Por intermédio de uma complacência
pacífica, Joana arredou-se levemente dos braços maternais de Anabela, que no
sabor de escassos instantes lhe souberam provar a afectuosidade e doçura de um
porto de abrigo, que nem os anos foram capazes de lhe roubar. Olhou
pausadamente Adriana e esta apenas lhe mostrou brandura, num olhar acometido de
culpa, por ver a amiga a ser certamente coagida, a ter que enfrentar um momento
fatigante que já se adivinhada advir.
Joana continuou a observá-los enquanto
se esforçava a engolir cada lágrima que já lhe traçava as pálpebras e amenar o
aperto que lhe supria o alma. De facto, era tormentoso ver que o destino lhe
voltara a colmatar uma grande rasteira, sem cessar quaisquer remorsos...
- Oh, que bom que já chegaram! –
Anabela tentou disfarçar ao máximo o embaraço que a circunstâncias impunham,
mas não era fácil dissimular a opressão no peito por antever que um passado mal
resolvido, nunca estivera tão perto de si como agora
A poucos metros distanciados das portas
do elevador onde haviam há instantes acabado de sair e entremeados à ombreira
da recepção, encontravam-se aqueles que Joana menos queria ter na sua frente…
Não naquele lugar, não naquelas circunstâncias e muito menos depois de tudo o
que tinha acontecido, num pretérito difícil de esquecer da memória, e apagar do
coração.
Ruben, o homem que já não podia chamar
mais de seu, vinha acompanhado pela figura célebre e já saudosa da sua namorada
e noiva Inês, que recolhera a noite interior no desembarque do aeroporto da capital.
O pobre coraçã dela movia-se atabalhoadamente e de forma desconcertada,
louco para poder fugir daquele tormento onde o haviam aprisionado.
- Que saudades, tia! – a melíflua voz
de Inês, foi a primeira a saudar Anabela, assim que se libertou do entrelace de
mão que a unia a Ruben, caminhando a passo ilustre, tanto quanto os saltos altos
a contemplavam – Como está?
- Oh minha querida… - gracejou acometida
por um abraço saudoso que lhe roubara, sendo ela a quebrá-lo instantes após –
Eu estou bem, e vejo que tu não poderias estar melhor… Continuas linda! –
acariciou-lhe levemente as faces retocadas por uma camada regulada de blush, e aproveitou para atender a
beleza pueril da futura nora, que não via há pouco mais de dois meses – Como
correu a viagem?
- Correu bem… Deu para descansar um
bocadinho! – sorriu aprazivelmente sem cair no erro de olhar a amiga que em
tempos lhe fora tão próxima, e rematou uma mecha loira do seu cabelo
vincadamente liso a cima do ombro, para trás da orelha – Depois do Ruben me ter
ido buscar ao aeroporto, ainda pensámos em passar pela sua casa, mas como já
era um pouco tarde…
- O que importa é que já cá estás! –
rematou com um simbólico sorriso encorajador nos lábios, constatando o remonte
da família, agora completa
- Inês… - Adriana aproximou-se
ligeiramente, e abriu os braços com um rasgo nos lábios, esperando receber a
amiga que já não via desde que esta partira para Terras de sua Majestade
- Oh miúda, que saudades! – disse,
entregando-se a um forte abraço suficientemente reduto, para olvidar a sua
ausência e simultaneamente recordar os tempos em que ambas eram inseparáveis –
Que é feito de ti? Sempre pensei que fosses a Londres fazer-me uma visita…
- Desculpa, mas nestes últimos meses a
faculdade não me deixou grande tempo para viajar, então… - num hábil encolher
de ombros, Adriana torceu o nariz para o lado, patenteando o motivo que
justificava a falta de notícias à amiga
- Não te preocupes, eu compreendo! –
referenciou amável, e num olhar contundente, presenciou a pessoa que se
alinhava ao lado de Adriana – Joana…
- Olá, Inês… – saudou simplesmente sem
mais nada ter para dizer, de mirar doloroso e sorriso falsamente alegre, que
lhe camuflou a aura negra
- Fico contente por teres voltado!
Espero que estejas bem… - não houve qualquer contacto físico entre elas, pois
Inês não o possibilitara… Continuava magoada com a atitude da velha amiga,
ainda por ser explicada, e qualquer demonstração de afecto poderia vir a suscitar
falsas especulações de que todo o ressentimento desaparecera… o que não era de
todo uma verdade
- Sim, estou óptima… Obrigada! – consentiu
em adversidade a tudo o que a impedia de manter uma vida estável e liberta de
preocupações como tanto desejava, mas que por consequência de contrapartidas
que cismavam em entrepor-se no seu caminho, ainda não tivera a levante sensação
da lufada de ar fresco, a abater-se sobre si
Finalmente Ruben aproximou-se. De mãos
recolhidas nos bolsos de ganga e cingido a uma postura tão tranquila e
despojada de inseguranças, tanto quanto os últimos meses o ensinaram a importar
- e talvez, até a fingir -, que a passos firmados da irreverência de uma
celebridade, se juntou ao pequeno grupo de meninas formado apenas há meros
ápices. Claro que por dentro, a sua posição de homem sofredor e extremamente
magoado, não havia sofrido quaisquer alterações, mas tendo em conta o regresso
que nunca aguardara de Joana, essa sua feição pudesse ter aumentado
ligeiramente… No fundo, sim, lá bem no fundo ela sabia que a doçura, o seu
jeito amável de ser, e até mesmo os sorrisos perfeitamente legítimos que desde
sempre o caracterizavam, continuavam lá… escondidos de qualquer outra ameaça
que os pudesse vir a destruir novamente, e como isso, ela também sabia que tão
depressa não voltaria a testemunhar um comportamento mais dulcificado, da parte
dele. No entanto, nenhum dos dois recusou a inevitável troca de olhares que se
deu, já quando ele se instalou ao lado de Inês. Os seus olhos assentaram nos
dela, e os ela nos dele… As palavras poderiam não fluir com intensidade pela
garganta e escaparem pela abertura dos lábios, mas elas estavam lá e aqueles
simples olhares retrucados, conseguiam traduzi-las…
- Bem, e nós vamos andando… Espero que
tenha gostado do quadro, tia! – foi a voz concilia de Adriana, que se predispôs
a por um fim àquele tormento que calculou de prestante, os amigos estarem a
contra-atacar no seu interior. Entrelaçou o braço ao de Joana, pronta para finalmente
abandonar o local de recepção e posteriormente o salão
- Oh, já vão…? Não querem vir tomar
café connosco? – Ruben interveio pela primeira na conversa, ausentado por uma
voz depreciativa, e passando com o seu braço direito sobre os ombros da noiva,
fazendo questão de manter os corpos sempre bem juntos
- É melhor não, Ruben… Fica para a
próxima!
- Oh… Vá lá, Adriana…! Tenho tanta
coisa que te quero contar! – Inês reforçou o convite numa voz piedosa e
incrivelmente manipuladora, que não dava lugar a mais nenhuma recusa
Adriana mostrou-se vacilante por alguns
momentos, queria aceitar sem mostrar mais hesitações, mas por outro lado não
queria induzir Joana àquela brutalidade. Olhou-a com vitalismo, como pedindo um
consentimento mudo, que irrevogavelmente acabou por ser compreendido. Não havia
como fugir à eventualidade ou pelo menos evitá-la… porque o destino, assim o
queria.
- Vão vocês tomar café, meus queridos…
Eu tomei o meu há pouco, e está na minha hora de voltar ao trabalho! – devido a
razões de maior, Anabela aprontou-se a anunciar a sua falta de comparência ao
convite do filho, o que não invalidou a ausência de um sorriso honesto e
educado em seus lábios parecidos a um suave bege-nude
- Então, venha ao menos fazer-nos
companhia!
