaginara como poderia ela voltar àquele
retorno… Agora via-se confrontada com a pesarosa, mas saudosista, presença de
uma mulher que se havia tornado tão importante na sua vida. Uma mulher de
postura dócil e maternal com quem construíra laços fortes de amizade, amizade
essa, colmatada a um valente sinal de reticências, assim que Joana partiu no
primeiro avião sem a certeza de que algum dia iria voltar… Sim, é ela a mãe de
Ruben.
-
Que bom ver-te aqui, minha querida… Mas não te fazia cá hoje! – referiu,
adoptando um sorriso majestático e sem ainda constatar a outra presença tão
familiar, parte dela camuflada pelas costas de Adriana
-
Vim cá deixar-lhe o quadro que me pediu, tia!
-
Oh, que bom! Tenho a certeza que vai ficar deslumbrante na parede do
escritório!
- Eu
espero que sim… - num mirar acima do
ombro, Adriana voltou a apurar a figura de Joana, que agora se encontrava
prisioneira num vasto desequilíbrio emocional, mas que para ela era
imperceptível – Venha cá, tenho uma pessoa que lhe gostava de apresentar… -
levemente puxou-a pela mão, desconhecendo totalmente a relação que a amiga e
Anabela haviam, outrora, partilhado
Assim,
pela primeira vez, o olhar atento de Anabela alcançou a última pessoa que
julgava poder vir a reencontrar. A estupefácia que se apoderou de si foi de tal
maneira caótica, que lhe montou uma postura de inércia, não conseguindo
assimilar a barafustação de sentires, que lhe inundaram o peito e as memórias.
-
Tia, esta é a…
- É
a Joana… Eu sei quem ela é… - indagou num tom meigo, assim que o timbre
retomou às suas cordas vocais, no instante em que os seus olhos se tornaram
vítimas da saudade, formando um brilhozinho trépido, convulsionado pelas
lágrimas que aos poucos se formaram atrás das pálpebras
-
Vocês já… - mais uma vez Adriana não conseguiu terminar a frase, uma vez que
Joana se pronunciou, interinamente
-
Sim… Já nos conhecemos! – afirmou com a tenebrosidade que lhe embalou a voz e
deixando os seus olhos expressivos, rasos de lágrimas
-
Não me vens dar um abraço? – questionou abrindo os dois braços na horizontal ,
aguardando receber somente aquela por quem durante tanto tempo, os seus olhos
perderam de vista
Naquele
instante, o débil auto-controlo de Joana quebrou em dois, e esta viu-se
tentada a ceder à maior vontade do coração. Num impasse nérveo abeirou-se a
Anabela, quedando-se à vitalidade daquele abraço.
- Ai…
- libertou um profundo suspiro estorvado, na ocasião em que os corpos se uniram, reportando-se
à alçada protectora daqueles braços de mãe, e foi aí que uma lagrimazinha saudosista
se despoletou do canto do seu olho
-
Que saudades… Que saudades! – logo que quebrou o abraço demasiadamente
prolongado, a mãe de Ruben apressou-se a desvanecer com as polpas macias dos
dedos, a suave humidade que banhava a face da rapariga, aproveitando o mesmo gesto
para citar cada minúcia do rosto mais amadurecido
de mulher, que Joana agora possuía… um gesto que viria a ser interrompido, por
uma inconveniência inesperada
-
Mãe? – um timbre melodioso governou cada alicerce do espaço, colocando um ponto
final à atmosfera de clima afectuoso e derradeiro, que envolvia toda a
periferia delas
Joana
elevou o queixo e sobrepô-lo pausadamente ao ombro… agora sim… todo o seu cosmos
foi devastado por uma das imagens mais repressivas e tortuosas, que alguma vez
presenciou.
A
alguns acentuados metros de distância, estava ele… o dono daquela voz, que para
ela durante largos meses, se fragmentara à mudez.
Um
aperto aflitivo no peito roubou-lhe a aptidão de realizar o processo de
respiração, pelo que tinha bem na sua frente... Desta vez ele não vinha sozinho, trazia
junto a si e bem segura pelas mãos firmes de ambos entrelaçadas, aquela que conseguiu
provar-lhe um beijo e conquistado o coração…
Antes de mais, peço desculpas pela demora mas como já expliquei no post anterior, o meu tempo livre tem sido escasso!
Aproveito também para vos agradecer todos os comentários, pois são eles
que me dão um incentivo enorme para continuar a história!
Deixo-vos finalmente um novo capitulo, que espero que gostem
e não se esqueçam de deixar as vossas opiniões! :)
Beijinhos grandes a todas, Joana ♥