- Tenho pena, mas não vai dar mesmo,
Inês! Ainda tenho que preparar uma reunião, para daqui a uma hora…
- Não te preocupes, amor… Tempo não nos
irá faltar para estarmos com a minha mãe! – os lábios vivazes de Ruben, foram
de imediato ao encontro da testa da mulher com quem já tinha futuro traçado,
mantendo-a firme debaixo da sua alçada protectora
- Então se é assim, fica para uma
próxima… Ainda temos muito que falar sobre o casamento, mas sem o melga do seu
filho por perto! – relembrou notoriamente feliz, e arrancando leves gargalhadas
aos envolvidos na interlocução, exceptuando claro, a pobre Joana, que se
mantinha reservada e apaticamente esmorecida
- Claro que sim, querida! Logo
combinamos um lanchinho, para tratarmos de pormenores! – prometeu num juramento
fiel, e incapaz de ser quebrado
- Então vamos andando até ao bar lá em
baixo! – sugeriu ele, sempre sorridente, aquando já mentalmente se preparava
para a mais doce vingança
Assim que todos se despediram de
Anabela, por auxílio do elevador oscilante, deslocaram-se todo o tempo em mudez
até ao rés-do-chão, onde se situava o mini-bar do Salão de Beleza. As amigas
aproveitaram o figurativo afastamento de Ruben e Inês que seguiam à frente
delas, para colmatar um breve diálogo entre ambas, num sucinto sussurrar.
- Juro que não sei o que ele pretende
com isto… Não me queria afastada? Porque é que quer que estejamos todos juntos?!
– percutiu evidentemente confusa perante tal perjúrio que vira Ruben cometer, e
temendo um desfecho menos bom que poderia vir a ser sucedido, naquele café
combinado aos empurrões
- Se calhar está mais calmo… Chegou à
conclusão que comportar-se como um miúdo mimado, contigo, não o levaria a lado
nenhum! – Adriana procurou um termo suficientemente convincente, que desse para
aplacar a angústia que sabia ela estar e sentir, mas nem as suas próprias
palavras a convenceram a si mesma
- O Ruben não é o tipo de pessoa que
muda de opinião do dia para a noite… Ele está estranho, consigo ver isso na
postura e nos olhos dele! – confessou certeira às especulações que mais a
atormentavam e contava que não fossem verdadeiras – Mas também pode ser só
impressão minha…
- Desculpa, Joana, eu juro que não
queria que nada disto acontecesse… - perdoou-se discretamente, mostrando a sua
incapacidade de poupar a amiga a mais um desgosto – Mas por favor fica calma,
se não quiseres não ficamos muito tempo… Vai tudo correr bem!
- Ei, não peças desculpa, não sabias
que isto pudesse vir acontecer! E tal como agora disseste… Vai correr tudo bem…
- para sossegar o coração de Adriana, assoberbado pela culpa que não lhe
pertencia, induzindo-se a si mesma à mentira, em que ela própria
acreditava
Ruben e Inês preocuparam-se em mostrar
o quão apaixonados estavam, e a firmeza do amor que subsistiu a dois meses de
afastamento entre casal, mantendo-se juntos durante todo o percurso a pé, e o
mesmo se verificou quando chegaram à lugar pretendido… sentando-se lado a lado
na pequena mesa de quatro lugares, disposta em losango.
- São quatro cafés curtos e dois copos
de água, por favor! – solicitou Adriana à empregada, que se apressou a atender
o grupo, assim que este se instalou
- Com certeza! Trago já… Com licença! –
de sorriso rotulado nos lábios, respondeu devidamente educada e em paço cortês,
caminhou de volta ao balcão
Assim que a emprega se retirou, o
silêncio de rompante se instalou na mesa e os olhares reciprocados aqui e ali
entre os quatro, sustentou a hesitação de um tema de conversa que se manteve a
pairar no velamento de ar. Joana mantinha-se bem na frente de Ruben e evitava
ao máximo cair no erro funesto de o olhar nos olhos, assim como iria tomar o
cuidado de se manter afastada das conversas que mais tarde ou mais cedo iriam
surgir à sua vanguarda, e foi Adriana, quem se assumiu a remontar a primeira
troca de palavras.
- Mas então, conta-me… Como foi
Londres? Como correu o fim de curso? – perguntou ela num laivo conciso de
curiosidade, de como haviam sido traçados os últimos meses na vida da amiga,
numa cidade que ainda não tivera oportunidade de conhecer
- Foi maravilhoso… Conheci e trabalhei
com pessoas fantásticas, a cidade é linda e o resultado final do curso, foi
muito além das minhas expectativas… Não poderia ter sido melhor! – Inês não se
conteve em mostrar o seu rasgo enorme de felicidade, que embora pelas saudades
que à tido da família, não poderia ter valido mais a pena – E já tenho tirocínio
marcado de duas semanas em Milão!
- Tirocínio em Milão? – inquiriu Ruben
apanhado de surpresa, pois ainda não havia sido informado em antecedência, da
nova marcação na agenda da noiva
- Sim… - afirmou simplesmente,
recordando o pequeno deslize de não o ter posto a par em manchete, do futuro
projecto que já tinha em mãos
- Quando?
- Daqui a um mês, mais ou menos…
- E pensas ir assim? Isso é quase em
cima do nosso casamento, Inês…! – exprimiu com algum desânimo embutido na sua
voz grave e extremosa, temendo que a recolha dos últimos preparativos não concordassem
com tempo já estritamente predefinido pelos muitos que preparavam a cerimónia,
que já se aproximava a passadas largas
- Eh, Ruben, que exagerado... Relaxa! Não
é tão em cima do casamento quanto isso… Ainda têm o Verão todo pela frente, e
além disso, também sei pelo David que vocês estão de estágio marcado para os
Estados Unidos, por volta dessa altura! – rememorou Adriana, fazendo com que a
polpa do indicador girasse no ar e arrematando o suscitar ao tema, do último
estágio da época dos encarnados, no outro lado do Atlântico
- Ora aqui têm os vossos cafés, e as
águas que pediram… - o diálogo foi por instantes interrompido, pela chegada do
pedido que há momentos atrás haviam solicitado à mesma empregada, enquanto esta
distribuía os cafés e os dois copos de água, sobre a baixinha mesa central – Se
precisarem de mais alguma coisa, é só chamar!
- Obrigada… - foi Joana a única a
agradecer numa voz suave e graciosa, de quem se manteve apenas como mera
espectadora, a todo o inicio do desenrolar da conversa facultada em seu redor,
e que por sua vontade, assim desse mesmo jeito iria continuar a permanecer
- Com licença… - a empregada voltou a retirar-se,
a passo ligeiro e sorriso acotiado nos lábios, deixando novamente em inconcluso,
a retoma do assunto-rei entre os elementos
- Não tens de te preocupar… O casamento
está a ser bem encaminhado, e sabes perfeitamente que está em óptimas mãos! – Inês
não se evitou procurar acalmar o temor dele, apresentando-lhe as razões para
que ambos permanecessem descansados durante as suas ausências, e enquanto
discretamente compunha os seus cabelos de loiro natural, perfeitamente lisos,
um pouco acima dos ombros – Pela altura em que formos os dois em estágio,
estará tudo estradado para quando voltarmos!
- Sim, eu sei… Só queria que me
tivesses dito antes, para já estar a contar com isso…
- Isso já é tudo saudades, mesmo antes
de me ir embora? – brincou ela encostando o seu corpo levemente ao dele, assim
como os lábios que se aproximaram ligeiramente do ouvido – Ainda temos muito
para recuperar, o que andámos a perder nestes últimos tempos… - embora tenha
proferido num tom baixo de voz, Joana não conseguiu deixar de ouvir o
comentário mais provocatório e ousado de uma mulher atraente, bem ali na sua
frente, e para agravar ainda mais a situação, Ruben sorriu abertamente na sua
cara, agradado pelo que ouvira
- Bem, e mudando de assunto… Conta-nos
lá, minorca, como têm sido os primeiros dias em casa do David? Ele não é
propriamente a fada do lar que imaginas-te, mas pronto… - zoou Ruben numa
pequena gargalhada, assim que ajeitou o corpo na cadeira e sobrepondo a sua mão
à de Inês pousada nos largos apoios das cadeiras de ambos, encostadas,
relembrando a situação do casal amigo que partilhava casa à meia dúzia de dias
- Sempre tão engraçado, tu… -
saracoteou num careta carregada de ironia, fazendo deslizar bolinhas de papel
na direcção dele – O David, pelo menos, desenrasca-se bem na cozinha … Mas isso
já não toca a todos, não é?
- Olha aí oh…! – fungou ligeiramente
amuado, vitima da sua própria ratoeira – Eu sei… cozinhar! Nada de muito
elaborado, mas… mas sei!
- Hum, hum… Morde aqui, a ver se eu
deixo… Morde! – desafiou-o em tom trocista, rematando o indicador no ar
disposto numa recta inquebrável, e o que surtiu numa pequena brincadeira entre
dois irmãos que Adriana e Ruben, mostravam ser
- Vocês realmente, não se cansam de
andar sempre em picardia, pois não? – inquiriu-os Inês divertida, testemunha da
forte ligação quase parental, que os unia
- Esta meia-leca é que tem de aprender
em não se meter com o maninho mais velho!
- Sim, até parece… Se virmos bem, quem dos
dois tem mais juizinho e responsabilidade, sou eu, oh… “maninho”!
- Está masé caladinha… Aqui quem vai
casar sou eu! – em argumento altamente propositado, Ruben voltou a rememorar o
ponto já traçado da sua linha futura, o que mais uma vez, serviu de soco no
estômago a Joana
- Andas mesmo cheio de vontade… Não
falas de outra coisa! – referiu com a sua habitual astúcia perspicaz, depois de
ter sorvido o último trago amargo do seu café – Mais daqui pouco já queres
arranjar uma nova casa e isso tudo… Típico de um verdadeiro maridão!
- Bingo!... Nem mais, cara Adriana! –
ao contrário do que seria de esperar, e mesmo sem querer, Adriana conseguiu
acertar em cheio nos planos delineamentos dos amigos – Eu e a Inês decidimos
que assim que arranjarmos um tempinho de disponibilidade compatível, vamos
começar a procurar uma casa nova!
- Uma casa nova? Mas o teu apartamento
é enorme, Ruben…
- Não é enorme o suficiente para a
chegada de bebés… Para uma família grande!
- O quê? Não me digam que estão a
pensar em… – com um sorriso recatado no rosto, Adriana arriscou-se a pressagiar
o que já se podia supor ser o acréscimo de elementos ao clã Amorim, mas que
rapidamente Inês se aprontou a desmentir
- Não, Adriana! Pelo menos não para já…
Aqui o Ruben é que anda com estas ideias ultimamente! – suavizou com um rasgo
embelecido nos lábios enquanto o olhava de realce, acomodada pela bem querença
de Ruben – Acho que nestes últimos dias, não houve uma
única vez que tenhamos conversado ao telefone, e ele não tenha falado no seu apetite
repentino, em querer ser pai!
- E quero mesmo! Já te disse o quanto
gostava de te ver entrar pela porta do fundo da igreja, já com a barriguinha a
notar-se por debaixo do vestido… - aquele seu comentário não foi mandado ao
acaso, e como seria de esperar, tinha um destinatário certeiro… foi nesse instante
que o seu olhar fixou o de Joana como ponto vertente, e na instância de
avarentos segundos silenciosos, ambos puderem desgostar o amargo sabor de tudo
aquilo que os separava… mesmo estando tão próximos
- E eu já te disse que isso não vai
acontecer, Ruben… Lembra-te que decidimos que vamos esperar pelo momento certo!
- E quando é que será esse momento
certo?
- Não vamos discutir este assunto aqui,
está bem? – pediu-lhe com mansidão, facetando a privacidade daquele tema, que
apenas pertencia ao casal e deveria ser dissertado pelas duas partes, num
momento privativo
- Desculpa, amor… Tens razão! –
apressou-se a perdoar-se do golpe, que ele próprio suscitara àquela mesa e que
acabara por ferir quem mais queria… discretamente libertou um sorriso quase doentio,
que lhe elevou apenas uma lacuna dos lábios, aquando o seu olhar o obrigava a
manter os olhos pousados na mulher que lhe virara o mundo do avesso, enquanto
ela se mantinha delimitada à sua própria dor, remexendo as borras retidas do
café no fundo da chávena, com a pequena colher a deambular entre os seus dedos –
Então e tu, Joana, estás aí tão caladinha… Quando é que nos apresentas o teu
namorado?
- Ruben… - alertou-o quase
imperceptivelmente, Adriana, que lhe lançou um olhar retrospectivo de
repreensão, tentando elucidá-lo que fosse qual fosse a resposta que Joana lhe
pudesse dar, e mesmo sabendo ambos perfeitamente qual seria a mesma, aquele era
um assunto que faz tempo que não voltara a fazer parte da sua conta
- Que foi? Fiz-lhe uma pergunta simples,
que não tem mal nenhum… – procurou livrar-se de todas as acusações que ainda
pudessem ser suscitadas, num tom de veludo cinismo, o ideal e perfeito a camuflar
toda a mágoa que ainda residia no seu interior, sem temer ou ressentir-se a
olha-la nos olhos e quase sem querer, um acessório que Joana trajava no pulso
direito ressaltou-lhe à vista e por instantes travou a sua alegação, mirando-o
com mais atenção… era um objecto que de certo reconheceria em qualquer lugar e
que nunca se olvidara da sua memória, um pequeno símbolo que acabara por
eternizar um sentimento recalcado pelo tempo
- Eu… Eu não tenho namorado!
- Hum, não acredito… Uma mulher como
tu, e ainda por cima chegada de Nova Iorque, depois de tanto tempo(!)… sem
namorado?
- Acaba com essa conversa… - desta
feita foi Inês que tentou colocar um ponto final a uma conversa que não
chegaria a lado absolutamente nenhum – pelo menos, a nenhum que fosse agradável
-, dando-lhe um pequeno aperto na mão que ainda mantinha unida à dele
- Lembrei-me agora que… Vou lá fora,
tenho uma chamada urgente para fazer…! – decidida a não continuar arrematada
àquele suplício, Joana levantou-se da cadeira de verga e segurou a mala, não na
certeza de ir fazer o que dissera, mas na esperança de revitalizar o alma, logo
que saísse daquele lugar o mais rápido possível
- Joana, por favor… - a voz amena de Adriana,
conseguiu barrar-lhe apenas por concisos instantes a escapatória temporária,
com um olhar avassalado de pena e receando ser conjecturada com uma viável fuga
da amiga
- Das duas, uma: estás a mentir ou
então deixaste-o plantado em Nova Iorque, sem lhe prestares cavaco, assim que
vieste para cá! Mas claro… Nada que não estejas já, habituada a fazer! – jogou
assim para o ar, sem mais nem menos, nada importado em continuar a manter a sua
postura invicta e a máscara, que acabou por lhe cair
- Já chega, Ruben! – Adriana voltou a confrontá-lo
desta vez num ultimato agilmente vociferado, aborrecida pela atitude vergonhosa
e desnecessária de Ruben, que acabara de queimar mais alguns cartuxos de uma
história de quase três anos, inacabada
- Eu volto já… - consentiu segura, de
voz facilmente decifrada a ser quebrada a qualquer momento, continuando a
olhá-la, num jeito irrevogável de súplica – … prometo!
Soltou-se levemente da mão que Adriana
empregou em mantê-la travada pelo antebraço, e encaixou a mala nessa mesma
zona. Sem mais olhar para quem quer que fosse, afastou-se a passo inquietante
de mulher humilhada e assolada pelo coração, fazendo com que os saltos altos colidissem
no pavimento de forma fatigável, mas compassada.
Enquanto se cruzava com os poucos de transeuntes
que vagueavam pela entrada principal do espaço, manteve-se firme em não se
deixar vencer pelas lágrimas que já lhe rasavam as pálpebras e que se tornavam
mais ameaçadoras à medida que a angustia aumentada em factor do tempo.
Saiu sem findar pela porta giratória
que dava acesso directo ao exterior, e logo que tomou contacto instantâneo com
a liberdade do lado de fora, o seu corpo foi abalado por uma suave vaga de
calor primaveril, que lhe acalorou as maçãs do rosto e lhe provocou uma
sensação de extrema quentura, que lhe arrepiou toda a pele descoberta.
Caminhou até às traseiras do edifício
onde se situava o parque de estacionamento, e mal avistou o jipe branco e
avolumado de Adriana, - que talvez por ordem do acaso, se encontrava lado a
lado do BMW que reconheceria em qualquer lugar - tombou subtilmente o corpo e
deixou-se repousar junto do capô. Procurou o maço dentro da mala, e logo após
alcançar o primeiro cigarro que pegou aleatoriamente, prendeu-o entre os lábios
e acendeu-o – num gesto já habitual em referência aos últimos dias – com a
pequena chama zincada pelo isqueiro, e repuxando pelo filtro o primeiro trago
intenso.
Embora o estado de clemência em que se
predispunha quando fumava, e que simultaneamente lhe provocava um estado de
serenidade aclamada, naquele momento os seus nervos ainda se encontravam à flor
da pele. As lágrimas não tinham tardado em declinar-se dos olhos resguardados
pelos óculos de sol, que lhe cobria a façanha inconsolável, mas no entanto não
era um choro briguento, pelo contrário, era controlado e silencioso, e de certo
que iria cessar dentro dos instantes que remontasse uma postura infrangível, e
se decidisse a voltar para dentro.
Deu vagarosamente uso do seu cigarro
até ao fim, e depois de o calcar no chão com a ponta do pé, areou todos os
vestígios de desistência que ainda lhe banhavam o rosto, respirou bem fundo o
ar pueril que a envolvia e preparou-se para enfrentar o que ainda a esperava…
Talvez até mais cedo do que previra.
- Não consegues acabar com esse teu hábito
de fugir de mim, pois não? – não foi necessário recorrer à confirmação pela
procura da feição dona daquela voz, que surgiu nas suas costas… Estava marcado
mais um confronto de um para um, de igual para igual, de um coração perdido
para uma busca de respostas
***
- Podes explicar-me o que acabou de
acontecer aqui? – perguntou a Ruben, logo que Joana trespassou a saída, e
tentando manter-se calma na busca por uma explicação minimamente coerente, face
ao inesperado sucedido que se instalou perante os seus olhos
- Não aconteceu nada, Inês… – murmurou
em surdina deleitosa e de olhar arrematado ao chão, ainda não consciencioso dos
estragos que os seus actos anteriormente impensados, pediram vir a causar
- Não aconteceu nada? Tu literalmente
chamas-te o vosso passado à minha frente, como se mais nada importasse… Como se
mais ninguém estivesse aqui, e dizes-me que não aconteceu nada?!
- Desculpa, está bem? Não medi bem as
minhas palavras… Não queria que isto tivesse sido assim!
- Não querias que tivesse sido assim,
mas então poderia ser de outra maneira?
- Inês, por favor…
- Por favor digo-te eu, Ruben… - ditou,
nunca alcançando os extremos nem o tom alto de voz, assumindo uma atitude
naturalmente compreensível e que já seria de esperar – Não, mas tudo bem… Não
quero mais tocar neste assunto, acho que é melhor ele ficar por aqui! – disse
por fim, disposta a passar ao lado do que ouvira anteriormente, colocando uma
pedra finita nas especulações que não queria ressuscitar e lentamente, acabou
por se erguer da cadeira
- Onde vais? – perguntou ele lamentoso,
assim que elevou o queixo e a viu caminhar na direcção abrangida ao seu
desconhecimento
- Apanhar ar…! – ripostou num argumento
notoriamente sarcástico, retirando-se a alguns momentos que preferia passar a
sós, e deixando Adriana e Ruben, acometidos unicamente à presença um do outro
- Mais contente, agora? Estás
satisfeito com o que fizeste?
- Não comeces, Adriana… Poupa-me aos
teus moralismos! – resmungou, mostrando-se indisposto a ouvir o certo raspanete
que Adriana lhe iria pregar – A culpa é toda dela, se não estivesse
constantemente a intrometer-se no meu caminho, nada disto teria acontecido!
- A culpa é toda da Joana? Oh Ruben,
pelo amor de Deus… - não lhe mostrou um pingo de complacência nem tão pouco de
compreensão, pois sabia que o que ele estava a dizer, poderia ser comparado à
descarga de desculpas de um miúdo de dez anos – Comportaste-te que nem um autêntico
puto mimado!
- Não sabes do que falas…
- Não sei do que falo? Tu agiste como
se ainda vivesses agarrado ao passado… Falaste para a Joana como se ainda te
importasses com tudo o que vos uniu e principalmente com tudo o que vos
separou!
- Estás errada… - disse numa afirmação
mostrada com pouca segurança, levantando-se seguidamente
- Não, não estou… E tu sabes isso ainda
melhor que eu, aliás, a tua atitude de há pouco provou isso mesmo: Por mais que
tentes negá-lo e não querias demonstrá-lo, a verdade é que tu ainda te
importas!
- Vamos acabar com a conversa, está
bem?… - inquiriu num pedido ligeiramente irritado pela redundância da conversa,
tentando acalmar-se a si mesmo nos instantes seguintes - Vou lá fora, já volto!
- Diz-me que não vais a ter com ela… Mais conflitos não, por favor!
- Vou só ao carro, buscar o telemóvel
que me esqueci… – esperançoso de ter conseguido ter tapado os olhos de Adriana,
celagem à questão da sua piedosa e nada elabora, mentira, mas assim que ele
implantou as primeiras seis ou sete passadas na direcção da saída, a voz astuta
da rapariga, travou-o por um mero contra-tempo
- O teu telemóvel está aqui em cima da
mesa…!
Ele apenas se limitou a olha-la de
soslaio, ligeiramente acima do ombro esquerdo, e sem desperdiçar mais algum
pedaço do seu tempo com palavras gastas que não seriam compreendidas, com
justificações que não serão relembradas… Ruben tinha de fazer aquilo que já
tinha esboçado em mente… Tinha e precisava de fazê-lo, e naquela troca muda de
dois olhares cúmplices, Adriana permaneceu com a certeza de que nada do que
pudesse mais dizer ou fazer, o iria demover.
Acabou por seguir o seu caminho e de
palpite acertado que o guiou ao fundo das traseiras, acabou por encontrar quem mais queria, disposta na frontaria
da tentação de um só contemplar.
- Não consegues acabar com esse teu
hábito de fugir de mim, pois não? – surpreendentemente a voz dele surgiu calma
e apazigua, dando a entender que já não restava memória do momento
circunstancialmente inoportuno, a que ele mesmo dera relevo à instantes atrás
- Ruben… - proferiu baixinho,
deixando-se estar exactamente na mesma posição, sem mexer um único músculo mas
não conseguindo evitar o abatimento do seu auto-controlo, que por dentro se
quebrou em mil e um pedaços irreparáveis
- Sabes o quão complicado é, quereres
seguir com a tua vida para a frente e acordares todos os dias com a certeza que
há sempre alguém que está lá… a impedir-te? – a pergunta íngreme disparada sem
qualquer ponto antevisto, patenteou-lhe um estado de espírito mais condescendente,
de quem não queria provocar uma outra guerra de maior… mas infelizmente essa
intenção, acabou por ser invertida pelos sentimentos eclodidos à flor da pele –
De cada vez que eu tento seguir enfrente, tu estás lá…
- Quanto a isso não tens mais com que
te preocupar… Estou mesmo de saída! – de tom conformável e decidido a ditar um
fim á conversa que se poderia prolongar mais do que devia, e até mesmo ser levada
a extremos que ela não estava mais disposta a arcar, pegou na mala que tinha
deixado esquecida sobre o capô e rodou solenemente o sentido dos calcanhares,
na frontaria da pessoa que mais receava encarar
- Fiz-te assim tanto mal? - insinuou
num suspiro fastidioso, com as mãos recolhidas nos bolsos frontais dos jeans que perfeitamente envergava, no
momento simultâneo que Joana cruzava caminho a seu lado esquerdo na direcção
oposta, determinada a voltar para dentro e posteriormente abandonar aquele
lugar
- Desculpa? A que propósito vem essa
pergunta? – inquiriu surpresa por tal inequívoca pergunta, travando a sua
marcha e torneando o corpo na ordem do dele
- É uma pergunta propicia… Fiz-te assim
tanto mal, para andares constantemente a fugir de mim? É que só consigo ver
essa justificação!
- Não quero discutir contigo, Ruben…
Aliás, estou apenas a fazer o que me pediste: sair da tua vida! – após alguns
momentos em que se quedou ao silêncio imposto por Ruben, na conformidade de dar
continuação ao embuste, ela aprontou-se para dar a retoma a novas passadas
fugidias, mas estas mais uma vez acabaram por ser barradas pelas palavras mais
penosas
- Acho que nunca deverias ter entrado
nela! – esfuziou num censurar boémio, cruzando os braços maçudos e obstinados
na frente do seu peito embrutecido
- Relembro-te que erro não foi só meu…
- Foi um erro pelo qual ainda hoje
estou a pagar! – recriminou numa ressonância pouco apreciativa, onde vinculara
bem o seu ponto de vista na sua tertúlia de ressentimento e de mágoa, que se
haviam arrastado até aos dia de hoje
- Desculpa, mas eu não vou deixar que
me humilhes outra vez… Não vou! – vociferou, visivelmente afadigada de todos os
conflitos que Ruben impusera entre ambos, desde o momento que voltara a pisar a
capital portuguesa
- Não precisas que eu o faça por ti… Tu
mesma te deste a esse trabalho no dia em que me deixas-te! – ripostou, mantendo
uma calma surpreendentemente invejável, enquanto olhava pausadamente através
dos seus óculos wayfarer negros – que
lhe compunham um fáceis de inegável seduzismo e misteriosidade – o lugar devoluto
em que permanecia e que era somente ocupado por ambos
- E isso é o quê? Estás outra vez a
julgar-me? – ela continuou hirta bem na frente do corpo dele, desproporcionalmente
bem mais altivo que o seu, ateando o pavio com uma simples interrogação, o que
levaria ao juízo final na returca de acusações-bomba – Não tens o direito de o
fazer!
- Não tenho o direito de o fazer? – um
sorriso assoberbado de ironia, provou o quanto aquilatara surreal, as palavras
que ouvira – Depois de tudo o que me fizeste passar, tenho todo o direito,
Joana…! Todo o direito! – ditou por fim num tom de voz intimista e alterado,
que aquando passos enfurecidos que implantara no solo, remeteu à encruzilhada
que facultara ao corpo dela, encurralando-o entre o seu e a porta do jipe
- Mas afinal, o que é que tu ainda
queres de mim? Estás a deixar-me louca, com estas tuas atitudes que ninguém
compreende! – naquele circunstancial instante, o estado dela estava
enfaticamente apavorado, como nunca antes tivera na frente do homem que sempre
julgara portador do seu coração, e isso foi visível a Ruben, que de imediato
lhe descodificou a voz exasperada e duas inequívocas lágrimas que lhe quedaram
abruptamente pelo rosto
- E é isso mesmo que eu quero que
fiques: Louca! Tal como me deixas-te louco a mim, quando naquela manhã olhei
para o meu lado da cama e não te vi lá… Quando procurei as tuas roupas junto
das minhas e elas tinham desaparecido… Quando li aquele e-mail profundamente
egoísta a dizer aquelas disparidades de merda, e me percebi que tu tinhas
desistido de mim, que me tinhas deixado! – ele continuou a apertar-lhe o cerco,
tal quando apertou com as suas duas mãos hipoteticamente resistentes a cintura delgada dela, obrigando-a a manter-se imóvel e completamente indefesa
- Pára com isto, Ruben… Por favor! –
pedinchou em suplicia desesperante, de quem não poderia ser ouvida por mais
ninguém, visto que estavam completamente sozinhos no meio da amplitude daquele
espaço, e não lhe restando mais forças para continuar a lutar contra quem lhe
parecia invencível… ele.
- Não vou parar! Não vou parar até te
decidires a dar-me uma boa justificação que explique as causas do que nos
fizeste há dois anos e tal! Juro que não vou parar enquanto não me disseres o
porquê… - o seu rosto estava consideravelmente mais contíguo e a expiração
pesada e carregada de frustração que também lhe prensava sobre os ombros,
embatiam contra os lábios de Joana, que cada vez se encontrava mais aterrada,
mas que no entanto não deixou de sentir o desejo eminente de sentir tocar a
boca dele na sua
- Porque é que insistes em falar sempre
no nosso passado? – inquiriu-o sumidamente, na esperança de obter uma resposta
mais amena
- Porque preciso de esclarecer tudo!
Porque não podemos sonhar com um futuro só nosso, e as recordações sempre
deixam marca… Sempre ficam…
- Mas algumas recordações também ferem
e magoam!
- E é por isso que vamos acabar com
elas, no momento em que me contares toda a verdade! Quero que me digas porque é
que te foste embora e acabaste connosco, quando tínhamos tudo para dar certo… -
disse num tom firme impossível de ser contrariado, e por meras instâncias
liberou apenas uma mão que havia aprisionado o corpo dela, para que calmamente
retirasse os óculos que lhe cobriam um olhar que revelavam toda a
incandescência que lhe abarcava o coração puro e genuíno, fixando-os no segundo
botão do topo da camisa abotoada – Mas vais dizê-lo aqui… Bem nos meus olhos!
- Aconteceu tudo muito depressa… Foi
todo um conjunto de factores que me fez ir embora! Os meus pais separaram-se, a
minha mãe recebeu a proposta de trabalho em Nova Iorque, eu… Eu não pude ficar!
- Mas eu era o teu namorado, caramba!
Merecia uma explicação… Nem que fosse um adeus, uma despedida…
- As despedidas doem sempre mais,
Ruben…
- Comparada à dor de ter perdido, uma
despedida não era nada! – a rispidez que anteriormente lhe adornou a voz, deu
espaço ao embalo da mágoa que lhe compassou um timbre mais controlado e tomou
conta de todas as suas expressividades faciais
- Já passou… Tu reconstruíste a tua
vida, e eu estou a tentar fazer o mesmo com a minha, e além disso… - ela voltou
a olhá-lo no fundo os olhos, que estavam praticamente em cima dos seus, de
maneira a que não lhe escapasse minimamente nada, que nem a visão ardilosa de um
predador… contudo, a conclusão de uma mentira cruel, mas necessária, estava
prestes a ser expelida pela jovem Joana
- Além disso… - incentivou-a a
continuar, numa dúvida e impertinência constante, que captaram todos os seus
cinco sentidos em redor de todas as explicações que ainda pudesse ouvir
- Já não havia encantamento, nem
fascinação entre nós…
- Não digas isso, Joana… Isso é
mentira! – negou prontamente, sem ter a necessidade de reflectir uma única vez
sobre a mentira impiedosa que escutava
- É verdade… Pelo menos da minha parte!
– arrogou assertivamente à sua única vontade desmedida de o continuar a proteger, nem que fosse na
pregação da mentira mais dolorosa que alguma vez ditara na sua vida, e sem mais
rodeios, concluiu o enredo aclamatório que a obrigava a suster uma figura
austera e fictícia – Não havia mais nada que me deixasse ligada a ti… Já não
havia paixão!
- Já não havia paixão? – a
interrogativa estrangulada pela radiação de um olhar prestes a provar o sabor
salgado das lágrimas, denunciou-lhe todo o espanto pelo que julgara ter
alucinado ouvir – Como é que podes sequer, dizer uma coisa dessas? Como? – o
seu punho cerrado foi de imediato ao encontro da porta do carro, que numa
eclosão estremada atemorizou a figura frágil e insegura de Joana, que ainda
continuava submetida à prisão e encurralamento do corpo dele ao seu – Não
mintas!… Eu consigo ler os teus olhos, e eles dizem-me que estás a mentir com
quantos dentes tens na boca!
- Não tornes as coisas ainda mais
difíceis do que elas já estão, por favor… - implorou educadamente, disposta a
encerrar definitivamente um passado que não iria de todo ser mudado, e já na
cedência de um vale de lágrimas, que sorrateiramente se crispava dos olhos
raiados pela culpa de todo aquele sofrimento
- Recuso-me a acreditar que o que tivemos
não passou de um erro! – contra-atacou num mais elevado tom, enquanto a sua
caixa torácica aumentava e diminuía de corpulência dentro do peito, de maneira
totalmente descoordenada, como facturada pela loucura – O jeito que me olhavas,
como me beijavas… A maneira como fazias amor comigo… Não, não! Isso não foi uma
mentira!
- Tu pediste-me uma justificação, e eu
dei-ta… - uma por uma, deglutiu dolorosamente as lágrimas que ficaram retidas
no aperto estrangulado pelo nó que se havia formado na sua garganta… nunca
sentira aquele mal-estar que se opunha a toda a educação que recebera, mas que
para aquela situação teve que por bem de parte, pois a mulher que se postava
lealmente do lado da verdade, naquele momento deixara simplesmente de existir
- Eu continuo a não acreditar no que
dizes… Mas então é assim que queres, não é? Tu dizes-me que foi tudo um engano,
e ficamos por aqui…? – mais arrasado do que nunca por ser confrontado pelas
palavras que o atiraram de rastos a asfalto, Ruben sentia-se ridiculamente
magoado, e até mais que isso... sentia-se apanhado à traição, por quem mais
amou
- Sim… Ficamos por aqui! – assentiu,
não mais disposta a voltar com a sua palavra irredutível atrás, ciente em
impelir o passado de ambos que parecera ter chegado a um fim afligido, para
trás das costas, sem mais nada a acrescentar – Agora deixa-me ir embora…
Ruben dissimulou não ouvir o pedido e
deixou-se ficar exactamente na mesma posição… De mãos travadas junto do carro e
de cada lado do corpo dela, impedindo-lhe a fuga mais que aguardada.
Perdurou algum tempo a olhá-la nos
olhos, esperançoso de ouvir uma contradição de discurso e um novo fundamento de
resposta, mas Joana continuava decidida em manter a sua inicial posição.
Foi obrigado a ceder pelos factos e
evidencias, que aparentemente estavam contra si… no fundo contra eles, e em
jeito de forçada desistência, afastou-se, dando-lhe a liberdade que ela lhe
pedira.
-Felicidades para os dois! –
proferiu num desejo carregado de suplício, enquanto a passo ligeiro recuava,
mas sempre fitando-o na orbita central de um mundo agora só seu, e desceu os
óculos de sol até assentarem na cana do nariz, pois não tardava e um choro
soluçante iria tomar conta de si durante as próximas horas – …TÁXI! – gritou,
instantes depois de ter virado costas e atravessando a rua apressadamente,
erguendo o braço aprimorado no ar, procurando o meio mais rápido e que
inegavelmente lhe havia caído do céu para sair dali o quanto antes
- Burro, burro…! – censurou-se num
rosnar enraivecido, consciencioso de que encerrara da forma mais drástica o
último capítulo de uma história que embora tendo mais folhas para ser
continuada, o desfecho era incontornável
Permaneceu hirto a vê-la partir no táxi
que a levara para longe sobre o asfalto que se desvanecia pelo horizonte.
Num movimento habitual e instintivo, de
olhar para o chão aquando plantara o primeiro passo adiante para regressar ao
interior do edifício, o reflexo de uma luz fulgurante, apelou toda a sua
atenção. Agachou-se movido pela curiosidade, e logo que tomou o pequeno objecto
de ouro e metal nas suas mãos, a memória encarregou-se de lhe afortunar as mais
profundas recordações. Talvez tivesse caído no meio da discussão, sem Joana ter
dado por isso, mas que agora indiscutivelmente, estava bem firme na palma da sua
mão. E quiçá, nem tudo estivesse perdido… Talvez o futuro tivesse reservado
algumas surpresas inesperadas, capazes de acarretar mais umas quantas
reviravoltas naquelas duas vidas… Talvez até aquele objecto fosse a chave para
um caminho nunca mais percorrido…
***
Joana regressou a casa consideráveis
minutos depois, ainda lavada em lágrimas que despojara silenciosamente durante
toda a viagem de táxi, e que agora a sua alma se impusera a reter-lhe. Entrou
discretamente para que não fosse abordada por ninguém, mas ainda abastada na entrada
principal, o seu anseio acabara por não se verificar.
- Boa tarde, menina Joana! – saudou-a o
seu querido mordomo ao cruzar-lhe o caminho, no seu tom amistoso habitual
- Olá, Leonardo… - proferiu
melancolicamente, não travando o seu marchar direccionado ao seu quarto no piso
superior, e arrancando um sorrisinho triste que acabou por ser reflectido pelos
seus lábios
- Está tudo bem, menina? – inquiriu-a
do fundo das escadas meio confuso, notando-a evidentemente cabisbaixa, e
olhando-a já no topo de toda aquela escadaria
- Sim, está… - omitiu-lhe na salvaguarda
de mais justificações, e travando o corpo pela primeira vez de modo a olhá-lo –
Se ligarem… Se perguntarem por mim, diz que eu não estou… Não quero ver
ninguém!
- Mas porquê, menina? Passasse alguma
coisa de errado?
- Eu só quero ficar algum tempo
sozinha, Leonardo… Não me faças mais perguntas, por favor! – sem lhe dizer o
que ainda fosse, retomou o seu caminho que apenas foi findado assim que se
clausulou entre as quatro paredes que somente a si pertenciam
Depois
de pouco tempo estendida sobre a cama, ergueu o tronco do colchão e lembrou-se
de algo que reservara ali, naquele seu mundo, durante todo o tempo que estivera
fora. Levantou-se e acercou-se do roupeiro… “se
não mexeram nem mudaram as coisas de sítio, ainda deve estar onde a deixei!” equacionou
ela mentalmente. Abriu a última porta da sua esquerda e vasculhou, por debaixo
dos lençóis perfumados a lavanda e num espacinho mínimo, lá se encontrava
intocável a caixinha de música que o seu avô lhe oferecera quando teve a sua
primeira aula de ballet, com apenas
cinco anos de idade. Rodou a pequena chave e abriu-a com todo o cuidado, como
se de uma peça de porcelana se tratasse. A bailarina presa penas por um pé em
ponta, girava sobre o seu eixo à delicadeza de cada acorde da melodia acústica
que soava e embalava o coraçãozinho apertado, de Joana.
Sentou-se
à beira da cama e num canto da caixa bem dobradinha a quatro voltas, estava
aquilo que pretendia encontrar: a única fotografia que tinha ao lado de Rúben,
enquanto casal. Ela sorria com extrema felicidade para a objectiva, enquanto
ele lhe beijava a bochecha com toda a delicadeza do mundo… Sem dúvida que fora
aquele um dos dias mais memoráveis a que a sua vida já se expusera. Voltou a
deitar-se e a encurvar-se sobre o próprio corpo, quanto com a fotografia
escondida abaixo da almofada de cabeceira, deixavam impelir lágrimas
silenciosas de um choro miúdo e veridicamente controlado.
- Menina
Joana… - os dois toques com os nós das mãos do mordomo na porta, arrancaram-na
abruptamente da estabilidade das relembranças mais longínquas – Menina…
- Eu
disse que não queria ver ninguém, Leonardo… – relembrou numa expiração pesada,
mas que acabou por ser contradita, ao lhe aceder permissão assim que enxugou as
últimas lágrimas que lhe rasgaram o rosto como lâminas, e colocando o seu corpo
numa postura mais recomposta e senhoril – … mas entra!
- Com
licença! – pediu com a extrema educação que desde sempre portara e encostando a
porta atrás de si, logo que entrou – Trouxe-lhe um chá, pensei que pudesse
fazer bem… Não repara corações, mas pelo menos aquece-nos a alma.
- Oh,
não era preciso teres-te dado a esse trabalho, mas obrigada… – num simplório
trejeito que direccionou com o braço, apontou para a mesinha de cabeceira, onde
ele acabou por pousar o tabuleiro com o bule, o pequeno açucareiro e uma
chávena – E como é que tu…?
- Não precisa
de me dizer quando está triste e mais em baixo… Consigo aperceber-me disso, só
de olhar os seus olhos! – sorriu compreensivamente, como aquele que a conhecia
melhor que ninguém – Vai precisar de mais alguma coisa?
- Não,
querido Leonardo… Fico bem assim, obrigada! – agradeceu-lhe num sorriso de
meninice, vertendo uma pequena porção de chá que ela preferia tomar sem
qualquer adoçante – Hoje sais mais cedo, já passa da tua hora…
- Sim,
eu sei…! Vim apenas trazer-lhe o chá e ver como estava! A minha Rosa deixou o
jantar adiantado para que mais daqui pouco a Maria o sirva, e a sua avó já me deu
condescendimento para me ir embora…
- Então
do que estás à espera? – indagou por entre os breves sopros que expelia contra
a bebida escaldada e fumegante, que segurava entre as mãos – Vai para casa
descansar… Vai para junto da tua mulher!
Ele mais
nada fez, do que lhe sorrir amavelmente e olhá-la embelecido! Era esta a menina
que desde bebé ajudara a criar, uma menina doce, extremamente afável e de
palavras delicadas… Uma menina que se havia tornado uma mulher de atitudes e
valores, e por sua vez uma mulher que por fora lhe parecia tão inatacável, mas
por dentro – e numa perspectiva transparente - tão temerosa e frágil.
-
Primeiro ainda tenho que saber como a menina está… Como lhe correu o dia? –
afirmou numa ignorância impertinente, que era imposta em todo o não saber, do
dia intransigente e doloroso que tinha vitimado a sua pequena Joana
- Eu
estou bem… E o meu dia, hum… Correu normalmente! – respondeu-lhe hesitante num
molestado encolher de ombros, sem sequer pensar no erro fulcral a que se
impingira e que a denunciava como um rápido pestanejar, quando encolheu os
ombros e fitou outro ponto que não fosse a pessoa em questão para quem estaria
a falar… era sempre este o jeito que Joana desde cedo se habituara a utilizar,
sempre que queria fugir a algum assunto que não lhe convinha
- Hum,
hum! – deambulou a cabeça vagarosamente de modo afirmativo, de mãos cruzadas
atrás das costas, exibindo assim toda a farda negra formal, que elegante e
charmosamente, lhe assentava – Desta vez, mas só desta vez… Vou fingir que
acredito naquilo que está a dizer!
- Oh…
Que queres que te diga, Leonardo? Apenas me limitei a responder-te
sinceramente, àquilo que querias saber! – contrapôs rapidamente, tentando
demolir todas as ideias que se podiam estar a formar na cabeça do seu querido
mordomo… o seu eterno confidente
Leonardo
decifrou-lhe a efervescência que domava todos os pequenos jeitos que o corpo
dela reproduzia… Desde ao olhar tumultuário que tomara o interior da chávena
ainda cheia pelo chá, onde tomou pousio… Desde a perna entrelaçada acima da
outra que balouçava de modo irrequieto, e do silêncio que acabara por
adoptá-la.
Estava
disposto a acarretar o pedido de Joana, ir embora e deixá-la sozinha… Deixá-la
sossegada no seu canto a debater-se interiormente, mas foi quando já pronto
para a abandonar, que ao olhar acima do seu ombro direito, as suas ideias se
inverteram totalmente.
- Foi
ele, não foi? – perquiriu num assalto de
voz benevolente e olhar aplaco, direccionado à postura amortecida dela
- Não
percebi… - vergou miseramente a cabeça para o lado, tentando deslindar a
impropera que Leonardo demandou de laçada, não lhe dando a ponta de um fio
condutor à conversa
- É por
causa do menino Ruben que está assim… Esteve com ele hoje, não esteve? –
declarou com a sagacidade de quem desde o início esteve a par de tudo entre o
ex-casal, pois Joana desde sempre lhe confiara a vida, e este era um segredo
que teve a pujança de partilhar apenas com ele
- Como…
Como é que sabes? – ficou abismada com a perspicuidade que o seu mordomo
acolhera, ao lhe ter adivinhado o fundamento causador de tanto distúrbio e
exaustão em que estava irremediavelmente enovelada
- A vossa fotografia… Tem-na aí debaixo da almofada! –
voltou-se e apontou para a fotografia, desvendada por apenas um pedaço, com um
leve aceno de olhar que desenredou o motivo da sua pergunta inicial – As
saudades apertaram…
- Ai, Leonardo! – praguejou em tom trémulo, levantando-se
num pulo habilidoso e dirigindo-se até à porta do quarto voltando-lhe as
costas, no intuito de esconder o seu rosto desalentado e manter os dois corpos
confortavelmente distanciados – Não existe saudade nenhuma!
- Quem foi que falou agora?… A razão, ou o seu coração? –
aquela afectuosidade e bem conhecer que impunha no seu discurso, foram
suficientemente abruptas para tocarem a alma trépida dela, a fazê-la latejar
duas lágrimas anafadas que ao percorrerem todo o propenso do rosto, lhe
dissiparam na brecha dos lábios selados – Disse o que sentiu, ou o que acha que
é certo sentir?
- Eu já não acho nada… Eu já não sei nada! – bradou em
timbre controlado, revelado pelo desespero e impasse que a cada minuto
passeante do relógio a perpetuava – E não quero falar mais sobre esse assunto!
- Lembre-se que eu lhe cheguei a mudar muitas fraldas,
que a conheço desde que nasceu… Pode cair no equívoco de se tentar enganar a si
mesma, mas não tente enganar-me a mim! – a genuinidade com que ditou cada
palavra saiu-lhe ainda mais serena com a postura paternal que naquele instante
o governou
- Ai… - soltou num suspiro intenso, remetendo-se à
escuridão que as pálpebras dos seus olhos cerraram num descaimento de pura
desistência – Ainda só há uma dúzia de dias voltei e parece que o meu mundo já
virou ponta de cabeceira… Como o David costuma dizer!
- Venha cá, sente-se aqui… - pediu-lhe docilmente,
tentando fazê-la deslocar-se até ao beiral da cama – Agora com calma, fale
comigo… Diga-me o que aconteceu…
- Aconteceu tudo o que não poderia ter acontecido… Tudo o
que rezei para que nunca viesse acontecer! – desabafou tomando o lugar vago
junto de Leonardo, que exasperava por uma resposta mais condescendente e
clareada dela – Estivemos juntos no Salão de Beleza da Dona Anabela e… Ele
tratou-me mal, fez-me sentir mal… Está muito ressentido comigo!
- Mas isso é natural… Passou-se muito tempo desde então,
é compreensível que o menino Ruben reaja menos bem ao seu regresso, quando
pensava que nunca mais a voltaria a ver! – a acentuada experiência dos seus
cinquenta e poucos anos, permitiu-lhe expor as evidências dos actos soturnos
que Ruben, tomara naquela tarde – Vai ter que lhe dar tempo…
- Eu compreendo-o, juro que o compreendo! Mas mesmo
assim, ele não tinha o direito de me julgar pelo que fosse, quando não tinha em
mãos verdadeiros motivos para o fazer!
- Não tem motivo, porque a menina nunca lho chegou a dar!
- Nunca lho dei porque não o pude fazer, Leonardo! Ainda
para mais, menti-lhe… Disse que me tinha ido embora porque o sentimento tinha
desaparecido entre nós… – desabafou em ânimo pesar, conectando a malvadez do
seu acto insensivelmente injusto mas necessário – Sei que fui incorrecta, mas
não havia outra maneira de pôr um ponto final em tudo!
- Há sempre uma outra maneira, um outro jeito de
esclarecermos os mal-entendidos… É aquele de optarmos pelo caminho da verdade!
- Não, Leonardo! Temo que neste caso não seja tão simples
assim… Por mais que queira, não lhe posso contar porque razão me fui embora e o
deixei…
- Porquê? Tenho a certeza que se lhe explicar tudo com
calma, ele vai compreender os seus motivos… – tornou a insistir, vendo-a
deitar-se na cama e encolhendo o corpo, tomando as coxas dele, como moradia de
travesseiro para pousar a cabeça… tal como fazia em pequena, quando costumava
desabafar o que lhe ia na alma, com ele
- O passado é de pedra e por mais que o queiramos
demover… Já mais iremos conseguir mudá-lo! – ressentiu-se em sacrilégio às
próprias falhas que terá cometido no pretérito, deixando que os dedos
grosseiros do mordomo lhe acalentassem os canudos mais rebeldes, do cabelo
solto – Ele agora vai casar… Tenho a certeza que está feliz!
- E a menina… Está feliz?
- Não sei… Acho que ainda não! Mas espero em vir a
tornar-me!
- O que é que sentiu, quando o voltou a ver? – voltou ele
à maré de frases terminadas com um enorme ponto de interrogação, apenas na
esperança de conseguir vir esclarecer as impetuosas dúvidas que abraçavam a
insegurança de Joana – Não sentiu aquele friozinho na barriga?
Aquele comentário fê-la soltar que gargalhadinha suave…
Sim, de facto até sentiu bem mais que um simples friozinho na barriga! Sentiu a
nostalgia a levitar-lhe a alma… Sentiu as maçãs do rosto em brasa e o pequeno
coração a estilhaçar o degelo que o envolvia e a aquecer de novo… Muito
solenemente. Mas o sentimento que aprendera a apagar ao longo dos últimos
meses, estava de novo atabalhoado… impreciso e naquele momento, nunca Joana se
sentira tão desamparada, tão confusa e tão sem norte… Mas desse por onde desse,
teria que dissecar tudo o que ainda pudesse restar daquele… Amor sem jeito.
- Como tu disseste, passou muito tempo! Quando o vejo, já
não é suposto sentir nada, não é?
- Não sei… A isso é a menina que tem de responder, mais
ninguém! – não conseguiu ficar indiferente à magistralidade daquelas palavras
saídas dos lábios dela, e que tinham mais para revelar, do que pudessem
parecer… e isso reflectiu-se num sorriso encantador que lhe corcovou cada quina
da boca
- Tenho medo, Leonardo… Nunca pensei em vir dizer isto,
mas a verdade é tenho muito medo!… - devaneou após alguns ápices em integral
silêncio, erguendo a cabeça das pernas do seu querido mordomo, apoiando-se com
as duas mãos sobre o colchão e procurando-lhe a carência do olhar
- Medo de quê?… - informou-se com afinidade, arrastando
as madeixas longas do cabelo que lhe escondiam um meio do rosto, para trás da
orelha
- Tudo o que há no Ruben me faz apaixonar… De novo! E é
disso que eu tenho medo… Medo de voltar a amá-lo ainda mais, do que alguma vez o
amei… - desabafou num véu de nostalgia a embrenhar-lhe cada palavra, que
custava tanto a ser ditada, como a ser entendida
- E o que é que sentiu, ao vê-lo ao lado de outra mulher?
- Não sei bem… Mas foi estranho! Ainda para mais, essa
mulher é a Inês… a Inês que desde sempre esteve a meu lado em todos os
momentos, que me apoio e que eu traí, assim que parti no primeiro voo!
- E isso não muda nada?
- Pelo contrário… Acho que muda tudo! – afirmou num rasgo
de incerteza praticamente dissipada, enquanto levemente alçava o corpo e o
colocava na mesma posição do de Leonardo, sentado fielmente a seu lado – Foi
tão estranho e embaraçoso ao mesmo tempo, vê-lo agarrado a ela, trata-la com
nomes que um dia me apelidou e discutiram projectos futuros como o casamento e a
chegada de filhos! Senti-me tão mal, Leonardo, como se fosse “a outra”…
- Sabia que esse tipo de sensações de que a menina foi
alvo, nesses momentos, pode significar uma coisa…? – insinuou com a sapiência
sensata, da testemunha fidedigna aquele amor proibido, que ele mesmo um dia
representara
- Que é o quê? – perguntou, num alento bafejado pela fé
de um dia poder vir encontrar todas as respostas necessárias, àquele dilema que
teimava em assombrar a sua vida
- Por tudo isso que sentiu, é provável que o sentimento
que a unia a ele, não tenha desaparecido na totalidade… Talvez até esteja aí
num cantinho bem recatado do seu coração! – um sorriso fraternal e altamente
sincero foi esboçado nos seus lábios, ao instante em que os seus olhos
abrigavam os dela nas palavras que já ambos conheciam – Talvez o vosso amor não
tenha tido tempo nem de olhar para desaparecer… Ele pode estar apenas…
adormecido!
Boa noite, queridas leitoras! :)
Antes demais, quero desculpar-me pela imensa demora em deixar-vos com mais um capítulo, mas como já tinha referido no post anterior, o tempo não é muito e agora com a escola, temo que a situação não venha a melhorar! :(
No entanto, aqui fica um novo capítulo que espero que gostem, e não se esqueçam de deixar os vossos comentários!:)
Logo assim que puder, prometo deixar-vos com novas notícias!
Beijinhos a todas,
Joana ♥